O Marxismo Antidogmático de Karl Korsch
Nildo Viana
Karl Korsch é
um dos mais importantes pensadores da história do marxismo. A sua contribuição
para o resgate do pensamento de Marx, deformado pela socialdemocracia e
bolchevismo, e sua discussão sobre a dialética materialista, bem como outros
aspectos do seu pensamento, são contribuições permanentes para a teoria
marxista. Esse papel de enorme importância para o desenvolvimento do marxismo,
no entanto, não recebeu o devido reconhecimento, obviamente pelo predomínio do
pseudomarxismo expresso na socialdemocracia e no bolchevismo, duas posições
criticadas por ele e em visível contradição com o mesmo. As suas obras foram
fundamentais para se realizar outra interpretação do pensamento de Marx e
aprofundar aspectos do marxismo e um dos elementos que se destaca em sua
concepção é a busca de superação do dogmatismo. No presente artigo vamos
discutir resumidamente seu pensamento e oferecer um destaque ao que ele
denominou “marxismo não dogmático”, algo permanente em suas obras.
Karl Korsch
nasceu em 1886 em Tolsted, Alemanha. Oriundo de uma classe social privilegiada,
estudou direito, sociologia e filosofia. Recebeu o título de doutor em Direito em 1911,
pela Universidade de Iena. Morou na Inglaterra entre 1912 e 1914, praticando e
estudando direito. Voltou à Alemanha graças à Primeira Guerra Mundial, sendo
incorporado ao exército e ferido duas vezes. Até esse período ele era um
simpatizante do socialismo fabiano e após a guerra torna-se socialista
revolucionário, aderindo ao USPD (Partido Socialdemocrata Independente,
dissidência recém formada do USP, Partido Socialdemocrata Alemão). Com a
emergência da Revolução Alemã de 1918, ele radicaliza e adere à fusão dos
socialistas independentes com os “comunistas” (KPD – Partido Comunista Alemão),
sendo eleito deputado na época da República de Weimar, com a força dos
conselhos operários e diversas tentativas de revoluções no período (a derrota
final da revolução alemã foi praticamente em 1921, apesar de até 1923 ainda
existir uma forte luta operária radicalizada). É nesse período da Revolução
Alemã que ele produz algumas de suas principais obras e polêmicas, tal como Marxismo e Filosofia.
Korsch, a
partir de 1924 torna-se professor titular na Universidade de Iena e nos anos
seguintes um dos principais oposicionistas dentro do KPD, até sua expulsão em
1926. A partir de 1928 publica artigos e realiza outras atividades ligadas às
posições de esquerda (comunismo de conselhos) e em 1933, com a ascensão do
nazismo, é constrangido a mudar para a Inglaterra, onde atua como professor e escreve
uma de suas obras mais importante, intitulada Karl Marx. Depois ele passa por diversos países, como a Suécia
(morando perto do amigo alemão, o famoso teatrólogo Bertolt Brecht) e devido
aos bolchevistas e falsas acusações de relações com Adolf Hitler, ele encontra
dificuldades de permanência em um mesmo país e vive brevemente na Holanda e
França, chegando aos Estados Unidos na segunda metade dos anos 1930. Nessa
época, ele acompanha detidamente a última grande luta proletária antes da
Segunda Guerra Mundial, a Revolução Espanhola, e apoia os anarcossindicalistas,
bem como escreve vários artigos sobre a Guerra Civil na Espanha. Nos Estados
Unidos, Korsch continua trabalhando e escrevendo, sendo que falece em 1961
neste país. Essa breve biografia serve para se ter uma noção mais
contextualizada de sua produção que analisaremos a seguir.
