Eleições e Perspectivas:
Eterno retorno do mesmo ou transformação
social?
Nildo Viana
Resumo:
O presente artigo tematiza as
eleições e as perspectivas futuras a partir do quadro estabelecido a partir
delas. Nesse sentido, coloca a opção existente entre a reprodução das atuais
políticas, como determinadas possibilidades de variações, e a contestação da
população, corroendo as bases do poder político e abrindo a possibilidade da
transformação social. A conclusão do artigo é que será a luta de classes que
irá definir qual das duas tendências irá prevalecer.
Palavras-Chave: Tendências,
Estatismo, Autogestão, Luta de Classes, Utopia, Barbárie.
Abstract:
The present article has as subject the future elections and perspectives
from the situation established from them. From this, it places the existing
option enters the reproduction of the current politics, as determined
possibilities of variations, and the plea of the population, corroding the
bases of the power politician and opening the possibility of the social
transformation. The conclusion of the article is that it will be the class
struggles that will go to define which of the two trends will go to prevail.
Key-Words: Trends, Estatism, Self-management, Class Struggles, Utopia, Barbarism.
A política
institucional no Brasil contemporâneo é marcada por um marasmo, tal como no
último processo eleitoral. Nada de novo na frente eleitoral. Os partidos
programáticos praticamente deixaram de existir, o nacionalismo, ecologismo,
trabalhismo, social-democracia desaparecem sem deixar rastros. O que permaneceu
foi um conjunto de pequenos partidos ainda repetindo o moribundo leninismo sem
nenhuma inovação ou criatividade. Os partidos políticos atualmente são meros
reprodutores da ideologia pós-estruturalista, muitos sem saber disso, ou seja,
através da materialização da ideologia vigente em seu processo de popularização
e adaptação na esfera política.
Nesse quadro
caótico, houve um processo eleitoral que teve como temas de grandes “debates”
algumas questões pontuais e tratadas com o devido oportunismo que a caça de
votos promove. A temporada de caça aos votos termina com a morte de muitos
patos eleitores, com seu suicídio eleitoral ao escolher entre as tristes opções
existentes e patos candidatos, não eleitos e que cairão no esquecimento até as
próximas eleições. A discussão sobre aborto foi tragicômica e apenas mostrou
que ninguém quer dizer o que realmente pensa e por isso discute a questão
isolando-a de outras, caindo, assim, num retumbante jogo pirotécnico para
agradar o eleitor e apoios eleitorais, incluindo igrejas. Tolos são os
religiosos (e não-religiosos) que crêem nesses discursos. Nesse contexto, fica
a perplexidade e a curiosidade sobre o futuro político do Brasil. Vamos fazer
alguns breves apontamentos sobre isso.
De uma Eleição à Outra: O Eterno Retorno do Mesmo
O processo
eleitoral vem se caracterizando por se reproduzir como um círculo (e muitas
vezes como um circo, mas “pior não fica”) no qual sempre se volta para o mesmo
lugar. Não retomaremos aqui a crítica da democracia representativa já desenvolvida
em outros lugares (Viana, 2003; Viana, 2008), apenas retomaremos alguns
aspectos úteis para nossa reflexão posterior sobre as perspectivas políticas em
nosso país.
Os políticos
profissionais mostram seu total despreparo, descompromisso e desconsideração
com a população. Claro que não em seu discurso, onde o “povo” ganha primazia,
ou parte dele, quando o “público-alvo” do candidato é a vítima da propaganda. O
despreparo assume o caráter risível do palhaço que diz não saber o que se faz
na câmara dos deputados, mas vai ficar sabendo e depois conta para o eleitor. O
problema é que tal palhaço, no fundo, é o protótipo de quase todos os
candidatos, pois a grande maioria não tem preparo para assumir as funções para
as quais são eleitos e, o pior de tudo, não precisam ter tal preparo, pois o que
está em jogo é outra coisa. Não se trata de competência e entender os problemas
sociais, os recursos e suas possibilidades, as demandas da população, os
procedimentos administrativos, as questões políticas mais gerais, etc., e sim
de com quem votar e a que grupo de eleitores tentará beneficiar, pois basta
seguir as “lideranças” do partido e agradar aos eleitores e financiadores e
está tudo certo.
