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terça-feira, 30 de abril de 2019

MOVIMENTOS SOCIAIS E INTERNET



MOVIMENTOS SOCIAIS E INTERNET

Nildo Viana*

Os movimentos sociais sofrem mutações com o processo de mudanças sociais. A sociedade contemporânea vem sofrendo mudanças desde a década de 1980 e marca uma nova fase do capitalismo mundial. Um dos elementos dessa mudança social é o uso do computador e da internet, a rede mundial de computadores. A internet permite formas mais ágeis de comunicação, além de maior horizontalidade e possibilidades de participação, com um custo menor. Esse processo vem chamando a atenção de pesquisadores que iniciam estudos sobre a relação entre internet e sociedade (SLEVIN, 2002). Nesse campo de pesquisa, ganha destaque a que busca estabelecer a relação entre internet e movimentos sociais (MARTÍNEZ et al., 2006; CASTELLS, 2013; GOHN, 2013). Tendo em vista esse processo e o impacto da internet e das redes sociais sobre os movimentos sociais e a sociedade civil em geral, pretendemos analisar a relação estabelecida entre esses dois fenômenos e descobrir qual é sua ressonância nas lutas sociais contemporâneas.

A análise da relação entre movimentos sociais e internet pressupõe, além de algumas definições conceituais, a começar pelo conceito de movimentos sociais, uma reflexão mais ampla sobre internet e sociedade. Sendo assim, vamos iniciar com uma análise da internet e sua relação com a sociedade, para, num segundo momento, definir e relacionar movimentos sociais e internet.

Internet e Sociedade

A relação entre internet e sociedade é complexa e envolve um conjunto enorme de questões, que, obviamente, não poderemos abordar aqui. A nossa intenção, nesse item, é mais modesta. O nosso objetivo é apenas destacar os elementos fundamentais nessa relação para poder, a partir disso, explicar as relações entre movimentos sociais e internet. Quais são esses elementos fundamentais? O primeiro ponto a se destacar é a constituição social da internet; o segundo remete ao caráter piramidal da internet, que é uma reprodução da sociedade dividida em classes sociais; o terceiro é a questão da reprodução social; o quarto ponto são as contradições e potencialidades da internet; o quinto e último ponto é uma manifestação específica no interior da internet, que são as redes sociais virtuais.

A internet é um produto social e histórico e, como tal, é determinada e datada, bem como suas mutações expressam mutações sociais. A internet surgiu a partir de um conjunto de mudanças sociais e suas origens remotas remetem ao desenvolvimento tecnológico associado ao aparato militar e capital bélico, bem como ao contexto da guerra fria. Segundo Slevin:

A expressão ‘novos media’ sugere que a internet é, em certa medida, uma invenção súbita, exclusivamente regida por condições inerentes ao seu próprio desenvolvimento tecnológico. Na verdade, nenhuma das nossas modernas tecnologias da comunicação alguma vez surgiu, simples e misteriosamente, saída de um saco de oportunidades tecnológicas independentemente concedidas, como toda moderna tecnologia da comunicação, a Internet está intimamente entretecida no desenvolvimento mais geral do Estado-nação moderno. Num nível diferente, as transmutações introduzidas pels organizações modernas entrelaçam-se diretamente na natureza da vida individual cotidiana. Nessa medida, o desenvolvimento da internet é um resultado simultaneamente intencional e involuntário do esforço humano. Pode portanto ser melhor compreendido como um resultado de condições técnicas e sociais contraditórias e ricas em tensões, exatamente como as consequências da sua utilização (SLEVIN, 2002, p. 31-32).
A internet emergiu através de um processo oriundo da iniciativa militar e sua extensão para meios acadêmicos, o que desembocou em sua constituição após a criação da WWW, HTML, etc., que permitiram seu uso generalizado na sociedade moderna. Não cabe aqui, por questão de espaço, recontar detalhadamente todo o processo que gerou a internet, o que foi abordado de forma mais breve por alguns autores que trabalham com os movimentos sociais (MARTÍNEZ et al., 2006) e de forma mais aprofundada por outros (SLEVIN, 2002). Cabe apenas destacar que ela não surgiu do acaso ou como mera invenção tecnológica. Ela surgiu a partir de interesses e projetos militares, que depois se ampliam com liberação do código TCP/IP para os meios acadêmicos e ganha novas contribuições de outros setores da sociedade (SLEVIN, 2002; MARTÍNEZ et al., 2006).

Uma vez existente, ela ganha novas contribuições e desenvolvimentos, bem como novos usos. Com o passar do tempo, o uso comercial, policial e outros se acrescentam aos anteriores. Por outro lado, o seu desenvolvimento gerou diversas formas de comunicação. No início, após a criação dos navegadores, a comunicação direta era realizada através dos e-mails e, posteriormente, os chats, até chegar às redes sociais virtuais, tais como o Orkut, Facebook, entre outros. A comunicação indireta emergiu através dos sites e se democratizou com os gratuitos (com propaganda) e mais ainda com os blogs, que dispensa maior domínio sobre o html, além de serem mais dinâmicos. Sites de fotos, vídeos, relacionamentos, entre outros, emergem e passam a ser cada vez mais participativos e abertos à comunicação dos usuários. Assim, o Youtube, entre diversos outros semelhantes, mas sendo o mais usado, permite a qualquer indivíduo postar seus vídeos. No início permitia apenas vídeos curtos (até 10 minutos) e depois autorizou os usuários mais ativos a postagem de vídeos de mais de uma hora. Uma forma de interação é os comentários nos vídeos, além das famosas curtidas e inscrições, bem como a comunidade do canal do usuário que posta os vídeos (só acessível a quem tem mais de um mil inscritos). Por detrás de todos estes sites, o interesse de seus proprietários é o lucro. O Youtube, por exemplo, exibe propagandas antes ou durante a exibição de vídeos, vende filmes não disponibilizados, entre outras formas de obtenção de lucro.

