Música
Popular e Domínio Temático
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A análise social da música, que é a que ocorre no âmbito da sociologia e
do marxismo, se diferencia da análise puramente técnica ou das avaliações
idiopáticas[1].
A análise da música popular possui uma especificidade, se comparada com a
música chamada clássica e em relação à música instrumental. A diferença ocorre
na mensagem que ela repassa através da letra da música (VIANA, 2007a). A música
popular é cantada e não apenas aparece a voz humana como palavras, frases, que
formam uma mensagem. A mensagem na música clássica ou instrumental é distinta e
seu processo analítico também. Se a mensagem na música popular ocorre,
principalmente, mas não unicamente, via letra da música, então é fundamental
uma análise mais profunda dessa. As mensagens das músicas possuem, por sua vez,
determinados domínios temáticos mais recorrentes e que se reproduzem com maior
frequência. O nosso objetivo é justamente analisar a relação entre música
popular e domínio temático. Assim, o conceito de domínio temático, a sua relação
com a diferenciação musical, os grandes domínios temáticos, entre outras
questões, serão aqui abordadas.
Antes de prosseguir, é útil explicitar alguns conceitos fundamentais,
como os de música popular e domínio temático. A música popular se distingue da
música folclórica e de outras formas musicais. A distinção mais importante é
entre música popular, música folclórica e música nacional-popular. A música
folclórica é a música produzida pela própria população e sem a sofisticação e
tecnologia que mais tarde será comum na música popular posterior. A música
folclórica é aquela que reproduz uma determinada tradição comunitária, marcada
por relações familiares, de trabalho, nas quais se passa de geração para
geração o legado cultural (VIANA, 2016). Assim, a música folclórica é marcada
pela tradição, entendendo por essa o conjunto de ideias, hábitos, costumes, de
uma população, que é repassada de geração em geração (GINSBERG, 1966).
A música popular, por sua vez, é aquela produzida pela própria população
ou consumida por ela, que emerge a partir da música folclórica e é urbanizada.
Assim, se o Lundu é música folclórica, o samba é música popular, pois surge
através da urbanização e mutação da música folclórica. O samba é música popular
original, porquanto surge a partir da adaptação da música folclórica à
sociedade capitalista, urbana, comercial. Uma vez existindo e sendo objeto de
reprodutibilidade tecnológica e de consumo popular, deixa de ser original e
passa a ser remodelada de acordo com o capital comunicacional[2].
Assim, podemos dividir música popular original e música popular remodelada. A
música popular remodelada, por sua vez, quando se torna de consumo popular em
território nacional através da sua reprodutibilidade tecnológica (via discos –
desde o vinil até o CD – rádio, televisão, etc). atingindo o grande público,
torna-se nacional-popular, tal como a MPB (VIANA, 2016).
A música popular ao possuir letra e melodia (VIANA, 2007a), envia sua
mensagem através de ambas, mas o que é mais presente para os ouvintes é a
letra. O nosso objetivo aqui é analisar os domínios temáticos contidos nas
letras da música popular.
Antes de prosseguir, é importante definir o conceito de “domínios
temáticos”. A expressão foi cunhada, pelo que sabemos, pela primeira vez pelo crítico
literário Jean-Paul Weber, numa obra intitulada “Domaines Thématiques”, publicado em 1965 pela editora Gallimard
(PRÉVOST, 1976). Este autor, segundo Prévost, visa realizar uma interpretação
temática das obras literárias. No entanto, o termo é aqui utilizado em outro
sentido e a análise temática de Weber é um procedimento arbitrário fundado na
busca do “tema original”, que segundo ele teria sua origem na infância, algo
destituído de senso de realidade e, nesse sentido, a crítica de Prévost (1976)
à sua concepção é adequada.
O que entendemos por “domínio temático”? Em primeiro lugar, o domínio
temático ou temário, é uma forma de analisar como que, na produção cultural em
geral (ciência, filosofia, literatura, música, etc). uma obra, autor, conjunto
de obras, etc., focaliza e evidencia determinados temas. A palavra tema tem sua
origem no latim (“thema”) e possui
diversos significados. Na linguagem cotidiana, é sinônimo de “assunto” e em
ciências é geralmente entendido como “objeto de estudo”. Em música, o “tema
musical”, é um motivo ou elemento, ou, ainda, uma parte de uma peça musical,
que gera uma variação. É mais popular quando o referido tema é produzido a
partir de um motivo, que é uma sucessão de notas utilizadas, ou leitmotiv, que é um motivo associado a
pessoas, lugares, etc. Isso ficou popularizado com a nomeação de certas músicas
a partir do tema, como no caso de “tema de Lara”[3]. O
tema de Lara é assim chamado por causa da música que faz parte da trilha sonora
do filme Doutor Jivago, dedicado ao momento de romance da personagem Lara. Ou “tema
de Vilma”[4],
relativo à personagem da novela Selva de
Pedras, de 1976. Depois se tornou popular usar o termo “temas de novelas”.
Aqui entendemos por tema um determinado “campo perceptivo” constituído
por determinado aspecto da realidade que é gerado um determinado “campo de
atenção”[5].
Esse campo de atenção na produção teórica é o foco analítico e no campo das
imagens é o foco visual. Quando o campo de atenção se torna exclusivo, o que
significa exclusão do fundo ou do resto, ele se torna monotemático. Quando ele
é entendido como foco momentâneo e reconhece a existência de outros campos de
atenção possíveis, então é politemático. O campo de atenção monotemático tende
a ser reducionista e o politemático pode ser pluralista (aborda vários temas
numa sucessão temporal ou divisão espacial) ou totalizante (tratando-o como
foco inserido em uma totalidade). O tema, na pesquisa científica, é o campo perceptivo
que o pesquisador abordará a partir do seu campo de atenção.
Um tema nunca está isolado e mesmo que seja constituído um campo de
atenção monotemático ele sempre terá subtemas, pois deve se referir, mesmo que
nunca se torne seu tema principal, a eles. É por isso que um tema constitui um
domínio, ou seja, um espaço delimitado composto pelo tema principal, subtemas,
temas derivados e correlatos. Um tema de pesquisa é, no fundo, referencial ao
tema principal, que constitui um domínio temático. O tema principal é parte e
gerador do domínio temático. Assim, o tema pode ser considerado que a mesma
coisa que domínio temático ou temário, quando o consideramos um tema principal
composto por subtemas e temas correlatos e derivados, ou seja, como totalidade.
A expressão domínio temático ou temário é para enfatizar o caráter totalizante
da análise, pois o tema traz dentro de si outros temas (quando mais se estuda
um fenômeno, mais questões, ou seja, subtemas, temas derivados e correlatos,
aparecem). Através da ideia de domínio temático é possível distinguir tema
principal, subtemas, temas correlatos e derivados.
No caso da música popular, o tema é o campo perceptivo da realidade que
é explicitado na letra da música pelo campo de atenção do compositor. Se a
música trata de futebol, esse é o seu temário, o seu domínio temático, cuja
tema principal é esse esporte. Esse é o caso da música de Moraes Moreira, Sangue, Swing e Cintura, composta para
homenagear seleção brasileira na Copa do Mundo de 1982:
SANGUE, SWING E
CINTURA
Moraes
Moreira
O rei
aqui é Pelé
Na terra
do futebol
Olé! É
bola no pé
Redonda
assim como o sol
Seja no
Maracanã
Ou num
gramado espanhol
Escola
aqui é de samba
E bola é
arte do povo
Sua
alegria Deus manda
Nasce um
Garrincha de novo
Quem
sabe tem mais de um
Quebrando
a casca do ovo
Ta lá,
ta lá, ta lá
Ta no
filó
Ta na
filosofia
Quem
sabe, sabe:
O craque
brasileiro
Tem
sabedoria!
Sangue,
swing e cintura
Mistura
de fé
Futebol
e arte
Que em
nenhuma outra parte
Do mundo
não há:
Galinho
de Quintino
Flamengo
menino
Grito em
forma de hino - Gol!
Calcanhar
de Sócrates
Gogó de
cantor!
Só
craque, só craque, só craque, só craque
Só
craque e Doutor!
Telê, um
fio de esperança
De
velho, moço e criança
Unindo
os corações
E assim
de novo do mundo seremos
Seremos
os campeões!
O tema principal é o futebol brasileiro. Alguns subtemas são a relação
entre futebol e cultura brasileira, sua popularidade, seleção brasileira, a
qualidade dos jogadores brasileiros, a copa do mundo de 1982 na Espanha, etc.
Cada um desses subtemas poderiam constituir outro domínio temático. A análise
de um domínio temático pressupõe a identificação do seu tema principal. As
formas de abordagem do domínio temático é outro elemento importante, pois um
mesmo tema pode ser abordado sob formas distintas. As abordagens dos domínios
temáticos assumem formas distintas dependendo de qual produção cultural se
trata. Adiante vamos retomar essa questão ao tratar das abordagens temáticas da
música popular.
Após esta breve introdução e esclarecimento conceitual é possível
avançar na reflexão sobre a questão específica da música popular e sua relação
com os domínios temáticos. Para tanto, vamos abordar a questão da diferenciação
musical no que se refere aos domínios temáticos, os domínios temáticos mais
recorrentes e as abordagens dos mesmos.
Divisão Social do Trabalho e Diferenciação Musical
A produção musical é geralmente marcada por um processo de classificação
e diferenciação. O nosso objetivo é abordar a diferenciação musical por domínio
temático. Antes, no entanto, é importante uma breve digressão sobre as demais
formas de diferenciação musical. Como o conjunto das músicas populares
existentes e produzidas mostra uma grande diversificação, com maiores ou
menores diferenças, então emerge um processo classificatório que busca
explicitar essa diferenciação. Essa diferenciação pode ser meramente idiopática
ou pode ser fundada em critérios técnicos, formais, históricos, entre outros.