Isso não exige
competência técnica, formal, científica ou entender das questões sociais e
políticas. O palhaço tomou conta da política e isso é tão comum que aquele que
assumiu com sinceridade sua ignorância é eleito com fartos votos, embora o
processo eleitoral convivesse também com votos fartos, principalmente os nulos e
brancos, além das abstenções. O descompromisso anda de braços e abraços com o
despreparo. Para quê preparo se o objetivo é apenas os interesses pessoais e
grupais? A desconsideração com a população é apenas o complemento triste dessa
entristecida realidade política institucional.
Porém, há algo
mais, quando se trata das eleições para o poder executivo, principalmente as
presidenciais. Isso se deve ao fato de que tal eleição interfere de forma mais
profunda na vida da população e no desenvolvimento do país. As eleições foram
tão desanimadoras que nem lei seca foi necessária, já que, no fundo, não
houveram defesas apaixonadas de candidatos, nada de antagônico estava em jogo.
O processo eleitoral foi tão frio que pareceu que eram dois times rebaixados
para a Segunda Divisão disputando nada. Porém, nesse jogo havia uma diferença,
havia algo a ser conquistado. No fundo, a analogia melhor é um campeonato de
quarta divisão com times totalmente despreparados e sem grandes ambições e
objetivos, jogando muito mal, e “com passos de formiga e sem vontade”, como já
dizia Lulu Santos sobre o andar da humanidade. Mas havia um título ou governo a
ser conquistado e se não dá para mostrar qualidade, belas jogadas, então a
baixaria toma o lugar, é falta e violência no campo, e isso foi o “mais quente”
no jogo entre Serra e Dilma. Não existiam projetos políticos diferenciados,
apenas duas formas de manifestação do mesmo neoliberalismo, social-democratas e
petistas apenas manifestavam duas formas de aplicar o neoliberalismo e agradar o
grande público e seu público-alvo.
E lá vão os
intelectuais fazerem manifestações pró-Dilma. Seria porque Dilma supostamente
seria de esquerda? Em alguns casos isso pode ter sido a motivação, ilusória,
mas as representações ilusórias são tão mobilizadoras como as verdadeiras, e às
vezes em maior grau. Ou seria por causa das políticas petistas para as
universidades, mais palatáveis e agradáveis a este setor da sociedade? Os
interesses movem o mundo, o grande problema é que os interesses egoístas,
imediatistas e de classes conservadoras é que são o motor desta história
eleitoral. Até a filósofa Marilena Chauí usa o seu “discurso competente” (1989),
na verdade discurso retórico, para convencer os incautos a votar em Dilma. Para
quem escreveu sobre a ideologia como falsa consciência e da necessidade da
crítica, observa-se a passagem da postura crítica para a ideológica, o triste
futuro dos intelectuais atrelados ao poder. Nesse discurso retórico, eleger uma
mulher é algo que passa por alguma contribuição para a emancipação feminina.
Deve ser por isso que Margareth Thatcher emancipou a mulher inglesa e Obama
libertou o negro norte-americano. Estão todos felizes no mundo encantado e
ilusório das eleições.
Já o José Serra
não conseguiu reverter a situação, pois vinha com a marca de um neoliberalismo
mais austero e menos populista. Menos populista, menos popular, eis a situação
não menos execrável do eleitorado brasileiro. No entanto, o menos é apenas uma
diferença de grau e não de qualidade ou essência. O candidato do PSDB perdeu o
caminho de casa e da serra, faltou-lhe descobrir uma fórmula para reverter o
quadro eleitoral e para isso seria necessária ousadia e muita competência, duas
coisas inexistentes na esfera política institucional no Brasil. A austeridade
maior, mesmo que não manifesto no discurso, foi um elemento importante para sua
derrota. O menos (populismo) é ruim eleitoralmente, tanto quanto o mais
(austeridade neoliberal) e muitos eleitores aceitam o ruim, só que “menos
ruim”. É como a opção em escolher assistir “O
Massacre da Serra Elétrica” ou mais um capítulo de “Sexta-Feira 13”, uma escolha indigesta entre coisas repetidas e
repetitivas.
O debate
político passou a ser então sobre questões pontuais sobre como cada forma de
manifestação de neoliberalismo iria tratar da questão da saúde, educação,
segurança e outros temas que estariam presente em qualquer pesquisa de opinião
pública como preocupação da população e que todo candidato sabe e usa
eleitoralmente. Aliás, esta virou a “monotonia repetitiva do discurso
eleitoral” nos últimos tempos.