A ideia de um
marxismo não-dogmático emerge no pensamento de Korsch a partir de sua própria
concepção de marxismo. A leitura que Korsch realiza do pensamento de Marx tem
por base não somente uma análise rigorosa do mesmo, mas também uma formação
erudita e um conhecimento aprofundado da obra de Hegel. Isto, sem dúvida, são
as determinações formais do processo de constituição do marxismo de Korsch, que
tem como determinação fundamental as lutas de classes, especialmente as
revoluções proletárias do início do século 20 (especialmente a revolução alemã,
da qual ele participou) e da Guerra Civil Espanhola, além da experiência da
contrarrevolução fascista.
O impacto da
luta de classes no pensamento de Korsch, aliado com sua leitura de Hegel e
Marx, permitiu que ele apresentasse uma concepção de marxismo bem distinta da
existente em sua época e que foi hegemônica graças à socialdemocracia e ao
bolchevismo. A concepção hegemônica de marxismo remetia ao problema da
ortodoxia e esta, tal como no mundo nebuloso da religião, remetia aos escritos
sagrados, especialmente de Marx e Engels (sem diferenciação entre ambos).
Assim, após a morte de Marx, o intérprete autorizado passou a ser Engels e, com
a morte deste, a sua autoridade foi transferida para Karl Kautsky, pelo menos
até 1914, depois disso esse papel é atribuído a Lênin, não sem resistências e
heresias. Posteriormente, Trotsky e Stálin disputariam o “anel verdadeiro”,
agora do novo dogma chamado “marxismo-leninismo” e ao lado de Marx e Engels, os
textos de Lênin também seriam sacralizados (e novamente sem diferenciação).
A concepção de
Korsch, retoma o materialismo histórico, e por isso resgata a importância da
luta de classes e do movimento revolucionário do proletariado para entender o
marxismo. Já no início dos anos 1920, ele busca compreender o que é o marxismo,
não apenas lendo os escritos de Marx e Engels, mas através da compreensão do
seu conteúdo e de sua formação histórica concreta. Em sua grande obra, Marxismo e Filosofia, conjunto de
ensaios publicados posteriormente como livro, ele em sua polêmica com a
socialdemocracia coloca a essência do marxismo: “expressão teórica do movimento
revolucionário do proletariado” (Korsch, 1977). Ou seja, o marxismo não é a
obra de Marx e não é com leituras dogmáticas e citações deste autor que se
compreende a realidade e realiza a luta proletária. Isso não deve fazer cair no
erro oposto de pensar que a obra de Marx não tem nenhum significado ou
importância. Obviamente que se a obra de Marx expressa teoricamente o movimento
revolucionário do proletariado, então é o ponto de partida e elemento
fundamental para o avanço da luta proletária e a compreensão da realidade da
sociedade capitalista. O que muda aqui é que não se trata mais de apenas ler e
citar Marx, é preciso entender os seus escritos e seu vínculo com a luta
revolucionária do proletariado e entender esta e a luta de classes para avançar
o pensamento marxista.
O dogmatismo
criticado por Korsch consiste no processo de buscar resolver as questões
práticas, entender a realidade, tão-somente com citações de alguns autores ou
obras, sem uma análise mais profunda da mesma, sem contextualizá-la e ver de
qual classe é expressão, e também sem entender sua historicidade e que diante
de mutações das lutas de classes é preciso ir além dos escritos passados. É por
isso que ele opunha, inspirando-se em Hegel, por um lado, a ideologia,
pensamento congelado de uma época, e, por outro, a teoria, expressão da
realidade (Gombim, 1972). Essa nova concepção de marxismo, oposta à concepção
socialdemocrata e leninista (que Korsch, nos anos 1920, ainda não terá
consciência até receber as críticas dos bolchevistas), que o compreende como um
pensamento petrificado composto por teses fixadas e separadas (“filosofia
materialista”; “doutrina econômica”, etc.), enfatizará o caráter crítico
revolucionário do marxismo e seu vínculo indissolúvel com a luta revolucionária
do proletariado, rompendo com toda ideologia científica pretensamente neutra e
objetiva. Korsch retoma algumas categorias fundamentais da dialética
materialista, tal como totalidade e historicidade, o que entra em contradição
com os dogmatismos pseudomarxistas existentes. Nesse sentido, o pensamento de
Korsch adquire uma radicalidade que já se encontrava em Marx, mas em outro
contexto histórico e diante de outras problemáticas, inclusive da própria
domesticação do marxismo nas universidades e partidos políticos.
