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terça-feira, 21 de outubro de 2014

PSICANÁLISE DA ILUSÃO ELEITORAL 02: A MANIPULAÇÃO DO MEDO



PSICANÁLISE DA ILUSÃO ELEITORAL 02:
A MANIPULAÇÃO DO MEDO

Nildo Viana

Temos uma escolha. Fugir em pânico ante a iminência do desmoronamento das nossas estruturas; acovardar-nos com a perda dos portos conhecidos; ficar paralisados, inertes e apáticos. Fazendo isso, estamos abrindo mão da oportunidade da formação do futuro. Estamos negando a característica mais distintiva do ser humano – influenciar a evolução do meio do reconhecimento consciente – , capitulando frente à força destrutiva e cega da história, desistindo de moldar uma sociedade futura mais justa e mais humana. Ou será que devemos lançar mão de toda coragem necessária para preservar nossos sentimentos, nossa consciência e responsabilidade ante a mudança radical? Participar conscientemente, mesmo em pequena escala, da formação da nova sociedade? Espero que esta seja a escolha, pois nela baseio minha dissertação.
Rollo May

O medo é um sentimento humano normal e comum. Em certos momentos ele pode ser exagerado, quando ocorre processos sociais determinados que geram uma generalização ou intensificação do medo, ou, em casos individuais, quando há desequilíbrio psíquico. O processo eleitoral é um jogo no qual os jogadores (partidos, candidatos, etc.) fazem de tudo para ganhar o mesmo, inclusive passando por cima das próprias regras. Dentre as diversas formas de tentar conseguir votos e retirar dos adversários está a manipulação do medo.

A manipulação do medo assume várias formas. Uma das formas é criar relações para atribuir medo. Usa um sentimento relativamente comum, que é o medo do desconhecido, do estrangeiro, do diferente, e cria uma relação com o(s) adversário(s). Assim é que logo se relaciona o adversário com o “fascismo”, o “comunismo”, etc. Na história das eleições no Brasil, esse procedimento foi utilizado de forma sistemática pela candidatura de José Serra contra a de Luíz Inácio Lula da Silva. A atriz Regina Duarte aparecia no programa eleitoral e chamadas do PSDB falando que temia a volta da inflação, o fim da estabilidade conquistada pelo governo tucano, do candidato oposto, etc.

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Agora, no atual processo eleitoral, a mesma manipulação é realizada, só que agora invertida, é o PT que faz tal jogo com o PSDB. Ou seja, usa o discurso do medo, afirmando que a estabilidade, os parcos programas sociais, entre outras coisas, seriam perdidas caso o candidato adversário ganhasse.


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Obviamente que o discurso pode parecer convincente, mas é geralmente falso. O interesse de qualquer partido e candidato é manter-se no poder e isso pressupõe manter a governabilidade. Instabilidade financeira, inflação, altas taxas de desemprego, etc., não é interesse de nenhum governo, pois lhe retira apoio, legitimidade e possibilidade de manutenção no poder. Se isso ocorre, é geralmente por causa de forças externas e independente da vontade de cada governo (crise mundial, por exemplo). Tanto é que o medo de Regina Duarte não foi comprovado. Da mesma forma, os programas sociais não seriam retirados se dão retorno eleitoral, a não ser que a situação exija. Assim, de qualquer forma, dificilmente há justificativa para o medo, pois não tende a ver mudança fundamental nos elementos que se utilizam para balançar tal bandeira.

Isso pode ocorrer em alguns casos, quando há excesso de incompetência ou quando o futuro governo tem realmente alguma grande diferença programática e política com o atual. Não existe isso hoje, os dois partidos em disputa são neoliberais e seguem as diretrizes do grande capital transnacional. Basta recordar o protótipo do programa “bolsa família”, cuja origem é neoliberal, foi gestado no Banco Mundial[1], implantado pelo governo do PSDB e mantido com algumas poucas modificações pelo governo do PT. Com o retorno eleitoral que ele já promoveu, nenhum governo o jogaria na lata de lixo. O mesmo ocorre com diversas outras iniciativas governamentais, o máximo que pode ocorrer é trocar algumas pessoas que estão na gestão dos programas e é aí que está a verdadeira disputa. Claro está também que muitos governos dizem ter realizado conquistas que, no fundo, é produto do desenvolvimento capitalista (o uso de computadores e celulares, por exemplo, tanto é que se espalhou por todo o mundo, mesmo em países muito mais pobres).