O impulso para o desenvolvimento da internet ocorreu, no entanto, com a nova fase do capitalismo, iniciada nos anos 1980. É nessa época que emerge o regime de acumulação integral (VIANA, 2009; BRAGA, 2018; VIANA, 2015a; ORIO, 2014), elemento definidor dessa fase, que marca uma nova onda de mercantilização, gerando a exploração das mercadorias tecnológicas (iniciando com o videocassete e outros produtos tecnológicos, depois passando para computadores, celulares, etc.). Para alguém poder usar a internet, tem que adquirir computador (o que posteriormente se tornou possível via celular, que também precisa ser comprado), ter acesso (pagando um provedor, na maioria dos casos), ter softwares, etc., e quanto mais o uso se expande e universaliza, mais se torna compulsório (o que ocorre inicialmente nas universidades e que acaba se generalizando em toda a sociedade) e mercantilizado. Além disso, outras questões emergem, tal como a burocratização, mas por questão de espaço, nos limitaremos a estas breves observações.

O que se depreende disso tudo é que a internet foi gerada a partir de determinados interesses e objetivos e sofreu uma mutação, passando a atender outros interesses e objetivos. A internet segue a dinâmica das mudanças sociais e não poderia ser diferente. Isso nos remete para o segundo ponto que destacamos na relação entre internet e sociedade, que é o seu caráter piramidal. Nas sociedades de classes, como é o caso da sociedade capitalista, na qual vivemos, as relações sociais se organizam de forma piramidal. A chamada “pirâmide social” é a forma metafórica que melhor expressa essa ordenação da divisão de classes. Numa pirâmide, temos o topo mais restrito e quantitativamente menor e seu alargamento até chegar à base, que é mais ampla e quantitativamente muito superior.

A pirâmide social expressa metaforicamente a relação entre as classes sociais, tendo no topo a classe dominante e no plano intermediário as suas classes auxiliares e, numa escala abaixo, as classes pequeno-proprietárias e mais abaixo, na base, as classes produtoras. No caso da sociedade capitalista, teríamos a burguesia no topo, vindo a seguir pela burocracia e intelectualidade, seguidas pelos pequenos proprietários – o que Marx denominou “lojistas” (MARX, 1986), ou seja, pequenos comerciantes, e pequenos proprietários de empresas – e pelas classes trabalhadoras (proletariado, subalternos, lumpemproletariado, etc.). Ela expressa, no capitalismo, uma ordenação no qual no topo se encontra quem detém poder e riqueza e é seguido pelos demais, até chegar aos totalmente destituídos de poder e riqueza.

A internet também é piramidal, pois ela reproduz a sociedade capitalista. Obviamente que a percepção disso, assim como na sociedade em geral, não é imediata, pois não são relações sociais transparentes. Assim como na sociedade capitalista não observamos os indivíduos capitalistas tomando decisões e desfilando na rua para mostrar suas riquezas, como os reis e senhores feudais fizeram em sociedades anteriores, também não percebemos isso na internet. Na sociedade capitalista, a classe capitalista usa o aparato estatal, as fundações e instituições, bem como as empresas capitalistas, para manifestar seu poder e sua riqueza. Ninguém vê propaganda na televisão do capitalista X, nem compra móveis do capitalista Y (seja um indivíduo capitalista, seja uma corporação de capitalistas). Ele vê a propaganda da empresa: Volkswagen, Fiat, Ford, Philco, Casas Bahia, Lojas Americanas, Intel, Microsoft, SBT, Record, Rede Globo, Facebook, e não dos capitalistas (seja indivíduo ou conjunto de indivíduos, que são os proprietários de tais empresas). E a compra nas empresas capitalistas ocorre via internet, shopping centers, lojas físicas ou virtuais. Se alguém quer comprar um refrigerante, compra Coca-Cola, Pepsi, Guaraná Antártica, não diretamente da empresa capitalista que a produziu e sim da empresa capitalista que a distribui, tal como nos hipermercados, como o Walmart, ou nas distribuidoras de bebidas dos pequenos comerciantes. Da mesma forma, os indivíduos não são dirigidos diretamente pelos indivíduos capitalistas, mas sim pelo aparato estatal, suas fundações, empresas. Um operário recebe ordens diretas dos seus superiores na empresa (burocracia empresarial), segue a legislação trabalhista instituída pelo aparato estatal, obedece às leis geradas por ele, etc. Quando a noite assiste TV, não vê o proprietário capitalista e sim apresentadores, artistas, intelectuais, jornalistas, empresas, etc. na programação. Quando ouve uma música, não vê o capital fonográfico e quando assiste um filme não vê o capital cinematográfico.

Da mesma forma, a classe capitalista não aparece sob a forma de indivíduos na internet. Os indivíduos usam o Facebook, mas não veem Mark Zuckerberg. E nas raras vezes que o veem, não é como o capitalista que ele é e sim como o inventor do Facebook (apesar de todas as controvérsias em relação a isto), um empreendedor, um indivíduo criativo, alguém bem-sucedido. Curtem, no Facebook, empresas, mercadorias, etc., tanto as que são divulgadas por amigos virtuais, quanto as que o são por anúncios pagos (sendo que a maioria nem se atenta para tal detalhe). Os indivíduos não percebem que são manipulados, que em todas as redes sociais, blogs, etc., aparecem milhares de propagandas de milhares de mercadorias.

