Juventude: Anos 1960 |
REGIMES
DE ACUMULAÇÃO, GERAÇÕES E JUVENTUDE
A
questão da juventude já foi discutida sob diversas formas. Uma das formas mais
interessantes é a que discute a relação entre geração e juventude e uma das
mais populares é a que focaliza o “conflito de gerações”. Porém, o conceito de
gerações e seu uso para a análise da juventude só tem sentido se inseridos na
realidade concreta, na totalidade das relações sociais e não sob a forma
metafísica. Assim, o nosso objetivo é discutir o conceito de geração inserido
na realidade concreta e a partir disso observar sua utilidade para análise da
juventude.
Gerações
e História
O
problema da relação entre gerações e história já foi abordado por uma
diversidade de pensadores. Sem dúvida, para alguns é o problema principal da
história da humanidade; enquanto que para outros, a maioria, é algo
insignificante e que nada ajuda a explicar o processo histórico[1]. Não
podemos remeter ao extenso material bibliográfico a respeito dessa questão e
por isso apresentaremos apenas a nossa concepção dessa relação, passo
importante para o desenvolvimento de nosso argumento. A história não é nada
mais do que uma sucessão de diversas gerações, tal como colocaram Marx e Engels
(1992):
“A história não é mais do que a
sucessão das diferentes gerações, cada uma delas explorando os materiais, os
capitais e as forças produtivas que lhes foram transmitidas pelas gerações
precedentes; por este motivo, cada geração continua, por um lado, o modo de
atividade que lhe foi transmitido mas em circunstâncias radicalmente
transformadas e, por outro, modifica as antigas circunstâncias dedicando-se a
uma atividade radicalmente diferente” (MARX e ENGELS, 1992, p. 75).
O
que Marx e Engels colocam aqui é que a história é a sucessão de gerações.
Porém, não é o mero processo geracional que em si caracteriza a história, pois
tal sucessão ocorre a partir das forças produtivas existentes herdadas das gerações
anteriores e que são modificadas pela geração atual. Assim, a nova geração
reproduz o modo de atividade (mais tarde Marx utilizará o conceito de modo de
produção, que é essencial em sua concepção de história) da geração anterior,
mas em condições diferentes e as modifica, produzindo uma atividade
radicalmente diferente, ou seja, produzindo novo modo de produção. Esse
processo Marx irá detalhar em outras partes de sua obra como uma sucessão de
modos de produção. Porém, as gerações não foram definidas por Marx e por isso
se percebe uma certa relação com modos de produção, o que é correto pensando em
determinado conceito de geração, abrangendo verdadeiras épocas históricas. No
entanto, o mais comum é pensar a geração em termos de tempos mais curtos, tal como
15 anos (ORTEGA y GASSET, 1968) ou 30 anos (COMTE, apud. FEIXA e LECCARDI,
2010). A concepção de Marx trata de gerações históricas, cuja duração é muito
maior. A concepção de Comte (e outros) é das gerações etárias e, nesse sentido,
colocam outro tipo de questão, não se tratando de mudanças radicais na
sociedade, alterações de modos de produção e de tudo que lhe acompanha.
Porém,
esse tipo de concepção é abstrato-metafísica. Trata-se mais de um processo
formal e classificatório do que uma conceituação. Isto é visível no fato de que
esses autores não apresentam nenhum critério concreto para se colocar a duração
de uma geração. Não é muito útil pensar em termos de 30 anos, pois assim a
geração de 1901-1930 seria uma e a geração de 1931-1960 outra, bem como a de
1961-1990 outra. Ou, em termos de Ortega y Gasset, 1901-1915; 1916-1930; etc.
São demarcações classificatórias e arbitrárias (mesmo porque, ao invés de
iniciar em 1901, qualquer outro pode iniciar em 1902 ou qualquer outro ano), e
entre a geração que nasceu em 1915 e a que nasceu em 1916 há muito pouco
diferença.
Muito
mais profícua é a concepção de Karl Mannheim. Segundo ele, “uma geração é
determinada pelo modo como certos modelos de experiência e pensamento tendem a
ser trazidos à existência pelos dados naturais da transição de uma geração para
outra” (MANNHEIM, 1980, p. 137). O fenômeno geracional, segundo ele, expressa
uma espécie particular de similaridade de posição, composta por grupos de idade
inseridos num processo histórico-social. Porém, ainda resta delimitar o período
que poderia justificar a similaridade de posição destes grupos de idade, já que
até aqui se trata de “localização de geração”, segundo expressão de Mannheim.
