Educação
Física, Competição e Sociabilidade Capitalista
Nildo
Viana*
Resumo:
O
artigo aborda o tema da competição na educação física. A competição é apontada
como um produto social e histórico, constituído pelo capitalismo que gera uma
sociabilidade e mentalidade competitivas, cujo resultado é a naturalização
desse fenômeno social. A educação física tende a reforçar esse processo de
naturalização e, assim, reproduzir as suas bases sociais de existência. Esta
reflexão provoca a necessidade de repensar as teorias e práticas da educação
física, apontando para uma mudança pedagógica, pautada na pedagogia
autogestionária.
Palavras-Chave:
Competição, Educação Física, Sociabilidade, Mentalidade, Pedagogia
Autogestionária.
Resumen:
El artículo aborda
la cuestión de la competición en educación física. La competición es vista como
un producto social e histórico, constituido por el capitalismo que genera una sociabilidad
y mentalidad competitivas, que se traduce en la naturalización de este fenómeno
social. La educación física tiende a reforzar este proceso de naturalización, y
aportar así sus bases sociales de la existencia. Esta reflexión conduce a la
necesidad de revisar las teorías y prácticas de educación física, apuntando a un
cambio pedagógico, basado en la pedagogía autogestionaria.
Palabras clave: Competición, Educación Física, Sociabilidad, Mentalidad, Pedagogía Autogestionaria.
A
competição é um elemento estrutural da sociabilidade capitalista e se encontra
presente na esfera esportiva, onde muitas vezes é visto como se fosse algo
natural. O nosso objetivo aqui é justamente mostrar que a competição não é
natural e sim um produto social e histórico e isso vale para as representações
cotidianas presentes na educação física.
A
questão da competição na educação física possui grande importância, tendo em
vista que é um elemento presente e obrigatório da educação formal, bem como se
desenvolve também em outras formas de socialização, sem obrigatoriedade ou
formalidade. É um fenômeno social que tem importância no processo de reprodução
ou transformação das relações sociais e possui um forte vínculo com a
cotidianidade e cultura existente em nossa sociedade. A desnaturalização da
competição é fundamental para uma reformulação do ensino em educação física, e
este trabalho visa contribuir com esse processo.
Assim,
ao lado da reflexão crítica e desnaturalização da competição e sua vigência na
educação física, abre-se espaço para repensar suas práticas e vínculos sociais,
bem como apontar a necessidade de mudanças e novas práticas, que é onde se
insere a discussão sobre pedagogia autogestionária. Além de perceber os
problemas e realizar reflexão crítica, é necessário propor novas práticas e
concepções e a pedagogia autogestionária é uma excelente ferramenta para lançar
novas luzes no processo educacional e na prática da educação física em
particular.
As raízes sociais da
competição:
capitalismo, sociabilidade
e mentalidade competitiva
A
competição é um fenômeno social e produzido socialmente. Para compreender esse
processo é fundamental entender a dinâmica da sociedade capitalista. Marx, ao
produzir sua teoria do capitalismo (MARX, 1988), forneceu elementos
fundamentais para entendermos o processo de competição social como produto histórico-social.
O modo de produção capitalista é constituído a partir de uma relação social
específica, um tipo específico de exploração. O capitalismo, que muitos definem
equivocadamente como “sistema produtor de mercadorias” (KURZ, 1993), é, na
verdade, um modo de produção de mais-valor (“mais-valia”). A produção de
mercadorias existiu antes do capitalismo e, sob o mesmo, pode assumir a forma
de produção mercantil simples (MARX, 1988). Porém, a produção de mercadorias no
capitalismo é produção capitalista de mercadorias, sendo, simultaneamente,
produção de mais-valor. Esse modo de produção tem como pressupostos a divisão
social do trabalho, mercado, entre outros, que colocam a necessidade da competição. Essa necessidade se dá pela própria
dinâmica capitalista em sua totalidade e isso reforça sua reprodução para
outras instâncias além do próprio modo de produção.
Para
Marx, no entanto, a competição era um problema a ser superado, ao contrário do
que pregava a ideologia liberal, que, como mostraremos adiante, faz a apologia
da competição. A competição entre as empresas capitalistas, ao invés de regular
o mercado, produzia uma “anarquia” na produção. A competição entre as empresas
capitalistas se dava em vários aspectos, mas ocorria principalmente no plano do
desenvolvimento tecnológico e mercado consumidor. A competição entre os
trabalhadores também é prejudicial para eles, principalmente no plano político.