Qualquer pesquisa mostra quais são os sites mais acessados: são os das grandes empresas capitalistas, das grandes instituições capitalistas, das celebridades, etc. Da mesma forma, o maior número de curtidas nas redes sociais são daqueles que aparecem no capital comunicacional, ou seja, nos meios oligopolistas de comunicação – as grandes redes de televisão, de rádio e grandes jornais.

Desta forma, podemos dizer que a internet é um meio de comunicação que possibilita uma ampla participação da população, sendo muito mais ampla do que a que é permitida pelos meios oligopolistas de comunicação (através de shows de auditório, cartas, participação por telefone, entrevistas, etc.). Na internet, é possível fazer comentários nos sites dos grandes jornais, em suas notícias, e colocar sua opinião, por exemplo. É claro que muitos só são acessíveis para os assinantes, o que significa poder financeiro e estar melhor posicionado na pirâmide social. Ela também permite comentários em blogs, etc., assim como cada indivíduo pode criar gratuitamente seu blog. Da mesma forma, as redes sociais permitem aos indivíduos expor sua vida cotidiana, suas opiniões políticas, seus produtos para venda, etc.

O que tudo isso mostra é que a internet também se organiza de forma piramidal. Ela é marcada, tal como nos meios oligopolistas de comunicação, por uma comunicação assimétrica, convivendo com uma comunicação simétrica. Assim como na sociedade há a hegemonia burguesa e predomina a comunicação assimétrica entre as classes superiores e as classes inferiores (e suas divisões internas) e a comunicação simétrica ocorre entre os semelhantes (por exemplo, dois operários tendem a se comunicar de forma simétrica, ao contrário de uma conversa entre um gerente e um operário, pois aí a forma, nesse caso, é assimétrica), o mesmo ocorre na internet. As chamadas “bolhas” mostram justamente isso. O grande capital domina a internet, tanto no plano mercantil quanto no plano cultural, impondo a hegemonia burguesa. E esse processo assume a forma de uma pirâmide que tem na sua base as classes inferiores, com menor acesso percentual de indivíduos em comparação com as demais classes, com menor bagagem cultural para desenvolver criticidade e questionamento, bem como domínio técnico, menos recursos financeiros para ter conexão com a mesma capacidade e velocidade, menos tempo para pesquisar, etc.

Isso revela, portanto, não apenas o caráter piramidal da internet, mas também o seu caráter reprodutor. A internet reproduz a sociedade capitalista no seu interior. As relações sociais da sociedade capitalista estão reproduzidas na internet. E como ocorre esse processo de reprodução concretamente? Ele ocorre através da divisão de classes e seu caráter piramidal, já aludido, da hegemonia burguesa, da reprodução da sociabilidade capitalista e da mentalidade dominante, dos processos concretos que oferecem um alcance limitado para os indivíduos das classes inferiores e para aqueles que são contestadores e revolucionários, mesmo que alguns destes pertençam às classes superiores.

Se os sites mais acessados, as notícias mais impactantes, as mercadorias mais vendidas, são as do grande capital, então isto reproduz não só a divisão de classes e seu caráter piramidal, mas também reproduz uma determinada mentalidade que é dominante na sociedade capitalista. Trata-se da mentalidade burguesa, que apresenta determinados valores fundamentais (vinculados à competição, burocratização e mercantilização), sentimentos profundos e concepções arraigadas (VIANA, 2007; 2008). A sociabilidade capitalista, marcada pela competição, burocratização e mercantilização também se revela na internet. Esses dois elementos são fundamentais para a reprodução da sociedade moderna e um remete para relações sociais concretas e outro para sua tradução sob a forma de mentalidade.

A burocratização traz o culto à autoridade, a naturalização da necessidade de dirigentes, o formalismo, etc. A internet é marcada por esse processo concretamente, nas relações sociais virtuais estabelecidas, e nos valores e concepções veiculados pelos seus usuários. Os sites possuem dirigentes, assim como toda a internet é marcada por esse processo. O blog tem um dono, que é seu dirigente. E o mesmo vale para as redes sociais (aqui tomamos o Facebook como exemplo principal), que possuem grupos que tem “administradores”, “moderadores”, numa hierarquia burocrática, que, ilusoriamente, parece livre, mas estão dentro de uma rede social que, por sua vez, impõe regras, limites, e dirige o que pode ou não ter nos grupos virtuais, o que pode e não pode ser postado (em nível mais geral), etc. A hierarquia burocrática se estabelece, desde aquele que cria e administra o grupo até a rede social como um todo que tem sua administração, suas regras, sua punição. Por exemplo, no Facebook, é necessário usar nomes pessoais, um e-mail só pode ter uma conta, não é permitido pornografia, e mais uma centena de exigências e regras. Algumas são aceitáveis e coerentes com a civilidade, outras são formas de controle e censura.

A mercantilização já foi exemplificada e ela reaparece a todo o momento na internet. Os indivíduos valem pelo que têm e não pelo que são. O vinho, o restaurante, a praia, são formas de mostrar o que possuem (recursos para usufruir de coisas ou bens materiais, etc.), o que revela a mentalidade burguesa, mercantil (com as devidas exceções existentes, o que não poderemos abordar aqui). E isso gera também a predominância valorativa do ter e do aparecer. Isso manifestam também a competição e a mentalidade competitiva. As fotos de viagens, de jantares, de sorrisos, roupas, de corpo escultural, são formas de competição, no qual a pessoa tenta passar para os competidores o seu relativo sucesso, que é estar no restaurante X consumindo boa comida (ou não tão boa assim, dependendo do gosto, entre outras coisas), na festa Y, no país ou cidade turística que muitos queriam poder ir, etc. O corpo escultural exposto via fotos, mais comum no caso das mulheres, mostra que a garota X ganha a competição em ser a mais bela e atrai possíveis candidatos, também competidores, a um futuro relacionamento amoroso. A competição se reproduz de forma específica nos meios intelectualizados, onde os debates, especialmente em redes sociais, geralmente não possuem o objetivo de chegar a uma verdade ou um aprendizado, e sim a ganhar o debate, ou seja, a competição intelectual. Obviamente que isso não ocorre explicitamente, com raras exceções, pois é tudo muito “polido”, aparentemente o que ocorre é o contrário: são pessoas elogiando e parabenizando umas às outras, e uma grande parte escondendo os sentimentos correspondentes à mentalidade burguesa, a inveja, o ódio e ciúme, por exemplo.