“Para partilharmos da mesma
localização de geração, isto é, passivamente sofrermos ou ativamente usarmos as
capacidades e privilégios de uma localização de geração, devemos ter nascido
dentro da mesma região histórica e cultural. Mas a geração como realidade vai
precisar de mais do que uma mera co-presença em tal região histórica e social.
É necessário um outro nexo concreto para que a geração se constitua como
realidade. Este nexo adicional pode ser descrito como uma participação num
destino comum” (MANNHEIM, 1980, p. 152).
Mannheim
delimita, então, a geração como uma realidade, através da ideia de
desestabilização, de mudança. A localização
de geração tende a gerar, em determinado contexto sócio-histórico, a geração como realidade, que é “quando se
cria um laço concreto entre os membros de uma geração pelo fato de estarem
todos expostos aos sintomas sociais e intelectuais de um processo de dinâmica
de desestabilização” (MANNHEIM, 1980, p. 153). Porém, isto não afeta uma
geração em sua totalidade da mesma forma e daí emerge mais um termo
mannheimiano, o de unidades de geração:
“Fazem parte da mesma geração real
os jovens que experimentam os mesmos problemas históricos concretos; e
constituem unidades de geração separadas aqueles grupos que dentro da mesma
geração real trabalham o material da sua experiência comum de modos específicos
diferentes” (MANNHEIM, 1980, p. 154).
As
unidades de geração são grupos distintos dentro de uma mesma geração e Mannheim
cita os liberais e os conservadores em certos contextos históricos. Os dados
mentais são importantes, mas Mannheim destaca o que denominou “forças
formativas” os elementos essenciais para dar origem a uma unidade de geração,
aliadas a “atitudes integrativas fundamentais”.
Esses elementos também são muito importantes nos casos de afastamento
das tradições. Dentro de uma geração podem existir até unidades antagônicas. Um elo mais concreto é colocado quando existe
um paralelismo de resposta entre seus membros.
Esse
processo é geralmente produzido por um grupo concreto[2] ao
invés de serem criadas espontaneamente. Este gera novas atitudes que produz “o
estímulo mútuo numa unidade” que “inflama os participantes”. “Uma vez assim
desenvolvidas, estas atitudes e tendências formativas podem desligar-se dos
grupos concretos que lhes deram origem e exercer apelo à força congregadora
sobre uma área mais ampla” (MANNHEIM, 1980, p. 157-158).
A
mudança social é um elemento fundamental para o desenvolvimento das
potencialidades da localização de geração, e prova disso são as comunidades
mais estáticas como a rural. Há, nesse processo, a criação de um “estilo de
geração”, uma “enteléquia de geração”. A velocidade da mudança pode criar
maiores oportunidades de criação de enteléquias próprias ou, se for muito
acelerada, gerar uma destruição mútua das enteléquias embrionárias. Quando
ocorre isso, as gerações mais novas ligam-se às gerações anteriores.
Esta
análise de Mannheim é uma das mais importantes sobre a questão das gerações e
abre espaço para novas discussões e desdobramentos. Um dos méritos de Mannheim
é distinguir entre localização de geração e geração real, embora isso seja um
tanto quanto confuso, principalmente porque ele elabora sua concepção de
geração tendo por base uma analogia com a ideia de classe social – uma
realidade radicalmente distinta. Isso gera problemas analíticos que necessitam
ser superados. De qualquer forma, há uma diferença entre a geração etária (ou seja, delimitada por sua situação de um grupo
cuja idade é aproximada, ou seja, de um mesmo período histórico) e da geração uniformizada[3]
por compartilhar relações sociais, experiências históricas semelhantes,
incluindo a cultura de uma determinada época. Esta última, inclusive e geralmente,
é produto da ação de outros setores em seu processo de formação, socialização e
ressocialização (infância e juventude), tais como Estado, escola, meios de
comunicação, discurso científico, partidos, etc.[4] No
entanto, isto não é realizado sem conflitos, pois as gerações etárias são
várias e cada uma delas é subdividida (o que ele denomina “unidades de
geração”), formando distintas conformidades
geracionais. A questão é que, indo além da abordagem de Mannheim, essas
conformidades geracionais possuem bases mais amplas do que ele pensa.
