PSICANÁLISE DA
ILUSÃO ELEITORAL 02:
A MANIPULAÇÃO DO
MEDO
Nildo Viana
Temos uma escolha. Fugir em pânico ante a iminência do desmoronamento das nossas estruturas; acovardar-nos com a perda dos portos conhecidos; ficar paralisados, inertes e apáticos. Fazendo isso, estamos abrindo mão da oportunidade da formação do futuro. Estamos negando a característica mais distintiva do ser humano – influenciar a evolução do meio do reconhecimento consciente – , capitulando frente à força destrutiva e cega da história, desistindo de moldar uma sociedade futura mais justa e mais humana. Ou será que devemos lançar mão de toda coragem necessária para preservar nossos sentimentos, nossa consciência e responsabilidade ante a mudança radical? Participar conscientemente, mesmo em pequena escala, da formação da nova sociedade? Espero que esta seja a escolha, pois nela baseio minha dissertação.Rollo May
O medo é um sentimento humano normal e comum. Em certos
momentos ele pode ser exagerado, quando ocorre processos sociais determinados
que geram uma generalização ou intensificação do medo, ou, em casos
individuais, quando há desequilíbrio psíquico. O processo eleitoral é um jogo no
qual os jogadores (partidos, candidatos, etc.) fazem de tudo para ganhar o
mesmo, inclusive passando por cima das próprias regras. Dentre as diversas
formas de tentar conseguir votos e retirar dos adversários está a manipulação do
medo.
A manipulação do medo assume várias formas. Uma das formas é
criar relações para atribuir medo. Usa um sentimento relativamente comum, que é
o medo do desconhecido, do estrangeiro, do diferente, e cria uma relação com
o(s) adversário(s). Assim é que logo se relaciona o adversário com o “fascismo”,
o “comunismo”, etc. Na história das eleições no Brasil, esse procedimento foi
utilizado de forma sistemática pela candidatura de José Serra contra a de Luíz
Inácio Lula da Silva. A atriz Regina Duarte aparecia no programa eleitoral e
chamadas do PSDB falando que temia a volta da inflação, o fim da estabilidade
conquistada pelo governo tucano, do candidato oposto, etc.
[Para desativar a música da Rádio Germinal, vá até o final do blog e aperte em pausa].
Agora, no atual processo eleitoral, a mesma manipulação é
realizada, só que agora invertida, é o PT que faz tal jogo com o PSDB. Ou seja,
usa o discurso do medo, afirmando que a estabilidade, os parcos programas
sociais, entre outras coisas, seriam perdidas caso o candidato adversário
ganhasse.
[Para desativar a música da Rádio Germinal, vá até o final do blog e aperte em pausa].
Obviamente que o discurso pode parecer convincente, mas é
geralmente falso. O interesse de qualquer partido e candidato é manter-se no
poder e isso pressupõe manter a governabilidade. Instabilidade financeira,
inflação, altas taxas de desemprego, etc., não é interesse de nenhum governo,
pois lhe retira apoio, legitimidade e possibilidade de manutenção no poder. Se
isso ocorre, é geralmente por causa de forças externas e independente da
vontade de cada governo (crise mundial, por exemplo). Tanto é que o medo de
Regina Duarte não foi comprovado. Da mesma forma, os programas sociais não seriam
retirados se dão retorno eleitoral, a não ser que a situação exija. Assim, de
qualquer forma, dificilmente há justificativa para o medo, pois não tende a ver
mudança fundamental nos elementos que se utilizam para balançar tal bandeira.
Isso pode ocorrer em alguns casos, quando há excesso de
incompetência ou quando o futuro governo tem realmente alguma grande diferença
programática e política com o atual. Não existe isso hoje, os dois partidos em
disputa são neoliberais e seguem as diretrizes do grande capital transnacional.
Basta recordar o protótipo do programa “bolsa família”, cuja origem é
neoliberal, foi gestado no Banco Mundial[1],
implantado pelo governo do PSDB e mantido com algumas poucas modificações pelo
governo do PT. Com o retorno eleitoral que ele já promoveu, nenhum governo o
jogaria na lata de lixo. O mesmo ocorre com diversas outras iniciativas
governamentais, o máximo que pode ocorrer é trocar algumas pessoas que estão na
gestão dos programas e é aí que está a verdadeira disputa. Claro está também que
muitos governos dizem ter realizado conquistas que, no fundo, é produto do desenvolvimento
capitalista (o uso de computadores e celulares, por exemplo, tanto é que se
espalhou por todo o mundo, mesmo em países muito mais pobres).