Os trabalhadores realizam uma competição por mercado de trabalho, por melhores
salários, etc. Além disso, a competição entre desempregados e empregados
pressionaria os salários para baixo.
O
capital, para manter sua dominação e ampliar o processo de exploração, busca
incentivar a competição entre os trabalhadores. Assim, desarticula suas formas
de associação e luta conjunta contra o capital (MARX, 1985). Esta é uma das
principais estratégias do capital, na qual se usa a cooptação, a delação, a
formação de interesses específicos, como formas de criar competição entre os
trabalhadores. Para citar apenas uma dessas formas cotidianas de incentivo de
competição entre os trabalhadores, podemos citar o caso de certos restaurantes
de empresas que usam a fila para criar animosidade e conflito entre os seus
funcionários (BASTERD, 1982).
Essa
competição no processo de produção e distribuição dos bens materiais irá se
reproduzir em diversas outras instâncias das relações sociais. A própria
sociabilidade moderna acaba se constituindo como competitiva, além de
burocrática e mercantil (VIANA, 2008a). A sociabilidade é o conjunto das
relações sociais que reproduzem, na cotidianidade, as relações de produção
dominantes, o modo de produção dominante (VIANA, 2008a). Assim, a competição
acima aludida no modo de produção capitalista se reproduz no conjunto das
relações sociais da sociedade moderna, criando uma sociabilidade capitalista.
Nessa sociabilidade, a competição é um dos elementos fundamentais e base da
mesma.
Assim,
a competição invade o conjunto das relações sociais e pode ser vista não somente
no processo de produção e distribuição dos bens materiais, mas também nas
escolas, na política institucional, nos meios oligopolistas de comunicação, na
família, nas brincadeiras, na arte, no lazer, nos jogos, nos esportes, etc. A
competição se torna generalizada na sociedade capitalista, que é uma sociedade
competitiva[1].
Como
isso é vivido cotidianamente pelas pessoas, então não é necessário realizar sua
demonstração, mas como é algo muitas vezes não-refletido, não-pensado, então
mostrar sua ocorrência em algumas relações sociais acaba sendo importante. Na
escola, por exemplo, a competição é iniciada desde o primeiro momento. Deixando
de lado os casos nos quais a própria entrada na escola se dá via competição
(sorteio, vestibular, etc.), o modo de ensino se fundamenta em técnicas
competitivas (disputas entre “meninos e meninas”, gincanas, por exemplo), além
de formas informais de incentivo à competição (sistema classificatório por
notas, referências ao “melhor aluno da sala”, etc.). Isto sem considerar as
escolas mais competitivas (escolas militares, etc.). Inclusive isso recebe uma
grande adesão por parte de muitos alunos, devido à socialização anterior e
simultânea realizada no conjunto das relações, na família, nos meios de
comunicação. A criança e o jovem, devido ao seu processo de socialização numa
sociedade competitiva, ao ser convidado para uma tarefa competitiva, tende a se
interessar mais e a competição escolar fica mais atrativa, o que convence
professores e outros a incentivar a prática competitiva. Isso, por sua vez,
reforça a socialização para a competição. A escola reproduz e reforça a
sociedade competitiva, mesmo porque os seus objetivos estão ligados intimamente
à competição social (mercado de trabalho, formação de dirigentes, etc.) e é realizada
por indivíduos (professores, diretores, etc.) que são socializados nessa
sociedade.
Os
jogos e esportes são outras formas de competição social. A mentalidade
competitiva é um dos grandes incentivadores para a realização e prática de
diversos tipos de jogos e esportes. No entanto, tais jogos e esportes acabam
realizando um processo de socialização das crianças e reprodução da mentalidade
e sociabilidade competitivas. A respeito do esporte, afirmou Adorno:
“O esporte é ambíguo: por um lado, ele pode ter um efeito
contrário à barbárie e ao sadismo, por intermédio do fairplay, do cavalheirismo
e do respeito pelo mais fraco. Por outro, em algumas de suas modalidades e
procedimentos, ele pode promover a agressão, a brutalidade e o sadismo,
principalmente no caso de espectadores, que pessoalmente não estão submetidos
ao esforço e à disciplina do esporte; são aqueles que costumam gritar nos
campos esportivos. É preciso analisar de uma maneira sistemática essa
ambigüidade. Os resultados teriam que ser aplicados à vida esportiva na medida
da influência da educação sobre a mesma” (ADORNO, 1995, p. 127).