As
classes sociais são elementos fundamentais nesse processo. As gerações mais
antigas (que num determinado momento é composta pelos idosos e adultos) possuem
distintas conformidades geracionais, embora convivendo com algumas
características em comum. As gerações mais novas (que, na mesma época, convive
com as anteriores) possuem, também, elementos em comum, mas também distintas
conformidades geracionais (derivadas das demais divisões sociais,
especialmente, mas não unicamente, a de classe). As primeiras são
predominantes, tanto pelo poder financeiro, controle das instituições, etc.,
sendo uma determinada conformidade
geracional dominante, que é justamente a da classe dominante. Por
conseguinte, a conformidade geracional das gerações mais novas é,
hegemonicamente, a formada pela conformidade geracional das mais antigas,
porém, havendo um conflito devido ao processo de socialização e ressocialização
ser repressivo e coercitivo (VIANA, 2004; VIANA, 2011; VIANA, 2010), o que gera
divergências no interior daqueles que são pertencentes às classes
privilegiadas.
No
entanto, na abordagem de Mannheim ainda falta outro elemento. A sua abordagem
da distinção entre as gerações coloca, abstratamente, a questão da mudança social
para a diferenciação de uma geração para outra, mas não o tipo de mudança que
possibilita isso. Essa lacuna precisa ser preenchida e o conceito de regime de
acumulação permite realizar essa tarefa, tal como mostraremos adiante.
Regimes
de Acumulação e Gerações
As
gerações marcam mudanças de pensamento e comportamento na população. Como o
problema das gerações se manifesta no capitalismo, então é preciso entender
tais mudanças. As gerações etárias são aquelas marcadas por pessoas do mesmo
grupo de idade e em todo período histórico específico no capitalismo coexistem
os idosos, os adultos, os jovens e as crianças, delimitando sempre quatro
gerações etárias. Existe uma geração, a composta pelos adultos, mas que incluem
indivíduos idosos e alguns jovens, que possui uma supremacia social, por sua
posição social nas instituições, mas não todos e sim os especialmente das
classes privilegiadas. Daí o mito do adulto-padrão, tão bem descrito por
Georges Lapassade (1975) e que é um elemento fundamental para entender a
situação da juventude no desenvolvimento histórico do capitalismo (VIANA,
2004).
A
questão fundamental, no entanto, é entender a constituição social de gerações
uniformizadas, o que remete para o processo histórico do capitalismo. A
periodização do capitalismo baseada na teoria dos regimes de acumulação (VIANA,
2009; VIANA, 2003), supera a mera classificação arbitrária ou unilateral
desenvolvida por algumas ideologias (VIANA, 2009). Os regimes de acumulação são
formas estabilizadas de lutas de classes, que se organizam em torno de uma
determinada forma assumida pelo processo de valorização (organização do
trabalho), formação estatal e relações internacionais. Esse conjunto
relativamente estável manifesta a supremacia de classe da burguesia derivada de
determinada relação com o proletariado. Assim, o capitalismo atravessou várias
fases e em cada uma há um determinado regime de acumulação.
A
duração de um regime de acumulação pode ser mais longa ou mais curta, pois isso
depende de suas características e processo de luta de classes no seu interior.
Essa forma estabilizada de luta de classes convive com irrupções mais radicais
de tais lutas, que buscam ultrapassá-las, reorganizá-las. Na história do
capitalismo, podemos trabalhar com a seguinte sucessão de regimes de
acumulação: acumulação primitiva (século 16 a 18), acumulação extensiva (século
18 até parte do século 19), acumulação intensiva (do final do século 19 até
meados do século 20), acumulação intensivo-extensiva ou conjugada (após 1945
até 1980), acumulação integral (de 1980 até hoje).
