A PEC 241/55 E AS POLÍTICAS DE AUSTERIDADE
05:
A VERDADEIRA ALTERNATIVA
Nildo Viana
O discurso técnico do bloco dominante e o discurso
demagógico do bloco progressista parecem opostos. No entanto, é uma oposição e
não um antagonismo. São duas formas de encarar a desestabilização e desaceleração
do ritmo de acumulação de capital. Após apresentarmos e criticarmos estas duas
posições, passamos a apresentar a nossa concepção.
A desaceleração do ritmo de acumulação de capital começou a
dar os seus primeiros sinais em 2013 e se aprofundou com o passar do tempo,
sendo que as políticas do Governo Dilma agravaram ainda mais a questão, pois
evitou ações governamentais impopulares (e que prejudicariam os resultados eleitorais
de 2014) e no ano seguinte mostrou inoperância, em parte por incompetência e em
parte por causa do projeto de se manter no poder e manter o neopopulismo.
Assim, o “crescimento econômico” (acumulação de capital) desacelerou, ocorreu
um aprofundamento da crise de legitimidade (que se agravou a partir das
manifestações de 2013 e se ampliou após as eleições de 2014 e denúncias
posteriores de corrupção) que gerou uma crise de governabilidade. Nesse
contexto, o impeachment de Dilma
Roussef aparecia como a chance de mudar de rota e retomar o ritmo de acumulação
de capital. O governo foi, paulatinamente perdendo apoios e se isolando, bem
como não conseguia superar a crise financeira. Isto, somado a determinados interesses
político-partidários, foi suficiente para a mudança governamental.
O Governo Temer tinha a missão de realizar uma “ponte para o
futuro”, através de políticas neoliberais não mais neopopulistas e conseguir
recuperar a “economia” brasileira. Esse processo parecia tranquilo, pois o novo
governo, apesar da previsível oposição do bloco progressista, reforçado pela
volta do PT, tinha conseguido aglutinar os setores fundamentais da classe
dominante, bem como maioria parlamentar, formada no próprio processo de impeachment. Um outro ponto positivo era
que o novo governo, alinhado com os interesses da burguesia nacional e
transnacional e sem a ambiguidade eleitoreira do PT, vinha com a promessa de
maior confiança e investimento estrangeiro, elemento importante para a
recuperação do ritmo de acumulação de capital.
Porém, o Governo Temer foi, aos poucos, decepcionando e
mostrando uma inoperância tal qual o governo anterior. Os novos ministérios não
foram de experts e grandes nomes como
se esperava, a não ser em um ou outro caso. A escolha de Henrique Meirelles
para Ministro da Fazenda foi bem vista por muitos, mas revelava um problema
oculto: a falta de criatividade e originalidade do novo governo. Escolher um colaborador
do governo Lula (foi presidente do Banco do Brasil, com status de ministro, durante oito anos) mostra que a intenção seria
resolver a crise do regime de acumulação integral (e do neoliberalismo) com
mais políticas neoliberais. No entanto, as políticas neoliberais devem se
ajustar ao desenvolvimento do regime de acumulação integral e não se repetir em
qualquer situação. O neoliberalismo que emergiu nesse contexto foi inflexível e
marca a sua forma quando se depara com a desestabilização do regime de
acumulação integral. Nesse contexto, emerge um neoliberalismo discricionário
que busca ampliar o caráter neoliberal e suspender políticas de assistência
social, direitos trabalhistas, etc.
O resultado do neoliberalismo discricionário é aumento da
pobreza e da exploração. Esse é um dos objetivos e foi assim que ele se
desenvolveu em alguns países, como a Grécia (veja: http://resistir.info/grecia/polychroniou_mar13.html,
pois, apesar de alguns equívocos, esse texto aponta para alguns elementos dessa
forma de neoliberalismo e suas consequências no caso grego). No entanto, este
objetivo não é um fim em si mesmo, pois o objetivo fundamental e final é
retomar o ritmo de acumulação de capital. O objetivo fundamental raramente se concretiza.
No caso brasileiro, a PEC 241/55 e as políticas de austeridade em geral tendem
a surtir o mesmo efeito. A razão para a insistência no neoliberalismo
discricionário não é devido aos seus resultados e sim, por um lado, ao apego às
receitas neoliberais e falta de uma alternativa real ao atual quadro do regime
de acumulação integral e, por outro, aos interesses do capital transnacional.
