TESES SOBRE OS SENTIMENTOS
Nildo Viana
As teses aqui apresentadas são
apenas esboços de uma obra mais ampla e profunda que ainda será produzida.
Portanto, não se trata de uma “teoria dos sentimentos”. O que apresentamos aqui
são alguns elementos que, uma vez desenvolvidos, podem gerar uma teoria dos
sentimentos. As dez teses aqui apresentadas apontam para uma compreensão dos
sentimentos que se distingue de diversas outras e buscam esclarecer o processo
de constituição, moldagem, diferenciação, distinção em relação a outros
fenômenos psíquicos, sua relação com a sociedade (especialmente a capitalista),
e, ainda, o seu significado e importância política na sociedade moderna e sua
manipulação na contemporaneidade.
1.
Os sentimentos
são energias psíquicas semiconscientes que solidificam determinadas relações
psíquicas estáveis.
Os sentimentos são processos
psíquicos complexos desenvolvidos pelos seres humanos. Esses processos
psíquicos são complexos, e por isso se distinguem dos processos psíquicos
simples, tal como discutiremos mais adiante. Os sentimentos são energias
psíquicas semiconscientes dos indivíduos. Essas energias psíquicas geralmente
não são controladas pelos indivíduos, embora com o processo de desenvolvimento
da consciência em geral e especificamente sobre eles, seja possível que se
consiga atuar sobre os sentimentos. Isso é mais fácil no caso de sentimentos
menos intensos e fortes. É muito mais difícil nos sentimentos mais arraigados
nos indivíduos e grupos. Os sentimentos são uma forma específica de energia
psíquica e por isso sua especificidade precisa ser compreendida. A sua
especificidade é a do vínculo sentimental que ela estabelece com o mundo. O ser
humano, enquanto ser consciente, se relaciona com a realidade (sociedade,
natureza), com uma finalidade racional, visando sua compreensão e explicação. O
seu objetivo é fundamentalmente dizer o que é, como, por qual motivo, etc.[1] O ser humano, enquanto ser
sentimental, se relaciona com a realidade (sociedade, natureza) também sob uma
forma sensível, que pode ser harmônica ou desarmônica. Os sentimentos são
relações psíquicas estáveis caracterizadas pelo ato de sentir que gera uma
sensibilidade harmônica ou desarmônica com o mundo ou parte dele. Quando os
sentimentos são direcionados para os demais seres humanos, o que é o mais
comum, são relações sociopsíquicas.
O sentir é algo mais integral do
que o meramente racional, embora menos consciente e que pode ser mais enganoso
ou mais acertado, dependendo de várias determinações. É uma predisposição integral
do indivíduo em relação ao mundo (pessoa, natureza, etc.) gerando uma forma de
sensibilidade. Assim, se vejo um mendigo na rua, posso entender racionalmente
(e sob várias formas, dependendo do indivíduo, suas crenças, formação
intelectual, valores, etc.) o que ele significa: um ser humano integrante das
frações mais empobrecidas do lumpemproletariado, o que significa ser um produto
social e histórico do capitalismo (que teve semelhantes no pré-capitalismo, mas
com diferenças e especificidades); ou um indivíduo que não trabalha e vive às
custas dos demais, aumentando as despesas estatais ou as esmolas individuais,
que deveriam ser recusadas para não incentivar a sua existência; ou, ainda, um
fenômeno universal de todas as sociedades e, portanto, inevitável[2]. Porém, eu posso sentir
algo por este ser humano, desenvolvendo uma sensibilidade, como a compaixão.
Mas pode ser também um sentimento antipático. Se o sentimento desencadeado é
simpático ou antipático isso depende de múltiplas determinações, tais como a
consciência (expressa sinteticamente nas interpretações acima), os valores e
outros sentimentos, especialmente os mais arraigados no universo psíquico do
indivíduo.