A
cada regime de acumulação, temos, portanto, mudanças no processo de produção,
na formação estatal burguesa e nas relações internacionais e isto, por sua vez,
geram um conjunto de mudanças na produção intelectual (científica, artística,
filosófica, etc.), tecnológica, nos costumes, nas instituições, no mercado
consumidor, etc. Aqui é necessário compreender a combinação entre permanência e
mudança: os aspectos essenciais do capitalismo permanecem, o que muda é sua
forma, o que não é algo desprovido de importância. Essas mutações do
capitalismo promovem mudanças drásticas no comportamento, ideologias, lutas
sociais, instituições, etc. É aqui que reside a chave explicativa das distintas
gerações uniformizadas. Aqui se encontra a ideia de mudança social apresentada
por Mannheim, e, ao mesmo tempo, a substituição das abstratas “forças
formativas” por mutações do capitalismo sob a forma de sucessão de regimes de
acumulação.
Assim,
a cada regime de acumulação há a tendência a existir uma geração uniformizada
hegemônica nas quatro gerações etárias coexistentes (crianças, jovens, adultos,
idosos). Obviamente que a existência de uma geração uniformizada hegemônica
implica na de outras, não-hegemônicas[5],
com maior ou menor importância dependendo do regime de acumulação, das lutas
sociais, etc. Assim, podemos dizer que a geração jovem dos anos após 1945 é que
passa a ter um grau de uniformização maior em relação às gerações jovens
anteriores. É aí que emerge, efetivamente, a juventude (VIANA, 2004). Essa
uniformização da juventude cria modos de comportamento e pensamento, um ethos juvenil, que será dominante e só
será posto em xeque a partir da crise do regime de acumulação conjugado no
final dos anos 1960. Nessa época, ocorrem lutas autônomas que desembocam, em
alguns casos, em lutas revolucionárias, autogestionárias (VIANA, 2011). É nesse
contexto que a geração uniformizada hegemônica passa de majoritária para
minoritária. O inverso ocorre com a tendência não hegemônica, que passa a ser a
maioria.
Porém,
a adesão momentânea à tendência minoritária, tornando-a majoritária, se esvanece
tão logo o movimento que lhe deu vida recua ou é derrotado, voltando à
“normalidade” anterior. Isso não ocorre sem nenhuma mudança, pois a geração
uniformizada hegemônica retorna a ser majoritária, mas sofre mutações, tendo
que incorporar aspectos ou elementos da geração provisoriamente hegemônica e se
adequar às mudanças sociais ocorridas após este período. Esse foi o caso da
juventude no final dos anos 1960. A crise do regime de acumulação e a
radicalização das lutas sociais fez emergir uma contestação que inverteu a
relação de forças e uma vez derrotada acabou havendo um retorno à velha
hegemonia, enfraquecida, mas ainda hegemônica.
A
base dessa hegemonia de uma geração uniformizada é a mutação do regime de
acumulação, que produz não somente uma nova forma de organização do trabalho,
Estado e relações internacionais, mas também mudanças gerais em toda a
sociedade, tal como nos costumes, pensamento, valores, instituições, sem, no
entanto, romper com os elementos essenciais do capitalismo, tanto no modo de
produção quanto nas formas de regularização (“superestrutura”). Logo, uma
geração não é uma reunião de indivíduos marcados por um grande evento ou vários
deles (ROLLEMBERG, 1999), obviamente que uma passagem de um regime de
acumulação para outro ocorre com a existência de diversos eventos, mas não são
eles em si mesmos e sim o que os gera que possui importância. Os indivíduos que
nascem ou estão com pouca idade na época de emergência de um novo regime de
acumulação acabam sendo intensamente marcados por ela e por isso constituem uma
geração.
Em
síntese, no capitalismo, as gerações uniformizadas (bem como as conformidades
geracionais) são produtos dos regimes de acumulação. Sem dúvida, essa
constituição capitalista das gerações não é aleatória, estão ligadas não
somente às mudanças geradas no regime de acumulação e em tudo que modifica a
partir dele, como também a partir das lutas, resistências, etc., inclusive da
criação de tradições geracionais (a conformidade geracional da juventude não-hegemônica
de uma época pode se inspirar na do regime anterior, mesmo que os próprios
indivíduos que agora já são adultos já tenham renegado o seu passado).