Deixaremos de lado as diversas formas de classificação, especialmente as
idiopáticas, para focalizar nas mais utilizadas socialmente. As duas formas de
classificação mais utilizadas é a que se realiza por gênero musical e a que se
realiza por forma musical. A música pode ser dividida por sua forma e aqui a
divisão ocorre entre a chamada “música clássica” ou “erudita” e a “música
popular”. A divisão de classe, expressão da divisão social do trabalho, está
presente nessa forma de classificação, bem como, geralmente, os valores
associados que apontam para a suposta superioridade da música “clássica” diante
da “popular”.
A forma mais comum de diferenciação da música popular, no entanto, é a
por gênero. A classificação por gênero é tão problemática quando em diversos
outros casos. O gênero tem como principal elemento delimitador o aspecto
formal, técnico e melódico. Assim, é possível elencar diversos gêneros: blues,
jazz, rock, samba, frevo, entre inúmeros outros. Contudo, o gênero
cinematográfico, para citar apenas um exemplo, é de classificação mais fácil,
pois a mistura de gêneros é menor. Por isso, o gênero musical deve ser
entendido de forma mais flexível. É necessário entender que existe metagêneros,
como a MPB (VIANA, 2016), os subgêneros (como subdivisões dos gêneros, tal como
existe no rock e samba, como no exemplo do indie rock e do samba-canção), os
gêneros mistos (o samba-rock, por exemplo, pode ser considerado um subgênero do
samba e do rock), entre outros elementos complicadores. Contudo, a
diferenciação por gênero traz alguns inconvenientes no processo de formação
social do gosto musical, bem como confusões a respeito.
O nosso objetivo é, indo além dessas e outras formas de diferenciação,
acrescentar uma outra, que muitas vezes aparecem sob forma não-consciente, que
é a diferenciação temática. Toda música popular, com exceção das tentativas
instrumentais, se manifesta através de uma letra que escolhe um determinado
tema para a manifestação da canção. No entanto, existem certos domínios
temáticos que são relacionados com gêneros, subgêneros, épocas, regiões,
cantores, compositores, etc. A partir de uma perspectiva de análise global, é possível
distinguir e diferenciar as músicas por grandes domínios temáticos. Desde sua
origem, a música possui alguns domínios temáticos mais constantes. A música
folclórica, por exemplo, trata da vida rural, da cotidianidade do trabalho,
entre outros temas correlatos.
A música popular, por sua vez, devido seu lugar de manifestação, já
aponta para a vida urbana, especialmente a das classes desprivilegiadas. A
sexualidade e o amor romântico aparecem com frequência entre os domínios
temáticos mais recorrentes ao lado das condições de vida e cultura das classes
desprivilegiadas. Esse processo ocorre nas suas origens, pois com o processo de
desenvolvimento da música nacional-popular, esta se torna referência e modelo
para as manifestações da música popular, ao lado da urbanização,
desenvolvimento tecnológico, mudanças sociais, etc. Na época de surgimento de
um gênero musical é comum que haja uma unidade entre ele e um certo domínio
temático (como o gospel, blues, etc). e somente com a formação do
nacional-popular e influência do capital comunicacional é que os gêneros passam
a abordar uma diversidade de domínios temáticos e o vínculo se desfazem,
parcialmente ou completamente[6].
A música nacional-popular, que no caso brasileiro ficou conhecida como MPB,
tem alguns grandes domínios temáticos: o romantismo sentimental, a sexualidade,
a natureza, a tradição, a nacionalidade, a cotidianidade (incluindo trabalho,
lazer, cultura, etc)., existencial, autorreferencial, etc. A música
nacional-popular nos Estados Unidos e outros países tende a ter os mesmos
grandes domínios temáticos (e poderiam ser subdivididos em subdomínios). Não
poderemos abordar todos, muito menos de forma aprofundada, por isso vamos
analisar mais profundamente alguns e apenas citar brevemente outros, deixando
vários de fora da análise. Por isso vamos selecionar alguns dos domínios
temáticos mais recorrentes para explicitar o processo analítico do temário
musical.
Os Domínios Temáticos Recorrentes
O destaque é para o domínio temático romântico. A música popular tem
como domínio temático hegemônico o romantismo. O romantismo sentimental é
aquele que manifesta os sentimentos, especialmente o amor (romântico ou sexual,
mas também fraterno, materno, paterno, etc).. As letras expressam as várias
formas de amor, sua realização, decepção, lamentação, idealização,
dificuldades, etc., bem como suas consequências, expectativas, etc. O
romantismo sentimental se manifesta, assim como todos os demais domínios
temáticos, sob distintas formas, dependendo da época, classe social de origem
dos compositores, entre outras determinações. A divisão de classes sociais se
manifesta na produção musical e explica as formas do romantismo e suas
manifestações. O que predomina é o romantismo sentimentalista, típica da música
nacional-popular trivial[7],
mas há também o romantismo ilustrado da música nacional-popular erudita e o
romantismo significativo na música nacional-popular semierudita. Essa divisão
pode ser observada nos exemplos abaixo, com Amado Batista[8]
representando a música trivial, Vinicius de Moraes[9]
representando a erudita e Lulu Santos[10] a
semierudita:
Meu Ex-Amor
|
Eu Não existo sem você
|
Certas Coisas
|
Amado Batista
|
Vinicius de Moraes
|
Lulu Santos
|
Eu
tive um amor
Amor
tão bonito
Daqueles
que matam
Com
sabor de saudade
Meu
ex-amor
Tem
coisas que a gente não esquece
Mas
você não merece
Tanta
dor
Foi
bonito demais
Mas eu
estou sozinho
Fui
rico de amor
E hoje
estou tão só
|
Eu sei
e você sabe, já que a vida quis assim
Que
nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei
e você sabe que a distância não existe
Que
todo grande amor só é bem grande se for triste
Por
isso, meu amor, não tenha medo de sofrer
Pois
todos os caminhos me encaminham prá você
Assim
como o oceano só é belo com o luar
Assim
como a canção só tem razão se se cantar
Assim
como uma nuvem só acontece se chover
Assim
como o poeta só é grande se sofrer
Assim
como viver sem ter amor não é viver
Não há
você sem mim, eu não existo sem você
|
Não
existiria som se não houvesse o silêncio
Não
haveria luz se não fosse a escuridão
A vida
é mesmo assim
Dia e
noite, não e sim
Cada
voz que canta o amor não diz tudo o que quer dizer
Tudo
que cala fala mais alto ao coração
Silenciosamente
Eu te
falo com paixão
Eu te
amo calado
Como
quem ouve uma sinfonia
De silêncio
e de luz
Nós
somos medo e desejo
Somos
feitos de silêncio e som
Tem
certas coisas que eu não sei dizer
A vida
é mesmo assim
Dia e
noite, não e sim
Eu te
amo calado
Como
quem ouve uma sinfonia
De
silêncio e de luz
Nós
somos medo e desejo
Somos
feitos de silêncio e som
Tem
certas coisas que eu não sei dizer
(E
digo)
|
O romantismo sentimentalista é geralmente exagerado e vinculado com
lamentação, dor, morte, loucura, sofrimento, etc. Esses elementos podem
aparecer nos demais casos, mas sem os exageros e sem ser um processo
repetitivo. Outra característica do romantismo sentimentalista é a quase
ausência do resto do mundo diante do sofrimento ou sentimento do personagem
musical. No romantismo ilustrado, o que ocorre é que o amor é apresentado mais
poeticamente e de forma menos exagerada. O romantismo significativo é o mais
rico em significado e menos carregado no exagero ou na leveza. A tendência,
nesse caso, é ser mais realista (e na letra acima as contradições se
manifestam) sem perder o caráter poético e metafórico. Outra diferença reside
no grau de complexidade das letras, opondo uma extrema simplicidade e baixa
figuratividade na música trivial em comparação com a versão romântica ilustrada
e também com a significativa. Para além da letra, há a diferença na melodia e
totalidade da música (interpretação, por exemplo), mas nosso foco aqui é apenas
a letra e sua mensagem.
Essas formas de romantismo expressam distintas perspectivas de classe. O
romantismo sentimentalista expressa o binômio venal-superficial (intelectual
venal/grande público), que reproduz uma fórmula que vincula cotidianidade das
classes desprivilegiadas e simplificação (geralmente espontânea) do compositor[11],
nesse caso, um artista venal, gerando superficialidade. O romantismo ilustrado
expressa o binômio culto-formal (intelectuais hegemônicos/público
intelectualizado), que reproduz a complexidade musical com a formalidade
burguesa, vinculando o recato burguês e a musicalidade formal, ambos do
universo deste tipo de artista, o hegemônico. O romantismo significativo
expressa o binômio social-substancial (intelectuais engajados/público
politizado)[12],
que reproduz o compromisso social, em graus variáveis, com o conteúdo voltado
para o realismo, a crítica, o humor, a ironia, a utopia. O romantismo
significativo na música semierudita pode pender mais para o erudito e aumentar
o formalismo ou pender mais para o sentimentalismo e aumentar mais a
simplificação e superficialidade. Voltaremos a discutir as perspectivas de
classe quando relacionarmos domínios temáticos e abordagens dos mesmos.
O domínio temático da sexualidade é muito presente nas composições
musicais populares. No caso da música nacional-popular isso não é diferente. O
domínio temático da sexualidade é aquele que trata não do amor romântico ou
sexual, ou seja, no plano sentimental, e sim no plano exclusivamente sexual.
