Texto de atualização para os que possuem as edições anteriores da obra "Escritos Metodológicos de Marx".
O presente livro foi publicado originalmente
em 1998 em sua primeira edição, com tiragem limitada e qualidade gráfica baixa,
devido a um conjunto de problemas oriundos do contexto. As outras duas edições
já tinham uma qualidade gráfica bem superior. No que se refere ao conteúdo, da
primeira para a atual edição não houve grandes mudanças. Além de revisão formal
e talvez um ou outro acréscimo, pouco mudou. A interpretação e análise da obra
de Marx no plano metodológico continua a mesma, apenas com alguns aperfeiçoamentos
em aspectos pontuais e formais.
A presente edição também segue o caminho
anterior, já que sofreu uma revisão formal e teve alguns poucos acréscimos e
reformulações pontuais, bem como atualização bibliográfica. Essa nova edição
ocorre por uma demanda devido ao fato da última edição estar a muitos anos
esgotada e só agora pudemos lançar essa reedição.
Ela continua válida, não somente por ser uma breve
análise dos escritos metodológicos de Marx, mas, principalmente, por resgatar a
dialética do lamaçal ideológico do pseudomarxismo e das interpretações
cientificistas e deformadoras, bem como trazer de volta sua radicalidade
perdida, pois esta é fundamental para a pesquisa e a luta social. Aliás, um dos
méritos da presente obra é tratar o pensamento de Marx superando o academicismo
e o politicismo, produtos dos especialistas da academia e da política profissional
(inclusive dos estudantes e ativistas semiamadores) e suas “bolhas”, para usar
expressão contemporânea, e reducionismos. Uns, recusam a teoria, a pesquisa, a
reflexão, se refugiando no argumento sórdido da “prática como critério da
verdade”, mais uma deformação do pensamento de Marx e da dialética; outros,
recusam a política, as questões sociais, as lutas sociais, os interesses, os
valores, em nome de uma desumana, coisificante e conservadora apologia da
ciência e da neutralidade.
Nem ação sem reflexão, nem reflexão sem ação.
O próprio cerne do marxismo é a unidade entre ação e reflexão, ou seja, a práxis.
A práxis é uma necessidade e aspiração humana. Ela é a base da luta pela
transformação social, unindo a luta e a consciência, coisas inseparáveis e que
somente os arautos da miséria política e intelectual podem defender a separação.
Em qualquer ação há uma finalidade, por menos refletida que seja. A práxis do
marxismo é revolucionária. A práxis revolucionária, por sua vez, é mais do que a
unidade entre ação e reflexão. A práxis revolucionária só pode ser a
ação revolucionária unida com uma consciência revolucionária a
partir de um projeto revolucionário.
É por isso que obras como esta se tornam
necessárias, pois é preciso rememorar que a dialética marxista é
revolucionária, ou não é nada, para parafrasear Marx. Isso espanta os
academicistas e maioria da intelectualidade. Afinal, segundo eles, o saber não
pode ser político, comprometido, engajado. No fundo, essa afirmação quer
simplesmente dizer que o saber não deve ser nada, ou deve ser nulo, como a
maioria esmagadora das produções intelectuais em nossa sociedade.
Isso também espanta os politicistas,
praticistas e maioria dos ativistas, políticos profissionais e burocratas
sindicais e partidários. Afinal, segundo eles, a prática, a política, são os
meios para “transformar” o mundo. Essa ideia, por sua vez, revela apenas o que
Marx denominou “o idiotismo da especialização” em sua versão politicista e
revela que a ação política dos seus defensores deve ser estéril, tal como é a
produzida pelos partidos, sindicatos e outras organizações civis progressistas.
Sem dúvida, seria possível realizar críticas
ao intelectualismo ou ao praticismo, mostrando seus limites intrínsecos, tais
como a redução da “prática” ao ativismo e burocratismo especializado dos
partidos e sindicatos ou a redução do “saber” a um conjunto de procedimentos
formais com seus resultados inúteis[1].
Porém, o presente livro é um antídoto a esse
academicismo e praticismo, inclusive por revelar os interesses e vínculos
sociais por detrás de todas as ideias, por mais estapafúrdias que elas sejam.
Quem defende o academicismo e intelectualismo? Os intelectuais, cientistas “neutros”
e demais especialistas do trabalho intelectual. Quem defende o praticismo e o
politicismo? Os ativistas, políticos profissionais e burocratas partidários e
sindicais. Logo, como diz o ditado popular, “cada um puxa a sardinha para o seu
lado”. Quem não faz isso é marginalizado, caluniado, isolado, etc.
E o autor da presente obra, também não
defende os seus próprios interesses? O autor do presente livro também está
vinculado a interesses. A questão é que são outros interesses. Não são
interesses de trabalhadores intelectuais preocupados em mostrar sua
superioridade, justificar e legitimar suas profissões, ações, produtos, renda.
Também não são os interesses dos políticos profissionais e seus semelhantes e
seguidores, preocupados em exercer influência sobre os outros para ganhar
votos, apoio, etc.
Nesses casos, o interesse pessoal e o
interesse coletivo estão em plena correspondência: o interesse do intelectual
isolado é o interesse da classe intelectual, valorar o saber, a ciência, etc.,
para, assim, ser valorado socialmente (o que justifica aumentos salariais,
cargos, vantagens, etc.); o interesse do político profissional e semelhantes é
ganhar a eleição, cargos, espaços políticos, etc. e para isso, valorar a
política e a prática é fundamental.