Acumulação
integral e juventude hoje
No
caso específico da juventude, um grupo etário caracterizado por estar submetido
a um processo repressivo e coercitivo de ressocialização (VIANA, 2004), o que
temos é a emergência de uma nova geração jovem uniformizada. A expressão
“uniformizada” é bem clara: é padronizada e sugere justamente uma refutação de
sua pretensa liberdade[6]. A
juventude é constituída socialmente (VIANA, 2004) e embora existam tendências
não-hegemonicas, elas também são uniformizadas, são produtos histórico-sociais.
Sem dúvida, a juventude uniformizada em determinado regime de acumulação que é
hegemônica é aquela que reproduz o que o Estado, as instituições, etc., exigem
delas e as não-hegemonicas mesclam elementos disso com outras tendências e
apenas um setor muito marginal fica com um distanciamento mais forte dessa
posição hegemônica.
Mesmo
a ala mais radical da juventude é manifestação de uma conformidade geracional e
não algo livre e fora da época que, por algum motivo, teria a liberdade de
escolher ser o que é, sendo que isto está vedado para todos numa sociedade
capitalista. A potencialidade da juventude, especialmente dos setores oriundos
das classes exploradas – a juventude das classes privilegiadas está mais
sujeita às modas, estilos, etc. embora com maior acesso às produções
intelectuais, mas com preocupações mais do grupo etário de forma isolada ou
então preocupações tipicamente burguesas, com mescla de rebeldia e recusa de
seu processo de ressocialização –, para romper com as relações sociais
existentes é real e assume formas diferentes em setores diferentes e maior
radicalidade em certas conformidades mais que em outras.
A
juventude atual é a constituída pelo regime de acumulação integral e por isso
sua data de emergência começa em torno dos anos 1970 – época onde se começa a
esboçar o novo regime de acumulação – e principalmente nos anos 1980 e início
dos anos 1990 (o que varia de país para país, o que não anula as influências
internacionais). Os jovens que nasceram nos anos 1970, mas principalmente nos
anos 1980 e 1990 são os primeiros integrantes jovens da geração hedonista
emergente.
O
regime de acumulação integral gera uma juventude vinculada às mudanças sociais
do capitalismo. Essas mutações do capitalismo marcam um aumento da exploração
em geral e também do desemprego, miséria, criminalidade, conflitos. Ao lado
disso, novas formas de cooptação e novas ideologias emergem, além da
necessidade constante de reprodução ampliada do mercado consumidor (VIANA,
2009). No plano cultural e ideológico, o que mais afeta parte da juventude das
classes privilegiadas são as novas modas, concepções/ideologias, ação dos meios
oligopolistas de comunicação, etc. Isso articula a juventude como mercado
consumidor e como manifestação cultural.
As
gerações anteriores, já influenciadas pelas novas ideologias emergentes a
partir da década de 1970, em especial o pós-estruturalismo em suas várias
formas de manifestação, produzem e reproduzem estas concepções e assim repassam
para a juventude em seu processo de ressocialização as concepções hegemônicas,
o que contribui para a produção de uma geração uniformizada, pois a juventude
das classes privilegiadas influencia e é modelo para grande parte da juventude
pertencente a outras classes sociais.
O
capital e os meios oligopolistas de comunicação buscam ampliar o consumo
juvenil e para isso produzem novos produtos e reproduzem produtos antigos.
Inclusive se busca dividir a juventude em nichos de mercado para vendagem de
produtos, gerando um mercado consumidor “infanto-juvenil”, vegetariano,
homossexual, etc. A criação de identidades e movimentos sociais identitários
reforça esse processo de constituição social de nichos de mercado, que atinge
de forma mais poderosa a juventude. O exemplo da música revela aspectos que
queremos destacar. A juventude e sua ligação com a rebeldia geram também
determinados vínculos culturais e identitários, entre eles a sua predisposição
ao novo (sobre o caráter e o alcance da novidade em questão, deixamos de lado,
pois no fundo é renovação apenas formal e limitada, mas que cria modas,
tendências, identidades), o que a faz cativa da produção capitalista de
mercadorias culturais.
A
música é um exemplo disso. O Rock and Roll é um produto capitalista que busca
manifestar rebeldia, seja meramente na aparência (roupas, gestos, símbolos,
etc.), seja em conteúdo relativamente crítico – assumindo várias formas
dependendo do vínculo e concepções, valores, etc., de quem o produz. Assim, os
jovens não buscam conhecer a história da música em sua totalidade (poucos
querem saber, por exemplo, no caso brasileiro, da história do samba ou do
frevo) e sim a história do Rock e recuperam ícones do passado e escolhem uma
linha de desenvolvimento para mostrar suas preferências e identidade.