Assume na música trivial um caráter apelativo; na erudita um caráter discreto e
na semierudita um caráter múltiplo, indo do realismo, passando por algumas manifestações
apelativas, até chegar a formas mais elaboradas e próximas da erudita. Abaixo
exemplos das três formas que o domínio da sexualidade aparece na música
nacional-popular, a forma trivial como Valesca Popozuda[13], a
forma erudita com Gilberto Gil[14]
e a forma semierudita com Kid Abelha[15].
Hoje Não Vou Dar Eu Vou Distribuir
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Índigo Blue
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Pintura Íntima
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Valesca Popozuda
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Gilberto Gil
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Leoni e Paula Toller
(Kid Abelha)
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Hoje,
hoje eu não vou dar, eu vou distribuir
(Pode
mandar o próximo)
Hoje,
hoje eu não vou dar
(Pode
mandar o próximo)
Hoje,
hoje eu não vou dar
Você
quer meu corpinho?
Não
precisa insistir
Você
quer meu beijinho?
Não
precisa insistir
Você
quer colinho?
Não
precisa insistir
Hoje
eu não vou dar, eu vou distribuir
Hoje
eu não vou dar, eu vou distribuir
Hoje
eu não vou dar, eu vou distribuir
(Eu
sou a Bruna e faço tudo o que você quiser)
(Pode
mandar o próximo)
Você
quer meu corpinho?
Não
precisa insistir
Você
quer meu beijinho?
Não
precisa insistir
Você
quer colinho?
Não
precisa insistir
Hoje
eu não vou dar, eu vou distribuir
Hoje,
hoje eu não vou dar
Hoje,
hoje eu não vou dar
Hoje,
hoje eu não vou dar
Eu vou
distribuir
(Pode
mandar o próximo)
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Índigo
blue, índigo blue
Índigo
blusão
Índigo
blue, índigo blue
Índigo
blusão
Sob o
blusão, sob a blusa
Nas
encostas lisas do monte do peito
Dedos
alegres e afoitos
Se
apressam em busca do pico do peito
De
onde os efeitos gozosos
Das
ondas de prazer se propagarão
Por
toda essa terra amiga
Desde
a serra da barriga
Às
grutas do coração
Índigo
blue, índigo blue
Índigo
blusão
Índigo
blue, índigo blue
Índigo
blusão
Sob o
blusão e a camisa
Os
músculos másculos dizem respeito
A quem
por direito carrega
Essa
Terra nos ombros com todo o respeito
E a
deposita a cada dia
Num
leito de nuvens suspenso no céu
Tornando-se
seu abrigo
Seu
guardião, seu amigo
Seu
amante fiel
|
Vem
amor que a hora é essa
Vê se
entende a minha pressa
Não me
diz que eu tô errado
Eu tô
seco, eu tô molhado
Deixa
as contas
que no
fim das contas
O que
interessa pra nós
É
fazer amor de madrugada
Amor
com jeito de virada
Larga
logo desse espelho
Não
reparou que eu tô até vermelho
Tá
ficando tarde no meu edredon
Logo o
sono bate
Deixa
as contas
que no
fim das contas
O que
interessa pra nós
É
fazer amor de madrugada
Amor
com jeito de virada
|
Aqui se reproduz as diferenças comuns entre as três divisões da música
nacional-popular. Por um lado, temos a manifestação trivial, com conteúdo
vulgar, a erudita com conteúdo mais ameno, sob forma metafórica, bem como no
caso da semierudita. O nível de complexidade das músicas (na totalidade) é
sempre a mesma, indo do mais simples para o mais complexo. Assim, é possível
perceber a relação entre simplicidade e mensagem direta. Quanto mais simples a
letra da música, mais direta é, se aproximando da propaganda, da política, da
conversa cotidiana. Por isso seu menor grau de artisticidade, no caso, de
musicalidade[16].
Esse é um elemento que revela sua qualidade inferior. A simplicidade se revela
também no desdobramento do tema, que pode ser sucinto, repetitivo, sem maior
relação ou desenvolvimento, enquanto que nos casos de maior complexidade, mais
elementos estão presentes. A complexidade da letra aponta para um uso mais
constante e rico das metáforas, ironias, entre outros elementos, e também por
um maior desdobramento do tema. Nos exemplos acima citados, a música Pintura Íntima aponta para um título
mais complexo e menos direto, mas a letra é muito curta e repetitiva, apesar de
ter elementos metafóricos. A análise aqui se limita à letra da música e não sua
totalidade, que apontaria para a necessidade de analisar também a melodia,
interpretação, etc., e, nesse caso, a diferenciação se torna mais ampla entre
as três músicas.
Um outro domínio temático muito presente é a natureza. Desde a música
folclórica, o tema da natureza sempre foi um dos mais constantes e continua
sendo um dos mais cantados na música popular. Na música nacional-popular, ele
reaparece com presença mais constante em alguns gêneros e subgêneros, bem como
em certos momentos históricos. A música sertaneja, o rock rural, a música
nordestina e nortista, tendem a colocar o tema da natureza mais constantemente.
Abaixo um exemplo de música sertaneja[17],
rock rural[18]
e uma exceção: um rock (não-rural) abordando a natureza[19].
Colheita de Milho
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Sobradinho
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A Natureza
|
Zezé di Camargo e Luciano
|
Sá e Guarabyra
|
Casa das Máquinas
|
Até
hoje ainda me lembro
Era
manhã de setembro
O sol
com intenso brilho
Eu na
frente abrindo as covas
Chiquinha,
menina nova
Vinha
atrás plantando o milho
O sol
dava um bronzeado
No seu
corpinho rosado
Lhe
dando uma cor morena
Cada
grão que ela plantava
Uma
esperança brotava
Como
brota uma açucena
A
natureza não erra
E os
grãos rachando a terra
E o
broto nasceu robusto
Em
cada braça do eito
Coração
roçava o peito
Como o
vento no arbusto
O
milho cresceu depressa
Parecia
uma promessa
Na
minha boca granando
E no
tempo de colheita
Chiquinha,
menina feita
Era
espiga se empalhando
Numa
tarde de pamonha
Eu sem
jeito, com vergonha
Já
pressentia o perigo
Fui
buscar no milharal
Mais
milho para o curau
E
Chiquinha foi comigo
Quebrando
milho na chuva
Eu
tropeçava nas curvas
Do seu
corpinho molhado
Debaixo
do pé de milho
Como
espigas no atilho
Ficamos
os dois atados
Passou
o ano e desta feita
Vamos
ter duas colheitas
O
tempo foi bom pro milho
Enquanto
crescem as espigas
Chiquinha
cresce a barriga
Pra
colhermos nosso filho
|
O
homem chega, já desfaz a natureza
Tira
gente, põe represa, diz que tudo vai mudar
O São
Francisco lá pra cima da Bahia
Diz
que dia menos dia vai subir bem devagar
E
passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que dizia que o Sertão ia
alagar
O
sertão vai virar mar, dá no coração
O medo
que algum dia o mar também vire sertão
Adeus
Remanso, Casa Nova, Sento-Sé
Adeus
Pilão Arcado vem o rio te engolir
Debaixo
d'água lá se vai a vida inteira
Por
cima da cachoeira o gaiola vai subir
Vai
ter barragem no salto do Sobradinho
E o
povo vai-se embora com medo de se afogar.
Remanso,
Casa Nova, Sento-Sé
Pilão
Arcado, Sobradinho
Adeus,
Adeus ...
|
A
natureza
A
nossa terra
A
natureza
A
nossa terra
Que a
chuva molhou
Que o
sol purificou
Transa
que Deus criou
Nasci
A
natureza
A
nossa terra
Que a
chuva molhou
Que o
sol purificou
Transa
que Deus criou
Nasci
Uuuh
A
natureza
A
nossa terra
Que a
chuva molhou
Que o
sol purificou
Que o
homem destruiu
Morri
Uh
|
As três músicas acima tematizam a natureza e podemos notar as
diferenças. No caso da música sertaneja, é quando tematiza a natureza que se
produz as letras mais longas e desenvolvidas. O rock rural de Sá e Guarabyra já
trata da natureza numa perspectiva mais crítica, mostrando a destruição do
sertão, enquanto que o rock da Casa das Máquinas é a letra mais curta. É
possível perceber que o domínio temático da natureza ganha maior desdobramento
na música sertaneja acima apresentada, mas fica num nível descritivo, colocando
em evidência a vida cotidiana. O sentimento do “homem do campo” em relação à
vida rural aparece e relacionada com a vida de um casal. A música de Sá e
Guarabyra, por sua vez, é mais curta, mas oferece uma concepção mais
totalizante e crítica, ao colocar a relação entre ser humano e meio ambiente,
mostrando uma crítica da destruição ambiental e remodelação do ambiente, bem
como os sentimentos derivados dessa situação. A música de Casa das Máquinas é a
mais curta e simples. Contudo, apresenta maior criticidade, pois quando termina
afirmando que “o homem destruiu” e “morri”, coloca o personagem musical, a
própria natureza, como vítima da destruição efetivada pelos seres humanos.
Apesar de ser uma crítica limitada, não só pelo pouco desenvolvimento, mas por,
devido a isso dar a entender que é uma relação abstrata entre ser humano e
natureza, ao invés de relações sociais complexas que geram tal processo,
incluindo a divisão social e o fato de que o processo destrutivo é produto do
modo de produção capitalista, com tudo que é derivado disso.
O domínio temático da nacionalidade (ou da “brasilidade”, no caso
brasileiro) é outro bastante explorado e conta com manifestações de
nacionalismo. A era Vargas marcou uma expansão enorme do número de músicas que
tematizam o Brasil e nacionalidade brasileira, desde Aquarela do Brasil, de Ari Barroso. Vejamos três exemplos:
Eu Te Amo Meu Brasil
|
Notícias do Brasil
|
País Tropical
|
Os Incríveis
|
Fernando Brant e Milton Nascimento
|
Jorge Bem Jor
|
Escola...