É sempre o partido governista que usa essa estratégia, pois
ela é conservadora (coloca a tendência a
piorar com um governo de outro partido e visa apenas conservar as supostas “conquistas”).
Isso pode ser reforçado por vínculos, práticas, rótulos, etc., atribuídas
(reais ou não) ao adversário.
A manipulação do medo, no entanto, não atinge todo o
eleitorado, mas somente parte, que se reconhecem nas supostas “conquistas”
(alguns são “convencidos”), os que obtiveram privilégios, os que pensam que
realmente pode piorar e atingi-los.
Isso acaba desviando da verdadeira questão: na verdade, quem
perderá pessoalmente é apenas os indivíduos com cargos, vantagens e privilégios
por estarem ligados ao bloco dominante expresso pelo partido no governo. Em
todo o processo eleitoral, o que se troca são as forças provisórias do bloco
dominante (indivíduos, partidos, grupos de interesses, etc.) e para esses,
realmente é necessário ter medo, pois vão perder algo, sem dúvida.
No atual caso brasileiro, além do jogo de interesses dos
componentes do bloco dominante, perdas reais podem ocorrer, mas isso muito mais
por causa da tendência do capitalismo mundial e da dinâmica do capitalismo
brasileiro do que por qualquer outra coisa. Sem dúvida, o ciclo de crescimento
está chegando ao fim e, ao ocorrer, vai gerar problemas e necessidade de
reajustes. As políticas estatais de assistência social tendem a diminuir, bem
como outros investimentos podem recuar,mas tanto faz quem será o governo,
nenhum dos dois partidos tem uma concepção e projeto alternativo ao
neoliberalismo e por conseguinte as diferenças são tão pequenas que até que
poderiam juntar e fariam juntos o mesmo mal que fariam separados.
A grande questão é que o medo gera retraimento e
conservadorismo. Por isso é necessário substituir o medo pela coragem, pelo
desafio. Ao invés de escolher entre ficar do jeito que está com algumas
promessas de poucas melhorias ou de supostas mudanças é preciso escolher a
utopia, a luta pelo que é realmente novo e radicalmente diferente. Escolher
entre ser um escravo com o dono X ou com o Y não é escolha. A única escolha
digna é abolir a escravidão, os escravos e os donos. Sonho irrealizável? Melhor
viver e lutar por um sonho irrealizável do que viver num pesadelo cotidiano e
constantemente renovado, recorrente[2].
Ao invés de medo e apoio à reprodução do mundo existente,
devemos recusar, nas urnas com o voto nulo, e na vida, com diversas ações e
lutas, para superar esse mundo que algumas pessoas ainda insistem em defender,
apesar de 1 em cada 7 seres humanos estar passando fome, da destruição ambiental
em escala mundial (e que pode se tornar irreversível), da superexploração da força
de trabalho, da miséria psíquica, sexual, cultural, e milhões de outras coisas
que poderiam ser elencadas e que são apoiadas e reforçadas por todos os
governos de todos os partidos (inclusive os da pseudoesquerda). O único caminho
é sair do discurso dominante e de suas supostas divergências, pois divergem
dentro da convergência da reprodução do capital e tudo que é derivado dele e
foi citado anteriormente. Medo? Do que deveriam ter medo não têm, pois só conseguem
ver o cotidiano, as coisas palpáveis, a vida medíocre e suas necessidades imediatas. Coragem?
Essa é necessária para mudar o mundo.
(Continua).
[2] E
para as pessoas, supostamente de “esquerda” que não entenderam que o projeto
autogestionário não está buscando carro, casa, comida, distribuição de renda,
salários elevados e sim abolição da pobreza em geral, relações sociais radicalmente
diferentes, abolição do salariato, do Estado, do capital. As discussões mesquinhas
sobre desenvolvimento econômico, salário, privilégios, renda, migalhas, entre
outras, são projeto do capital e para o capital, visando se reproduzir. Um mundo
novo é o que está contido no projeto autogestionário, o resto é ilusão e
mediocridade, tanto faz qual o governo que reproduzirá isso.
Aqui na UFSC, os profs ( muitos doutores ) defendem seus intersses mesquinho : salários, meritocracia, manipular as "massas"....
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