Tempo de Eleições,
Tempo de Ilusões
Nildo Viana
As
eleições são "armadilhas para tolos", já se disse. E existem tolos em
todos os lugares e com as mais diversas ideologias. O que nos surpreende é
existirem "tolos revolucionários'", se me permitem o excesso de
aspas. É devido a isto que iremos fazer algumas considerações sobre o fenômeno
eleitoral e a esquerda revolucionária.
O
capitalismo é o mais complexo modo de produção que a humanidade criou. A
burguesia, para sustentar sua dominação e reproduzir as relações de produção
capitalistas, precisou criar um conjunto de instituições burguesas sob o
comando do Estado Capitalista. A democracia burguesa (com seu sistema eleitoral
e partidário) é uma destas instituições e é através dela que se busca legitimar
a mais poderosa instituição burguesa: o estado capitalista.
A
esquerda revolucionária já denunciou o caráter burguês e manipulatório da
democracia representativa. Mas ela é tão eficaz que conseguiu corromper grande
parte das organizações "ditas" de esquerda. A capitulação da
pseudo-esquerda foi justificada ideologicamente por Berstein, Kautsky, Gramsci,
entre muitos outros. A crítica radical à democracia burguesa foi realizada por
Sorel, Bordiga, Pannekoek, entre outros. Sartre demonstrou que compreendeu o
seu significado quando escreveu um artigo intitulado "Eleições: Armadilha
para Tolos".
Deixemos,
por um momento, as eleições e a democracia burguesa para os tolos e façamos uma
crítica da pseudo-esquerda. Se a pseudo-esquerda, com sua ignorância total, não
percebe que a crítica à direita está implícita na crítica das instituições
burguesas e que a crítica à pseudo-esquerda se faz necessária devido sua
influência nos movimentos sociais e por isto também é preciso nomeá-la, é
devido ao fato de sua visão só consegue chegar até as fronteiras da sociedade
burguesa e da sua democracia. A pseudo-esquerda quer que a esquerda
revolucionária critique os partidos de direita e não percebe que isto é função
dela, devido ao fato de sua integração no capitalismo e abandono do projeto
revolucionário, que faz com que ela se oponha a partidos que são seus
adversários eleitorais. Assim, a luta de classes se transforma em luta de
partidos, a luta pela derrubada das instituições burguesas torna-se uma luta
pela conquista destas instituições, o ataque às relações de produção
capitalistas (cuja expressão jurídica se encontra na propriedade privada) é substituído
pelo ataque a indivíduos e partidos. Basta olhar a prática dos diversos
partidos da pseudo-esquerda no processo eleitoral para ver esta verdade
cristalina. A pseudo-esquerda, assim, executa o papel que a burguesia lhe
reservou: legitimar a democracia burguesa e, conseqüentemente, o estado e a
sociedade capitalista.
Infelizmente, a pseudo-esquerda acaba convencendo
pessoas bem intencionadas e não corrompidas a participarem deste processo. Este
convencimento não ocorre devido à capacidade argumentativa e teórica de seus
representantes ideológicos e sim graças à correspondência entre o discurso da pseudo-esquerda
e o conjunto de valores e sentimentos produzidos e reproduzidos pela sociedade
capitalista. Nisso a pseudo-esquerda (tanto a social-democrata quanto a
bolchevista) e a direita assumida são idênticas, pois a mesma estrutura de
argumentos é utilizada. O paraíso só depois da morte e por isso sejamos servos
bem comportados esperando aquele esqueleto vestido de negro com sua foice para
nos levar para o caixão conviver com os vermes a as minhocas. Ela só esquece de
nos avisar que já convivemos com vermes e minhocas...
O que a esquerda revolucionária deve fazer em relação
a isto? Buscar combater a ideologia pseudo-esquerda e desfazer seu domínio
sobre tais pessoas. Destruir a ideologia eleitoral como ponto de partida para
destruir sua base, a mentalidade burguesa. Muitos poderão superar estas ilusões
e juntar-se à luta revolucionária.
Voltemos ao processo eleitoral. Estamos vivendo mais
um ano eleitoral. O que predomina na vida política, como em todos os outros
anos eleitorais, é a demagogia, as promessas irrealizáveis e, principalmente,
as ilusões. Sem dúvida, a época das eleições é a época das ilusões. Mas onde existem
ilusões existem os iludidos e estes últimos só existem havendo aqueles que
iludem. Quem são estes? São os políticos profissionais, aqueles que vivem da
política.
Eles iludem grande parte da população através dos mais
variados artifícios e subterfúgios. A pseudo-esquerda reproduz tal processo de
produção de ilusões. Em tempos de eleições presidenciais e para senado e câmara
federal, eles criam uma causa de todos os males para servir de objeto de
ataque: a inflação, a corrupção, o imperialismo, etc. Ao lado disso, e
complementarmente, acusam os adversários eleitorais de conivência ou produtor
da causa. Vejamos um exemplo, o da corrupção.
Segundo o discurso de muitos políticos profissionais,
o problema do Brasil é a corrupção. Ela seria a causa de todos os males do
país. O discurso de Fernando Collor, então candidato a presidência da
república, era contra os "marajás", contra a corrupção. Foi eleito e
depois foi retirado do cargo pelos seus adversários e pelas manifestações
populares, devido à corrupção...
Entretanto, ninguém se levantou contra a corrupção
oculta ocorrida durante a ditadura militar ou a de partidos e pessoas que
dirigem "movimentos pela ética na política", nos movimentos sociais
(inclusive intitulados de "extrema-esquerda"...). O problema do
Brasil, evidentemente, não é a corrupção, e a superação desta não ocorrerá sem
a simultânea abolição das relações sociais que a produz e reproduz.