As pessoas, na internet, estão competindo concretamente e manifestando uma mentalidade competitiva. Estão mercantilizando concretamente e manifestando uma mentalidade mercantil. Da mesma forma, estão burocratizando concretamente e manifestando uma mentalidade burocrática. Isso mostra o caráter reprodutor da internet. A razão disso não é apenas as relações instituídas no mundo virtual, mas as relações sociais instituídas no mundo real, a sociabilidade capitalista e mentalidade burguesa que os indivíduos não deixam no mundo real quando adentram no mundo virtual. Os indivíduos que agem no mundo virtual da internet são os mesmos que agem no mundo real da sociedade capitalista e, portanto, a reproduzem espontaneamente, e os mecanismos e características da internet, acima aludidos, apenas reproduzem e reforçam isso.

O mundo real, através do meios oligopolistas de comunicação, do Estado, das instituições educacionais e outras, produzem e reproduzem um determinado paradigma hegemônico. São um conjunto de concepções, ideologias, doutrinas, representações cotidianas, correntes de opinião, que são produzidas e reproduzidas nas relações sociais reais e nas relações sociais virtuais. E nesse contexto há uma convergência entre o atual paradigma hegemônico, o subjetivismo, e o caráter participacionista da internet. Esse novo paradigma, que é correspondente ao regime de acumulação integral, coloca a ênfase no “sujeito” e na “subjetividade”, seja o indivíduo, o grupo social, etc. e gera formas de culturalismo que são reproduzidas no mundo virtual, com seu participacionismo aparentemente livre, e acabam reforçando a ignorância generalizada. A questão da ignorância e superficialidade foi abordada por alguns autores (ECO, 2018; CARR, 2018) e é um dos maiores problemas da internet. Porém, voltaremos a tratar disso adiante. Aqui apenas destacamos as múltiplas faces do caráter reprodutor da internet, que será útil para nossa análise dos movimentos sociais.

Porém, essa análise pode parecer extremamente pessimista. Ela, no mínimo, é bem diferente dos apologistas e outros que colocam a internet como a fonte dos protestos e grandes manifestações sociais. Sem dúvida, a internet é um produto dessa sociedade, que se organiza da mesma forma que ela e que a reproduz e reforça. No entanto, é preciso entender que a internet é perpassada por contradições, por lutas, e que tem possibilidades e potencialidades. Muitas vezes, os indivíduos são polidos em sua competição e manifestação de inveja, mas muitos outros são sinceros ou indiferentes ao relativo sucesso ou alegria alheia. Alguns mostram suas publicações não para mostrar o seu sucesso intelectual, mas para dizer: “leiam, pois estes textos trazem mensagens que criticam a competição intelectual e mostram suas raízes e que é preciso mudar”.

Assim como a sociedade capitalista é competitiva, burocrática e mercantil, bem como piramidal e reprodutora de si mesma, ela também traz em si, geralmente nas classes inferiores, elementos de solidariedade, autarquia, valoração do ser; ela traz luta pela transformação social, teoria e crítica revolucionárias, contestação, etc. Ora, isso também se reproduz na internet. Sem dúvida, assim como é marginal na sociedade capitalista, também é marginal na internet. E assim como os setores progressistas da sociedade reproduzem o capitalismo e sua mentalidade, mesmo sendo uma suposta oposição, também o fazem na internet. As lutas políticas na sociedade, a divisão social, bem como os blocos sociais, as distintas concepções políticas, morais, etc., se manifestam na internet. A oposição moderada tem mais espaço, a oposição mais extremista tem menos espaço, os contestadores e os revolucionários são marginalizados e possuem pouquíssimo espaço. Nada de diferente do que ocorre na sociedade em geral. Um outro elemento, que não poderemos desenvolver, são os efeitos psíquicos de todo esse processo, tal como solidão, evasão, insegurança, depressão, ou seja, formas variadas de insatisfação, o que gera novas contradições na internet e nas redes sociais virtuais.

Mas existe contestação e crítica revolucionária. A solidariedade (a autêntica, não a falsa dos filantropos burgueses ou dos populistas progressistas) também se manifesta, marginalmente, bem como outros valores e concepções. Os interesses antagônicos das classes sociais também se manifestam, embora marginalmente, mesmo porque as classes inferiores não possuem, imediatamente, uma percepção do processo de exploração, dominação, etc., isso só ocorre através da luta. E como isso aparece na internet? Através de alguns poucos sites, um número um pouco maior de blogs, grupos virtuais de debate, ações de organizações e indivíduos no interior das redes sociais virtuais e internet como um todo. Sem dúvida, outros elementos poderiam ser aqui explorados, mas esses são suficientes para mostrar que existem contradições e luta na internet e não apenas reprodução.