Marche...
As
praias do Brasil ensolaradas
Lá lá
lá lá...
O chão
onde país se elevou
A mão de
Deus abençoou
Mulher
que nasce aqui
Tem
muito mais amor
O Céu
do meu Brasil tem mais estrelas
O sol
do meu país, mais esplendor
A mão
de Deus abençoou
Em
terras brasileiras vou plantar amor
Eu te
amo, meu Brasil, eu te amo
Meu
coração é verde, amarelo, branco, azul-anil
Eu te
amo, meu Brasil, eu te amo
Ninguém
segura a juventude do Brasil
As
tardes do Brasil são mais douradas
Mulatas
brotam cheias de calor
A mão
de Deus abençoou
Eu vou
ficar aqui, porque existe amor
No
carnaval, os gringos querem vê-las
Num
colossal desfile multicor
A mão
de Deus abençoou
Em
terras brasileiras vou plantar amor
Adoro
meu Brasil de madrugada, lá, lá, lá, lá.
Nas
horas que eu estou com meu amor,lá,lá,lá,lá.
A mão
de Deus abençoou.
A
minha amada vai comigo aonde eu for.
As
noites do Brasil tem mais beleza, lá, lá, lá, lá.
A hora
chora de tristeza e dor, lá, lá, lá, lá.
Porque
a natureza sopra e ela vai-se embora enquanto eu planto amor.
Eu te
amo meu Brasil, eu te amo.
Meu
coração é verde, amarelo, branco, azul anil.
Eu te
amo meu Brasil, eu te amo.
Ninguém
segura a juventude do Brasil.
|
Uma
notícia está chegando lá do Maranhão.
Não
deu no rádio, no jornal ou na televisão.
Veio
no vento que soprava lá no litoral
de
Fortaleza, de Recife e de Natal.
A boa
nova foi ouvida em Belém, Manaus,
João
Pessoa, Teresina e Aracaju
e lá
do norte foi descendo pro Brasil Central
Chegou
em Minas, já bateu bem lá no sul!
Aqui
vive um povo que merece mais respeito!
Sabe,
belo é o povo como é belo todo amor.
Aqui
vive um povo que é mar e que é rio,
E seu
destino é um dia se juntar.
O
canto mais belo será sempre mais sincero.
Sabe,
tudo quanto é belo será sempre de espantar.
Aqui
vive um povo que cultiva a qualidade,
ser
mais sábio que quem o quer governar!
A
novidade é que o Brasil não é só litoral!
É
muito mais, é muito mais que qualquer zona sul.
Tem
gente boa espalhada por esse Brasil,
que
vai fazer desse lugar um bom país!
Uma
notícia está chegando lá do interior.
Não
deu no rádio, no jornal ou na televisão.
Ficar
de frente para o mar, de costas pro Brasil,
não
vai fazer desse lugar um bom país!
|
Moro
num país tropical, abençoado por Deus
E
bonito por natureza, mas que beleza
Em
fevereiro (em fevereiro)
Tem
carnaval (tem carnaval)
Tenho
um fusca e um violão
Sou
Flamengo
Tenho uma
nêga
Chamada
Tereza
Sambaby
Sambaby
Sou um
menino de mentalidade mediana
Pois
é, mas assim mesmo sou feliz da vida
Pois
eu não devo nada a ninguém
Pois
é, pois eu sou feliz
Muito
feliz comigo mesmo
Moro
num país tropical, abençoado por Deus
E
bonito por natureza, mas que beleza
Em
fevereiro (em fevereiro)
Tem
carnaval (tem carnaval)
Tenho
um fusca e um violão
Sou
Flamengo
Tenho
uma nêga
Chamada
Tereza
Sambaby
Sambaby
Eu
posso não ser um band leader
Pois
é, mas assim mesmo lá em casa
Todos
meus amigos, meus camaradinhas me respeitam
Pois
é, essa é a razão da simpatia
Do
poder, do algo mais e da alegria
Sou
Flamê
Tê uma
nê
Chamá
Terê
Sou
Flamê
Tê uma
nê
Chamá
Terê
Do meu
Brasil
Sou
Flamengo
E
tenho uma nêga
Chamada
Tereza
Sou
Flamengo
E
tenho uma nêga
Chamada
Tereza
|
As letras acima mostram a mesma temática, sob formas distintas. O
ufanismo presente na letra da música trivial de Os Incríveis, produzida no
período da ditadura militar, é visível, pois no Brasil tudo é “mais”[20].
A música erudita de Milton Nascimento e Fernando Brant já possui uma
criticidade e um foco maior no “povo” do que nas belezas naturais[21].
Já a música semierudita de Jorge Bem Jor é mais próxima do nacionalismo, sendo
da mesma época que a música de Os Incríveis[22]. A
simplicidade dessas duas músicas apenas acompanha o conteúdo menos crítico,
demonstrando pouco desdobramento e formação política mais restrita. A
figuratividade está menos presente em ambas, o que mostra, novamente, sua maior
simplicidade.
Outro tema que aparece frequentemente na música nacional-popular
brasileira é a política institucional. Este também é o caso da vida cotidiana
(que incluiria outros temas, como trabalho, lazer) e autorreferência. Esses
temas são muito comuns na história da música brasileira. A política
institucional começa a aparecer mais efetivamente a partir de Getúlio Vargas e
sua emergência política vinculada com samba e com o aparato estatal usando a
música para gerar a ideia de nacionalismo. Chico Buarque, por exemplo, gravou
várias músicas sobre política na época da ditadura militar, bem como diversos
outros cantores e compositores. A vida cotidiana, desde a do “malandro” até a
do trabalhador, bem como outros elementos, é um dos elementos mais trabalhados
e desenvolvidos na música brasileira. O trabalho, por exemplo, sempre esteve
presente na MPB, especialmente após o “refinamento” do samba e sua apropriação
estatal. Zé Geraldo, Djalma Dias, Raimundo Fagner, entre diversos outros,
tematizaram a questão do trabalho numa perspectiva diferente da hegemônica
nessa época. O domínio temático da autorreferência é aquele que tematiza a
própria subesfera musical ou seus gêneros, cantores, compositores, etc. Isso é
mais comum no caso do samba e do rock, embora também na MPB erudita, especialmente
nas músicas de Caetano Veloso, com constantes referências a outros cantores e
compositores, mas em diversos outros casos (embora mais como subtemas ou temas
derivados ou correlatos). A seguir um exemplo de cada um desses domínios
temáticos:
Capitão de Indústria
|
Cálice
|
Aumenta que isso aí é rock and roll
|
Djalma Dias
|
Chico Buarque e Gilberto Gil
|
Celso Blues Boy
|
Eu
Às
vezes fico a pensar
Em
outra vida ou lugar
Estou
cansado demais
Eu
Às
vezes penso em fugir
E
quero até desistir
Deixando
tudo pra trás
É
É que
eu me encontro perdido
Nas
coisas que eu criei
E eu
não sei
Eu
Não
sei da vida, da estrada, do amor e das coisas
Livres,
coloridas
Nada
poluídas
Qual
Acordo
pra trabalhar
Eu
durmo pra trabalhar
Eu
corro pra trabalhar
Mal
Não
tenho tempo de ter
Um
tempo livre de ter
Ou
nada ter que fazer
Eu
Não
vejo além da fumaça que passa
E
polui o ar
Eu
nada sei
Eu
Só sei
que tenho esse nome honroso, pomposo
Capitão
de indústria
Capitão
de indústria
Qual
Acordo
pra trabalhar
Eu
durmo pra trabalhar
Eu
corro pra trabalhar
Mal
Não
tenho tempo de ter
Um
tempo livre de ter
Ou
nada ter que fazer
Eu
Não
vejo além da fumaça que passa
E
polui o ar
Eu
nada sei
Eu
Só sei
que tenho esse nome honroso, pomposo
Capitão
de indústria
Capitão
de indústria
|
Pai, afasta
de mim esse cálice
Pai,
afasta de mim esse cálice
Pai,
afasta de mim esse cálice
De
vinho tinto de sangue
Pai,
afasta de mim esse cálice
Pai,
afasta de mim esse cálice
Pai,
afasta de mim esse cálice
De
vinho tinto de sangue
Como
beber dessa bebida amarga
Tragar
a dor, engolir a labuta
Mesmo
calada a boca, resta o peito
Silêncio
na cidade não se escuta
De que
me vale ser filho da santa
Melhor
seria ser filho da outra
Outra
realidade menos morta
Tanta
mentira, tanta força bruta
Pai,
afasta de mim esse cálice
Pai,
afasta de mim esse cálice
Pai,
afasta de mim esse cálice
De
vinho tinto de sangue
Como é
difícil acordar calado
Se na
calada da noite eu me dano
Quero
lançar um grito desumano
Que é
uma maneira de ser escutado
Esse
silêncio todo me atordoa
Atordoado
eu permaneço atento
Na
arquibancada pra a qualquer momento
Ver
emergir o monstro da lagoa
Pai,
afasta de mim esse cálice
Pai,
afasta de mim esse cálice
Pai,
afasta de mim esse cálice
De
vinho tinto de sangue
De
muito gorda a porca já não anda
De
muito usada a faca já não corta
Como é
difícil, pai, abrir a porta
Essa
palavra presa na garganta
Esse
pileque homérico no mundo
De que
adianta ter boa vontade
Mesmo
calado o peito, resta a cuca
Dos
bêbados do centro da cidade
Pai,
afasta de mim esse cálice
Pai,
afasta de mim esse cálice
Pai,
afasta de mim esse cálice
De
vinho tinto de sangue
Talvez
o mundo não seja pequeno
Nem
seja a vida um fato consumado
Quero
inventar o meu próprio pecado
Quero
morrer do meu próprio veneno
Quero
perder de vez tua cabeça
Minha
cabeça perder teu juízo
Quero
cheirar fumaça de óleo diesel
Me
embriagar até que alguém me esqueça
|
Estava
deitado dormindo acordado
Sem
ter nada o que fazer
Liguei
o rádio no meio da noite
O
ritmo do som era pesado
Subi o
volume e o vizinho gritou
Aumenta
que isso aí é Rock and Roll
Aumenta
que isso aí é Rock and Roll
Rock and Roll, Rock and
Roll, Rock and Roll
Rock and Roll, Rock and
Roll, Rock and Roll
Era
como um trem sacudindo a cabeça
Parado
é que não dava pra ficar
O
guarda noturno as meninas da esquina
Todo
mundo que escutou
Gritaram
mais alto ninguém segurou
Aumenta
que isso aí é Rock and Roll
Aumenta
que isso aí é Rock and Roll
Rock and Roll, Rock and
Roll, Rock and Roll
Rock and Roll, Rock and
Roll, Rock and Roll
|
As músicas acima apontam para três domínios temáticos, o trabalho, a
política e a autorreferência. O trabalho aparece na música de Djalma Dias,
narrando a vida de trabalho de um operário e sua situação e sentimentos. Na
música gravada por Chico Buarque, composta em coautoria com Gilberto Gil, o
tema é a política, mais exatamente a ditadura militar, com sua censura, sangue,
etc. Já a letra da música de Celso Blues Boy é autorrefencial, sobre o rock e
suas características, vistas positivamente. Para cada um desses domínios
temáticos, diversas outras manifestações musicais poderiam ser citadas.