As eleições
passaram, o resultado sabemos. Sim, Dilma Roussef foi eleita e governará. A
questão é como fará isso. Ela conseguiu o voto (não o apoio, que é muito mais
do que um voto) de cerca de 20% da população brasileira no segundo turno (e
cerca de 13% no primeiro). Assim, como todo presidente, foi eleita pela minoria
da população brasileira. A sua legitimidade é maior nos meios oligopolistas de
comunicação do que na realidade concreta. No entanto, podem dizer, ela
conseguiu um apoio expressivo do eleitorado. Não foi tão expressivo assim. Ela
conseguiu cerca de 40% dos votos do eleitorado no segundo turno, quando muitos
eleitores não podiam votar em seus candidatos eliminados no primeiro turno. No
fundo, Dilma só conseguiu maioria na disputa com Serra, ou seja, 56% dos votos
válidos. Cerca de 29 milhões de pessoas, que votaram nulo, branco ou se
abstiveram, são excluídos e daí se consegue esse aumento. As abstenções foram
de milhões e isto não é pouca coisa. Os votos nulos e brancos também foram de
milhões. Eis a democracia representativa e sua “representatividade”. A
legitimidade eleitoral não significa legitimidade verdadeira. O número de
abstenções cresceu em milhões em relação às eleições passadas e considerando
que os mais jovens que podem votar após concluir 16 anos são voluntários e,
portanto tendem a votar, fica claro que isso não é produto do aumento do
eleitorado. O número elevado e crescente de votos brancos e nulos reforçam a
tendência a desletigimação crescente do processo eleitoral e do eterno retorno
do mesmo discurso, prática e reprodução do capitalismo e seus derivados, tal
como a corrupção.
O processo
eleitoral fica cada vez mais ilegítimo e nesse processo há o crescimento das
abstenções, votos nulos e brancos, que revelam a recusa do velho ou a busca do
novo, apenas protesto, desesperança ou desilusão, de um lado, ou projeto
alternativo incompatível com o sistema eleitoral, de outro. O primeiro pode se
tornar o segundo, o esporádico pode se tornar permanente, a recusa passiva pode
se tornar ativa. Aqui temos os germes das duas grandes tendências e
perspectivas que se desenham para o futuro da sociedade brasileira.
As previsões
para o futuro são muito boas nos meios oligopolistas de comunicação. A
perspectiva estatista centra no governo Dilma Roussef suas expectativas,
pensando, tal como foi afirmado no discurso eleitoral, na continuidade progressiva
das políticas do governo Lula de crescimento econômico, agora com maiores
investimentos no plano social. Doce ilusão, pois a tendência não é tão clara
quanto se pensa. Em primeiro lugar, o crescimento econômico só foi possível
graças à continuidade de um grau elevado de exploração dos trabalhadores em
geral e de redução dos gastos estatais, e o foco em políticas sociais seria um
primeiro entrave para a continuidade do processo iniciado pelo governo
anterior. Obviamente que existem outros aspectos e que isto sozinho irá variar,
inclusive do montante de recursos direcionados para a questão social. Contudo,
no nível mais geral, isso não pode ser esquecido e se o investimento em
políticas sociais for marcado por um pequeno aumento, ainda sim terá efeitos. Além
do efeito sobre o chamado “crescimento econômico”, haverá o efeito de desagradar
aqueles que esperam muito de quem poderia oferecer pouco.
Além disso, é
necessário observar as relações internacionais e as tendências nos demais
países e seus efeitos no Brasil. De qualquer forma, mesmo na previsão mais
otimista, de que a situação internacional vai se manter pelo menos no nível que
está, a tendência é que o governo Dilma Roussef mantenha o mesmo ritmo e
orientação que o governo Lula, com a possível diferença de que com sua
pseudolegitimidade conquistada nas urnas e ser o terceiro governo petista, além
da própria personalidade de quem assumiu o cargo de presidente, tenhamos um
endurecimento do novo governo. Esse endurecimento poderá desagradar tanto
setores conservadores quanto setores considerados “progressistas” e a população
em geral, com uma maior presença estatal na sociedade civil, sob várias formas.