A racionalidade é uma forma
superior de sensibilidade, no sentido que coordena racionalmente a consciência e
os sentimentos do indivíduo. Ela, no entanto, pode ser determinada pelos
sentimentos. Quando mais consciente são os sentimentos e suas motivações, mais
a consciência ou a razão coordena e pode harmonizar os processos psíquicos
complexos ou maior pode ser a contradição individual, dependendo dos indivíduos
e sua situação sociopsíquica. Obviamente que isso também depende do
desenvolvimento da consciência do indivíduo ou grupo, pois sua forma mais
elementar pode torná-la incapaz de uma coordenação mais equilibrada e assim os
sentimentos se tornarem os motores da ação humana com pouca racionalidade, o
que pode gerar um sentimentalismo simpático (que gera relações sociopsíquicas
harmônicas) prejudicial ao indivíduo em certos contextos ou um sentimentalismo antipático
(que gera relações sociopsíquicas desarmônicas) igualmente prejudicial, e de
forma mais grave em determinados contextos. Da mesma forma, a baixa
racionalidade facilita a manipulação dos sentimentos por outros indivíduos ou
grupos.
A relação harmônica com o mundo
(seja a natureza ou outros seres humanos) é agradável, prazerosa, acolhedora. Aqui
reside a ideia de integração com a natureza, tal como no Paraíso da mitologia
cristã, no qual ser humano e natureza estão em completa harmonia. A relação
desarmônica com o mundo é marcada pelo processo contrário, o desprazer, o desagradável,
hostil. A expulsão do Paraíso é o rompimento da harmonia e o início da
desarmonia: a natureza não doará mais o alimento, é preciso trabalhar e
conquistá-lo com o “suor do seu rosto”, arrancando-o do meio ambiente (caça,
pesca, coleta de frutos, etc.). A situação intrauterina e pós-uterina do ser
humano é outra forma de entender a harmonia e desarmonia, pois o útero é um
mundo harmônico e que doa tudo, inclusive o alimento, e a saída dele é para um
mundo desarmônico, que, em muitos casos, é marcado pela violência (a começar
pelo próprio nascimento, que pode, por exemplo, começar com um tapa de um
médico).
Essa sensibilidade harmônica
e/ou desarmônica é introjetada e constitui relações sentimentais estáveis, ou
seja, sentimentos. É uma relação psíquica específica. A especificidade é que é
uma relação sentimental. O medo do relâmpago ou o amor à mãe são relações
psíquicas que se iniciam com a experiência do indivíduo e a partir de certo
tempo se tornam estáveis. Elas se tornam, assim, cada vez mais solidificadas,
tornando-se sentimentos, ou seja, energias psíquicas semiconscientes que
manifestam as relações psíquicas estáveis do indivíduo com o mundo através da sensibilidade.
Elas são semiconscientes por não serem totalmente conscientes (embora
determinados indivíduos possam, progressivamente, aumentar sua consciência de
seus sentimentos e/ou de suas motivações, mas que dificilmente conseguiria
fazer isso em relação a sua totalidade) e por não serem “inconscientes”. Se um
indivíduo ama sua esposa e odeia seu chefe, ele geralmente sabe, mais ou menos,
disso. Em relação à esposa, isso é mais consciente, pois é um sentimento
considerado “positivo” (simpático) e a própria relação exige declarar sua
existência. Em relação ao chefe, o ódio pode ser “sentido”, mas poucas vezes
refletido e entendido conscientemente. O caráter semiconsciente, no entanto, é
derivado mais do desconhecimento das motivações para tal sentimento do que dele
em si.
Por qual motivo despertou o amor
por uma mulher que depois se tornou sua esposa? Por qual motivo odeia o seu
chefe? A motivação é geralmente semiconsciente. A mulher pode ter sido por sua
beleza, o chefe por seu autoritarismo. Mas isso é o que o indivíduo em questão
interpreta, pois nem sempre tem consciência de diversas outras coisas, entre as
quais a razão da beleza feminina ser tão importante para ele e por qual motivo não
ter levado em consideração a inteligência desde o primeiro encontro com ela, e
por qual motivo o autoritarismo é tão repudiado e não ter percebido o elemento
de injustiça que lhe acompanha ou suas razões mais profundas. Essa é uma
possibilidade, pois será distinta em indivíduos diferentes, com diferenciados universos
psíquicos e formação social e intelectual. O ódio pelo chefe pode ser
despertado mesmo que esse não seja autoritário, pois pode ser provocado por
inveja, um sentimento antipático que revela simultaneamente, determinados
valores constituídos socialmente, mas nem sempre conscientes para indivíduo que
os possuem.