Outros domínios temáticos poderiam ser acrescentados, mas estes estão
entre os principais. A complexidade das músicas (letra e melodia, bem como
geralmente os demais elementos componentes da totalidade que forma a música) é
variável. No caso, vamos destacar apenas as letras das músicas. A MPB trivial é
a mais simples, passando pela MPB semierudita até chegar a sua forma erudita.
No entanto, isso nem sempre ocorre. Existem algumas músicas triviais que
possuem letras mais elaboradas do que o normal, bem como letras de MPB eruditas
mais simples. Da mesma forma, a fronteira entre a semierudita e as duas outras
nem sempre é clara, pois depende do conjunto de compositores, cantores, etc. e
algumas que estão mais próximas do trivial e outras mais próximas da erudita.
Além da singularidade de cada cantor/compositor, também há um outro
elemento que serve para fugir dessa posição hegemônica que vai do simples ao
complexo, que é o próprio domínio temático. A música trivial consegue ser mais
profunda (em comparação com seus outros domínios temáticos) quando o tema é a
natureza, na qual a qualidade da composição e sua complexidade é melhor do que
no caso de outras temáticas. A razão disso se encontra em algumas
determinações, como a relação com o meio ambiente mais forte dos cantores e
compositores triviais (especialmente os da música sertaneja), a tradição da
música folclórica que serve de inspiração, o próprio tema que dificulta vulgaridades,
entre outras. A interpretação e a melodia, por sua vez, não ultrapassam seus
limites próprios, mas no plano do conteúdo há uma sensível diferença em relação
ao que é mais comum. A complexidade da música erudita ou do semierudito pode
diminuir dependendo do tema em questão. O tema da sexualidade também acaba
gerando dificuldades para a música erudita e semierudita, que, muitas vezes,
especialmente no último caso, não consegue evitar a vulgarização ou então os
lugares comuns, como a tematização da repressão sexual sob forma simplista e
ingênua, como fizeram certas bandas de rock (Ultraje a Rigor e outras). Porém,
isso depende também dos compositores e os exemplos acima citados mostram a
possibilidade de sair da simplificação e vulgarização. Isso significa que para
analisar os casos concretos é necessário perceber suas múltiplas determinações.
Domínio Temático e Abordagem
A discussão sobre domínio temático ficaria incompleta se não tratássemos
também da questão da abordagem. A abordagem no âmbito do domínio temático
musical significa a perspectiva de quem trabalha o tema. A perspectiva
individual do compositor é sempre expressão de uma perspectiva mais ampla, que
é a de classe social, que constitui um conjunto de concepções, sentimentos,
valores, entre outros elementos. O tema da natureza pode ser abordado sob
várias formas e perspectivas. Os três exemplos que apresentamos anteriormente
apontam para isso.
É possível verificar, no âmbito da música nacional-popular, quatro
abordagens principais dos temas musicais. Elas seriam a apologética, a
intuitiva, a descritiva e a crítica e cada uma tendo formas distintas de
efetivação. A abordagem apologética é aquela que realiza a apologia do tema em
questão. Nos exemplos anteriores, é o que se pode ver na música de Os Incríveis
sobre o Brasil. Também é visível em Obrigado
ao Homem do Campo, de Dom e Ravel[23],
entre inúmeros outros exemplos em vários temas musicais. A abordagem intuitiva
é aquela que revela apenas impressões sem maiores reflexões, mostrando mais uma
relação emocional com o tema musical. A abordagem descritiva é a mais pobre,
pois apenas apresenta o tema, descrevendo sua existência e características, sem
se posicionar claramente, diretamente, sobre ele. A abordagem crítica é a mais
rica e que tem mais formas distintas de manifestação e por isso abordaremos
mais profundamente adiante.
É preciso entender que o domínio temático é composto pelo tema principal
e por subtemas correlatos ou derivados. A abordagem em relação ao tema
principal pode não ser a mesma em relação aos subtemas. O dinheiro como domínio
temático nos ajuda a explicar esses aspectos. Abaixo apresentamos quatro
abordagens (apologética, intuitiva, descritiva, crítica) sobre o dinheiro:
Mim Quer Tocar
|
Com Dinheiro, Tudo Bem
|
Ultraje a Rigor
|
Bezerra da Silva
|
Dinhero!
Dinhero! Dinhero! Dinhero!
Mim quer tocar
Mim gosta
ganhar dinheiro (dinhero!)
Me want to play
Me love to get the money (the money!)
Mim é
brasileiro
Mim gosta
banana (banana!)
Mas mim também
quer votar
Mim também
quer ser bacana (bacana!)
Mim quer tocar
Mim gosta
ganhar dinhero (dinhero!)
Me want to play
Me love to get the money (the money!)
Mim gosta
tanto tocar
Mim é batuquero
(conhero!)
Mas mim
precisa ganhar
Mim gosta
ganhar dinhero (dinhero!)
Mim quer tocar
Mim gosta
ganhar dinhero (dinhero!)
Me want to play
Me love to get the money (the money!)
The money! money!
Dinhero! dinhero!
Money! money!
Dinhero! dinhero!
Money! money!
Dinhero!
dinhero!
Hei nheero!
inheerooo!...
Dinhero!
dinhero!
Dinhero!
dinhero!
|
Olha aí
Com
dinheiro tudo bem sem dinheiro tudo mal
O
dinheiro nesta vida é peça fundamental
Quando
eu estou com dinheiro
Sou o
melhor homem do mundo
Mas se
eu não tenho trocado
Não
presto sou vagabundo
E com
dinheiro tudo bem sem dinheiro tudo mal
O
dinheiro nesta vida é peça fundamental
Com
dinheiro eu sou um grande sujeito
Ninguém
vê nenhum defeito, eu sou gente sim senhor
Sem
dinheiro tô distante, não sou nada
Sou
figura apagada, objeto sem valor
Mas
com dinheiro tudo bem sem dinheiro tudo mal
O
dinheiro nesta vida é peça fundamental
Com
dinheiro sou um cara esclarecido
Sempre
sou bem recebido em todo lugar que vou
Sem
dinheiro sou humano e farrapo
Só conheço
um maltrato, resta o que o mundo deixou
Mas
com dinheiro tudo bem sem dinheiro tudo mal
O
dinheiro nesta vida é peça fundamental
Com
dinheiro sou bonito sou gostoso
Sou
jovem sou carinhoso todas querem me ganhar
Sem
dinheiro sou um velho sem vergonha
Só
quero garota nova não conheço meu lugar
Mas
com dinheiro tudo bem sem dinheiro tudo mal
O
dinheiro nesta vida é peça fundamental
|
Pecado Capital
|
Maldito Dinheiro
|
Paulinho da Viola
|
Eduardo Dusek
|
Dinheiro
na mão é vendaval
É
vendaval!
Na vida
de um sonhador
De um
sonhador!
Quanta
gente aí se engana
E cai
da cama
Com
toda a ilusão que sonhou
E a
grandeza se desfaz
Quando
a solidão é mais
Alguém
já falou...
Mas é
preciso viver
E
viver
Não é
brincadeira não
Quando
o jeito é se virar
Cada
um trata de si
Irmão
desconhece irmão
E aí!
Dinheiro
na mão é vendaval
Dinheiro
na mão é solução
E
solidão!
Dinheiro
na mão é vendaval
Dinheiro
na mão é solução
E
solidão!
Dinheiro
na mão é vendaval
Dinheiro
na mão é solução
E
solidão!
E
solidão! E solidão!
E
solidão! E solidão!
E
solidão! E solidão!
|
“Eu
era lixeiro, você empregada
A
gente se amava e se encontrava
Na
mesma calçada”.
(Bis).
Ouvindo
pelo rádio,
uma
brega de Amado Batista
Eu me
lembrei, já meio atrasado,
da
hora do dentista
Saí
correndo de casa,
quase
caí na esquina ao ver
Dentro
de um carro parado,
se prostituía...
A
minha esforçada professora,
de biologia
Pra
aumentar seu salário,
ela se vendia
Maldita
segunda-feira,
em que
eu tive que aprender
Maldito
dinheiro!