Aparentemente isso é uma escolha livre e racional, mas, no fundo, revela um
processo social de produção. Esse processo só seria realmente livre e racional
se houvesse um processo de reflexão crítica que inclusive reconhecesse que o
próprio gosto e preferências é um produto histórico social e que a possível
singularidade individual nesse processo está ligada ao processo histórico de
vida do indivíduo que faz tal reflexão. Porém, o rock, principalmente em
algumas de suas manifestações, está ligado a um setor mais contestador da
juventude, o que não ocorre com aqueles que preferem outros gêneros musicais,
tal como a música eletrônica. A música é, ao mesmo tempo, mercadoria para
consumo e valor cultural, criador de vínculos e identidades. O processo de
criação de identidade juvenil ou de “subculturas juvenis”, como alguns dizem,
ocorre via mercado de música popular direcionado para a juventude (HORMIGOS e CABELLO,
2004).
Porém,
existem outras conformidades geracionais da juventude, devido à classe social,
vínculos institucionais (partidos, igrejas, etc.). O aumento do desemprego e
pobreza tende a constituir uma conformidade geracional mais tendente à rebelião
e revolta. Aqui se trata principalmente da juventude proletária e, mais
intensamente, lumpemproletária (VIANA, 2004), que, em momentos históricos como
este, fundado num regime de acumulação que intensifica o processo de exploração
e empobrecimento, aumenta o potencial contestador sob suas formas menos
refletidas e organizadas, que, no entanto, abrem espaço para processos
posteriores mais organizados.
Nos
setores mais conservadores, ocorre um processo de reproduzir a tendência
capitalista de buscar valorar a participação, nas mais diversas instâncias da
vida social: político-institucional (o discurso da “cidadania”, voluntariado,
“amigos da escola”), trabalho e educação (toyotismo e trabalho em equipe,
empreendedorismo, envolvimento, inteligência emocional, etc.). O neoliberalismo
e a responsabilização da sociedade civil para compensar seu recuo com políticas
de assistência social, que fomenta ONGs e outras iniciativas.
Esse
“participacionismo” é hegemônico discursivamente. No entanto, ele é vinculado e
reforçado por ideologias aparentemente progressistas que, no fundo, postulam
uma integração na sociedade capitalista. O Estado neoliberal e suas políticas
paliativas de assistência social, aliado ao processo de constituição de uma
suposta oposição microrreformista – inspirada em ideologias como as de Foucault
(1989) e Guattari (1981) – na qual cada grupo luta por suas demandas próprias,
abandonando o reformismo socialdemocrata, o vanguardismo leninista e o projeto
revolucionário marxista ou anarquista, que conquista vantagens competitivas no
interior do capitalismo ao invés de questionar sua própria situação e o que a
gera.
Nesse
contexto, uma conformidade geracional juvenil torna-se hegemônica. Trata-se de
uma camada conservadora, hedonista, tal como os yuppies, mas não se limitando a
eles e a jovens oriundos das classes privilegiadas. O pós-estruturalismo
(ciências humanas e filosofia) e o pós-vanguardismo (artes) se tornam
hegemônicos e reforçam as bases conservadoras e hedonistas. A competição
crescente reforça esse processo e o “participacionismo” (e o pragmatismo que
lhe acompanha) tende a se expandir em certos setores além dos dominantes,
devido influência da juventude das classes privilegiadas sobre a das classes
exploradas.
A
ideologia da “geração y”, usada para abordar características superficiais e sem
maiores análises, reforça tal tendência. O acesso à tecnologia produz uma
geração jovem mais próxima do mundo tecnológico e com mais acesso à informação.
O consumismo, inclusive de aparelhos tecnológicos, é outra característica
proeminente[7].
Porém, com menor formação intelectual, pois o conjunto de informações
acessíveis é geralmente superficial e sem possuir ferramentas intelectuais para
interpretá-las e analisá-las, o que gera uma tendência a um dogmatismo
superficialista, transformando representações cotidianas aparentemente
estruturadas em dogmas, na qual relativismo e verdades estabelecidas se unem
sem perceber sua contradição intrínseca. Isso proporciona a possibilidade de
ondas que vão e vem, não somente os modismos, mas também protestos, posições,
etc., aumentando a volatilidade da juventude.