Alguns aspectos desta presença estatal poderão agradar a população e outras
desagradar, assim como os setores citados. Trata-se de tendências e não existe
bola de cristal para prever o futuro, mesmo porque isso depende de outras
determinações e tendências. Porém, a possibilidade tendencial existe e é o
horizonte que nos aparece no atual momento.
A Transformação Social Como Tendência
Mas nem só da
perspectiva estatista vive a política. Para além da política eleitoral e
institucional, existe uma outra política, que ocorre nas ruas, casas, fábricas,
bairros, escolas, universidades, lojas, na cultura, instituições em geral. Esta
política é a que se vê desde o início do século na Argentina, Bélgica, França,
Grécia, para citar exemplos mais conhecidos. Essa é a radicalidade surgida a
partir da emergência do regime de acumulação integral, e não expressa sua crise
e sim sua normalidade, que é uma crescente instabilidade do capitalismo (Viana,
2009) que pode abrir brechas para crises e tentativas de revolução. Essa política
contestadora, que se amplia e chega até na conservadora Inglaterra, onde
estudantes protestam contra as reformas no ensino superior neste país, que
segue a tendência do arrocho neoliberal.
Mas que
alternativa existe além das eleições? Essa pergunta é, ela mesma, um dos
obstáculos principais para que ocorra a transformação social. Ela foi feita
muitas vezes para os diversos indivíduos, grupos, intelectuais, que propuseram
o voto nulo. Não conseguir enxergar além do voto e das eleições é um limite
intransponível, que significa não enxergar além do existente, é o abandono da
utopia e de qualquer percepção mais ampla e histórica da realidade
contemporânea. Assim, a pergunta expressa uma determinada concepção,
determinadas ideias arraigadas na mente humana, cuja origem é social e
histórica, alheia às nossas verdadeiras aspirações e desejos, e que são o
primeiro obstáculo a ser superado. Isso já foi tematizado por Pierre Leroy:
“Nós não
podemos produzir nossas próprias ideias políticas, devido nossa incapacidade.
Devemos comprá-las no mercado, ou seja, nas livrarias, nas universidades, nos
partidos políticos, nos meios de comunicação de massas, nas grandes revistas,
grandes jornais, etc. As ideias políticas que compramos são mercadorias e,
portanto, não são produzidas por nós, mas por seres humanos estranhos e hostis
com os quais nos deparamos. Essas ideias, conseqüentemente, não são as nossas,
não são as que queremos. Se nós sabemos que nós não queremos estas, então é
porque temos a noção de quais ideias políticas nós queremos. A alienação das
ideias é a justificativa para todas as outras formas de alienação. O discurso
da incapacidade intelectual é o fundamento do discurso da incapacidade total e
de todas as relações mercantis e burocráticas que expressam a alienação total
da vida social” (Leroy, 1993, p. 22).
Assim, nada
mais correto do que a conclusão de Pierre Leroy:
“O limite
de sua imaginação política é o limite de sua ação política. A sua incapacidade
de ultrapassar o mundo atual no plano do pensamento é sinal de sua incapacidade
de ultrapassá-lo na prática política. A consciência antecipadora, a
possibilidade de ver o vir-a-ser, não é só uma questão filosófica, mas também
uma posição política e humana. A visão de um mundo novo só é possível rompendo
com a atual ‘visão de mundo’ que toma o mundo atual com o único possível, o
natural, o universal, ou que pode ser apenas reformado ou transformado
gradualmente. O pensamento revolucionário ao se opor ao pensamento conservador
apresenta-se como uma posição diante do mundo, uma posição de negação radical e
que significa a superação da contemplação tanto teórica quanto prática. Aqueles
que nem ao nível do imaginário superam a sociedade existente jamais o farão ao
nível da prática: são conservadores que com base no seu ‘realismo’ disfarçam
sua posição” (Leroy, 1993, p. 22).
O reino das
ideologias, a cultura dominante e asfixiante, a guerra declarada contra a
utopia, tudo isto faz com que não apenas os conservadores e acomodados, mas a
maioria, inclusive daqueles que sentem o mal estar e o descontentamento, não
consigam ultrapassar os marcos culturais dominantes. A linguagem e a
consciência coisificadas são poderosos obstáculos para se pensar o novo[1].