O último ponto que precisamos analisar, mesmo que brevemente, são as redes sociais virtuais, pois elas são uma manifestação específica no interior da internet. Por qual motivo precisam ser analisadas? Pelo fato de que elas foram importantes no desencadeamento de protestos em vários lugares do mundo, serem mais abertas a uma comunicação simétrica e por serem mais utilizadas para contestação e luta. As redes sociais virtuais emergem no interior da internet reproduzindo e ampliando as relações do que se convencionou denominar chat ou bate-papo. Os chats reúnem várias pessoas que conversam entre si, diretamente. Assim, se os sites, blogs, etc. permitem comentários, eles podem ou não ser publicados, podem ou não ter regras, etc. Os chats podem ter administrador, mas são mais livres e a forma de comunicação se dá via postagens dos participantes. Os grupos de e-mails são outra fonte de inspiração para as redes sociais. Um indivíduo criava um grupo (o que ocorria muito nas universidades) e debatiam via e-mail, sendo que os e-mails eram enviados para todos do grupo simultaneamente.

As redes sociais virtuais permitem esse mesmo processo de comunicação, de forma ampliada. Nelas é possível a conversa coletiva em um grupo (no antigo Orkut se chamava “comunidade” e no Facebook e WhatsApp se chamam grupo), e permitem as conversas interindividuais (no caso do Facebook, através do bate-papo via Messenger) e passaram a possibilitar, em alguns casos com o desenvolvimento posterior, a postagem de vídeos, textos, links, áudios, etc. Assim, se via e-mail havia a comunicação interindividual, a lista de discussão (grupo de e-mail) gera a comunicação grupal, assim como o chat. As redes sociais virtuais apontam prioritariamente para comunicação grupal, mantendo a interindividual e a global. A comunicação global na internet já ocorria via site e depois blogs, e nas redes sociais ocorrem através das postagens na timeline, ou “linha do tempo”, tal como no Facebook, ou no status, tal como no WhatsApp. Na comunicação global (o que é relativa, pois o indivíduo pode restringir quem tem acesso, dependendo da rede social), todos que têm acesso ao perfil de um indivíduo podem acessar suas postagens. Assim, o usuário pode realizar postagens que significam comunicação interindividual, grupal ou global.

Os processos anteriormente aludidos também ocorrem nas redes sociais virtuais. As redes sociais virtuais são produtos sociais, são piramidais, são reprodutoras e são marcadas por contradições e lutas. As redes sociais não foram criadas pela população e sim por grandes empresas capitalistas que atuam na internet, desde o Orkut, passando pelo Facebook, até chegar ao WhatsApp, entre diversas outras. As pessoas leem notícias sobre a aquisição de uma por outra e o volume de dinheiro gasto nessas transações sem se atentar para isso. As redes sociais virtuais competem umas com as outras (surgindo as cópias e concorrentes semelhantes, algumas sem grandes chances). O caráter piramidal ocorre tanto no processo de quem controla as informações, as regras, etc., quanto em quem tem mais espaço, mais “curtidas”, mais influência, etc. O caráter reprodutor está presente não apenas porque os usuários trazem as marcas da sociabilidade capitalista e mentalidade burguesa consigo, mas também por causa do seu modo de funcionamento, da força do dinheiro (uma página no Facebook pode ser “impulsionada” por um indivíduo, grupo, instituição, desde que tenha dinheiro para pagar e assim aparecer para um grupo maior de usuários), etc.

As contradições e lutas emergem no seu interior por expressarem a insatisfação, os problemas, as disputas, que existem efetivamente na sociedade. Além disso, oposições emergem a partir da competição social que se reproduz no seu interior, que pode ser interindividual, eleitoral (em épocas de eleições, com defesas e críticas a candidatos), esférica (nas disputas no interior das esferas sociais, tal como a científica e artística), etc. E isso é reforçado pelas ideologias, doutrinas, concepções morais, religiosas, políticas, quando são conflitantes, gerando outros motivos para polêmicas nas redes sociais virtuais. Um dos elementos comuns nas redes sociais virtuais é a formação do que se denominou “bolhas”, ou seja, espaços virtuais nos quais convivem apenas os semelhantes e isso fornece a impressão de que é algo generalizado na sociedade, mas é apenas de um setor da sociedade.

As bolhas reproduzem a divisão social do trabalho existente na sociedade capitalista. Podemos dividir as redes sociais virtuais, embora isso seja mais adequado para redes como o Facebook, por classes sociais, blocos sociais, e suas subdivisões. Dentro da bolha das classes superiores, existem subdivisões por classes, concepção política, regiões culturais, etc. E no interior dessas bolhas, emergem consensos, dissidências, correntes de opinião, chavões, etc. Muitos reproduzem isso sem maior reflexão.

No entanto, é necessário compreender que as redes sociais virtuais são dominadas pelos blocos sociais e pela hegemonia regional em cada um deles. Os blocos sociais são expressões políticas, organizadas e conscientes, de classes sociais, sendo que o bloco dominante, conservador, expressa a classe dominante (burguesia); o bloco progressista expressa as classes auxiliares, especialmente os seus setores autonomizados (burocracia e intelectualidade); o bloco revolucionário expressa o proletariado (VIANA, 2015b). As bolhas podem expressar a hegemonia regional de um ou outro bloco social, bem como a hegemonia regional de uma ou outra classe social.

Estes elementos introdutórios apenas oferecem um panorama geral da internet e seu objetivo foi fornecer uma análise preliminar para mostrar a sua complexidade e algumas de suas principais características, bem como contribuir para superar as representações cotidianas e concepções ingênuas a seu respeito, o que prejudicaria a compreensão da relação entre ela e os movimentos sociais.

Movimentos sociais, internet, redes sociais

Muitas vezes se confunde movimentos sociais com outros fenômenos, como manifestações, por exemplo, e, nesse caso, ocorre um processo de abordar manifestações e protestos e sua relação com as redes sociais virtuais (CASTELLS, 2013; GOHN, 2013), gerando um processo analítico distante do que tradicionalmente se define como movimento social. Assim, é necessário expor o conceito de movimentos sociais e analisar sua relação com a internet e seus recursos comunicativos.