Aqui fica claro que as políticas de austeridade são as soluções apresentadas da
perspectiva da classe capitalista e que é defendida por alguns em parte por
causa da ideologia neoliberal e sua força de convencimento junto com falta de
alternativa. Contudo, para outros, especialmente os organismos internacionais e
capital transnacional (seguindo os interesses dos países imperialistas), é uma
forma de aumentar a transferência de mais-valor, ou seja, a exploração internacional.
Os problemas sociais, instabilidade política, pobreza, etc., não atinge o
capital transnacional. O que o atinge é a diminuição do consumo e alguns outros
elementos que promove o não aumento do investimento, mas permite uma taxa de exploração
elevada e remessa de parte dela para os países de capitalismo imperialista.
As políticas de austeridade não conseguem retomar o ritmo da
acumulação de capital por suas contradições e pelo motivo que teria que ser
acompanhada de outras mudanças nas políticas estatais (política financeira,
política industrial, etc.). Essas políticas deveriam já ter sido alteradas e não
foram, o que promove o descrédito do atual governo por falta de resultados,
corroendo um dos seus pilares de sustentação: a confiança e o apoio de parte da
classe capitalista. Sem dúvida, outras soluções poderiam ser tentadas na
perspectiva da classe capitalista, como, por exemplo, o aumento da inflação e
dos juros. Essa foi uma das estratégias utilizadas nos anos 1970, quando o regime
de acumulação conjugado (anterior ao atual) tentou solucionar sua crise sem
alterar o regime de acumulação.
Por fim, as políticas de austeridade só podem surtir algum
efeito, da perspectiva do bloco dominante, se for acompanhada por outras
políticas estatais que atuem sobre o processo de produção da riqueza. A diminuição
dos gastos estatais se insere num processo que não atinge a produção de riqueza
material. No âmbito estatal e nas relações de distribuição, o que temos é valor
estacionário, ou seja, repartição do mais-valor e distribuição/redistribuição de
renda e não reprodução ampliada do capital. O PIB é um medidor inexato desse
processo, pois não calcula a produção de mais-valor. Apesar disso, o não
crescimento ou diminuição do PIB é um indício[1] de
que a acumulação de capital está desacelerando. A questão fundamental é o
aumento da produção de mais-valor, a reprodução ampliada do capital. As
políticas de austeridade são insuficientes para conseguir isso e ainda cria um obstáculo,
que é a diminuição da renda e consumo, sendo isto um elemento desacelerador da acumulação
de capital.
Em síntese, o que o discurso técnico do bloco dominante
esconde é que as políticas de austeridade são a solução para a classe
capitalista (especialmente para o capital transnacional) e não para o conjunto da
população e que é limitada e geradora de outros problemas mesmo para tal
classe. Ela, para ter maior eficácia, precisaria ser acompanhada de outras
políticas (financeira, industrial, agrícola, etc.), o que, no entanto, só seria
possível com alta dose de competência, criatividade e sair do receituário
neoliberal.
As políticas de austeridade, no entanto, tal como a PEC
241/55, são problemáticas pela sua estruturação, a começar pela longevidade (20
anos, no caso da PEC 55). Claro que isso visa diminuir os gastos estatais e os
problemas financeiros do aparato estatal, bem como impedir que novos governos
neopopulistas, visando se manter no poder, aumentem os gastos além do que está
na lei.
Mas não é apenas o discurso técnico do bloco dominante que
esconde o principal. O discurso demagógico do bloco progressista também realiza
o mesmo processo. O que ele esconde? Como já colocamos, ele não apresenta
nenhuma alternativa. O bloco progressista é composto, basicamente, pelas
classes auxiliares da burguesia, e por isso sua autonomia é muito restrita e
elas são incapazes de romper com o modo de produção capitalista. O seu dilema é
justamente esse: deve ser oposição, mas não tem alternativas reais para
apresentar. Por isso o discurso do bloco progressista é demagógico. Chegando ao
governo, faria as mesmas políticas que hoje questiona. Aliás, as políticas do
Governo Temer já vinham sendo implementadas (timidamente, por causa do
neopopulismo e processo eleitoral) por Dilma Roussef e se ela tivesse
continuado no governo, avançaria nesse sentido ou então deixaria a situação mais
descontrolada ainda, gerando novas contradições e transformando a desestabilização
em crise. Mesmo a ala mais extremista do bloco progressista, que é mais autônoma,
não aparece com nenhum projeto alternativo e nem sequer ergue a bandeira da revolução.
O caso grego é novamente exemplar: o revezamento entre conservadores e
socialistas no governo foi superado pela emergência do Syriza, que era
esperança de rompimento com o neoliberalismo devido seu caráter supostamente
mais “radical” e mais “esquerdista”. No entanto, uma vez no poder, seguiu a
cartilha neoliberal.