Isso tudo é reforçado pelo medo constituído socialmente, o que promove a
desmobilização[2]. A adaptabilidade e busca
de estabilidade e reprodução dos valores dominantes destroem os sonhos e a
possibilidade de lutar e concretizar uma vida autêntica. O conformismo de
rebanho é um adversário poderoso da transformação social. A sociabilidade
capitalista com a pressão social de busca de status, riqueza, fama, poder, sucesso (Viana, 2008), ao entrar na
mente dos indivíduos, os desarmam, ou melhor, faz com que eles engatilhem a
arma contra eles mesmos. Assim, a pergunta, ao invés de ser se existe algo além
das eleições, deveria ser: você vai apertar o gatilho?
Por isso, uma
das grandes questões hoje é romper o quase consenso e hegemonia conservadora e
retomar a utopia, no sentido de utopia concreta, realizável, de um mundo no
qual a exploração e dominação sejam superadas e junto com elas todas as formas
de opressão e demais derivados (destruição ambiental, por exemplo). Isso não só
é possível, desejável, como é uma necessidade. E o projeto que aponta para isso
é o projeto autogestionário. A autogestão social é o caminho para a superação
da sociedade existente e a possibilidade de um novo modo de vida não mais
fundado no mundo mercantil, burocrático e destrutivo. Muitos afirmam que a
autogestão é impossível.
“No
final, mais do que a pergunta se a autogestão social é possível, devemos
perguntar se queremos ou não a autogestão. Deste modo, a pergunta de como vamos
administrar uma cidade de 10 milhões de habitantes, de quem vai administrar o
trânsito, a escola, a igreja etc. é um subterfúgio que expressa determinados
valores e que busca fugir à pergunta central: queremos a autogestão?” (Maia, 2010, p. 135).
A tendência da transformação
social tem sólidas bases: a insatisfação de amplas parcelas da população, a
fome, a miséria, a exploração, a dominação, a destruição psíquica e ambiental, entre
milhares de outras questões que mostram uma corrente represada que a qualquer
momento pode explodir. Para que o resultado dessa explosão não seja negativa
(como o fascismo, a guerra, etc.) e aponte para a emancipação humana é preciso
que exista um projeto alternativo de sociedade e isto pressupõe uma luta
cultural e ações práticas no sentido de fortalecer essa tendência.
Certa vez Ernst
Bloch (apud Bicca, 1987) afirmou que o marxismo é uma “ciência da tendência”.
Pensar em perspectivas futuras significa pensar em tendências. Apontamos antes
a perspectiva estatista, e, agora a perspectiva emancipatória, para além do
capitalismo. A sua manifestação e origem se encontra no descontentamento e
insatisfação (consciente ou inconsciente, relativo a qualquer tipo de miséria
reinante hoje, seja material, psíquica, afetiva, sexual, etc.) que atinge a
maioria da população mundial, nos projetos políticos alternativos e cultura
contestadora, nos indivíduos e grupos atuantes para sua realização, ou seja,
desde sua parte menos visível, clara e consciente, até suas formas manifestas
mais perceptíveis e explícitas. Essa tendência só é perceptível na história
subterrânea da sociedade contemporânea, invisível para os empiricistas e
impensável para os conservadores. A curto prazo, o predominante deve ser a
primeira, a longo prazo é provável um fortalecimento crescente da segunda
tendência.
Nesse sentido,
é possível pensar duas perspectivas fundamentais, expressões de duas tendências
reais, existentes. A primeira tendência é a de manutenção da ordem sob a forma
do Governo Dilma Roussef, com algumas pequenas possibilidades de variações em
sua gestão e dependendo da situação internacional e da luta de classes a nível
mundial e nacional, promovendo mais ou menos arrocho, repressão, etc. A segunda
tendência é o acirramento das lutas de classes (tanto nos demais países quanto
no Brasil) e o processo de gestação de novas concepções, formas organizativas,
ações, que engendram a auto-organização da população e enfrentamento com o
governo e as forças conservadoras, abrindo brechas e caminho para uma
transformação social. Claro que a radicalidade e força dessa tendência também
irá depender da situação internacional e das lutas em outros locais. Porém,
essa tendência tem ao lado de si as bases imperceptíveis antes aludidas e a
tendência do capitalismo contemporâneo a se tornar cada vez mais explosivo,
pois aumenta a exploração em todos os níveis, amplia a destruição ambiental com
seus efeitos catastróficos cada vez mais próximos, aumenta a miséria psíquica e
os paliativos são muito fracos (prozac, TVs, crack, futebol) e outros recursos
entorpecedores não suportam a avalanche que se aproxima como uma bola de neve. Além
disso, as duas tendências estão entrelaçadas, pois um maior endurecimento do
governo, por exemplo, pode reforçar a segunda tendência, assim como um
fortalecimento desta tende a ter efeito sobre as políticas estatais. As demais
alternativas são formas de manifestação dessas duas tendências fundamentais. No
final das contas, a opção hoje se dá entre duas tendências e perspectivas
fundamentais: autogestão ou barbárie.