É sempre o partido governista que usa essa estratégia, pois ela é conservadora (coloca  a tendência a piorar com um governo de outro partido e visa apenas conservar as supostas “conquistas”). Isso pode ser reforçado por vínculos, práticas, rótulos, etc., atribuídas (reais ou não) ao adversário.

A manipulação do medo, no entanto, não atinge todo o eleitorado, mas somente parte, que se reconhecem nas supostas “conquistas” (alguns são “convencidos”), os que obtiveram privilégios, os que pensam que realmente pode piorar e atingi-los.

Isso acaba desviando da verdadeira questão: na verdade, quem perderá pessoalmente é apenas os indivíduos com cargos, vantagens e privilégios por estarem ligados ao bloco dominante expresso pelo partido no governo. Em todo o processo eleitoral, o que se troca são as forças provisórias do bloco dominante (indivíduos, partidos, grupos de interesses, etc.) e para esses, realmente é necessário ter medo, pois vão perder algo, sem dúvida.

No atual caso brasileiro, além do jogo de interesses dos componentes do bloco dominante, perdas reais podem ocorrer, mas isso muito mais por causa da tendência do capitalismo mundial e da dinâmica do capitalismo brasileiro do que por qualquer outra coisa. Sem dúvida, o ciclo de crescimento está chegando ao fim e, ao ocorrer, vai gerar problemas e necessidade de reajustes. As políticas estatais de assistência social tendem a diminuir, bem como outros investimentos podem recuar,mas tanto faz quem será o governo, nenhum dos dois partidos tem uma concepção e projeto alternativo ao neoliberalismo e por conseguinte as diferenças são tão pequenas que até que poderiam juntar e fariam juntos o mesmo mal que fariam separados.

A grande questão é que o medo gera retraimento e conservadorismo. Por isso é necessário substituir o medo pela coragem, pelo desafio. Ao invés de escolher entre ficar do jeito que está com algumas promessas de poucas melhorias ou de supostas mudanças é preciso escolher a utopia, a luta pelo que é realmente novo e radicalmente diferente. Escolher entre ser um escravo com o dono X ou com o Y não é escolha. A única escolha digna é abolir a escravidão, os escravos e os donos. Sonho irrealizável? Melhor viver e lutar por um sonho irrealizável do que viver num pesadelo cotidiano e constantemente renovado, recorrente[2].

Ao invés de medo e apoio à reprodução do mundo existente, devemos recusar, nas urnas com o voto nulo, e na vida, com diversas ações e lutas, para superar esse mundo que algumas pessoas ainda insistem em defender, apesar de 1 em cada 7 seres humanos estar passando fome, da destruição ambiental em escala mundial (e que pode se tornar irreversível), da superexploração da força de trabalho, da miséria psíquica, sexual, cultural, e milhões de outras coisas que poderiam ser elencadas e que são apoiadas e reforçadas por todos os governos de todos os partidos (inclusive os da pseudoesquerda). O único caminho é sair do discurso dominante e de suas supostas divergências, pois divergem dentro da convergência da reprodução do capital e tudo que é derivado dele e foi citado anteriormente. Medo? Do que deveriam ter medo não têm, pois só conseguem ver o cotidiano, as coisas palpáveis, a vida medíocre e suas necessidades imediatas. Coragem? Essa é necessária para mudar o mundo.

(Continua).





[2] E para as pessoas, supostamente de “esquerda” que não entenderam que o projeto autogestionário não está buscando carro, casa, comida, distribuição de renda, salários elevados e sim abolição da pobreza em geral, relações sociais radicalmente diferentes, abolição do salariato, do Estado, do capital. As discussões mesquinhas sobre desenvolvimento econômico, salário, privilégios, renda, migalhas, entre outras, são projeto do capital e para o capital, visando se reproduzir. Um mundo novo é o que está contido no projeto autogestionário, o resto é ilusão e mediocridade, tanto faz qual o governo que reproduzirá isso.

Um comentário:

  1. Aqui na UFSC, os profs ( muitos doutores ) defendem seus intersses mesquinho : salários, meritocracia, manipular as "massas"....

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