É impossível ao intelectual realizar ação
política ou ao ativista político realizar reflexões intelectuais? Não, mas é
difícil e não está em suas prioridades, pois a dedicação será ao prioritário
para eles e este se vincula às suas escolhas pessoais, políticas e
profissionais, bem como valores, ambição, etc. Alguns conseguem, como alguns
intelectuais ambíguos (como é o caso dos intelectuais ambíguos que ficam entre
o partido e a universidade, ou outros que ficam entre a igreja e a academia).
E quais são os interesses do autor do
presente livro? Não seriam os mesmos? Quem com certo nível de consciência e
quer reconhecimento intelectual, ganhos financeiros, etc., escreveria um livro
com a radicalidade deste e sobre Marx e a dialética? Da mesma forma, no mesmo
contexto, quem que quer cargos, votos, dinheiro, etc., ia publicar uma obra
como esta? Sem dúvida, como já dizia Marx, e é citado nessa obra, “naturalmente, o escritor deve ganhar
dinheiro para poder viver e escrever, mas, em nenhum caso, deve viver e
escrever para ganhar dinheiro”. A
questão, para quem parte da perspectiva revolucionária, é que os interesses
pessoais não podem ser a prioridade e estar acima dos interesses da classe
proletária, da luta pela transformação social.
Não é
necessário dizer que o autor dessas linhas poderia muito bem escrever obras
superficiais sobre temas da moda de forma acrítica e assim ganhar sucesso,
reconhecimento intelectual e até mesmo dinheiro. Ou, então, escrever manuais
superficiais para ativistas políticos e ganhar um reconhecimento intelectual no
âmbito dos meios políticos progressistas. Assim, cada um escolhe o seu caminho
a partir dos seus valores fundamentais, sentimentos mais profundos, concepções
mais arraigadas, e dos interesses vinculados a eles, e isso corresponde a
determinados interesses de classe. Disto se depreende que todos possuem interesses,
a questão é que tais interesses podem ser mais nobres ou mais pobres, bem como eles
exercem efeitos sobre a consciência e as ideias produzidas. Da mesma forma, as
raízes sociais do pseudomarxismo acadêmico e do pseudomarxismo dos partidos
políticos são explicitadas. Cada um interpreta Marx e o marxismo a partir dos
seus interesses.
É por
isso que a discussão sobre a perspectiva do proletariado é fundamental e recebe
um destaque importante na presente obra e está totalmente ausente na quase
totalidade das obras sobre “dialética”. E esse é um dos motivos pelos quais uma
nova edição da presente obra se justifica.
A
perspectiva é também importante no processo de interpretação e análise das
obras, não só a de Marx, mas de toda e qualquer produto cultural. A presente
obra, por exemplo, já foi interpretada sob várias formas. A mais curiosa foi a
de um estudante que “identificou” traços de “weberianismo” na mesma. Sem
dúvida, não apenas os interesses agem no processo interpretativo, mas também a
bagagem cultural, as informações, o grau maior ou menor de reflexão, o que pode
promover, mesmo que o leitor tenha a perspectiva do proletariado ou boas
intenções, a possibilidade de má interpretação e compreensão.
A
ideia de “perspectiva” nada tem de weberiana, nem de nietzschiana. Semelhanças superficiais não abolem diferenças
fundamentais. A perspectiva que aparece aqui não é a do indivíduo como
“sujeito”, não é a da elite, e nem é algo desprovido de raízes sociais, sendo
produto histórico e social. Aqui ela é vinculada às classes sociais. Isso é bem
distinto do que se encontra em Weber ou Nietzsche, embora o primeiro discuta
elementos que podem ser relacionados com a ideia de “perspectiva” e o segundo
trabalha com o que alguns de seus intérpretes denomina “perspectivismo”. Assim,
o conceito de perspectiva, aqui desenvolvido (mesmo nas edições anteriores, na
qual faltava maior clareza sobre seu significado e havia problemas lexicais),
nada tem a ver com a concepção desses autores. Inclusive pelo motivo de que
eles partem de uma perspectiva de classe antagônica à nossa. Além disso, é
necessário esclarecer que os termos não são monopólios de um ou outro autor que
os utilizaram, pois o sentido de uma palavra num autor ou obra só pode ser
compreendido a partir de como é trabalhado e definido na totalidade de
pensamento que eles expressam.
A
ideia de perspectiva de classe está presente no pensamento de Marx sem o uso do
termo, ou seja, não formalmente, mas substancialmente, assim como emerge também
nos escritos de Korsch e do “jovem Lukács”, entre outros marxistas. Se o leitor
quer realmente compreender Marx ou este livro, deve entender os termos
utilizados a partir dos sentidos atribuídos pelos seus autores e não os que são
imputados por outros autores. Esse é um dos elementos que formam um bom leitor.
Porém,
para não adiar o início da leitura, encerramos esse prefácio colocando a
necessidade da compreensão da dialética marxista e da totalidade de pensamento
no qual ela se insere (o marxismo) para poder compreender a realidade e agir
mais eficaz e eticamente sobre ela. A presente obra realiza uma introdução aos
escritos metodológicos de Marx e, por conseguinte, à dialética marxista,
buscando despertar o interesse e oferecer uma leitura inicial que precisa ser
complementada pelas leituras das fontes e obras de aprofundamento.
[1] Claro que estamos, nesse caso, tratando
do “baixo clero”, pois esses são os principais responsáveis por estes
discursos. Sem dúvida, eles existem também, no “alto clero”, âmbito dos
ideólogos que buscam sistematizar estas ideias, mas nesse caso se usam
argumentos mais complexos dos que os tagarelas que atuam em redes sociais
virtuais e nos meios políticos e acadêmicos.

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