Dele
todos dependem
Maldita
segunda-feira,
em que
eu tive que aprender
Que
nem todos no mundo são
como
gostariam de ser
Que
nem todos no mundo são
como
gostariam de ser
|
As músicas apresentadas acima mostram distintas abordagens do dinheiro.
A música do Ultraje a Rigor é uma abordagem apologética, pois realiza o elogio
do dinheiro e assume o dinheiro como necessidade e valor[24]. As
entrevistas do vocalista da banda não contradizem essa interpretação e por isso
fica descartada a hipótese de que poderia ser uma ironia. A música de Bezerra
da Silva, por sua vez, é descritiva[25],
mostrando a valoração e desvaloração do indivíduo a partir do fato de possuir
ou não dinheiro. Sem dúvida, aqui se pode pensar que há uma crítica, mas isso
depende dos valores do compositor e do ouvinte, bem como o dinheiro, em si, não
é questionado e sim as pessoas que valoram quem o possui e desvaloram quem não
o possui. A música de Paulinho da Viola, por sua vez, apresenta uma abordagem
intuitiva[26].
O dinheiro é apresentado como algo que muda a vida, gera “vendaval” e “solidão”,
mas não há nenhuma explicação ou desdobramento racional do significado do
dinheiro ou do motivo pelo qual produz essas consequências. A música de Eduardo
Dusek desenvolve uma abordagem crítica através dos casos concretos que são
narrados (a prostituição da professora para aumentar seu “salário/renda”) e
afirmações como “maldito dinheiro”, “dele todos dependem” e a contraposição
entre ser (“nem todos no mundo são o que gostariam de ser”) e o ter (todos
precisam possuir, ter, dinheiro) que explicitam a negatividade do dinheiro[27].
Assim, o domínio temático do dinheiro foi apresentado sob quatro
abordagens distintas. Vários outros exemplos tanto de abordagens apologéticas
quanto críticas, poderiam ser citados, desde o funk ostentação até o rock mais
envolvido com a crítica social. Essas duas abordagens são as que expressam mais
explicitamente valores e concepções, sendo de análise relativamente mais fácil.
A abordagem descritiva de Bezerra da Silva mostra como o indivíduo está
dependente do dinheiro, bem como sua aparência social, sem, no entanto,
efetivar nenhuma crítica. Da mesma forma, a abordagem intuitiva de Paulinho da
Viola destaca o impacto sentimental (solidão) e social (vendaval) na vida do
indivíduo quando ele possui dinheiro. Em nenhum dos dois casos há um
posicionamento claro sobre o dinheiro, apenas mostram, sem se posicionar
claramente e diretamente, o aspecto negativo do dinheiro. Na abordagem de
Bezerra da Silva, o dinheiro é “peça fundamental” e traz valoração do indivíduo
possuidor do mesmo, enquanto que na abordagem de Paulinho da Viola, ele é
gerador de solidão. Num caso, a descrição aponta para uma impressão de que o
dinheiro é fundamental por causa da sociedade e a intuição que é gerador de
problemas.
Das quatro abordagens de um domínio temático, a abordagem crítica é a
mais complexa. Ela pode ser realizada sob várias formas. A crítica social,
enquanto forma de manifestação da crítica no âmbito da produção artística, pode
ser pessimista, moralista, fragmentária ou radical. A crítica de Eduardo Dusek
na letra acima é pessimista, pois não aponta para nenhuma alternativa,
mostrando resignação. As duas músicas a seguir exemplificam duas outras formas
de abordagem crítica do dinheiro:
Corrida do Ouro
|
Amor por Dinheiro
|
Coral Som Livre
|
Titãs
|
Muito
dinheiro fora de hora
Sempre
modifica as pessoas
Muito
dinheiro
Quando
chega ninguém espera
Modifica
todas as coisas
Muito
dinheiro
Quando
pinta na vida
Modifica
tudo na vida
Mas as
pessoas vivem todas
Correndo
atrás
De
muito dinheiro
Muito
dinheiro fora de hora
Dá um
revertério na cuca
Muito
dinheiro
Prá
quem não sabe
O que
é dinheiro
Põe
toda a moçada maluca
Muito
dinheiro no bolso
E no
banco
É pior
do que pouco dinheiro
Mas as
pessoas vivem todas
Correndo
atrás
De
muito dinheiro
Quem
corre atrás do tesouro
Da
mina de ouro
Tem
conta secreta
No
banco suíço
Se
esquece que a vida
Existe
só prá ser vivida
Quem
pensa que a grana
Que
pinta de graça
Resolve
os problemas
Do
amor e da vida
Perdeu
a sua chance
De ter
a tal felicidade
De
verdade
Muito
dinheiro fora de hora
Sempre
modifica as pessoas
Muito
dinheiro
Quando
chega ninguém espera
Modifica
todas as coisas
Muito
dinheiro
Quando
pinta na vida
Modifica
tudo na vida
Mas as
pessoas vivem todas
Correndo
atrás
De
muito dinheiro
Essas
pessoas
Correm
atrás do dinheiro
Todo
mundo correndo
Sempre
atrás do dinheiro
Essas
pessoas vivem todas correndo
Atrás
de muito dinheiro
|
Acima
dos homens, a lei
E
acima da lei dos homens
A lei
de Deus
Acima
dos homens, o céu
E
acima do céu dos homens
O nome
de Deus
E
acima da lei de Deus
E
acima da lei de Deus
O
dinheiro!
Que
mata, salva, compra
amor
verdadeiro
Que
suja, limpa, compra
amor
por inteiro
Amor
verdadeiro
Amor
verdadeiro
Dinheiro!
Amor
por dinheiro!
Amor
por dinheiro!
Você
não vale nada
Você
não vale nada
Você
não vale nada
|
A música Corrida do Ouro traz
uma abordagem crítica sobre o dinheiro, mostrando a competição, valoração
excessiva do dinheiro, etc.[28]
No entanto, é uma crítica moralista, pois constata a manifestação do fenômeno
(valoração do dinheiro, competição, etc). e contesta o dinheiro como valor
fundamental, mas isso é apresentado apenas no nível valorativo (pois quem
valora o dinheiro “se esquece que a vida/existe só prá ser vivida” e perde a
chance “de ter a tal felicidade/de verdade”). A crítica moralista é
fragmentária[29]
e assim a crítica ao dinheiro nessa música não ultrapassa esse nível. A música Amor por Dinheiro também questiona a
valoração do dinheiro e que ele “mata”, “suja”, mas também “salva”, “limpa” e
compra “amor verdadeiro”, embora o “verdadeiro” seja ironia, pois sua verdade é
o “amor por dinheiro”[30].
A crítica é fragmentária por questionar, basicamente, o amor pelo dinheiro, sua
excessiva valoração, e não o processo que gera a valoração excessiva do
dinheiro.
Uma crítica radical não foi encontrada no caso do domínio temático do
dinheiro. A crítica social radical é mais fácil em formas artísticas que
possuem conteúdos mais extensos que permitem esse processo. No entanto, é
possível encontrar letras de música em outros domínios temáticos que realizam
uma crítica social radical e totalizante, como as músicas de Edmilson Marques[31].
Em síntese, a análise dos domínios temáticos pressupõe compreender não
apenas o temário de uma música ou conjunto de músicas, mas também a abordagem
pela qual o tema é tratado. Essa é uma questão fundamental no processo
analítico dos domínios temáticos musicais. No entanto, esses elementos
apresentados até aqui não esgotam a questão e por isso é necessário observar
outros elementos relacionados aos domínios temáticos da música popular.
Domínios Temáticos Musicais: Elementos, Estrutura e Totalidade
A análise dos domínios temáticos nas letras da música popular pode ser
sobre a relação gênero/domínio temático; sobre a evolução histórica dos temas
musicais e sua relação com as mudanças históricas (ou um momento histórico
específico); determinados domínios temáticos selecionados, ou mesmo apenas uma
letra de música. Em todos estes processos é importante entender o aspecto
formal das letras e seu conteúdo. Um tema musical exposta numa letra de música
pode ser dividido em elementos temáticos: tema principal, subtemas, temas
correlatos, temas derivados, temas complementares. Sem dúvida, as letras muito
curtas e muito simples poderão ser monotemáticas, ou seja, ter apenas um tema.
A estrutura da letra é expressa no tema principal, que é o elemento
gerador dos demais temas e subtemas. O tema principal pode se desdobrar em
outros temas, sob forma mais ou menos complexa. A análise de um domínio
temático numa letra de música popular deve levar isso em consideração tanto os
temas e subtemas como os demais temas em seu significado próprio. Um subtema
pode realizar uma submensagem complementar. Esse é o caso da música abaixo de
Raul Seixas, Eu Também Vou Reclamar,
de 1976[32]:
Eu Também Vou
Reclamar
Raul
Seixas
Mas é
que se agora
Pra
fazer sucesso
Pra
vender disco
De protesto
Todo
mundo tem
Que
reclamar (01)
Eu vou
tirar
Meu pé
da estrada
E vou
entrar também
Nessa
jogada
E
vamos ver agora
Quem é
que vai güentar (02)
Porque
eu fui o primeiro
E já
passou tanto janeiro
Mas se
todos gostam
Eu vou
voltar (03)
Tô
trancado aqui no quarto
De
pijama porque tem
Visita
estranha na sala
Aí eu
pego e passo
A
vista no jornal
Um
piloto rouba um “mig”
Gelo
em Marte, diz a Viking
Mas no
entanto
Não há
galinha em meu quintal
Compro
móveis estofados
Me
aposento com saúde
Pela
assistência social
Dois
problemas se misturam
A
verdade do Universo
A
prestação que vai vencer
Entro
com a garrafa
De
bebida enrustida
Porque
minha mulher
Não
pode ver
Ligo o
rádio
E ouço
um chato
Que me
grita nos ouvidos
Pare o
mundo
Que eu
quero descer (07)
Olhos
os livros
Na
minha estante
Que
nada dizem
De
importante
Servem
só prá quem
Não
sabe ler
|
E a
empregada
Me
bate à porta
Me
explicando
Que tá
toda torta
E já
que não sabe
O que
vai dá prá mim comer
Falam
em nuvens passageiras
Mandam
ver qualquer besteira
E eu
não tenho nada
Prá
escolher (10)
Apesar
dessa voz chata
E
renitente
Eu não
tô aqui
Prá me
queixar
E nem
sou apenas o cantor (11)
Que eu
já passei
Por
Elvis Presley
Imitei Mr. Bob Dylan, you
know...