A
suposta ambigüidade do esporte apontada por Adorno é a existente entre a
competição desenfreada (que gera agressão, brutalidade, etc.) e a cooperação
(que gera o cavalheirismo, etc.). Porém, a análise de Adorno é demasiada
abstrata e remete o problema do esporte às pulsões, o que é um dos pontos
problemáticos de sua análise, convivendo com outros (VIANA, 2005), pois o
processo sócio-histórico de engendramento da agressividade no esporte é
abandonado e substituído por abstrações não fundamentadas.
O
esporte, na sociedade moderna, é fundado na competição e esta se torna, na
maioria dos casos, o seu único objetivo. O futebol, por exemplo, mostra seu
vínculo com a competição social não apenas por ser competitivo, mas também por
ser condicionado por ela em vários aspectos. As torcidas mais atuantes e
fanáticas são oriundas, principalmente, das classes desprivilegiadas, compostas
por indivíduos que perderam a competição social pela riqueza, poder, sucesso,
fama e compensam isso com formas substitutas de satisfação, tal como ser
torcedor do time vencedor (o que explica que os times campeões formam maiores
torcidas com o passar do tempo e sucessão de títulos), ser da torcida
organizada “vencedora” dos embates entre torcidas, etc. (VIANA, 2010).
Assim,
o indivíduo, desde que nasce, começa a ser socializado para ser competitivo.
Além da escola e da família, a competição é inculcada desde a mais tenra
infância pelos meios oligopolistas de comunicação (desenhos animados, por
exemplo, onde muitas vezes há uma eterna competição sem sentido, como em Tom e
Jerry, mas também Pernalonga, Pica-Pau, entre os mais antigos, e Dragon Ball,
Yuyu Hakusho, entre os mais recentes). Esse processo de competição também se
encontra na política institucional (competição eleitoral, competição por
cargos, competição pelo poder, etc.), nas relações amorosas (ALBERONI, 1980),
na religião (BERGER, 1985), na produção intelectual (BOURDIEU, 1994; VIANA, 2003a).
O
modo de produção capitalista produz uma sociabilidade capitalista e esta tem
como um de seus componentes fundamentais a competição. Isso, por sua vez, vai
produzir efeitos na esfera cultural, na produção intelectual e no universo
psíquico dos indivíduos (VIANA, 2008a). Nesse sentido, Wright Mills (1970) vai
cunhar o termo “personalidade competidora”. No entanto, preferimos trabalhar
com a ideia de mentalidade burguesa (VIANA, 2008a), que tem como fonte
inspiradora a concepção de “caráter social” exposta por Erich Fromm.
Segundo
Erich Fromm, o estudo da saúde mental remete ao problema do contexto social em
o indivíduo vive. Este contexto social exerce influência sobre o indivíduo e
assim é preciso entender o conceito de caráter social. O caráter individual
difere do caráter social, pois o primeiro enfatiza a diferença do indivíduo com
o coletivo e o segundo é o núcleo compartilhado de caráter da maioria das
pessoas de um determina sociedade (FROMM, 1976). A função do caráter social é
moldar as energias psíquicas dos indivíduos de tal forma que eles não só
aceitem as normas sociais como adquirem o desejo de se comportar de acordo com
elas. A formação do caráter social possui diversas causas (uma complexa
interação de fatores sociológicos e ideológicos), mas o processo econômico tem
um papel predominante nesse caso. Cada sociedade vai exigir um tipo de caráter
social e a questão está em descobrir qual caráter social determinada sociedade
necessita. O mercado capitalista, na sociedade moderna, exige a competição e,
portanto, um caráter social competitivo.
Nos
nossos termos, entendemos que a mentalidade competitiva é uma característica da
mentalidade dominante em nossa sociedade. E essa mentalidade é uma das mais
poderosas bases da produção cultural e intelectual e atinge a produção
científica, filosófica, artística, religiosa, etc. Assim, a produção científica
é constituída no interior de uma determinada sociabilidade e mentalidade
dominantes e reproduz, em seu interior, aspectos desta.