O que o discurso demagógico do bloco progressista esconde
(especialmente o PT, mas também os demais partidos de esquerda) é que eles não possuem
alternativas e apenas usam as políticas de austeridade para combater o atual
governo e tentar retornar ao aparato estatal. A sua incapacidade de oferecer
uma alternativa, por sua vez, é gerada por seu vínculo com o capitalismo, pois não
propõem superá-lo e por isso deve governá-lo, quando consegue ascender ao
poder, e por isso não se difere radicalmente dos partidos e projetos do bloco
dominante.
Existe alguma alternativa às políticas de austeridade? A PEC
241/55, bem como a reforma da previdência são inevitáveis? Na verdade, não existe
nenhuma alternativa radical ao que está sendo proposto. O que poderia ser
feito, por um governo competente e que quisesse evitar o processo de redução drástica
dos gastos estatais, seria diminuir o desperdício, a corrupção, etc. e alguns
gastos estatais em setores em substituição de outros, bem como uma política de
retomada do ritmo acelerado de acumulação de capital, sendo este bem mais
difícil e com pouca possibilidade de sucesso imediato. Claro que isso deveria ser
acompanhado com outras mudanças nas políticas estatais.
Isso significaria romper parcialmente com as políticas
neoliberais, ou seja, romper com o neoliberalismo discricionário. Contudo, não basta
competência para isso. Seria necessário convencer a classe dominante de que
este caminho seria possível e obter o mínimo de apoio popular. Interesses
poderosos teriam que ser removidos, especialmente os do capital transnacional. Assim,
além de um governo extremamente competente (algo quase impossível no Brasil
atual), seria necessário articular politicamente para que uma proposta
alternativa fosse apoiada por quem detém o poder financeiro. Os resultados
disso, no entanto, seriam um impacto menor do que está previsto com as
políticas de austeridade (que, aliás, é exagerado pelo bloco progressista), mas
que estaria fadada ao fracasso se não conseguir realizar a retomada do ritmo de
acumulação.
Uma solução mais fácil e rápida seria o foco não em
políticas de austeridade (que poderiam ser reduzidas para evitar impopularidade
do governo por causa delas) e sim em arrocho salarial e aumento da taxa de exploração.
Obviamente que esse caminho é, geralmente evitado, pois corre o risco de
colocar na cena política o mais velho e perigoso inimigo: o proletariado. A
classe dominante há muito tempo evita um ataque direto aos trabalhadores em
geral e ao proletariado, mais especificamente. Isso faz parte do plano, mas sob
forma que se torne pouco perceptível, sendo realizado gradualmente,
indiretamente e setorialmente. Obviamente que isso cria uma morosidade no
processo e na retomada do ritmo de acumulação de capital.
Em síntese, este é o quadro atual da sociedade brasileira. O
bloco dominante apresenta seu discurso técnico e propõe políticas de austeridade,
enquanto que o bloco progressista lança mão do discurso demagógico e não propõe
nada. As alternativas são variações das políticas neoliberais que nem sequer estão
sendo apresentadas. Existe uma alternativa mais substancial? Existe, mas nem o
bloco dominante e nem o bloco progressista tem interesse nela. A única
alternativa possível é a partir da perspectiva do proletariado, que ao invés de
querer salvar o moribundo capitalismo aponta para sua destruição. O discurso
técnico do bloco dominante tem seus momentos de verdade e um deles é que o
aparato estatal não pode gastar mais do que arrecada, sem que isso traga consequências
nefastas, especialmente para as classes desprivilegiadas, mas também para
diversos extratos das classes auxiliares da burguesia. Outra verdade do
discurso técnico do bloco dominante é que é preciso retomar o “crescimento econômico”
(ritmo de acumulação de capital) e isso significa mais produção e/ou mais exploração.
A grande verdade do discurso técnico do bloco dominante, que não é explicitado
com as palavras corretas, é que só é possível a sociedade capitalista se
reproduzir aumentando a exploração e isso, no atual momento, tem como forma de concretização
as políticas neoliberais discricionárias, incluindo as políticas de
austeridade. E, portanto, o discurso técnico acaba levando-nos a conclusão de
que no interior do capitalismo não há solução para as classes desprivilegiadas,
apenas para a classe dominante.