Eu já
cansei de ver
O Sol
se pôr (12)
Agora
eu sou apenas
Um
latino-americano
Que
não tem cheiro
Nem
sabor (13)
E as
perguntas continuam
Sempre
as mesmas
Quem
eu sou?
Da
onde venho?
E
aonde vou, dá?
E todo
mundo explica tudo
Como a
luz acende
Como
um avião pode voar
Ao meu
lado um dicionário
Cheio
de palavras
Que eu
sei que nunca vou usar
Mas
agora eu também resolvi
Dar
uma queixadinha
Porque
eu sou um rapaz
Latino-americano
Que
também sabe
Se
lamentar (16)
E
sendo nuvem passageira
Não me
leva nem à beira
Disso
tudo
Que eu
quero chegar
-E fim
de papo! (17)
|
A letra é uma crítica a um conjunto de músicas, especialmente as que
apresentam “reclamações”. O tema principal é, portanto, as músicas de protesto
que realizam reclamações. O foco principal é a música Apenas Um Rapaz Latino Americano, de Belchior[33]. A
crítica aparece mais explicitamente nos versos[34] 11,
13 e 16. “Nem sou apenas um cantor” em contraposição a “sou apenas um cantor”[35];
e quando afirma que o rapaz latino-americano “não tem cheiro nem sabor” e “que
também sabe se lamentar”. Há também crítica a outras músicas, como Pare o Mundo que eu Quero Descer, de
Silvio Brito[36]
e Nuvem Passageira, de Hermes de
Aquino[37],
como se vê nos versos 07 e 10/17, respectivamente. O primeiro é “um chato que me
grita aos ouvidos” e o segundo “manda qualquer besteira” e “não me leva nem à
beira”.
A letra coloca a crítica num contexto, que é a totalidade da música. As
críticas de Raul Seixas foca a MPB da época, o que no final da década também
será feito por Rita Lee (composição dela e Paulo Coelho)[38] e
cita até Raul Seixas[39].
As críticas de Raul Seixas, apesar das referências a Hermes de Aquino, são
endereçadas especialmente para Belchior e Silvio Brito ou o que se chama “música
de protesto”. Raul Seixas é um dos principais representantes da criticidade
musical e a sua crítica reside numa comparação entre o seu rock crítico e as
novas músicas de protesto. As músicas de protesto da metade dos anos 1970, tal
como representadas por Belchior e Silvio Brito, são mais “reclamações” (verso
01: “Mas é que se agora/Pra fazer sucesso/Pra vender disco/De protesto/Todo
mundo tem/Que reclamar”), por isso o título, Eu Também Vou Reclamar. E ele compara sua produção, história e
formação com os demais (versos 02, 03 e 12). A crítica ao Belchior é justamente
por sua música ser mais lamentação do que crítica (verso 16: “Mas agora eu
também resolvi/Dar uma queixadinha/Porque eu sou um rapaz/Latino-americano/Que
também sabe/Se lamentar”).
No entanto, a análise de um domínio temático não é um trabalho de
isolamento. Os domínios temáticos são constituídos social e historicamente e
por isso sua adequada compreensão requer o entendimento de suas múltiplas
determinações. Nesse processo o contexto histórico, social, cultural e musical
é fundamental. Aliás, a análise acima só foi possível pelo motivo do autor
dessas linhas conhecer as músicas de Silvio Brito, Belchior e Hermes de Aquino,
ou seja, o contexto musical. E ao pesquisar o contexto musical torna-se
possível recordar ou descobrir mais relações que são outras determinações da
letra da música de Raul Seixas. Silvio Brito não aparece apenas por compor
músicas de protesto recheadas de reclamações como a citada por Raul Seixas. Ele
mesmo realizou uma crítica ao Raul Seixas em um dos seus maiores sucessos, Tá Todo Mundo Louco[40]:
Tá Todo Mundo
Louco
Silvio
Brito
Essa
música foi feita
Num
momento de depressão
Eu
tava com papo cheio
Com
raiva da vida
Com raiva
de tudo
Fiz
essa música
Prá
encher o papo
De
todo mundo...
É uma
música sem graça
Sem
métrica, sem rima
Sem
ritmo
Com
muitos erros de português
Agora
ninguém tem nada com isso
Porque
a música é minha
Eu
faço dela o que eu quiser... (02)
Eu fiz
tudo prá não fazer
Um
plágio mas ela saiu
Muito
parecida
Com a
música do Raul Seixas... (03)
Oh mas
não tem nada não
Porque
não foi feita
Prá
fazer sucesso
Nem
prá ser apresentada
Em um
programa de televisão...
Eu até
coloquei
Uma
frase em inglês
Prá valorizar
a música
“I
Love You”
É uma
dessas músicas chatas
Enjoada
e sem graça
Que a
gente faz
Prá
participar de festival...
Você
que tá ouvindo
Essa
música
Num
tem nada com isso
Deve
tá me achando
Um
chato, enjoado
Não
liga “prisso” não!
Não
liga “prisso” não!
Não
liga “prisso” não!
É a
cabeça irmão...
É a
cabeça irmão
É a
cabeça irmão
Mas
que depressão!
É a
cabeça irmão
|
É a
cabeça irmão
Mas
que confusão!
É a
cabeça irmão
É a
cabeça irmão
Desafinação!
É a
cabeça irmão
É a
cabeça irmão...
Tá
Todo Mundo Louco!
Oba!...
Tube ri din din, din din!
Tube ri din din, din din!
Tudo
está ficando diferente
Ninguém
vê!
Já
estou cansado
De
ouvir você dizer:
Que eu
não sei fumar
Que eu
não sei beber
Que eu
não sei cantar
Aquilo
tudo
Que
você adora ouvir
E eu
não sirvo prá você
Por
que?
Eu não
sei cantar inglês
Por
que?
Eu não
sei cantar inglês
Ran!...
Tá Todo Mundo Louco!
Oba!...
Tube ri din din, din
din!
Tube ri din din, din
din!
Já não
compreendo
A
razão do desamor
Nem
entendo porque
Ninguém
fala mais de amor
Você
me traiu
E
disse que é normal
Um a
um todos irão por certo
Acompanhar
a evolução
E
quase que eu fiquei prá trás
Por
que?
Fui
querer ser bom rapaz
Por
que?
Fui
querer ser bom rapaz
Ran!...
|
Nessa música, gravada em 1974, dois anos antes de sua outra música
criticada por Raul Seixas e da música deste, ele faz referência à música Ouro de Tolo[41],
que tem alguns elementos de interpretação semelhante. Ouro de Tolo é uma música mais falada do que cantada, tal como o
início da música de Silvio Brito. Silvio Brito diz, no verso 02, que tal música
é “sem graça”, “sem métrica, sem rima [o que é correto], sem ritmo” e depois,
no verso 03, “Eu fiz tudo prá não fazer/Um plágio mas ela saiu/Muito parecida/Com
a música do Raul Seixas...”[42].
A crítica de Raul Seixas, tinha, portanto, duas motivações, que seriam a
resposta à crítica recebida e a avaliação da música de protesto em meados dos
anos 1970.
Assim, certas letras de músicas são pouco compreensíveis sem uma maior
compreensão do contexto da subesfera musical, as disputas no seu interior, bem
como contexto social mais amplo no qual isso ocorre[43]. Em
certos casos, é necessário entender o contexto cultural, que, nesse período,
era marcado por um descontentamento de setores da sociedade com o regime
militar. Isso deveria se expressar musicalmente, mas a repressão e a censura
não permitia que isso ocorresse explicitamente. É nesse contexto que as letras
musicais ficam mais ricas em figuratividade ao usar metáforas e outros
elementos para realizar a crítica sem sofrer censura, bem como surge uma
solução secundária que é a “reclamação”. O uso da metáfora para permitir a
crítica musical é a realizada pelos compositores que visavam (ou tinham como
público) os setores mais intelectualizados e as classes privilegiadas. O uso da
reclamação como forma de crítica musical é realizada pelos compositores que
tinham como alvo o mercado consumidor que estava descontente com a situação do
país, não somente a ditadura militar, mas também a crise pecuniária (“econômica”)
dos anos 1970. No primeiro caso, Chico Buarque é um dos principais exemplos e
no segundo o próprio Silvio Brito, que em sua música Para o Mundo que Eu Quero Descer coloca a questão da crise do
petróleo explicitamente.
A reclamação era mais compreensível para a maior parte da população,
enquanto que a crítica musical através de metáfora, não compreendida por
muitos, aparecia apenas como mais música comum sem mensagem política. O sucesso
da “música de reclamação” é evidente com a vendagem de Silvio Brito, que chegou
a afirmar em entrevista que vendia muito mais discos do que Raul Seixas e pela
própria afirmação deste no início de sua música: “mas é que se agora/Pra fazer
sucesso/Pra vender disco/De protesto/Todo mundo tem/Que reclamar”. A competição
pela vendagem e o critério usado pelo Silvio Brito para fazer a comparação
mostra duas concepções distintas no interior da subesfera musical sobre música
e produção musical, bem como duas posturas intelectuais distintas.