Assim, os sentimentos só existem
através de relações estabelecidas com algo ou alguém. Os sentimentos são
geralmente voltados para outros seres humanos (indivíduos, grupos, etc.),
gerando relações sociopsíquicas, embora também possa ser, por transferência ou
por impacto psíquico, também relação à natureza (incluindo outros seres vivos) e
fenômenos naturais, gerando relações psíquicas específicas. De qualquer forma,
trata-se da relação do indivíduo com outros indivíduos ou com a natureza. Essa
relação gera um impacto psíquico, provocando a introjeção dessa relação e sua
estabilização, ou seja, promove uma materialização semiconsciente sob forma de
energia psíquica. Enquanto energia psíquica, os sentimentos tornam-se uma das
determinações das ações e consciência dos indivíduos. A relação psíquica é,
portanto, uma introjeção da relação real, social ou com a natureza.
Em síntese, os sentimentos são
energias psíquicas semiconscientes que orientam a relação dos seres humanos com
o mundo num sentido harmônico ou desarmônico a partir da sensibilidade. Eles
são processos psíquicos complexos constituídos histórica e socialmente e que
são forças que determinam o comportamento humano ao lado de outras forças
existentes, como a consciência, os valores e interesses, as necessidades, etc.
No entanto, o conceito de
sentimentos é insuficiente para sua compreensão. Por isso é necessário avançar
e entender sua diferenciação interna. Sem dúvida, existem inúmeros sentimentos e
cada um expressando uma determinada especificidade. Aqui o nosso objetivo é
discutir os sentimentos em geral, deixando para o futuro uma obra em que aborda
os sentimentos específicos. No entanto, podemos elencar alguns sentimentos
específicos: medo, remorso, amor, ódio, inveja, ciúme, etc. Essa diferenciação
é importante, inclusive a percepção da especificidade de cada sentimento (no
singular) para uma melhor compreensão dos sentimentos (no plural). Outra
diferenciação é entre os sentimentos mais arraigados e os sentimentos menos
arraigados. Os mais arraigados são os mais fortes e permanentes e que
condicionam o desenvolvimento dos outros (ao lado das outras determinações
existentes) e os menos arraigados são mais facilmente (em comparação com os
anteriores) removidos e menos intensos. Contudo, existe uma outra diferenciação
que é fundamental para a compreensão dos sentimentos e que por isso precisa ser
abordada.
Essa diferenciação é que existe entre
os sentimentos simpáticos e os sentimentos antipáticos. Os sentimentos que expressam
simpatia podem ser denominados simpáticos e os que expressam antipatia,
antipáticos. Isso é um truísmo, mas necessário para a compreensão da divisão,
pois nos remente para a definição de simpatia e antipatia. A simpatia é a tradução
sentimental de uma relação harmônica (que pode ser unilateral, ou seja, de um
indivíduo para outro ou algo, sem que exista reciprocidade, mas só é plena
quando é bilateral, ou seja, os envolvidos possuem o mesmo sentimento simpático)[3]. A origem da palavra
aponta para algo semelhante. Simpathia,
termo originado no latim, significa “comunhão de sentimentos”, e sympatheia, do grego, significa
sentimento de união (syn = junto; pathos = sentimento). Contudo, a simpatia não
é “comunhão de sentimentos” e sim “sentimento de comunhão”, ou seja, a simpatia
é um sentimento de comunhão com algo (indivíduo, grupo, objeto, etc.) ou
alguém, mas que não é necessariamente recíproco, não é uma relação social e sim
uma relação psíquica, sendo que uma pode se transformar na outra, mas é apenas
na situação concreta é que isso se concretiza ou não. Sinteticamente, a
simpatia é um sentimento de comunhão que quando é recíproco é uma comunhão de
sentimentos e o primeiro pode gerar o segundo. Mas esta formulação ainda é
problemática, pois simpatia não é um sentimento em si e sim uma característica
comum presente em determinados sentimentos. Os sentimentos simpáticos são caracterizados
por serem direcionados para a harmonia, gerando comunhão. Nesse caso, podemos
dizer que simpatia é a característica comum dos sentimentos de comunhão.