A única alternativa para evitar tais políticas de
austeridade, incluindo a PEC 241/55, é a superação do capitalismo. As pequenas variações
das políticas estatais e um pouco mais ou um pouco menos de austeridade,
pobreza, violência, desemprego, etc., é o que se apresenta no horizonte. Além
do horizonte, no entanto, é possível pensar uma nova sociedade, fundada na autogestão
social. Na sociedade autogerida, esses problemas nem sequer existiriam, pois
suas bases também não existiriam. O problema dos idosos, por exemplo, não existiria,
pois a forma de organização da nova sociedade reintroduz o idoso na sociedade.
Uma sociedade autogerida não se fundamenta na busca do lucro, o que gera a valoração
apenas da força de trabalho ativa. A sociedade autogerida é voltada para as
necessidades humanas e cria relações comunais e igualitárias na qual não ocorre
o afastamento dos indivíduos por não estarem no trabalho ativo. Nesse caso, não
existe Previdência e nem aparato estatal para cuidar daquilo que seria
responsabilidade das famílias, sendo que estas teriam, na nova sociedade,
capacidade de cuidar adequadamente dos idosos.
E como chegar a esta nova sociedade? A desestabilização do
atual regime de acumulação aponta para uma maior possibilidade de se pensar a
transformação radical e total das relações sociais. Aumenta o grau de
engajamento da população, a esperança, o processo de luta que reforça essa tendência,
uma maior receptividade da cultura revolucionária. Um dos obstáculos que faz
com que esse processo fique mais lento é o bloco progressista, pois este se
apresenta como uma alternativa. O discurso da alternativa é a alternativa do
discurso incapaz de ser uma real alternativa. E é por isso que o bloco
progressista não apresenta projetos e propostas e sim nomes e partidos. Nada de
novo no horizonte político. O problema é que o bloco progressista ainda
consegue aglutinar setores da sociedade. O bloco progressista é heterogêneo, indo
daqueles que são meros oportunistas querendo o poder e usufruir dos privilégios
advindos do mesmo, até aqueles sinceros opositores sem maior percepção da
totalidade e da incapacidade de resolução dos problemas sem atacar as raízes. Apesar
de sua heterogeneidade, o bloco progressista (ou a “esquerda”) não é parte da solução
e sim do problema.
As manifestações de 2013, bem como as ocupações de escolas
(aquelas do ano passado e deste ano, desconsiderando as que eram organizadas ou
influenciadas pelos partidos e organizações progressistas), são um embrião do
que pode gerar uma luta mais ampla pela transformação radical e total das relações
sociais. Assim, a proliferação de formas de auto-organização e autoformação são
fundamentais e reforçam a tendência de transformação social. É preciso avançar
na luta cultural, pois, sem essa, dificilmente haverá sedimentação das lutas e
seu fortalecimento para as lutas futuras. A crítica do capitalismo deve ser
acompanhada pela crítica da burocracia e do progressismo. O descontentamento é
muito mais amplo e atinge vários outros setores da sociedade, especialmente nas
classes desprivilegiadas. Essas, que parcialmente se manifestam via estudantes
secundaristas, tendem a emergir na luta e quando isto ocorrer a possibilidade
de transformação se torna real.
Por conseguinte, o fundamental hoje é abrir duas frentes de ação:
a luta cultural no sentido de ampliar o bloco revolucionário e a força das
lutas anticapitalistas e o desenvolvimento da luta direta, formas de
auto-organização e autoformação, fundamentais para que haja uma ascensão e
sedimentação das lutas revolucionárias. Uma terceira frente é corroer a
influência do bloco progressista, seu aparelhamento de movimentos sociais, seu
discurso demagógico, seu moralismo, etc. A decisão final sobre isso se revela
na luta de classes e, no interior desta, torna-se importante a ação do bloco
revolucionário no sentido de fortalecer a luta das classes desprivilegiadas em
geral e a do proletariado em particular. A superação dos problemas gerados pelo
capitalismo pressupõe a superação da sociedade capitalista. A superação da
sociedade capitalista, por sua vez, pressupõe a superação da hegemonia burguesa
e burocrática e instauração de uma hegemonia proletária.
[1]
E não passa de um indício, pois várias determinações podem ocultar isso. O
ritmo de acumulação de capital pode estar elevado, mas se o valor estacionário
(sobre isso consulte A Mercantilização
das Relações Sociais) tem pontos em que os indivíduos começam a poupar ou
deixar de investir em capital improdutivo, então a impressão será diferente do
que ocorre efetivamente. Da mesma forma, o PIB pode crescer sem que haja
aceleração da acumulação capitalista, seja através de investimentos estatais
(inclusive oriundos de empréstimos internacionais), ou qualquer outra forma.
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