Uma
outra conformidade geracional juvenil, não-dominante, mas com presença
relativamente forte em certos setores da sociedade, assume posição
relativamente progressista, mas fundada em um ecletismo ou criação de estilos
de vida e fundação de identidade cultural. Ela realiza uma contestação limitada
e parcial da sociedade. Os mesmos problemas da conformidade geracional
dominante se reafirmam, tal como hedonismo, relativismo ou ecletismo, etc.
A
formação de grupos identitários (alguns chamam “tribos urbanas” ou “geração T”)
se insere nessa realidade, e dependendo de qual grupo com afastamento mais
intenso da conformidade geracional dominante. Sem dúvida, os setores da
juventude das classes exploradas (proletários e lumpemproletários) são
influenciados por tais concepções, mas devido sua posição social de forma
diferenciada e em alguns outros aspectos, isso ocorre em menor escala.
Alguns
não chegam a sofrer influência por ter pouco acesso ao processo cultural e
ideológico que veicula tal influência, a não ser pelos meios oligopolistas de
comunicação. Um setor dissidente e mais politizado também mantém maior
distanciamento, embora isso seja relativo. Se apegam ao anarquismo,
conselhismo, situacionismo, mas não escapam, em muitos casos, das influências
das ideologias dominantes, tal como o pós-estruturalismo. Outros ainda
sustentam o discurso bolchevista e trotskista, mas sem grande autonomia e
estando ligado às burocracias partidárias e sindicais.
Nesse
contexto, é necessário entender que um dos fenômenos mais importantes com a
geração jovem que emerge a partir dos anos 1980-1990 é sua relação com as
gerações anteriores. Foram estas que legaram o mundo em que ela se formou e
dirigiu seu processo de formação, educação. E é essa que realiza,
posteriormente, sua interpretação e comanda a sociedade em que vive. Assim, a
juventude e a rebeldia que a acompanha em muitos casos são produtos sociais e
históricos e somente a percepção de sua constituição social e historicidade é
que permite ter um processo de autonomização mais amplo e não ilusório.
Porém,
isto é dificultado devido à vigência intelectual de ideologias dominantes, do
processo educacional escolar, meios oligopolistas de comunicação, e,
principalmente, a tendência de reproduzir as relações sociais concretas através
do processo de naturalização. A naturalização é um fenômeno comum realizado
pelas representações cotidianas (“senso comum”) e reproduzido pelas ideologias
(sistemas de pensamento ilusório) e sempre realizaram esse processo com o
capitalismo. Porém, a cada regime de acumulação e mutação do capitalismo ocorre
um processo de criação ideológica e de representações cotidianas que buscam
naturalizar as mudanças e apresentá-las como eternas e estágio final da
história[8].
Esse
processo é mais poderoso no caso das gerações nascidas um pouco antes ou
durante a formação e consolidação de um regime de acumulação. As gerações
anteriores ainda podem ter ceticismo ou criticidade por ter observado outras
relações, ideologias e representações que também pareciam expressar algo
natural e eterno que chegou ao fim, mas o “espírito da época” tende a ser mais
forte em todos os casos e, no plano da ideologia, que é produzida por
indivíduos das classes privilegiadas, ele reina absoluto, embora sob formas
distintas.
Assim,
a geração juvenil uniformizada dos pós-1970 é um produto social e histórico
específico, distinta das gerações anteriores e expressando as necessidades de
reprodução do capitalismo na sua atual fase. A conformidade geracional juvenil
dominante, pragmática e hedonista, revela o caráter conservador da juventude
atual. Em oposição a ela existe uma conformidade geracional juvenil dissidente,
que resgata as tradições revolucionárias do passado (marxismo, anarquismo,
lutas históricas como as do maio de 1968, situacionismo, etc.), mas, no
entanto, realiza uma mescla entre elas e os valores, representações, modismos e
até mesmo elementos das ideologias dominantes em seu discurso e prática. Uma
terceira conformidade geracional é a composta por jovens das classes
desprivilegiadas e possui influências das demais, mas também possui
especificidades e maior ligação com questões concretas e cotidianas, sem, no
entanto, maior compreensão teórica das relações e lutas sociais. Em certos
momentos, de mobilização e protestos, as duas últimas tendem a se influenciar
reciprocamente.
