"O sono da razão produz monstros" |
CRÍTICA À
RAZÃO IRRACIONALISTA
Nildo
Viana
Hoje a razão vem sendo
questionada. É preciso compreender os motivos que faz com que ela seja negada
contemporaneamente. O irracionalismo, baseado em ideologias científicas ou
filosóficas ou, ainda, em concepções místicas ou religiosas, é, na verdade,
manifestação das tendências regressivas na sociedade contemporânea.
O irracionalismo tem como fonte inspiradora os antigos irracionalistas
do século XIX (Nietzsche, por exemplo) e as tendências ideológicas que resgatam
o pensamento destes ideólogos, (o pós-estruturalismo, também chamado “pós-modernismo”).
Outra fonte inspiradora se encontra no misticismo e no chamado “novo
espiritualismo” que vem ganhando espaço social nos últimos tempos. Os
pós-estruturalistas negam a razão e declaram a necessidade de seu abandono.
Esta ideologia é, na verdade, a expressão de uma contrarrevolução cultural
preventiva que simplesmente troca a crítica da razão instrumental, realizada
pela Escola de Frankfurt, por uma crítica da razão em geral. Assim, com a
aparência de criticidade e em alguns casos até de ter um caráter “revolucionário”,
os ideólogos pós-estruturalistas negam a razão e a teoria, sem fazer
distinções. Eles retomam teses irracionalistas e criticam o racionalismo,
incluindo o marxismo. O racionalismo é uma ideologia burguesa e metafísica e o
seu amálgama com o marxismo, que muitos ditos “marxistas” aceitaram de bom
grado, serve aos interesses intrínsecos do capitalismo contemporâneo, virando
moda e sendo uma arma do capital contra as tentativas de transformação social. O
mesmo processo ocorre com o irracionalismo, uma nova moda e que reúne diversas
ideologias vigentes. Trata-se, no fundo, de uma visão neoconservadora. Outra
tendência é o misticismo e novo espiritualismo que se instaura através do
ecletismo ou da transformação do sucesso e dinheiro no grande objetivo
religioso. Os novos vendilhões das mais variadas seitas e igrejas transformam
os valores burgueses de ascensão social, competição, busca por status, poder e riqueza, como o supremo
objetivo da vida. Os místicos misturam várias religiões e concepções (de
Platão, passando por Nietzsche, até chegar a Jung), em alguns casos até mesmo
literatura de autoajuda, e passam a justificar e legitimar as relações sociais
existentes, alguns pregando veladamente concepções racistas, neonazistas,
preconceituosas, partindo de sua suposta superioridade espiritual ou de raça.
A razão instrumental, sem dúvida, está a serviço da dominação
capitalista. Porém, isto não se aplica à teoria ou à razão em geral. Ao evitar
esta distinção, os ideólogos apenas buscam retirar a teoria e a razão da luta
dos explorados e dominados para facilitar a reprodução da dominação e
exploração. O que gera a adesão a esta nova onda de irracionalismo é, por um
lado, a miséria psíquica reinante atual, que transformou a “geração coca-cola”
em “geração prosac”, e, por outro, a pobreza e miséria real de algumas pessoas.
A depressão, o stress (ansiedade), a
infelicidade, a pobreza, o desemprego, juntamente com a falta de uma
perspectiva de mudança, seja individual ou coletiva, faz com que as pessoas se
apeguem a crenças irracionais como forma de sobrevivência psíquica ou de
esperança. Estes dois elementos são reforçados pelos modismos ideológicos
acadêmicos da esquerda (progressista) e pela ascensão da extrema-direita e revigoramento do
fascismo e neonazismo.
Hoje, o processo de repressão social (que atinge os indivíduos sob todas
as formas), o controle cada vez mais intensivo dos indivíduos e trabalhadores,
tal como as suas emoções (a ideologia da “inteligência emocional”), a videovigilância,
a exigência cada vez maior de produtividade e rendimento, o reino absoluto dos
valores do sucesso e da riqueza (tal como na “teologia da prosperidade”, “autoajuda”,
etc.), e o produtivismo acadêmico, promovem uma alienação total, que pode gerar
uma recusa total ou uma reação alienada. Isto fortalece tendências regressivas
que podem levar a uma nova barbárie. O irracionalismo (e o culturalismo)
reforça estas tendências ao pregar a recusa da razão e o relativismo, como se
tudo fosse cultural e relativo e, portanto, sem necessidade de discussão. A
comunicação humana é, desta forma, assassinada, pois esta só pode ocorrer via
razão. A comunicação através do confronto ou acomodação de valores e
sentimentos é inviável, pois gera a tendência ao conflito irracional ou ao
conformismo de rebanho. O capitalismo hiperrepressivo sufoca o indivíduo nas
relações de trabalho e na aquisição de bens básicos pela maioria da população
é, ao mesmo tempo, um capitalismo aparentemente ultraliberal, pois libera o
indivíduo para prazeres hedonistas, sádicos e pervertidos, enquanto satisfação
substituta ou “válvula de escape”. Estas contradições podem gerar, como
resultado negativo, uma nova era de fascismo e, como resultado positivo, a
transformação social. Esta última tem como condição de possibilidade o
reconhecimento da necessidade da teoria e da razão humanista e, por
conseguinte, sua defesa se torna também uma necessidade.
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