Korsch
sintetiza, em um texto bem posterior, justamente intitulado Uma Aproximação Não Dogmática ao Marxismo,
sua oposição ao dogmatismo e o caráter de sua concepção não dogmática,
remetendo ao problema da dialética:
“O
primeiro resultado não dogmático desta forma distinta de considerar a dialética
é que o estudo da dialética não nos converte em revolucionários, mas que, pelo
contrário, é a transformação revolucionária da sociedade que atua entre outras
coisas sobre o modo como os homens de determinado período tem a produzir e
mudar seus pensamentos. A dialética materialista é, pois, o modo como em um
determinado período revolucionário, e durantes as várias fases desse período,
classes sociais, grupos e indivíduos particulares, criam e assumem novas
palavras e ideias. É a busca das formas, frequentemente desusadas e
surpreendentes, como vinculam seus pensamentos e os de outros, colaboram na
dissolução de sistemas fechados existentes e os substituem por sistemas mais
flexíveis, ou, no melhor dos casos, por nenhum sistema, mas por um novo
movimento de pensamento livre, sem impedimentos, que atravessa rapidamente as
fases mutantes de um processo mais ou menos continuou ou descontínuo (Korsch,
1982, p. 480).
A posição de
Korsch se coloca frontalmente contra a concepção de dialética petrificada com
suas “leis”. Este é o motivo pelo qual ele compara Hegel e Marx, apresentando o
primeiro como expressão da revolução burguesa, após a restauracao, e o segundo
como expressão da revolução proletária. O pensamento dialético é um pensamento
revolucionário, inclusive formalmente (Korsch, 1979). Esse pensamento
revolucionário é derivado de sua época e das classes em luta. É por isso que,
ao discutir a filosofia de Hegel, Korsch afirma que “com a evolução posterior
da sociedade burguesa inevitavelmente desaparece também na filosofia e ciências
burguesas, uma vez cumprida sua tarefa revolucionária, o método dialético
revolucionário” (Korsch, 1979, p. 144).
A fluidização
dialética produzida por Hegel acompanha o movimento revolucionário de sua
época, bem como seus limites, pois “não é uma filosofia da revolução burguesa
em geral, mas da revolução burguesa dos séculos 17 e 18” (Korsch, 1979, p. 144)
e não expressa ela em sua totalidade, mas sua conclusão final, não sendo a
filosofia da revolução e sim da restauração. Korsch conclui:
“Esta
dupla caracterização histórica aparece formalmente em uma dupla limitação do
caráter revolucionário da dialética hegeliana: a) a dialética hegeliana, apesar
da fluidização dialética de todas as cristalizações encontradas, produz como
resultado uma nova cristalização: a absolutização do método mesmo e portanto de
todo o conteúdo dogmático do sistema filosófico construído por Hegel sobre ele;
b) a parte revolucionária contida na formulação do método dialético é
artificialmente acomodada por Hegel na síntese até a “circularidade”, na
restauração conceitual da realidade dada imediatamente e na conciliação com
essa realidade, transfigurada do existente” (Korsch, 1979, p. 145).
O pensamento de
Marx, ao contrário, retoma o caráter crítico e revolucionário da dialética
(Korsch, 1977; Korsch, 1983). Essa retomada não se deve, obviamente, à
genialidade de Marx (embora sua formação intelectual e erudição lhe permitiram
constituir uma versão complexa e profunda que seria difícil ocorrer sem estas
determinações, mas Korsch não realiza tal discussão) e sim à emergência do
movimento revolucionário do proletariado. Essa vinculação de Marx e marxismo,
por um lado, e movimento revolucionário do proletariado, por outro, chave do
marxismo não dogmático de Korsch, já tinha sido anunciado pelo próprio Marx. Em
vários momentos Marx anunciou que partia do ponto de vista do proletariado
(Marx, 1988), que os teóricos do proletariado eram os comunistas (Marx, 1986) e
que o socialismo utópico era uma expressão frágil de um momento em que o
proletariado ainda não se constituiu como classe autodeterminada (Marx e
Engels, 1988), o que Engels irá aprofundar posteriormente (Engels, 1980).