A antipatia é a tradução
sentimental de uma relação desarmônica (que também pode ser unilateral, no caso
de relações interindividuais, não havendo reciprocidade, mas também só é plena
quando é bilateral ou recíproca, na qual os envolvidos sentem o mesmo
sentimento antipático)[4]. A origem dessa palavra
também remete ao grego (chegando até nós via latim, antipathia), antipatheia,
que significa “sentimento de oposição” (anti = contra, oposto; pathos = sentimentos),
embora geralmente se coloque que se trata de “oposição de sentimentos”. O mais
correto seria entender o termo como um sentimento negativo diante de algo
(indivíduos, etc.) ou sentimento de oposição/antagonismo a algo ou alguém. Esses
dois termos (oposição ou antagonismo) não são os mais adequados e por isso o
termo “repulsão” está mais de acordo com o significado da palavra. Também é uma
relação psíquica e que se contrapõe à simpatia. Assim, antipatia é um
sentimento de repulsão que pode ser unilateral ou não. Se for unilateral, a
outra pessoa não compartilha o mesmo sentimento. Se for bilateral, a outra
pessoa também possui sentimento antipático, havendo reciprocidade. Em síntese,
a antipatia é um sentimento de repulsão e quando é reciproco é uma comunhão de
sentimentos, só que negativos, e, da mesma forma, o despertar desse sentimento
em um indivíduo pode gerar o mesmo em outro. Essa formulação, tal como a
anterior e inicial sobre a simpatia, também é problemática, pois a antipatia
não é um sentimento e sim uma característica comum presente em determinados
sentimentos, caracterizados por serem direcionados para a desarmonia, gerando
repulsão. Sendo assim, definimos a antipatia de forma mais adequada como uma
característica comum dos sentimentos de repulsão.
Desta forma, simpatia e
antipatia não são sentimentos em si, mas sim uma característica comum de um
conjunto de sentimentos[5]. A simpatia é expressão do
predomínio de sentimentos de comunhão e a antipatia é expressão do predomínio
de sentimentos de repulsão. Os sentimentos simpáticos são o amor, a compaixão,
etc., e os antipáticos são o ódio, a inveja, etc. Um indivíduo real, concreto, carrega
em si tanto sentimentos simpáticos quanto antipáticos e pode direcioná-los para
indivíduos ou grupos humanos distintos. Por exemplo, há pessoas que limitam
seus sentimentos simpáticos aos seus familiares e para o resto desenvolve
sentimentos antipáticos ou apatia (“indiferença”), bem como alguns elegem a
nação ou qualquer outro grupo (raça, sexo, etnia, etc.) como objeto de
sentimentos simpáticos e dedica ao resto sentimentos antipáticos (ou,
novamente, apatia). Outros dedicam os sentimentos simpáticos a toda à
humanidade, alguns de forma indistinta (os humanistas generalistas) e outros
reconhecendo as diferenças dos seres humanos concretos (humanismo radical),
mesmo que no nível geral mantenha sentimentos simpáticos generalizados[6]. Há também aqueles que
desenvolvem misantropia, um ódio indiferenciado por toda humanidade, ou seja,
apenas um sentimento antipático em relação a todos os seres humanos. Em certos
casos, devido a solidão reinante na sociedade moderna, alguns acabam limitando
seus sentimentos simpáticos a apenas uma pessoa, tal como no caso do amor romântico
ou no amor materno/paterno em relação a apenas um(a) filho(a) ou então a
animais, especialmente os domésticos.
Os sentimentos simpáticos podem
gerar sentimentos antipáticos. Se um indivíduo que vê as pessoas que amam ser
prejudicadas por outras, tende a desenvolver sentimentos antipáticos em relação
a essas. Isso é amplamente tematizado em filmes hollywoodianos, quando o
protagonista busca a vingança, motivado pelo ódio, do responsável pela morte de
uma pessoa amada. O processo contrário é muito raro, mas é possível que o
sentimento de ódio em relação a tiranos pode gerar simpatia com relação aos
demais seres humanos submetidos à sua tirania.
Há também a possibilidade de
ausência parcial de sentimentos. A isso denominamos, até aqui, como apatia, ou
seja, falta de sentimentos, mais facilmente entendido como “indiferença”.