A
própria esfera científica é marcada por uma intensa competição e por isso
surgem ideologias que naturalizam a competição. Esse é o caso do darwinismo e
do liberalismo, para citar apenas dois exemplos. Os economistas liberais
colocavam que a competição (ou concorrência) é útil para a população. As
empresas capitalistas, segundo Adam Smith, devido à competição, seriam
constrangidas a produzir mercadorias para atender as necessidades do mercado
consumidor e o consumidor ganharia assim em quantidade e qualidade de
mercadorias (HUNT e SHERMANN, 1998). Outro economista liberal, Thomas Malthus,
através de sua “lei da população” (haveria, segundo ele, um crescimento
populacional muito maior do que a produção de alimentos), apontava para um
processo de luta pela sobrevivência, uma competição entre os seres humanos, nas
quais os mais fortes sobreviveriam. Darwin irá se inspirar nesta concepção (e
na de Herbert Spencer) e produzirá uma concepção biológica naturalizante da
competição, com sua teoria da luta pela vida e sobrevivência dos mais aptos (VIANA,
2001; VIANA, 2003a; VIANA, 2009b). Após produzir a chamada “teoria da evolução”,
ele a aplicou aos seres humanos (DARWIN, 1974; VIANA, 2001), mostrando que a
luta pela vida e sobrevivência dos mais aptos também ocorre nas sociedades
humanas, sendo o criador do darwinismo social, em que pese alguns pensar que
ele nada tem a ver com isso.
Porém,
o que estes pensadores fazem é traduzir a sociabilidade dominante em ideologia,
falsa consciência sistemática da realidade. Como já colocamos anteriormente,
Karl Marx já havia criticado a ideologia liberal. Porém, ele desmontou também a
“lei da população” malthusiana e, ainda, foi um dos primeiros críticos de
Darwin, revelando o caráter de transferência das relações sociais capitalistas
da sociedade inglesa para o mundo natural:
“Darwin, que estou relendo, diverte-me quando diz que aplica
a teoria de Malthus nos animais e também nas plantas, como se em Malthus não
fosse brincadeira aplicar a teoria, inclusive da progressão geométrica, não às
plantas e animais, mas aos homens. É notável ver como Darwin encontra nos
animais e nas plantas sua sociedade inglesa, com a divisão de trabalho, a
competição, a abertura de novos mercados, as ‘invenções’ e a ‘luta pela
existência’ de Malthus” (apud. VIANA, 2009b).
Portanto,
a competição é um elemento estrutural da sociabilidade capitalista e se
reproduz na mentalidade burguesa dominante[2],
e, ainda, afeta o processo educacional, inclusive a educação física. A questão
da relação entre competição e educação física é fundamental para pensarmos a
prática educacional nessa área.
Educação Física,
Escola e Competição
A
educação formal é uma forma específica de socialização. A socialização é o
processo no qual um indivíduo se torna, por um lado, um ser social, e, por
outro, um indivíduo adequado e adaptado a determinadas relações sociais (VIANA,
2011). Nas sociedades pré-históricas e indígenas, o processo de socialização ocorria
espontaneamente através das relações sociais existentes enquanto que na
sociedade moderna ela tem um espaço social (e físico) privilegiado,
especializado e burocratizado onde se realiza parte da socialização dos
indivíduos. A educação formal, portanto, é típica da sociedade moderna e pode
ser também denominada socialização escolar, ou seja, através de uma instituição
específica. A escola é uma instituição burocrática (TRAGTENBERG, 1988; VIANA,
2008b) e se organiza via hierarquia funcional, estando atrelada ao Estado
(tanto as escolas públicas quanto as privadas, pois existe uma regularização
jurídica do ensino em todas elas, realizadas pelos organismos governamentais,
além de outras formas de controle e fiscalização).
O
que se convencionou chamar de “educação física” é um setor especializado da
educação formal, voltada para a questão corporal e o esporte. Sendo assim, o
seu lócus de realização é a escola.
A
educação busca criar na criança um certo número de estados físicos,
intelectuais e morais exigidos pela sociedade (DURKHEIM, 1974), então é necessário
saber que tipo de “estado” que a educação física busca despertar que se
encontra a sua especificidade. A educação física é um setor especializado
dentro da educação em geral. Apesar dos governos e programas educacionais (tal
como se vê nos parâmetros curriculares nacionais) colocar questões mais amplas
como seus objetivos, isto não corresponde à realidade concreta. Esse é o
“objetivo declarado” e não o “objetivo real” (ETZIONI, 1976). O objetivo real
da educação física se refere às atividades físicas e movimentos corporais, com
pouca inserção em outros aspectos. Obviamente que isto terá implicações em
outras instâncias da vida e consciência do aluno, mas de forma limitada.