Referências
Bicca, Luiz. Marxismo e Liberdade. São Paulo, Edições
Loyola, 1987.
Carlton, Erich. O Medo, A Coragem e a Política. Revista
Ruptura, Ano 8, num. 07, Agosto de 2001.
Chauí, Marilena. Cultura e Democracia.
São Paulo, Cortez, 1989.
Leroy, Pierre. O Vento ou a Vida – O Modo Capitalista de
Vida como Modo de Vida Fútil. Revista Ruptura. Ano 01, num. 01, Maio de
1993.
Maia, Lucas. Comunismo de Conselhos e Autogestão Social.
Pará de Minas, Virtualbooks, 2010.
Percheron, Jean-Luc. Filosofia e Autogestão. Cultura e
Liberdade – Revista do NUPAC. Ano 02, num. 02, Abril de 2002.
Viana, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica
da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.
Viana, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral.
São Paulo, Ideias e Letras, 2009.
Viana, Nildo. O Que São Partidos Políticos? Goiânia,
Edições Germinal, 2003.
Viana, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital.
São Paulo, Escuta, 2008.
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http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/11831
[1] “A linguagem e a
consciência coisificadas não só dificultam a visão do novo como acabam
exercendo uma influência tão forte sobre os indivíduos, que eles, mesmo quando
buscam apresentar projetos alternativos de sociedade, se revelam impregnados,
por elas. Basta ver a discussão sobre a ‘lei do valor’ na União Soviética
realizado no período da NEP (Nova Política Econômica) ou a ideia trotskista do
‘estado operário’ para notar isto. Para observamos melhor isto, vejamos uma
afirmação de Marx: com a revolução proletária o estado capitalista será
destruído e não haverá mais poder político propriamente dito. O que significa
dizer que o estado (poder político) não existirá mais ‘propriamente dito’?
Significa, simplesmente, que não haverá mais estado, embora alguma coisa irá
existir em seu lugar e por isso poderá ser chamado ‘poder político’ (ou
estado). Entretanto, não é estado, poder político propriamente dito, ou seja,
no verdadeiro significado. Acontece que essa ‘concessão’ lingüística abre
espaço para a posterior deformação do pensamento de Marx e o surgimento de
noções como ‘estado operário’,
‘estado socialista’, etc., que são formas de poder político propriamente dito.
Em outras palavras, a utilização de uma palavra coisificada (estado ou poder
político) possibilita que se utilize uma concepção coisificada (de estado ou
poder político) para se criar uma realidade oposta ao que se pretendia no
projeto político original (o de Marx)” (Percheron, 2002, p. 108).
[2] “O medo significa repressão
interiorizada, o que se traduz em insatisfação, infelicidade, desejo de mudar.
O medo traz em si sua negação, que, uma vez manifesta, passa a ser coragem. Em Metamorfose, de Kafka, o homem que nega
o trabalho alienado se transforma num inseto. Ele recusa, mas com medo, e por
isso se destrói. O homem se transforma em um inseto se não tem coragem de
desafiar a sociedade repressiva. Ela se refugia no lar, ou melhor, no quarto, e
não enfrenta, não luta, foge, e assim se transforma num animal, perde sua humanidade.
Assim, o medo nos transforma em seres infelizes e retraídos, seja no quarto,
tal como um inseto que se esconde dos seres humanos, seja no lar, no trabalho,
ou qualquer outro lugar em que se foge de si mesmo e dos outros. Um medroso não
pode carregar uma utopia na sua mão, pois sua mente não lhe permite sonhar e
agir, já que isto gera o encontro com o outro. O corajoso pode criar e lutar. O
medo é conservador e a coragem é revolucionária” (Carlton, 2001, p. 44).
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