Nesse sentido,
o caráter crítico revolucionário do marxismo é derivado de seu vínculo com o
movimento revolucionário do proletariado e não devido às obras ou crenças
cristalizadas. Marx se vincula à revolução proletária e por isso o método
dialético assume, em suas obras, um caráter crítico-revolucionário.
Korsch sempre
partiu do marxismo não dogmático para criticar a socialdemocracia, e,
especialmente, Karl Kautsky (1971), tal como fez em várias oportunidades. Em
certo período ele falou em nome do leninismo[1].
No fundo, a sua concepção de leninismo era bastante superficial. Ele concebia
Lênin como um teórico dos sovietes e defensor dos mesmos. Essa era a imagem do
bolchevismo na Europa, naquela época e com os meios de comunicação daquele
período e a situação de oposição à Rússia e período de repressão e guerras. A
sua percepção do leninismo foi se alterando. O seu combate na III Internacional
contra os leninistas era feito em nome do leninismo e dos sovietes (conselhos
operários). Korsch defendeu um Lênin ideal inexistente e os leninistas, que
eram muito mais conhecedores e próximos das concepções leninistas, eram
criticados por ele e um dos argumentos é que eles estariam em contradição com a
teoria e prática do líder bolchevique.
Contudo, foi somente
depois das críticas à obra Marxismo e
Filosofia e a tradução de algumas obras de Lênin, tal como Materialismo e Empireocriticismo (1978),
é que Korsch irá reavaliar o leninismo e qualificá-lo de “ideologia”,
pseudomarxismo, ou, como às vezes colocava, marxismo, mas muitas vezes entre
aspas. A sua percepção do verdadeiro caráter do leninismo gerou uma forte
crítica ao mesmo, desde o Prefácio ao
livro Marxismo e Filosofia,
intitulado sugestivamente de Anticrítica,
até seus escritos posteriores. No entanto, apesar de sua crítica ao leninismo,
ainda manteve uma certa percepção ligada ao período hegemônico do leninismo
mais radical (anterior ao stalinismo) e assim às vezes apresentava uma
interpretação problemática na qual demonstrava acreditar em algum vínculo da
obra de Lênin com Marx. Isso promoveu interpretações problemáticas do
pensamento deste último, tal como a atribuição de jacobinismo (Korsch, 1979) e
até mesmo “centralismo” (Korsch, 2011a; Korsch, 2011b), na análise da Comuna de
Paris (Marx, 2011), influenciado pela interpretação leninista (Lênin, 1987;
Viana, 2011a; Viana, 2011b).
Sem dúvida,
além da influência da interpretação leninista, outra determinação para a
leitura equivocada de Marx é fruto do antidogmatismo de Korsch. Nesse sentido,
a crítica a Marx é uma demonstração de antidogmatismo. Contudo, o
antidogmatismo pode virar o seu contrário ao se tornar um dogma ao invés de um
antídoto contra o dogmatismo. Ou seja, com a intenção de ser antidogmático é
possível exagerar a necessidade de crítica e desvinculação com o pensamento de
um autor que é fundamental para a luta revolucionária, o que pode provocar
discordâncias nem sempre com razão. Mesmo assim, as motivações de Korsch eram
muito mais nobres do que as de outros, tais como aqueles que pretendem criticar
Marx para substituí-lo, ou, como diria Freud, para “matar o pai” para ficar em
seu lugar.
