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terça-feira, 7 de outubro de 2014

ELEIÇÕES, INTERESSES E RACIONALIZAÇÃO



ELEIÇÕES, INTERESSES E RACIONALIZAÇÃO

Nildo Viana

Não deixa de ser curioso um fato da política institucional, que é o seguinte: quando se aproxima a hora da decisão eleitoral, algumas pessoas tornam-se ardentes defensores de candidaturas A ou B. Além de incomodarem os demais, com posições distintas ou contrárias, ou mesmo alheios à disputa ou contra todos os candidatos, a sua insistência e envolvimento emocional demonstram uma forte “irracionalidade”. De onde vem esta irracionalidade?

Existem duas palavras-chave para explicar esse processo: interesses e racionalização. Esses termos remontam a contribuição de dois grandes pensadores, Marx e Freud. No entanto, vamos apenas destacar os elementos fundamentais destes dois conceitos para explicar sua manifestação diante do fenômeno eleitoral. Nós podemos distinguir a razão instrumental, ligado ao exercício da manipulação e do poder, e a razão emancipadora, humanista, ligada à luta pela emancipação humana. A primeira está ligada aos interesses da classe dominante (bem como de suas classes auxiliares) e interesses derivados, subordinados, integrados, enquanto que a segunda está ligada aos interesses históricos do proletariado e das classes exploradas, expressando o desejo de libertação humana em geral. Num caso, temos interesses histórico-particularistas, egoístas, e, no segundo, interesses universais, altruístas. A razão instrumental reina quase que absoluta em nossa sociedade e razão emancipadora, dialética, é marginal. Na política institucional (governos, eleições, etc.), com rara exceção (e temporária, pois ou se integra e perde esse caráter ou se afasta), não há espaço para razão emancipadora.

É raro pessoas, grupos, classes, manifestarem claramente seus interesses egoístas, histórico-particulares, explicitamente. Ninguém que quer dominar, explorar, manipular, os demais para seus objetivos egoístas (pessoais e grupais, embora estes sempre unidos àqueles) vai afirmar isso. Seria algo inusitado ver alguém dizer “vote no candidato A, pois ele é corrupto, incompetente, asqueroso, mas é do meu partido e vou ter um cargo se ele for eleito”. Daí vem a importância do segundo termo: racionalização. A racionalização é a busca em fornecer uma explicação racional para uma motivação não-racional, como justificar um linchamento dizendo que é para realizar a justiça ao invés do que realmente é: manifestação de ódio, gerado por uma sociedade desumanizada.

Ao invés do indivíduo apresentar seu real motivo, pois isso não convenceria os demais, ele apresenta outro, supostamente racional. Além disso, ele ficaria insatisfeito consigo mesmo (sentimento de culpa). Por isso o que ele diz é: “vote no candidato A, pois não está provado que ele é corrupto, se seu governo anterior teve problemas, foi por causa da assessoria e alianças, e sua antipatia não deve causar rejeição, afinal será presidente para todos, e será melhor para toda a população brasileira”. Marx explicou bem como a classe dominante não tem interesse na verdade e que precisa criar ideologias e outras representações ilusórias para manter sua dominação. Da mesma forma, os indivíduos também necessitam fazer isso, tanto pela eficácia de seu discurso quanto pela sua própria humanidade, pois como ser social a crueldade dos seus vis interesses lhes causa geralmente mal estar (obviamente que existem exceções: pessoas que são tão desumanizadas e coisificadas que nem possuem remorso).

Os candidatos manifestam isso exemplarmente. Dilma Roussef e Aécio Neves, os candidatos à presidência que chegaram ao segundo turno, vão dizer que querem ser eleitos para beneficiar o povo, melhorar o Brasil, cuidar dos mais desfavorecidos, seguir uma tradição de pessoas boas e que sempre se dedicaram ao país, etc. Somente os muito ingênuos (seja pela idade, falta de acesso à informação, etc.) são capazes de acreditar nisso ou então os muito cegos, premiados pela cegueira dos interesses particulares. Os candidatos à presidência (tal como no caso dos candidatos a governador) estão muito longe da razão emancipadora e sua motivação são seus interesses mesquinhos. Nenhum deles dirá que é candidato para ter riqueza, dinheiro, poder, para si e para seus aliados. Claro, existem outras motivações, mas são secundárias. E isso se repetirá em casos particulares: Dilma Roussef dirá que suas políticas assistencialistas são para beneficiar o povo e Aécio Neves dirá que manterá tais políticas pelo mesmo motivo. Nenhum dos dois dirá que é para conseguir voto e apoio eleitoral, que é apenas um meio para chegar ao poder e usufruir dele e do dinheiro que vem junto.