As
considerações de determinados professores ou pesquisadores sobre novos
objetivos não são a realidade concreta, mas apenas brechas ou projetos para uma
outra realidade no futuro. Assim, o objetivo real da educação física remete às
atividades físicas e movimentos corporais, o que significa que é nesta instância
que ela atua, mas não diz quais são seus objetivos. Obviamente que, no nível
geral, seus objetivos são os mesmos de todas as escolas: reprodução das
relações de produção capitalistas, através da reprodução de determinada
cultura, comportamento, valores, etc. Aliás, os parâmetros curriculares de
educação física são exemplos de reprodução da cultura dominante.
Porém,
no processo mais específico e prático da educação física, ela tem um papel não
apenas de reproduzir valores, comportamentos, disciplina e outros aspectos
comuns no processo educacional, mas também uma ação direcionada para o processo
de intervenção sobre o corpo através de determinadas atividades físicas. O
objetivo da educação física é preparar o aluno para controlar seu próprio
corpo, e, ao fazê-lo permitir-lhe poupar energias, refletir sobre suas ações
físicas e gestos e assim gerar maior eficácia. Claro que estes são objetivos
gerais abstratos, que ganham sob determinados contextos históricos e interesses
estatais, configurações mais específicas, entre as quais o “esportivismo”
durante o regime militar no Brasil (OLIVEIRA, 2004) ou a “aptidão física para a
saúde”, como nos anos 1980 (FERREIRA, 2001). Em outras palavras, o objetivo é
um controle a partir do professor que incentiva um autocontrole e
desenvolvimento do aluno no sentido desejado pela sociedade, e que segue, de
forma mais ou menos ampla, as concepções pedagógicas, políticas educacionais,
diretrizes escolares, etc. que são dominantes em determinado momento histórico.
A
educação física é um fenômeno social como qualquer outro e assim é necessário
ter em mente a relação entre esta forma específica de educação formal e a
sociedade. A educação física é um processo de socialização voltada para
atividades físicas que são exigidas pela sociedade. Essas exigências é que
possuem um papel importante no sentido de que o indivíduo possa desempenhar bem
suas atividades profissionais (como força de trabalho) ou preparatórias para
tal (atividades escolares), entre outras.
O
controle do corpo é uma meta, mas não é inocente. O indivíduo deve controlar
seu corpo para ser melhor controlado pela sociedade, ou mais exatamente, pelos
detentores do poder. O bom condicionamento físico e a disciplina corporal é uma
condição para possuir trabalhadores, soldados, desportistas e isto é
conquistado através do controle corporal. O rendimento do indivíduo (no
trabalho e na escola), os gastos estatais (despesas com saúde pública), entre
outros exemplos, estão envolvidos nesse processo e por isso a saúde se torna
também um momento da preocupação da educação física.
O
controle corporal é uma característica da sociedade moderna. É por isso que nas
sociedades pré-classistas, a socialização da criança se dava via atividade
física direta (trabalho, jogo, etc.). Segundo Vayer e Tolouse, “esta atividade
está presente sob formas distintas em todas as sociedades, em todas as
culturas, pois é importante para conservar as instituições de reversão das
energias, ou seja, de liberação das tensões e das necessidades fisiológicas dos
indivíduos (...)” (VAYER e TOLOUSE, 1985, p. 55).
Na
sociedade capitalista, a educação formal assume várias formas de acordo com as
mudanças sociais, especialmente as mudanças no regime de acumulação[3].
A escola é o veículo desta educação formal específica e por isso é preciso
compreendê-la para analisar esse processo. A atividade esportiva possui uma historicidade
dependente da historicidade da sociedade, como todos os outros fenômenos
sociais (VIANA, 2007a). Segundo Vayer e Tolouse, a estrutura social (a
sociedade) condiciona as atividades esportivas e os jogos e é através da escola
e do adulto que, na sociedade contemporânea, elas são impostas às crianças. Assim,
os jogos e esportes que são repassados pela educação física são os constituídos
pela sociedade capitalista e de acordo com suas exigências e características.
Na
sociedade capitalista, há uma imposição realizada – através da escola e do
adulto – sobre as crianças de uma educação física que repassa um “modo
específico de encarar as atividades esportivas e de jogo” (VAYER e TOLOUSE,
1985). Ou seja, é uma violência cultural (VIANA, 2002) que transforma a
educação física em uma atividade axiológica e voltada para o controle corporal
dos indivíduos. Esse modo específico de conceber as atividades esportivas e os
jogos é pautado pela competição. A escola é um “sistema fechado” e que deve
garantir a reprodução desse modo específico e impedir que algo fora do sistema
perturbe a sua reprodução (VAYER e TOLOUSE, 1985).
