A PEC 241/55 E AS POLÍTICAS DE AUSTERIDADE
04:
CRÍTICA AO DISCURSO TÉCNICO DO BLOCO DOMINANTE
Nildo Viana
O discurso técnico do bloco dominante, expresso
principalmente através da burocracia governamental, aponta para a necessidade
da PEC 241/55. O discurso técnico se apresenta como “neutro” e “objetivo” e
assim mascara o seu profundo caráter axiológico e, muitas vezes, ideológico. O governo
possui a capacidade de gerar uma corrente predominante de opinião que atrai a atenção
para determinados temas e problemas e a desvia de outros, não permitindo a emergência
de um pensamento crítico ao seu respeito ou a compreensão de outros problemas
mais graves (veja: HABERMAS, J. Ciência e
Técnica como Ideologia. Lisboa: Edições 70, 1988).
O discurso técnico com sua aparência neutra e objetiva serve
para legitimar e justificar as ações governamentais e, assim, aparentar
racionalidade que no fundo esconde um fatalismo. As reformas são necessárias e
não há como escapar delas. Essas reformas são, no caos em questão, as políticas
de austeridade, entre elas a PEC 241/55. O problema é apresentado, os fatores
envolvidos são elencados, a solução é apresentada. O discurso técnico, no caso
da proposta de PEC 241/55, é o político-administrativo e econômico. No fundo, o
governo mostra o cálculo mercantil, uma imposição real no interior da sociedade
capitalista e que realmente não há como fugir dele (esse é o momento de verdade
dessa ideologia): não se pode gastar mais do que se arrecada. E isso é
reforçado pela crise e pela expectativa de arrecadação e gastos futuros. O
problema é grave e necessita de uma solução. A solução, nesse formulação quase
matemática, é ou aumentar a arrecadação (mais impostos) ou diminuir os gastos. A
opção é pela última.
O cálculo mercantil é uma necessidade para o aparato
estatal, tal como diz o discurso governamental. No entanto, ele não é o mesmo
para um indivíduo ou uma família (unidade doméstica) e para o aparato estatal
(sobre isso veja: VIANA, Nildo. A
Mercantilização das Relações Sociais. Rio de Janeiro: Ar Editora, 2016).
Alguns adeptos do discurso técnico mostram bem o que é o cálculo mercantil, mas
falseiam a realidade ao comparar e transpor o exemplo familiar para o estatal.
As famílias, geralmente, possuem como renda a soma dos salários dos seus
integrantes e as despesas dos mesmos. O aparato estatal tem uma fonte de renda
muito mais variada e complexa, bem como seus gastos. Além disso, os conflitos
de interesses e disputa pela repartição da renda estatal não tem equivalente
numa unidade doméstica. Assim, o exemplo serve apenas para mostrar uma
semelhança básica em seu nível mais simples e não no nível mais concreto, onde
reina a diferença. Esse reducionismo aparece com o objetivo de convencer da
necessidade das políticas de austeridade.
O discurso técnico tem uma outra característica: ao se
fantasiar de neutro e objetivo, fica implícito que ele expressa os interesses
de todos. Ele falseia a realidade ao criar uma homogeneidade de interesses que não
existe efetivamente. As reformas são necessárias e são para o bem da “nação”,
como se essa não fosse dividida em classes e subdividida numa escala quase
infinita. É por isso que alguns reprodutores do discurso técnico favorável às
políticas de austeridade se referem ao “Brasil”, “nação”, etc.
A grande questão não é o que diz o discurso técnico para
justificar e legitimar a PEC 241/55 e sim o que ele esconde. Para saber o que
ele esconde é necessário ir além dele. Esse será nosso passo seguinte.
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