Texto de atualização para os que possuem as edições anteriores da obra "Heróis e Super-Heróis no Mundo dos Quadrinhos".
POSFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
_____
A
reedição do presente livro depois de quase vinte anos depois mostra que a
reflexão sobre o mundo dos super-heróis é não somente atual, como precisa
avançar e se desenvolver. Nascido como um artigo e depois transformado em
livro, a presente obra tematiza a questão dos heróis e super-heróis como
manifestação cultural, focalizando seu caráter axiológico e como manifestação
do inconsciente coletivo. Quando foi publicado originalmente como artigo, em
2001, foi a minha primeira abordagem sobre o gênero da superaventura e
significou o início de diversas pesquisas sobre histórias em quadrinhos.
A
presente edição sofreu revisão formal, alguns poucos acréscimos de parágrafos e
notas de rodapé, revisão lexical, atualização bibliográfica. Alguns equívocos
informacionais e problemas formais foram resolvidos. Resolvemos acrescentar
também um outro artigo, como anexo, pois trata da mesma temática dessa obra,
mas aborda uma personagem específica, a Mulher-Maravilha, super-heroína da DC
Comics. O texto analisa a questão do inconsciente coletivo feminino e da
ambiguidade de valores transmitidos por esta personagem, sendo um bom
complemento à discussão mais geral e teórica abordada no presente livro. Esse
artigo foi publicado originalmente nos Anais do I Encontro Nacional de
Estudos Sobre Quadrinhos e Cultura Pop, realizado na UFPE (Universidade
Federal do Pernambuco, em Recife, no ano de 2011 e foi republicado em obra
organizada por Amaro Braga Jr. e Valéria F. Silva, intitulada “Representações
do Feminino nas Histórias em Quadrinhos”, publicada em Maceió, pela EDUFAL
(Editora da Universidade Federal de Alagoas), em 2015. Assim como os capítulos
do livro, o artigo recebeu revisão formal e lexical, alguns poucos acréscimos e
atualização bibliográfica.
O
conjunto dos textos aqui apresentados enfatiza a questão da axiologia e do
inconsciente coletivo nos gêneros aventura e superaventura, mostrando, por um
lado, aquilo que é consciente e intencional na produção quadrinística nesses
gêneros, que é o seu lado predominantemente conservador e, por outro, aquilo
que é manifestação inconsciente e que expressa o que é contestador, pois mostra
os anelos dos seres humanos (incluindo os quadrinistas) por liberdade.
A
presente edição não realizou grandes alterações. Apenas alguns poucos
parágrafos e notas de rodapé foram acrescentadas. Além disso, a revisão formal
resolveu alguns problemas. Uma outra modificação que merece ser citada e que
assume importância para quem acompanha minhas obras, é a revisão lexical, que
sempre foi um cuidado e a evolução do meu pensamento posterior fez rever o uso
de certos termos. Além de um maior cuidado com a expressão “ideologia” e seus
derivados, alguns termos foram substituídos, como, por exemplo, a palavra
“desejo”, que foi substituída por “anelo”. A razão da substituição se deve à
evolução do meu pensamento e a distinção, que ficou mais clara com as pesquisas
e produções posteriores, entre “necessidade” e “desejo”. A expressão “desejo”
(que tem como uma de suas fontes o pensamento de Freud, ao tratar dos “desejos
reprimidos”) acabou sendo assimilada por determinadas ideologias e se tornou um
problema e por isso, para esclarecimento intelectual e evitar confusões
interpretativas, o termo “anelo” acaba sendo mais preciso e remete para as
questões das necessidades humanas, se distinguindo dos meros “desejos”. As
necessidades, como diz o nome, são elementos necessários para os seres humanos
(tanto as necessidades primárias, que o ser humano compartilha com os animais –
comer, beber, reproduzir, etc. – quanto as secundárias, que são especificamente
humanas – socialidade e práxis), e os desejos são produtos sociais e históricos
vinculados a uma época e sociedade, sendo, em sua maioria, contraditórios com a
essência humana (ou seja, em relação às necessidades radicais – que são as
primárias e secundárias). O indivíduo pode desejar comprar roupa nova toda
semana ou pode desejar viajar para rever os pais por causa de saudade, mas
apenas no segundo caso isso pode ser um anelo, ou seja, um anseio vinculado às
necessidades psíquicas (vinculado ao sentimento de saudade) e condizente com a
necessidade de socialidade.
Outra
mudança lexical se encontra no título da presente obra. O título original do
livro era “Heróis e Super-Heróis no Mundo dos Quadrinhos”. Agora o
título coloca “no mundo das histórias em quadrinhos”. Infelizmente o título
ficou mais extenso, mas se tornou uma necessidade por causa da precisão
conceitual adquirida após pesquisas e reflexões. O termo “quadrinhos” é
impreciso e trata mais da forma do que do conteúdo. Quando escrevemos um artigo
intitulado “As Histórias em Quadrinhos como Forma de Arte”[1],
distinguimos “quadrinhos” e “histórias em quadrinhos”. Quadrinhos é apenas o
uso de aspectos formais das histórias em quadrinhos, como os quadros, balões de
diálogo e pensamento, onomatopeias, etc. Assim, se uma empresa contrata um
desenhista para fazer um trabalho de usar esses aspectos formais para fazer
propaganda de suas mercadorias (ou então, como já ocorreu efetivamente, se usa
personagens existentes, como a Turma da Mônica, para propaganda educacional),
não se trata de histórias em quadrinhos, de ficção, de arte. Para esse uso, o
termo “quadrinhos” é aceitável. Agora, para o mundo ficcional é necessário o
uso do termo “histórias em quadrinhos”. Esse é o motivo da mudança do título da
presente obra[2].
Esperamos
que essa nova edição consiga o mesmo espaço que a anterior, ou até mais, pois
agora o processo de distribuição está mais eficiente. As reflexões apresentadas
continuam atuais e, embora após o seu lançamento surgiram outras contribuições
que exploraram aspectos aqui trabalhados, elas ajudam a pensar as histórias em
quadrinhos como produtos culturais complexos, que envolvem valores, ideias,
manifestações psíquicas, e os conceitos de axiologia, axionomia, ideologema,
inconsciente coletivo, são importantes para entender esse complexo fenômeno
cultural que são as histórias em quadrinhos.
Apesar
da presente obra lançar vários elementos para se pensar as histórias em
quadrinhos, ainda há muitos outros aspectos a serem trabalhados e já esboçamos
alguns deles em outras obras, mas muitos ainda precisam ser englobados e outros
precisam ser aprofundados. Esperamos que o leitor possa extrair da leitura da
presente obra novas reflexões e realizar novas relações com outras produções
quadrinística e casos concretos. Se proporcionar isso, já é um passo importante
e cumpre com um dos seus objetivos. Enquanto lançamos a presente obra já
olhamos para o horizonte de possibilidades para dar os próximos passos na
pesquisa sobre histórias em quadrinhos e assim oferecer novas contribuições com
a análise desse fenômeno cultural de suma importância na história cultural da
modernidade.
Nildo Viana
26/02/2024

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