A questão é que este não é um problema apenas dos candidatos. Os eleitores também reproduzem a mesma lógica de seguir seus interesses e realizar racionalização. Obviamente que aqui se trata dos eleitores convictos, ou seja, uma parte que está decidida e não mudará seu voto de forma alguma. Eles, tais como os candidatos, não se contentam em ter sua posição, mas querem convencer os demais. Na contemporaneidade, as redes sociais são palco dessas figuras que querem convencer os demais de qualquer forma. De onde vem tamanha vontade de convencer os demais? A base é a mesma dos candidatos: interesses. Interesses os mais variados, sendo que alguns, os mais diretamente envolvidos, estão preocupados com cargos, dinheiro, fortalecimento partidário (pelos motivos anteriores), e outros por interesses mais distantes (a vitória do candidato A beneficia a força de determinadas empresas, igrejas, setores da sociedade, etc., e a B outros setores).

Um exemplo: muitos intelectuais das universidades públicas votam em Dilma Roussef por causa de sua ilusão de que ela é menos ruim (ou é “melhor”, segundo os mais iludidos), do que Aécio Neves, com seu projeto neoliberal. Nesse caso, há um interesse, embora fundado numa ilusão (pois basta lembrar a greve nas universidades em 2012 e que o avanço da precarização das universidades efetivados pelo Governo Dilma, para perceber isso). Outro exemplo é setores de determinadas igrejas que querem Aécio Neves, não por causa das razões geralmente apresentadas (discussão sobre aborto, homossexualidade, etc.) e sim por causa dos benefícios financeiros. Claro que isso é para aqueles eleitores convictos e ardorosos defensores das candidaturas A ou B.

Os demais acabam sendo envolvidos pelos discursos racionalizadores, com exceção dos que por convicção não votam em ninguém. Existe uma grande parcela da população que acaba se envolvendo, inclusive emocionalmente, com muita força, por acreditar nos discursos e racionalizações alheias, seja por credulidade seja pela força da pressão social e efervescência derivada de compartilhar mesma posição. Mas estes últimos não estão incluídos na análise do presente texto. Os que não votam ou são céticos, apenas escolhendo por não ver alternativa, também estão excluídos da presente análise.

Assim, os candidatos e seus adeptos fervorosos vão apresentar um discurso que não mostra seus verdadeiros interesses. As acusações de corrupção, incompetência, por um lado, e os supostos méritos e políticas efetivadas no passado, tomam o lugar. Vários subterfúgios podem ser utilizados, desde o discurso da “ameaça comunista” ou do “direitismo” e “neoliberalismo”, até questões menores da vida pessoal, com ataques moralistas e desprovidos de qualquer significado político. A estigmatização dos adversários também é outra forma de tentar convencer ou silenciar: “esse é um discurso da direita” (como se tivesse alguma esquerda disputando eleição...) ou “isso é coisa de comunista” (idem). Alguns apoiadores não vão dizer que são os (seus) interesses de setores cooptados de movimentos sociais que os fazem apoiarem Dilma ou que são os interesses de ascensão ao poder e dinheiro de setores de igrejas que os fazem apoiarem Aécio Neves, pois vão preferir dizer que o que querem é resolver o problema das drogas, acabar com preconceito, etc. por um lado, e que querem defender a vida, a família, etc., por outro. Cada um acredita na mentira que quiser.

No fundo, todos os candidatos são expressão do grande capital e dos seus próprios interesses e todos os apoiadores fanáticos querem uma fatia do que sobrar da mesa ou então ter uma suposta tranquilidade de vida medíocre sem maiores turbulências. O medo da mudança antigamente era do que era bem radical e diferente e agora, qualquer troca de governo que segue a mesma cartilha, fazendo tudo igual no atacado e com poucas diferenças no varejo, já serve para agitarem as bandeiras da Regina Duarte: “eu tenho medo”. A irracionalidade aparece nas atitudes e discursos porque ela deve esconder os interesses ocultos daqueles que não podem revelar os seus verdadeiros interesses, bem como buscam manipular os sentimentos e opiniões dos demais.


As campanhas eleitorais, o discurso dos candidatos e dos seus eleitores convictos é, no fundo, um grande conto do vigário. Se você quer receber a herança, vai ter que pagar taxas e mais taxas e, no fim, verá que gastou mais do que recebeu. A vítima desse conto é o eleitor iludido, que ao invés de ver que sua força está na auto-organização, na autoformação, na união e associação com outras pessoas visando interesses mais nobres e coletivos, acaba acreditando no vigário (ou vigarista) e perderá tudo o que poderia ter ganhado. Não é o governo A ou B que proporcionará atendimento de reivindicações e sim a luta e união dos trabalhadores e outros setores da população e isso é ponto de partida para objetivos mais profundos, especialmente a emancipação humana.

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