A proposta de
um marxismo não dogmático reinsere essa concepção numa percepção que resgata a
historicidade e a totalidade. O princípio do antidogmatismo de Korsch pode ser
resumido na ideia defendida em Marxismo e
Filosofia: “aplicação do materialismo
histórico ao próprio materialismo histórico”. O que Korsch pretende com
isso é defender a coerência do marxismo. Esta concepção realizou a
desmistificação das ideologias e de todas as formas de consciência, que
passaram a ser compreendidas como produtos sociais e históricos. Marx expôs
isso em várias oportunidades e sintetizou em algumas fórmulas: “não é a
consciência que determina a vida, mas a vida é que determina a consciência”
(Marx, 1983). O mesmo disse Korsch em relação à dialética, que foi coisificada
pelos pseudomarxistas, tal como na citação que realizamos anteriormente. Inclusive
Korsch, assim como Lukács, Labriola, Mondolfo e outros, perceberam as
diferenças entre o pensamento de Marx e Engels, especialmente no caso da
dialética, dogmatizada e hegelianizada por este último. Quando Marx e Engels
eram autores acima da crítica, Korsch não sucumbiu a este dogmatismo e
apresentou uma concepção de dialética inspirada em Marx e em contraposição a
Engels, embora nem sempre tenha admitido isso (Korsch, 1977).
Korsch não
somente defendeu o princípio de aplicação do materialismo histórico ao marxismo,
como o colocou em prática em Marxismo e
Filosofia. Ele analisou a história do marxismo à luz da história do
movimento revolucionário do proletariado e no conjunto da totalidade da luta de
classes. Nessa análise, ele identificou três períodos na história do marxismo:
o primeiro, o nascimento do marxismo como teoria revolucionária, quando o
movimento operário havia avançado e radicalizado e Marx e Engels produziram
obras fundamentais; o segundo, marcado após 1848 pelo recuo do movimento
operário e nascimento da socialdemocracia; o terceiro, marcado pela retomada do
movimento operário revolucionário e surgimento das obras de Rosa Luxemburgo e
Lênin. Na sua Anticrítica, Korsch faz
uma alteração nessa periodização no sentido de retirar Lênin, pois este era um representante
da segunda fase e não da terceira, logo, sua posição era não marxista.
Esse
procedimento analítico também foi utilizado para analisar outras tendências
posteriores, A sua crítica a Stálin e Trotsky comprova isso. A base dessa
crítica era a constatação, de certo modo óbvia, que tanto um quanto o outro
bebiam na mesma fonte, a ideologia leninista. Esta não passava de um
“instrumento legitimador” da União Soviética, fundada na escravização do
proletariado, onde supostamente existiria “socialismo”[2].
Daí sua tese da necessidade de “ruptura total e imediata com o leninismo que –
à margem do caráter que tivera no passado – se converteu atualmente em seu
conteúdo e função em uma ideologia de estado aparentemente sem classes, porém,
na realidade, burguesa e antiproletária” (Korsch, apud. Kellner, p. 66). Em seu
artigo sobre A Crise do Marxismo, ele
demonstra que o marxismo se encontra numa situação difícil devido ao movimento
operário estar na mesma situação. O recuo do movimento operário significa o recuo
do marxismo.
O combate ao
leninismo e suas variantes é uma exigência revolucionária fundada no princípio
da totalidade. Ao invés de conceber – como muitos pseudomarxistas e
materialistas mecanicistas – as ideias como meros epifenômenos, Korsch compreendia
que elas fazem parte da totalidade e atuam sobre ela, o que significa que as
ideias são parte da luta de classes. É exatamente devido ao princípio da
totalidade que Korsch afirmou que a luta de classes ocorre em todos os lugares
(1973).
Em sua obra
intitulada Karl Marx, ele aprofunda a
concepção de especificidade histórica.