Assim, é necessário, inicialmente, compreendermos o
que é a corrupção. Ela não é a ação maldosa de alguns indivíduos malignos, pois
não é o corrupto que cria a corrupção e sim a corrupção que cria o corrupto. A
corrupção é uma relação social produzida por uma sociedade competitiva,
mercantil e burocrática e que se espalha por todas as instituições e relações
sociais existentes. Portanto, a simples troca de corruptos (tanto faz se é
Collor, Lula, Brizola, Maluf, Itamar Franco, etc.) não muda nada. O que é
preciso é abolir a corrupção e esta não pode ser abolida sem a transformação
radical da sociedade que a produz.
Seria necessário aqui discutir o problema da corrupção
no seio da pseudo-esquerda, que é reforçada com sua participação no processo
eleitoral. As próprias organizações partidárias, que reproduzem o caráter
mercantil, burocrático e competitivo da sociedade burguesa, são uma poderosa
fonte de corrupção dos seus integrantes e, devido sua influência na sociedade,
dos movimentos sociais. Ora, participando do processo eleitoral e conquistando
cargos, o processo de corrupção irá crescer assustadoramente. Historicamente
todos sabem que a social-democracia se torna cada vez mais conservadora quanto
mais conquista vitórias eleitorais. Esta é uma tendência que não possui
contra-tendências, pois as dissidências internas sempre são derrotadas e a
pressão popular nunca tem efeito. O bolchevismo, por sua vez, quando consegue
espaços no parlamento ou poder executivo, logo se transforma em social-democracia
com discurso mais extravagante.
A corrupção atinge não só a pseudo-esquerda, mas
também membros das classes exploradas que atuam em movimentos sociais. Eles são
cooptados pelos partidos da direita ou da pseudo-esquerda, pois trazem retorno
eleitoral.
Notem que tudo isso serve ao propósito da reprodução
da sociedade capitalista, pois provocam um amortecimento da luta de classes.
Cria-se uma corrupção geral de indivíduos, partidos, grupos, etc., e, o que é
pior, inclusive ligados organicamente às classes exploradas e que fazem
discurso para elas.
Tomamos aqui o exemplo da corrupção, tema dos
políticos profissionais para ganhar votos, mas tratado de forma falsa. O
problema da corrupção é apresentado de forma falsa e assim se desvia da sua
real fonte, uma sociedade fundamentada na sua produção e reprodução constante,
e das questões mais importantes.
A época de eleições vem acompanhada pelas promessas
irrealizáveis, pois não basta apontar o problema, é preciso criar a ilusão da
solução. A corrupção será abolida? É o que dizem os corruptos...
Quando se trata de eleições para governador ou
prefeito e vereadores, as promessas são mais modestas, mas continuam
irrealizáveis... Certa feita, um candidato a prefeito prometeu "piscinas
populares" para a periferia da cidade... sofreu impeachment logo depois
de assumir o cargo de prefeito... um candidato a governador prometeu um metrô
de superfície para a capital do estado e depois de quatro anos de mandato
ninguém viu metrô nenhum... agora tem candidato prometendo "farmácia
cidadã", que irá distribuir remédios gratuitamente... serviço policial por
toda a cidade com helicópteros e toda uma parafernália junto... serviço de
ambulância gratuito para toda a população carente... mas a pseudo-esquerda
também não fica atrás: prometem um "governo dos trabalhadores" numa
cidade capitalista...
Mas parafraseando Marx, a crítica das ilusões não vem
para fazer com que os seres humanos agüentem seus sofrimentos sem ilusões e sim
para que reconheçam a realidade tal como ela é e assim possam buscar
transformá-la e retomar assim, a ação e a esperança. A corrupção, por exemplo,
não pode ser abolida sem a transformação radical da sociedade que a produz.
Então devemos deixar a corrupção de lado e lutar pela transformação social? Não
devemos ficar esperando a instauração da autogestão social para superarmos a
corrupção. Devemos articular a luta pela autogestão com a luta contra a
corrupção. Embora a abolição da corrupção não possa ocorrer sob o capitalismo,
é necessário combatê-la. É preciso combatê-la nas nossas próprias relações
sociais, no interior da própria organização revolucionária, e também nos
movimentos sociais. Além disso, é preciso elaborar estratégias para limitar a
corrupção e estas devem ter como base a democratização e fiscalização das
instituições burguesas pelas classes exploradas, além da formação de centros de
contra-poder e da auto-organização das classes exploradas. Isto, obviamente,
para reforçar a luta pela revolução autogestionária. O processo eleitoral, por
sua vez, é outra ilusão que deve ser combatida. Ao reconhecermos que o processo
eleitoral não provocará nenhuma mudança na vida do proletariado e outros grupos
e classes sociais oprimidos, é necessário colocarmos que é preciso, em primeiro
lugar, negá-lo, e, em segundo lugar, apresentar um projeto alternativo. A
negação do sistema eleitoral se dá através de algumas ações que buscam corroer
sua eficácia, no qual se destaca a estratégia da propaganda pelo voto nulo. O
projeto alternativo é a participação direta nos movimentos sociais, buscando
democratizar todas as relações sociais e criar a auto-organização dos trabalhadores,
estudantes, etc. (sem a tutela dos partidos políticos), visando a transformação
social e a instituição de uma sociedade autogerida.
Artigo publicado
originalmente em Revista Enfrentamento, num. 01, jul./dez. 2006.
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