Entendemos por movimentos sociais mobilizações de grupos sociais que produzem senso de pertencimento e objetivos gerados por insatisfação social (demandas, necessidades, interesses, etc.) com determinada situação social (VIANA, 2016a). Alguns dos movimentos sociais que mais se destacam são o feminino, negro, estudantil e o ecológico. Os movimentos sociais, portanto, se distinguem dos movimentos de classes sociais (VIANA, 2016b), das organizações mobilizadoras (VIANA, 2017a), entre outros fenômenos semelhantes ou relacionados. Também se distinguem de manifestações e protestos (COSTA, 2016). Para entender isso, é necessário enfatizar que se trata de movimentos de grupos sociais e que são os indivíduos ativistas destes que compõem os movimentos sociais. Os movimentos sociais, no entanto, não são homogêneos, possuem divisões e subdivisões (de classe, cultura, sexo, raça, tendências, organizações, concepções). É fundamental distinguir entre o movimento social e suas ramificações. O movimento feminino, por exemplo, é composto por diversas tendências (orientações políticas), concepções (ideologias, doutrinas), organizações, etc. O sufragismo não é “um” ou “o” movimento feminino e sim uma ramificação do mesmo, assim como o feminismo liberal de Betty Friedan e o feminismo existencialista de Simone de Beauvoir são ramificações do mesmo.

Sendo assim, alguns fenômenos abordados como “movimentos sociais” não constituem efetivamente movimentos sociais. A análise de fenômenos como os Indignados, Ocuppy Walt Street, entre outros (CASTELLS, 2013; GOHN, 2013) realiza uma confusão entre mobilização e movimentos sociais. Ao confundir fluxos de protestos e movimentos sociais, perde-se de vista a diferença entre o esporádico e conjuntural e o permanente e estrutural.

Assim, após expor o conceito de movimentos sociais, podemos focalizar a relação entre estes e a internet. A internet, como colocamos anteriormente, é um novo meio de comunicação que emerge e se desenvolve, aumentando cada vez mais o número de usuários e ganhando usos distintos com objetivos distintos. Qual é o uso da internet pelos movimentos sociais? Essa é uma questão importante, mas não é a única. Outras questões devem ser levantadas, tais como: qual é a influência da internet sobre os movimentos sociais? A complexidade e diferenciação interna da internet revela a complexidade dessa relação. Da mesma forma, a relação entre movimentos sociais e internet não pode ser isolada de outras relações, tais como a da internet e estado, classes sociais, blocos sociais, mercantilização, burocratização, etc.

O uso da internet pelos movimentos sociais é variado. A internet acaba sendo uma ferramenta de comunicação interna dos movimentos sociais e divulgação de suas demandas, ações, etc., para o público externo, tornando-se mais uma forma de atuação dos mesmos. Então podemos elencar os seguintes usos da internet pelos movimentos sociais: a) comunicação interna, na qual os membros de uma organização mobilizadora ou do conjunto do movimento social se comunicam; b) divulgação de suas reivindicações, no qual busca atingir a população ou setores dela divulgando suas demandas, ações, eventos, manifestações, etc.; c) manifestação de suas concepções (ideologias, doutrinas, representações etc.); d) busca de novas adesões, tentando conquistar mais adeptos e ativistas; e) busca de apoio de outros setores da sociedade, como patrocínio, participação em eventos e ações, etc. Esses usos variam de acordo com a ramificação do movimento social, pois existem organizações mobilizadoras, tendências, concepções, com maior força e capacidade de atuação do que outras.

Assim, o uso dos movimentos sociais na internet reproduz a situação piramidal, pois as organizações mobilizadoras com mais recursos, maior número de ativistas, etc., também possuem melhores condições de atuação e uso mais eficaz no mundo virtual. Assim, uma organização mobilizadora poderá ter site e blog, outra apenas blog. O blog, por sua vez, pode ser atualizado raramente ou cotidianamente. Isso depende dos recursos financeiros e humanos. Os recursos humanos podem compensar a falta de recursos financeiros, quando o ativismo é intenso por parte de alguns indivíduos. Por outro lado, as tendências hegemônicas tendem a ser mais eficazes e ter melhor recepção daqueles que atingem virtualmente. Desta forma, não é difícil perceber que as tendências conservadoras e reformistas são hegemônicas na internet e nas redes sociais virtuais. As redes sociais virtuais são outro espaço de atuação, mas com mais debate e polêmicas, e confronto de ideias, concepções, correntes de opinião, etc.

Os movimentos sociais também são atingidos pela internet, especialmente as redes sociais, como o Facebook, pois são apoiados, questionados e reformulados nesse espaço virtual. Na verdade, os ativistas são atingidos pela internet como um todo – assim como fora da internet são atingidos pelos meios oligopolistas de comunicação, instituições, etc. –, mas nos últimos tempos as redes sociais virtuais ganharam maior espaço, especialmente para os ativistas de movimentos sociais, militantes políticos, entre outros, pois permitem uma participação e ação, tal como as elencadas acima. As correntes de opinião atingem os ativistas, bem como as ideologias e doutrinas hegemônicas na sociedade civil e na internet. No fundo, a internet reproduz o paradigma hegemônico, o subjetivismo, e o participacionismo na rede mundial de computadores e, o que é mais forte nas redes sociais virtuais, parece confirmar a concepção subjetivista. Muitos pensam que foram “empoderados”, se tornaram “protagonistas” (inclusive sem saber a origem dessa terminologia e seu significado político), que são expressão de sua própria “subjetividade”, confundindo participacionismo e práxis, espontaneidade e liberdade (VIANA, 2015c).