Assim, alguns indivíduos, por causa de desequilíbrios psíquicos ou por
mecanismo de defesa, pode ser tornar sem sentimentos, ou indiferente, aos
demais seres humanos e natureza, seja de forma selecionada ou generalizada
(esse seria um caso extremamente grave e seria uma ausência total de
sentimentos). No caso de desequilíbrio psíquico, é o processo histórico de vida
do indivíduo que explica a sua existência. No caso de mecanismo de defesa, a
explicação requer o mesmo processo, mas geralmente isso ocorre por insegurança
e medo, sendo que os sentimentos estão mais presentes, mesmo como determinações
da ausência de determinados sentimentos em relação aos outros.
Essa distinção entre sentimentos
simpáticos e sentimentos antipáticos é fundamental para entender o universo
psíquico dos seres humanos e a história da sociedade humana. O entendimento dos
sentimentos requer essa distinção, pois são dois grupos distintos de
sentimentos que possuem duas formas diferentes de expressão e que precisam ser
analisados separadamente e que manifestam relações harmoniosas ou desarmoniosas
dos seres humanos entre si e com o resto do mundo.
2.
Os
sentimentos e emoções são processos psíquicos diferentes.
A energia
sentimental é de longa duração enquanto que as emoções são momentâneas. O ódio
é um sentimento e a raiva é uma emoção. Se alguém pisa no pé de uma pessoa por
acidente, esta pode ficar com raiva, mas não ódio. A raiva passa rapidamente. O
ódio, ao contrário, é duradouro. Desta forma, é possível entender que raiva,
tristeza, alegria, temor, etc., são emoções, são passageiras e provocadas por
determinados acontecimentos que se enfraquecem junto com o desaparecimento
destes e acabam desaparecendo também.
O exemplo
clássico é a distinção entre raiva e ódio. A raiva é sempre momentânea e é
despertada por um ato de alguém ou acontecimento, seja cotidiano ou não. Assim,
amigos podem brigar em momento de raiva durante um debate sobre questões
políticas, religiosas ou sexuais, mas a amizade não termina. Por outro lado, se
alguém odeia outra pessoa, jamais a tornará sua amiga, a não ser que esse
sentimento seja removido[7] ou então que finja que o
removeu (mas aí não deixará de existir, apenas deixará de se manifestar). Em
síntese, as emoções são processos psíquicos simples e passageiros enquanto que
os sentimentos são processos psíquicos complexos e duradouros[8].
3.
Os
sentimentos são uma potencialidade humana, uma energia psíquica.
Os sentimentos são uma
potencialidade humana, pois alguns deles podem ou não se desenvolver, embora
existam sob forma latente, desenvolvendo-se ou não. No fundo, os sentimentos
são uma energia psíquica, emergem no universo psíquico como uma força mental e
que se desdobra em ações e comportamentos. Não é uma energia psíquica separada
das demais e está intimamente relacionada com os valores, a consciência, os
interesses, etc.
Os sentimentos simpáticos são
uma potencialidade humana, o que significa que seu desenvolvimento é uma
necessidade. Uma das necessidades humanas radicais é a socialidade, ou seja, o
vínculo social harmônico. O ser humano é um ser social e fora da sociedade não
se constituiria como ser humano e geralmente longe do contato humano não
suporta a existência. Contudo, os sentimentos simpáticos podem ser seletivos e,
nas sociedades marcadas pela luta de classes, por conflitos sociais, por
competição, tende a gerar tal seletividade e quanto maior é a divisão social e
os conflitos derivados, maior tende a ser a seletivo, bem como determinadas
ideologias e doutrinas podem gerar ou reforçar essa tendência em determinados
indivíduos.
Os sentimentos antipáticos não
são necessidades humanas, mas podem ser despertados quando estas não são atendidas,
ou seja, tal como quando os sentimentos simpáticos não podem se concretizar.