Nesse
contexto, para quem nasce na época das ideologias da globalização e do
culturalismo, bem como da internet, tende a naturalizar a realidade existente a
partir de uma percepção superficial da mesma e isso é ainda mais forte para
aqueles que nascem após a consolidação do regime de acumulação integral. Porém,
a percepção da historicidade, tanto do capitalismo quanto do atual regime de
acumulação, é algo dificultado. É por isso que muitas vezes ocorre negação do
regime de acumulação (em sua aparência ou aspectos, como neoliberalismo,
“globalização”, etc.) sem negação do capitalismo ou negação deste a partir das
ideologias do regime de acumulação integral (pós-estruturalismo e outras
ideologias variadas). A juventude atual fica, assim, no dilema de recusar sua
condição juvenil devido ao processo de ressocialização repressivo e coercitivo
no contexto de uma sociedade marcada por um processo de exploração crescente e
que apresenta rachaduras em diversos locais de seu edifício, mas que mantém uma
força poderosa ao nível ideológico, discursivo e cultural. Esse dilema, no
entanto, não pode ser resolvido apenas pela juventude e aí a luta de classes é
fundamental para definir as posições e mutações nas lutas juvenis na
contemporaneidade.
Referências
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Contraponto, 1997.
FEIXA,
Carles e LACCARDI, Carmem. “O
conceito de geração nas teorias sobre juventude”. Revista Sociedade e Estado. Vol. 25,
Número 2, Maio/Agosto de 2010.
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[1]
Um breve resumo de algumas das principais concepções sobre as gerações e seu
papel na história pode ser consultado em: Portuondo (1981).
[2]
Para Mannheim, grupos concretos são grupos com objetivos específicos, tais como
a família, a seita, a tribo, e a geração não tem esse processo, pois sua
ligação é mais uma situação social, compartilhar experiências e determinada
cultura.
[3]
Obviamente que as crianças e os jovens, por sua condição social, formam
gerações com maior homogeneidade em sua uniformização.
[4]
Claro que esse processo vale para o caso do capitalismo, sociedade na qual as
mudanças sociais são mais velozes e se cria gerações diferenciadas.
[5]
Ortega y Gasset percebeu parcialmente esse processo, pois ressaltou a
marginalidade de tendências divergentes e como podem ser mal ou não
compreendidas (ORTEGA y GASSET, 1968), embora tenha colocado isso no seu quadro
restrito de análise das gerações.
[6]
O desejo de liberdade, devido às necessidades radicais de indivíduos submetidos
a um processo de ressocialização, é comum na juventude, mas não é algo
concretizado e sim um projeto, e confundir o desejo e a realidade é cair na
ilusão de liberdade, o que dificulta a luta pela liberdade real. Além disso, o
próprio desejo de liberdade é manipulado pelos meios oligopolistas de
comunicação e outras formas, desviando da liberdade autêntica para uma
pseudoliberdade do mercado e da oposição manipulada, geralmente “espetacular”
(DEBORD, 1997) e “mercantil”. A união entre juventude e liberdade é um processo
ideológico que tem uma base real, a relativa autonomia dos jovens
(principalmente das classes privilegiadas) em relação ao trabalho e
responsabilidades sociais (VIANA, 2004), mas é ilusória e se desvanece tão logo
encerra o seu período de escolarização anterior à entrada no mercado de
trabalho e responsabilidades sociais.
[7]
Daí as teses da “geração X” ou “geração R” (Feixa, 2006).
[8]
Basta recordar Fukuyama (o suposto fim da história, que fez furor no início dos
anos 1990 e hoje já está esquecido) e a ideologia da globalização para observar
esta tendência em sua forma mais cristalina, bem como as ideologias da moda,
tão passageiras quanto o regime de acumulação que está em sua base (VIANA,
2009).
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Publicado em:
VIANA, Nildo. Juventude e Sociedade. Ensaios Sobre a Condição Juvenil. São Paulo: Giostri, 2015.
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