Desta forma, a análise dos domínios temáticos na música popular gera a
necessidade de análise da totalidade que é a sociedade, bem como da cultura,
subesfera musical, além das letras musicais sob forma aprofundada. Sem dúvida,
existem diferenças analíticas dependendo do caso concreto, pois a análise de um
domínio temático geral aponta para um certo peso maior na questão social e do
capital fonográfico e se for de uma letra de música apenas ganha mais peso a
biografia e posição do cantor/compositor na subesfera musical. Outra diferença,
ainda segundo os dois exemplos acima, é que no primeiro caso o foco analítico é
nas letras musicais em sua totalidade e no segundo caso nas unidades (linha e
verso) de uma única letra musical, bem como sua relação com a totalidade
musical (melodia, interpretação, etc).. Obviamente que este último procedimento
pode ser realizado para reforçar a análise no primeiro caso.
Os recursos metodológicos para a análise do domínio temático são os do
método dialético[44],
que permite analisar a constituição e essência das produções musicais. As
categorias da dialética e seu campo analítico é fundamental e está na base do
processo analítico que apresentamos aqui. Isso fica explícito na distinção
entre classificação e diferenciação e uso de conceitos e categorias como
totalidade, domínio temático, determinações, etc. O domínio temático é um dos
elementos principais da história da música popular e por isso sua análise
metodologicamente fundamentada é essencial para a compreensão mais profunda de
suas mensagens.
Considerações Finais
O domínio temático é uma das questões fundamentais presentes na análise
da música popular. A sua análise rigorosa, fundada em uma base
teórico-metodológica, permite superar as idiopatias e tecnicismos. A análise do
domínio temático é o foco na mensagem das letras musicais. Ela permite uma
análise rigorosa de cada composição de letra musical, bem como da própria
constituição de determinados grandes domínios temáticos e seus vínculos
históricos, políticos, sociais, culturais, bem como com gêneros, movimentos
artísticos, etc.
A análise dos domínios temáticos recorrentes é uma das necessidades para
ampliação do desenvolvimento da consciência sobre a música popular, bem como a
análise de letras musicais específicas. O processo analítico aqui realizado
visou mostrar alguns elementos básicos para a concretização desse objetivo. Há
um vasto campo a ser explorado no plano da música popular, especialmente a
brasileira.
Referências
BAKHTIN, M. Marxismo
e Filosofia da Linguagem. 5ª edição, São Paulo: Hucitec, 1990.
GINSBERG, Morris. Psicologia da Sociedade. Rio de Janeiro:
Zahar, 1966.
KORSCH, Karl. Marxismo e Filosofia. Porto: Afrontamento, 1977.
LUKÁCS, Georg. História
e Consciência de Classe. 2a edição, Rio de Janeiro: Elfos, 1989.
MARX, Karl Contribuição
à Crítica da Economia Política. 2ª Edição, São Paulo: Martins Fontes, 1983.
PRÉVOST,
Claude. Literatura, Política, Ideologia.
Lisboa: Moraes, 1976.
VIANA, Nildo. A Esfera Artística. Marx, Weber, Bourdieu e a Sociologia da Arte.
Porto Alegre: Zouk, 2007.
VIANA, Nildo. Cinema e Mensagem. Análise e Assimilação. Porto Alegre: Asterisco,
2012.
VIANA, Nildo. Escritos
Metodológicos de Marx. 2a edição, Goiânia: Edições Germinal,
2001.
VIANA,
Nildo. O Mistério da MPB. In: SOUZA, Erisvaldo (org).. Música e Sociedade. 2016.
VIANA,
Nildo. Tropicalismo: A Ambivalência de um
Movimento Artístico. Rio de Janeiro: Corifeu, 2007.
* Professor da Faculdade de
Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFG; Doutor em
Sociologia (UnB).
[1] Avaliação é o processo de
atribuir valor a algo e avaliação idiopática é a forma de avaliação fundada
nas preferências e gostos individuais
elaboradas a partir dos sentimentos dos mesmos. A análise vai além da avaliação
no sentido de que ao lado do valorativo e sentimental, a abordagem da música
ocorre realizando uma autorreflexão consciente (de si) e totalizante (da
música), o que é ausente na idiopatia.
[2] Inicialmente, de acordo com a
evolução histórica, pelo capital fonográfico e radiofônico, e, posteriormente,
também pelo capital televisivo, editorial, etc. O Estado é outra determinação
desse processo de remodelamento musical.
[5] Bakhtin, ao tratar do tema no
contexto de sua análise linguística, aponta para uma concepção semelhante: “a
cada etapa do desenvolvimento da sociedade, encontram-se grupos de objetos
particulares e limitados que se tornam objeto de atenção do corpo social e que,
por causa disso, tomam um valor particular” (BAKHTIN, 1990, p. 44).
[6] No caso da música gospel havia,
inicialmente, uma unidade entre gênero musical e domínio temático. Esse vínculo
original é desfeito através da dissolução do gênero no domínio temático
religioso. O que ocorre, geralmente, é diferente: o gênero amplia os domínios
temáticos e o vínculo original é desfeito pela variação temática do gênero e
não pela autonomização do domínio temático.
[7] A música nacional-popular é a
constituída a partir do momento que a reprodutibilidade tecnológica instituída
pelo capital comunicacional (fonográfico, radiofônico, televisivo, etc.) passa
a ter alcance nacional. No Brasil, a MPB é a expressão desse processo. Aqui usamos
música nacional-popular quando tratamos em todos os casos e MPB quando tratamos
do caso brasileiro.
[11] Aqui não deixa de ser importante
ressaltar que na análise das letras de música, o compositor da letra ganha mais
importância do que o intérprete, ou seja, o cantor, quando não são a mesma
pessoa.
[12] Aqui também pode se manifestar,
ambiguamente ou temporariamente, os intelectuais ambíguos ou dissidentes,
respectivamente e uma parte do público pode ser tanto o grande público quanto o
público intelectualizado. O público politizado se distingue não pela classe
social, como no caso do grande público, que se refere à maioria da população,
composta pelas classes desprivilegiadas, e o público intelectualizado, composto
pela burguesia e suas classes auxiliares (burocracia, intelectualidade), e sim
pela posição política. É por isso que remete principalmente (no nível da
coerência e não na quantidade) aos intelectuais engajados e secundariamente aos
intelectuais ambíguos, que fica entre o público politizado e os demais, e os
dissidentes, que em sua competição com os hegemônicos pode apelar para tal
público temporariamente. Os dissidentes, geralmente, reproduzem sua filiação ao
binômio culto-formal. Sobre as diversas posturas intelectuais, cf. Viana ().
[16] A música como forma de arte é
uma expressão figurativa da realidade (VIANA, 2007b), pois, fora disso, vira
propaganda, panfleto, etc. Assim, um documentário não é um filme, pois o
primeiro visa apresentar a realidade e o outro visa figurar. Da mesma forma, os
quadrinhos não são histórias em quadrinhos, pois o primeiro visa apresentar a
realidade e o segundo figurar. O documentário e os quadrinhos usam uma forma
semelhante, mas o conteúdo é radicalmente distinto. Isso também ocorre no
âmbito da música. Os jingles eleitorais, por exemplo, não são música,
propriamente dita, e sim propaganda política ou comercial. Nesse caso, a
distinção entre jingle e música é relevante e a proximidade que muitas vezes
ocorre entre jingle e música trivial é reveladora.
[29] A crítica moralista e
fragmentária “geralmente andam juntas” (VIANA, 2012). A crítica moralista é
fragmentária, pois reduz os fenômenos e problemas sociais a uma questão moral,
o que significa abordar apenas parte da realidade, um fragmento dela. Contudo,
nem toda crítica fragmentária é moralista, pois pode focar num aspecto da realidade
isolado, sem apresentar julgamento moral.
[34] Em poesia se denomina verso a
cada linha poética e estrofe um conjunto de versos. No caso de letras musicais,
tal como alguns autores estrangeiros utilizam, denominamos a cada de linha como
simplesmente linha e um conjunto de linhas como verso.
[35] Que aparece nesse verso de
Belchior: “E eu sou apenas um rapaz Latino-Americano/Sem dinheiro no banco/Por
favor/Não saque a arma no "saloon"/Eu sou apenas o cantor”. Na letra
da música de Belchior, por sua vez, tem crítica à música “Divino Maravilhoso”,
gravada por Gal Costa e composta por Caetano Veloso e Gilberto Gil (https://www.youtube.com/watch?v=medIG-0YQRA).
[39] “Um tal de Raul Seixas/vem de
disco voador”.
[42] Silvio Brito depois faria uma
homenagem a Raul Seixas após sua morte, Com
um Abraço para o Raul (https://www.youtube.com/watch?v=bObyZ6Wfgy4 ). E parece fazer autocrítica:
“Por que será que as pessoas só reconhecem seus heróis e profetas só quando
eles triunfam ou morrem”.
[43] É isso que permite
interpretações opostas e antagônicas de certos fenômenos musicais, como, por
exemplo, o tropicalismo (VIANA, 2007a).
[44] O método dialético foi exposto
de forma sintética por Marx (1983), retomado por autores como Lukács (1989),
Korsch (1977), e contemporaneamente vem sendo recuperado da deformação
realizada por sua simplificação, formalização ou transformação em metafísica
(VIANA, 2001).
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Publicado originalmente em:
Revista
Sociologia em Rede, vol. 6 num. 6, 2016
http://redelp.net/revistas/index.php/rsr/issue/view/Sociologia%20em%20Rede%2006
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