No caso das redes sociais virtuais, os ativistas dos movimentos sociais tendem a se inserir em bolhas que são ilusórias. As bolhas virtuais são ilusórias por que os indivíduos inseridos nelas, incluindo os ativistas, passam a acreditar que o que é hegemônico no seu interior é verdadeiro, quase consensual (o que é verdade na bolha, mas não fora dela, e existem outras bolhas, opostas e até antagônicas), o que reforça intolerância e incomunicação. Isso, por sua vez, não prejudica apenas os ativistas como indivíduos, mas a sua organização mobilizadora e/ou o grupo social de base do seu movimento social. Os indivíduos ativistas são prejudicados por romperem relações pessoais, criarem expectativas irrealistas, gerarem insatisfação psíquica, entre outros processos. As organizações mobilizadoras são prejudicadas por perderem apoios, simpatizantes, capacidade de mobilização, ao lados dos problemas que atingem seus ativistas e que repercutem na organização.

De qualquer forma, é preciso reconhecer que o caráter piramidal e reprodutor da internet atinge os movimentos sociais, que também são atingidos pelo mundo real. Isso reforça a hegemonia burguesa, a reprodução do subjetivismo e a supremacia do conservadorismo e progressismo nos movimentos sociais. O subjetivismo e a recusa da teoria e da razão, que são produzidas e reproduzidas por diversas ideologias e concepções, reforçam essa situação de debilitamento crítico e político dos movimentos sociais. Isso é mais forte em suas tendências hegemônicas, mas atinge o movimento social como um todo. Nesse contexto, surge, por exemplo, o imaginário conveniente sobre “vivência” e “lugar de fala” (VIANA, 2017b), divulgado via blogs e redes sociais virtuais, entre outros espaços virtuais.

As divisões que perpassam a sociedade, especialmente as lutas de classes, também se reproduzem nos movimentos sociais, no mundo real e no mundo virtual. A internet reproduz e reforça isso. As redes sociais virtuais e bolhas virtuais acabam incentivando manifestações cada vez mais exóticas no seu interior e permitindo emergência de moralismos (conservador e progressista) e do imoralismo. O moralismo se expandiu e virou palco de disputas e polêmicas, ocupando muitas vezes mais espaço que a reflexão, a teoria (ou ideologia), projetos políticos, etc. O moralismo, por suas próprias características, acaba reforçando o conflito, a polêmica, a dissensão, e, por conseguinte, diminui a possibilidade de apoios e adesões de outros setores da sociedade, bem como fortalece a intolerância e incomunicação. Ao lado disso, promove diversas subdivisões. A proliferação de subdivisões é um dos impactos desse processo, inclusive devido ao processo de difusão mais amplas de ideologias, doutrinas, concepções, mesmo que superficialmente apreendidas, mas que geram correntes de opinião que, com a força do coletivo e da pressão social, se tornam convicções, alterando as representações cotidianas de setores de determinado movimento social.

Isso, por sua vez, gera uma divisão dentro dos movimentos sociais entre aqueles que ficam apenas no nível da opinião e aqueles que ficam ao nível da convicção. Esse último caso é um gerador de conflitos, internos e externos, pois gera dogmatismos e processos identitários excludentes, gerando a recusa dos outros (grupos, setores, indivíduos discordantes, etc.). Isso também é reforçado pelos conflitos reais existentes na sociedade, as ações dos grupos e indivíduos e, principalmente, pela competição social e mentalidade competitiva que é dominante na sociedade moderna. Isso envolve um conjunto de questões políticas e culturais, sendo que a internet amplia esses processos e ainda, devido sua dinâmica própria, intensifica os conflitos internos e externos. Diversos outros elementos poderiam ser acrescentados nesse processo de influência da internet nos movimentos sociais, mas nos limitaremos a estes.

Por fim, é necessário entender que a internet e as redes sociais virtuais não estão isoladas das relações sociais reais, e, portanto, as reproduzem e reforçam. Porém, essas relações são marcadas por contradições, conflitos e lutas, que também se reproduzem no mundo virtual. Os indivíduos das classes inferiores tendem, muitas vezes, a recusar ou desconsiderar o que é hegemônico nos meios intelectualizados (maciçamente pertencente às classes superiores), bem como os setores mais politizados trazem novas contradições e isso tudo convive ao lado da competição social em suas múltiplas formas. É por isso que a sociedade é um local de disputas, tanto a competição (disputa dentro da sociedade para melhorar a posição no seu interior) quanto a luta (conflito de classes buscando conservar ou transformar a sociedade). E a internet reproduz esse mesmo processo e em ambos os casos predomina a classe dominante, seja sob a forma conservadora, seja sob a forma progressista, duas formas de reproduzir as relações sociais existentes. Os movimentos sociais são atingidos por esse processo e também o reproduz, tanto na sociedade em geral quanto na internet.

Considerações finais

A internet reproduz a sociedade, incluindo suas contradições. Os movimentos sociais estão presentes tanto no mundo real quanto no mundo virtual. Assim, os movimentos sociais agem na internet, mas são muito mais afetados do que a afetam. No entanto, como há uma certa coincidência discursiva entre os setores hegemônicos dos movimentos sociais e o discurso hegemônico na internet e por isso eles aparecem como agentes livres, mas são muito mais determinados do que determinantes. No entanto, isso não abole a capacidade comunicativa da internet e a sua possibilidade de contribuir com a divergência, crítica, mobilizações, ações, politização e transformação. Porém, a concretização disso depende das lutas reais na sociedade e nas condições reais e concretas da vida. As lutas existentes na sociedade podem se ampliar e assim o uso da internet pode sofrer alterações, os usuários podem se politizar e superar seus usos despolitizados, romper com as concepções hegemônicas, etc. Esse processo ocorreu em diversas mobilizações pelo mundo (CASTELLS, 2013) e no Brasil (2013), na chamada “Revolta Árabe” e outros processos. Também teve outros usos políticos (independente da perspectiva), tais como os realizados pelos EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) e MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra), Movimento Antiglobalização e o seu uso alternativo como informação, tal como fez o CMI (Centro de Mídia Independente).