Assim,
no interior da educação física, alguns profissionais, constituídos por esta
sociedade e realizando, por conseguinte, sua naturalização, acabam reforçando
esse processo social já existente. Aliado a isso a própria formação
profissional é outro obstáculo em muitos casos. Isso não só produz uma educação
física competitiva como ainda reforça a naturalização da competição e a
formação de mentalidade competitiva. Ocorrendo isso, a educação física se torna
axiológica, ou seja, portadora dos valores dominantes, especialmente a
competição.
A
axiologia é uma determinada configuração do padrão dominantes de valores, que,
na sociedade capitalista, tem na competição um de seus valores fundamentais (VIANA,
2007b). A educação axiológica forma o indivíduo para reproduzir tais valores e,
por conseguinte, reproduzir essa sociedade. Além do discurso do profissional de
educação física que tende a naturalizar a competição, ainda há as próprias
práticas corporais, que, dependendo da forma como são realizadas[4],
reforçam esse processo de inculcação dos valores dominantes, especialmente da
competição, reforçando a formação de mentalidade competitiva. A educação escolar,
no entanto, não permite a autonomia individual e autogestão pedagógica, ou,
segundo linguagem de Vayer e Tolouse: não permite um pleno desenvolvimento da
auto-organização:
“Para obter a resposta que espera, o adulto, após haver
imposto o seu projeto, é obrigado a intervir no desenvolvimento da ação,
estruturando a tarefa e graduando as dificuldades. Todavia, o projeto da ação e
seu desenvolvimento não corresponde, necessariamente, às capacidades atuais do
indivíduo ou aos seus motivos presentes, e o adulto é obrigado, então, a apelar
para fatores externos que se enxertam na tarefa para levar a criança a agir: é os
sistemas de notas, classificações e julgamentos de valor” (VAYER e TOULOUSE, 1985,
p. 106-107).
Jean-Claude
Coste possui uma concepção semelhante no que diz respeito ao processo educativo:
“Sob o peso da educação, aprende-se a negar as necessidades
do corpo e seus desejos, a mascarar as suas exigências. É por isso que, à nossa
revelia, o corpo traduz as nossas palavras para traduzir o nosso desejo. Essa
oposição acarreta condutas patológicas, tão correntes na reeducação
psicomotora: tiques, gagueira, inibição, impotência sexual, distúrbios
respiratórios, tudo sintoma da dificuldade do sujeito em comunicar-se com
outrem” (COSTE, 1981, p. 46-47).
Assim,
a educação escolar promove uma imposição da competição, nas variadas
disciplinas e sob várias formas, inclusive a educação física. Trata-se de uma
forma de violência cultural e disciplinar da escola (VIANA, 2002). Isso se
manifesta no conteúdo do que é ensinado, nos valores que são repassados, nas
formas de motivação que também se baseiam em princípios competitivos (sistema
de notas, classificação, etc.). Isto também se manifesta no caso da educação
física. A violência cultural no processo de educação física tem como base a
cultura e os valores dominantes repassados pelo discurso do professor, pela
prática esportiva ou qualquer atividade física realizada e a violência
disciplinar pela imposição de determinadas atividades físicas, disciplinarização
do corpo, posturas, hábitos, etc.[5]
Educação Física e
Pedagogia Autogestionária
Diante
deste processo, torna-se fundamental repensar o ensino e a educação física,
incluindo as propostas pedagógicas existentes[6].
Assim, é necessário repensar a prática da educação física num sentido
axionômico[7]: “para
que a atividade facilite o desenvolvimento da personalidade é preciso que o
indivíduo seja o sujeito de sua ação; é a noção de auto-organização” (VAYER e TOULOUSE,
1985, p. 106). Assim, ao reconhecer a unidade entre mente e corpo (COSTE, 1981;
VAYER e TOULOUSE, 1985), também aponta para ir mais longe no processo de
educação física.
A
pedagogia autogestionária é uma proposta que tem similaridade com as pedagogias
não-diretivas, mas vai além delas tal como a apresentada por Vayer e Tolouse. A
proposta destes autores aponta para um avanço no sentido da autonomia
individual, mas ainda possui limites, pois esquece que a sociedade moderna é
competitiva e o processo educacional no geral visa reproduzir essa competição e
as demais instâncias de socialização (família, meios oligopolistas de
comunicação, internet, etc.) apontam para isso e, portanto, ao lado da
mentalidade dos indivíduos, inclusive das crianças, essa pedagogia não-diretiva
reproduziria os conteúdos e práticas já existentes, de caráter competitivo. Portanto,
é fundamental a categoria dialética da totalidade e relembrar que a educação
física é parte da sociedade e está submetida a ela, além de que sua
historicidade é dependente da historicidade da sociedade.