Desta forma, se os sentimentos simpáticos são impedidos de se concretizar ou
limitados, a tendência é o fortalecimento e desenvolvimento de sentimentos
antipáticos. Isso é derivado das relações sociais concretas e cada sociedade
acaba gerando uma determinada correlação entre a força dos sentimentos
simpáticos e antipáticos. As sociedades tribais, por exemplo, tendem a
desenvolver de forma mais generalizada sentimentos simpáticos (com as
especificidades de cada sociedade tribal em questão) enquanto que as sociedades
de classes (e mais ainda a sociedade capitalista) tendem a desenvolver de forma
mais generalizada sentimentos antipáticos.
Em síntese, os sentimentos
simpáticos são uma necessidade, bem como uma potencialidade, humana e os
sentimentos antipáticos são processos derivados e geralmente constituídos a
partir da não realização dos sentimentos simpáticos, o que está relacionado com
determinadas relações sociais concretas.
4.
Os
sentimentos são constituídos social e historicamente
Os sentimentos são produtos
históricos e sociais. Eles emergem com o processo de humanização, ou seja, um
longo processo histórico de maturação e desenvolvimento da humanidade. O
desenvolvimento do cérebro humano possibilitou o desenvolvimento do universo
psíquico e a constituição de processos psíquicos complexos, entre eles os
sentimentos. Uma vez constituídos, passam a ser parte dos seres humanos e isso
independe da sociedade e da história, o que essas podem fazer é afetá-los, no
sentido de incentivar seu desenvolvimento, sua repressão, sua manifestação ou
não-manifestação, seu deslocamento, ou gerar desequilíbrios psíquicos que
constituem a apatia.
Os sentimentos específicos, por
sua vez, também são constituídos social e historicamente. Tudo indica que os
sentimentos simpáticos e antipáticos surgiram simultaneamente. Os sentimentos
simpáticos surgiram devido à necessidade de associação e, por conseguinte, de
socialidade, enquanto que os sentimentos antipáticos emergiram devido à relação
de dependência em relação ao meio ambiente, gerando escassez e guerras
intertribais.
A formação dos sentimentos nos
indivíduos ocorre, inicialmente, através do processo de socialização (infância)
e continuam no decorrer da vida. A família constitui, entre outras coisas, uma
unidade sentimental e os vínculos paternos e maternos harmônicos tendem a gerar
a formação de sentimentos simpáticos, enquanto que os vínculos paternos e
maternos desarmônicos tendem a gerar sentimentos antipáticos (outros processos
atuam, tal como a relação dos pais entre si, as relações entre os filhos, etc.).
Outra tendência é que isso tende a se estender para as demais relações
sociopsíquicas (é uma tendência, pois isso depende de múltiplas determinações
que atuam no processo histórico de vida de um indivíduo).
A época da juventude, devido inserção
em outros grupos (juvenis) e instituições (escolas técnicas, universidade,
etc.), em seu processo de ressocialização, os filhos ganham maior autonomia e,
ao mesmo tempo, outras fontes de interpretação e vínculos afetivos (amor
sexual, unidade grupal, novas experiências, novos saberes, etc.), o que pode
gerar mais ou menos conflitos familiares, dependendo da família, da relação
sociopsíquica no seu interior, etc. Os filhos podem se tornar o relativamente
oposto aos pais, ou podem manter relações harmônicas, dependendo das relações
familiares anteriormente existentes e das mutações nessa época (da sociedade e
do seu impacto sobre a juventude). As mudanças culturais, especialmente devido
ao fato de que a juventude, em sua maioria, tende a ser volúvel e atraída pelas
novidades existentes em sua época juvenil, também pode gerar conflitos (os
chamados “conflitos geracionais”), mesmo quando as relações sociopsíquicas
familiares são boas. Isso ocorre de forma mais forte quando os valores e
concepções se tornam mais distantes. Após a época juvenil, a relação entre pais
e filhos tende a ser menos conflituosa, tanto pelo processo de maturação dos
filhos e desenvolvimento de maior paciência e tolerância, quanto pelas novas
relações sociais estabelecidas (maior autonomia dos filhos, agora adultos e
responsáveis por si mesmos, inclusive financeiramente, mais reconhecimento e
respeito por parte dos pais, por exemplo). Isso é uma tendência, pois depende
das famílias concretas e das suas relações sociopsíquicas estabelecidas.