Assim, a internet é um espaço de lutas e os movimentos sociais, em suas variadas ramificações e tendências, o disputam. O bloco revolucionário também luta na internet, assim como os demais blocos, e isso ocorre na sociedade como um todo. Em épocas de radicalização das lutas, a internet pode deixar de ser hegemonicamente reprodutora e se tornar hegemonicamente transformadora. Esse é um processo de luta que só ela mesma pode definir.

Em síntese, a internet e as redes sociais virtuais são espaços de luta e os movimentos sociais também. Nesse entrelaçamento entre mundo real e mundo virtual e suas diversas lutas, se revela uma complexidade que não é compreensível imediatamente. Por isso, é necessário ir além da aparência e perceber as contradições e determinações que estão presentes nela. O presente texto buscou apresentar uma introdução ao processo analítico da internet e sua relação com os movimentos sociais, apontando para a necessidade de ir além da aparência, e, nesse sentido, cumpriu com o seu objetivo.

Referências

BRAGA, Lisandro. A Teoria do Regime de Acumulação Integral. In: MARQUES, Edmilson e MAIA, Lucas (orgs.). Nildo Viana: Dialética e Contemporaneidade. Lisboa: Chiado, 2018.

CARR, Nicolas. O Google está nos deixando mais estúpidos? Disponível em:

CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança. Movimentos Sociais na Era da Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013

COSTA, Leon. Movimentos Sociais, Protestos e Manifestações Públicas. In: VIANA, Nildo (org.). Movimentos Sociais: Questões Teóricas e Conceituais. Goiânia: Edições Redelp, 2016.

ECO, Umberto. A Conspiração dos Imbecis. Disponível em: https://informecritica.blogspot.com/2008/01/a-conspiracao-dos-imbecis-umberto-eco.html acesso em: 30/12/2018

GOHN, Maria da Glória. Sociologia dos Movimentos Sociais. São Paulo: Cortez, 2013.

MARTÍNEZ, S. L. et al. Internet e Lucha Política. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2006.

MARX, Karl. A Luta de Classes na França. São Paulo: Global, 1986.

ORIO, Mateus. O Desenvolvimento Capitalista na Sucessão de Regimes de Acumulação. Ciências Humanas. Revista da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia. Vol. 02, nº 09, Jan. 2014.

SLEVIN, James. Internet e Sociedade. Lisboa: Temas e Debates, 2002.

VIANA, Nildo. Blocos Sociais e Luta de Classes. Revista Espaço Livre, Vol. 10, n.º 10, jul./dez. 2015.

VIANA, Nildo. Espontaneidade e Liberdade. Revista Posição. Ano 02, vol. 02, num. 06, jan./jun. 2015. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rpo/article/view/2viana6/222 Acessado em: 06/06/2015.

VIANA, Nildo. Movimentos Sociais e Movimentos de Classes: Semelhanças e Diferenças. Revista Espaço Livre, v. 11, n. 22, 2016b.

VIANA, Nildo. Movimentos Sociais e Organizações Mobilizadoras. Revista Espaço Livre, vol. 12, num. 23, 2017. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/view/653/562 Acessado em: 14/10/2017a.

VIANA, Nildo. Os Movimentos Sociais. Curitiba: Prismas, 2016a.

VIANA, Nildo. Os Valores na Sociedade Moderna. Brasília: Thesaurus, 2007b.

VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo: Escuta, 2008.

VIANA, Nildo. Vantagens Competitivas, Microrreformismo e Imaginário Conveniente. A Integração dos Movimentos Sociais no Capitalismo Contemporâneo. Revista Espaço Livre, vol. 12, num. 24, jul-dez. 2017b.

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Publicado originalmente em:
GUILHERME, William Douglas (org.). A Produção do Conhecimento nas Ciências Sociais Aplicadas 4. Belo Horizonte: Atena, 2019.

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* Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás. nildoviana@ymail.com

quinta-feira, 11 de abril de 2019

O Capital Recreativo: A Apropriação Capitalista do Lazer

O Capital Recreativo: A Apropriação Capitalista do Lazer


ORIO, Mateus. Capital Recreativo: A Apropriação Capitalista do Lazer. Curitiba: CRV, 2019.

Mateur Orio apresenta nessa obra uma análise profunda da apropriação do lazer pelo capital. Para tanto, traz o conceito de capital recreativo, um setor do capital que explora de forma capitalista, o lazer. Assim, o lazer se torna fonte de lucro e é cada vez mais mercantilizado. Através de uma análise rigorosa do capitalismo e dos regimes de acumulação, bem como do lazer e seu significado. Orio mostra como o lazer é envolvido na dinâmica capitalista, tanto da produção de mercadorias (envolvendo capital e trabalho produtivo) e consumação de mercancias (envolvendo capital e trabalho improdutivo), e acaba sendo apropriado pelo capital e servindo ao seu processo de reprodução.


Detalhes do produto

Editora: EDITORA CRV
ISBN:978-85-444-3068-2
DOI: 10.24824/978854443068.2
Ano de edição: 2019
Distribuidora: EDITORA CRV
Número de páginas: 228
Formato do Livro: 16x23 cm
Número da edição:1
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