Por
isso, a proposta da pedagogia autogestionária assume papel fundamental no atual
sistema de ensino e também no que se refere ao caso específico da educação
física. Assim, torna-se importante definir pedagogia autogestionária e sua
distinção em relação à autogestão pedagógica. A pedagogia autogestionária não é
o mesmo que autogestão pedagógica, pois esta última significa que não há mais
processo de ensino-aprendizagem, mas auto-aprendizagem, o que pressupõe uma
nova sociedade, já que os entraves burocráticos, mercantis, culturais, entre
outros, serão removidos. Nesse sentido, a autogestão pedagógica é o modo de
educação da sociedade autogerida, ou seja, fundada na autogestão social. Porém,
como coloca Lobrot, a autogestão pedagógica tem o papel de preparar a
autogestão social (LOBROT, 1973).
A
pedagogia autogestionária não é a mesma coisa que autogestão pedagógica, apesar
de ter elementos dela. O objetivo da pedagogia autogestionária é duplo: a
autogestão pedagógica e a autogestão social.
A autogestão pedagógica é uma pedagogia autogerida, efetivada. É
colocada em prática apenas em momentos revolucionários na sociedade capitalista
e uma vez realizada a transformação social e implantada a autogestão social,
ela se torna o modo de educação desta nova sociedade. A pedagogia
autogestionária esboça a autogestão pedagógica e seu objetivo é concretizar
esta e a autogestão social.
Assim,
a pedagogia autogestionária é um esboço e projeto de autogestão pedagógica e
para isso efetiva diversas práticas educativas diferenciadas das pedagogias
tradicionais e críticas (VIANA, 2008b) e entre estas práticas está a luta pela
autonomização dos alunos e a crítica e recusa da burocracia escolar. Porém, não
deixa de lado o aspecto fundamental que é a totalidade, categoria fundamental
da dialética materialista, e assim não reproduz o messianismo pedagógico (ROSSI,
1980) e o isolamento fantástico do processo educacional. Também não cai, devido
a isso, no voluntarismo de alguns adeptos da autogestão pedagógica, como é o
caso de Lobrot (1973), já que parte de uma análise da totalidade da sociedade
capitalista e do sistema de ensino, e todas as limitações derivadas disso.
Por
isso, a pedagogia autogestionária não é apenas forma e sim conteúdo, ou seja,
ela não apenas é uma nova forma de relação entre professor-aluno, não só propõe
mudanças no processo educacional em sala de aula e atividades afins, como também
aponta para um papel ativo do professor no sentido de realizar a crítica das
ideologias, burocracia e todas as formas de mistificação e relações fundadas na
alienação, exploração e dominação. Isso significa, em outras palavras, que
passa uma mensagem, trabalha também o conteúdo, algo esquecido por vários
adeptos da autogestão pedagógica, não percebendo que a liberdade em apenas uma
esfera de atividades é cercada pela falta de liberdade em todas as outras e que
por isso pode ser adaptada como uma forma nova para conteúdos velhos.
Assim,
a luta de classes não é esquecida e nem deixa de ser travada, mesmo porque a
pedagogia autogestionária, ao não isolar a pedagogia da realidade social mais
ampla, também não se limita a pensar apenas a relação professor-aluno (em sala
de aula ou quadra de esportes) e a aprendizagem, mas também avança no sentido
de buscar novas formas de ação e transformações no interior da escola, visando
formar centros de contra-poder, instituir novas relações sociais e autonomizar
as instituições em relação ao Estado e mercado, e aumentando a influência e
participação da sociedade civil e de formas de auto-organização da população no
seu interior. Ou seja, a pedagogia autogestionária articula as questões
imediatas com as de mais longo prazo, a forma e o conteúdo, num sentido
autogestionário. E por isso ao invés da competição incentiva a cooperação, a
solidariedade, e isso não significa apenas uma prática física, mas também
outros valores, fazendo dessa prática axionômica em substituição da prática
axiológica anterior.