Ele mostra que para o pensamento de Marx, um elemento fundamental é o
reconhecimento da especificidade de cada momento histórico, de cada modo de
produção. Esse princípio contribui para entender o próprio marxismo, e a
refutação do seu caráter de ciência e de filosofia, ocorre nesse bojo, pois a
ciência é um produto social e histórico em contradição com o marxismo, da mesma
forma que as filosofias especulativas. A expressão “socialismo científico” deve
ser entendida em um uso específico e amplo, pois Marx não usava ciência no
sentido habitual e hegemônico e sim no sentido hegeliano, um saber totalizante
da realidade (sem a pretensão ideológica de construir “ciências particulares”,
neutralidade, etc.). É por isso que ele afirmou que o marxismo não é uma
ciência, “no sentido burguês do termo” (Korsch, 1977).
Nos seus
últimos escritos, ele discutia o marxismo em termos críticos, de acordo com seu
princípio antidogmático. Isso foi suficiente para alguns pseudomarxistas
afirmarem que ele “abandonou o marxismo”. Isso se deve, em parte, ao seu texto
sobre O Marxismo Hoje, no qual afirma
ser reacionário querer restaurar a doutrina social de Marx e Engels e ressalta
a importância de outras tendências socialistas, tais como o socialismo utópico
e o anarquismo. Contudo, esse suposto abandono do marxismo é, no fundo, uma
abordagem dogmática que se preocupa mais com as palavras do que com as coisas.
Em seu último texto, O Tempo das
Abolições, escrito após O Marxismo
Hoje, ele coloca a necessidade de abolição do modo de produção capitalista,
do Estado, do capital, do trabalho alienado. Ou seja, defende os princípios
fundamentais do marxismo e da revolução proletária, elementos para ele inseparáveis.
É por isso que
o vínculo político de Karl Korsch foi com o chamado “comunismo de conselhos”,
tendência que emerge a partir das revoluções proletárias do início do século 20
através da formação dos conselhos operários e que expresssou aquele momento da
luta revolucionária do proletariado contra as concepções supostamente marxistas
expressas no reformismo socialdemocrata e no bolchevismo russo. Esse “marxismo”
dos partidos políticos, dogmático, encontrou a oposição do movimento operário
revolucionário e de sua expressão política e teórica, o comunismo conselhista.
Sem dúvida, foi devido a estas revoluções que houver a ruptura entre
“comunistas de partido”, tendência burocrático vanguardista e dirigista, e
“comunistas de conselhos”, tendência que defendia a auto-organização e
autoemancipação do proletariado. Sem dúvida, a última tendência resgatava o
caráter crítico e revolucionário do marxismo e por isso estava mais de acordo
com as ideias de Karl Marx. Korsch estava envolvido nesse processo de luta de classes,
mas demorou algum tempo para romper e perceber a contradição entre teoria e
prática nas concepções que ele denominou “pseudomarxistas” e ao perceber isso
passou a se aproximar dos vários grupos remanescentes do comunismo de conselhos
e realizar publicações nas revistas editadas por tais grupos, além de manter
contato com Pannekoek e Mattick, dois dos principais teóricos dessa tendência.
Por fim, é suficiente perceber que Korsch nunca abandonou seu princípio de que
o marxismo é crítico-revolucionário e não dogmático, e apesar de algumas
mutações no seu pensamento, manteve a coerência que exigia da concepção
marxista e daí seu vínculo e proximidade com as tendências libertárias de sua
época.
Referências
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sobre la Critica de Korsch de Oskar Negt. In: SUBIRATS, E. (org.). Karl
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[1] Isso foi suficiente para
intérpretes apressados e nominalistas encontrarem uma “fase leninista” do
pensamento de Korsch (Kellner, 1982; Buckmiller, 1973). Isso foi analisado e
criticado mais pormenorizadamente em outra obra (Viana, 2012).
[2] Korsch foi um dos diversos
autores marxistas que compreendia que a União Soviética era, no fundo, um
capitalismo de Estado, nada tendo a ver com o comunismo. Quanto à ideia de
“socialismo”, essa foi uma invenção leninista inexistente no pensamento de Marx
e que, obviamente, não ocupou o pensamento de Korsch.
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