Da
mesma forma, outras ações e medidas concretas e imediatas estão intimamente
ligadas com a busca de alterações na escola e na sociedade. A busca de
autonomização dos estudantes é um incentivo, também, para sua autonomização
enquanto indivíduos e trazem a valor da liberdade e criatividade, colocando a
burocratização, mercantilização e competição como desvalores. Esse processo
deve se estender para outras atividades no interior da escola e da sociedade, abrindo
caminho para uma transformação das mentalidades e valores, o que reforça o
processo de luta pela transformação social.
A
partir da pedagogia autogestionária se torna necessário não somente repensar a
prática do ensino de educação física e a formação dos professores de educação
física, como, também, ampliar o saber destes sobre a sociedade como uma
totalidade. Esse repensar do ensino da educação física aponta para a superação
do ativismo físico, pois além das atividades físicas é necessário incentivar a
reflexão dos alunos sobre elas e ainda sobre suas determinações e alternativas,
incluindo o questionamento da competição e dos demais elementos da
sociabilidade capitalista, sem cair, obviamente, nos discursos ideológicos da
“cidadania” (VIANA, 2003b) e correlatos. Ao invés de reproduzir o discurso
dominante, reprodutor da cultura e valores dominantes, é necessário realizar a
crítica da cidadania enquanto forma de integração dos indivíduos na sociedade
burguesa, incorporação de suas ações no âmbito estatal, e colocar a necessidade
da auto-organização da população, no sentido da transformação social e
generalização da associação dos livres indivíduos associados.
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C. Poder e política. Rio de Janeiro:
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* Professor
da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG); Mestre
em Filosofia (UFG) e Sociologia (UnB); Doutor em Sociologia (UnB). E-mail:
nildoviana@ymail.com
[1]
Esta afirmação pode causar estranhamento em muitas pessoas, justamente
devido a ter nascido e sido criado nessa sociedade e por isso tender a
considerar a competição natural. Isso é reforçado pela cultura dominante, pela
sociabilidade e mentalidade hegemônicas e, além disso, por ideologias diversas
(liberalismo, darwinismo, etc.). Porém, além da relação entre competição e
sociedade capitalista, basta informações sobre as sociedades pré-históricas,
pré-capitalistas e indígenas, fornecidas pela historiografia e antropologia,
para se perceber que a competição não é algo natural. As sociedades indígenas,
por exemplo, vivem através da cooperação e não da competição, bem como as
chamadas “sociedades pré-históricas”. A competição, nas sociedades de classes,
aumenta em relação às sociedades pré-classistas, mas não atinge o caráter estruturante
que tem no capitalismo. Assim, nem no feudalismo ou no escravismo a competição
terá o papel proeminente que possui no capitalismo.
[2]
Entenda-se por “mentalidade burguesa” não somente a mentalidade dos indivíduos
burgueses, mas a de todos os indivíduos que, mesmo sem pertencer a essa classe,
possui tal mentalidade. A mentalidade dominante é a mentalidade da classe
dominante.
[3]
Sobre regimes de acumulação, cf. VIANA, 2009a; VIANA, 2003b.
[4] “Certos fatos evidentes, tais como a organização de si mesmo
condiciona a organização do mundo que rodeia o indivíduo, os problemas de
personalidade são inseparáveis de sua expressão corporal, por fazerem,
atualmente, parte da literatura e por terem adquirido o status de conhecimento
ou da atividade corporal e levaram-nos a e reservar todo um capítulo de seu
programa à educação do esquema corporal e seus componentes” (VAYER e TOULOUSE, 1986,
p. 92).
[5]
Sobre violência cultural, a obra de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron
oferece algumas indicações interessantes, sobre o título de “violência
simbólica” (BOURDIEU e PASSERON, 1982) e sobre violência disciplinar e
disciplinamento do corpo, a obra de Foucault também contribui para o
entendimento de seus procedimentos (FOUCAULT, . O que fica ausente nas análises
destes autores, entre outras coisas, é a percepção da totalidade da sociedade
capitalista, a razão de ser destas formas de violência, entre outros problemas
analíticos (VIANA, 2002).
[6]
Por pedagogia se entenda uma determinada concepção de educação, de como ela deve ser (VIANA, 2004).
[7]
Axionômico, em contraposição a axiológico, expressa os valores autênticos dos
seres humanos, ou seja, aqueles que manifestam as necessidades autênticas, tais
como a práxis, criatividade, sociabilidade fundada na cooperação, liberdade, ou
seja, o conjunto das potencialidades e necessidades humanas (VIANA, 2007b).
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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Educação Física, competição e sociabilidade capitalista. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação. Número 16: maio-out/2011, p. 71-88.
Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação – RESAFE
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