No capitalismo, as famílias mais
frias, como são geralmente as das classes auxiliares da burguesia e da própria
classe capitalista, tendem a gerar uma consciência coisificada e forte presença
de sentimentos antipáticos ou de apatia. Isso pode ser visto, por exemplo, em
casos de jovens vindos de famílias dessas classes sociais e atos de agressão
gratuitos (como queimar mendigos em praças públicas) ou em adesão ao
neonazismo. As famílias destruídas pela miséria que gera relações
sociopsíquicas desarmônicas também podem desenvolver esse processo naqueles que
são socializados no seu interior.
Em todos os indivíduos, na
sociedade moderna, coexistem sentimentos simpáticos e antipáticos. Os
indivíduos que possuem uma existência malograda tendem a desenvolver em maior
escala sentimentos antipáticos. A existência malograda é aquela na qual os
indivíduos não conseguem desenvolver suas potencialidades através da práxis,
nem sua socialidade, bem como ainda não consegue desenvolver sua persona, ou, como diria Freud, efetivar
a sublimação. Nesses casos, os indivíduos geram desequilíbrios psíquicos e os
sentimentos antipáticos geralmente os acompanham, a não ser quando se troca a
destrutividade alheia pela autodestrutitividade.
5.
Os
sentimentos são moldados socialmente.
A sociedade molda os sentimentos
dos indivíduos. Determinados sentimentos são incentivados e outros são
desmotivados e/ou reprimidos, dependendo das relações sociais. Sociedades
fundadas em exploração e dominação tende a gerar sentimentos antipáticos em
alto grau, bem como as fundadas em relações igualitárias tendem a incentivar
sentimentos simpáticos.
Nas sociedades de classes, a
divisão social do trabalho e outras divisões sociais geram uma socialização
diferencial que pode incentivar distintos sentimentos por parte de distintos
indivíduos, grupos e/ou classes sociais. Esse é o caso, por exemplo, da
socialização feminina e da socialização masculina, que incentiva um grau maior
de sentimentos simpáticos no primeiro caso e de sentimentos antipáticos no segundo,
dependendo da sociedade. Há outros processos que interferem nessa constituição
social de sentimentos específicos e geram vínculos e relações específicas, como
a maternidade, a função na divisão social do trabalho (o guerreiro, por
exemplo, deve ter uma ressocialização para desenvolver sentimentos antipáticos,
pois de outra forma encontraria dificuldades em exercer sua função).
Antes do capitalismo, a unidade
doméstica era simultaneamente unidade de produção e unidade de consumo. No
capitalismo, a transformação da unidade doméstica em apenas unidade de consumo,
deixando de ser unidade de produção, gera processos diferenciados na formação
sentimental dos indivíduos. As mulheres, nos casos daquelas que se limitam à
unidade doméstica (cujo proporção altera historicamente com o desenvolvimento
da sociedade moderna), e os homens, quando são responsáveis pelo trabalho
assalariado, tendem a um desenvolvimento sentimental distinto derivado das
diferenças oriundas das diferentes relações sociais a que estão submetidos. No
caso das mulheres, a tendência é de um desenvolvimento mais intenso dos
sentimentos simpáticos (maternidade, relações com os filhos, etc.) e, no caso
dos homens, dos sentimentos antipáticos (derivados da submissão à exploração e
dominação no trabalho, competição, etc.)[9].
A diferença maior, no entanto, é
que no primeiro caso há incentivo para a manifestação dos sentimentos e, no segundo,
a sua não manifestação, pois nas relações familiares elas não são prejudiciais
(especialmente os simpáticos) e nas relações no trabalho e outras (na sociedade
civil, política, etc.) podem ser prejudiciais para os indivíduos.
A manifestação dos sentimentos
também pode ser incentivada ou reprimida. Uma coisa são os indivíduos possuírem
certos sentimentos, outra coisa é manifestá-los. Em determinadas sociedades,
alguns sentimentos específicos são incentivados e outros são desmotivados e
isso atinge eles em sua existência ou sua manifestação, pois podem existir, mas
não se manifestar. Na sociedade capitalista, a compaixão, o amor universal[10], entre outros
sentimentos, são desmotivados e por isso nem sempre se manifestam. Eles não
deixam de existir, mas, por causa da repressão e da própria dinâmica das
relações sociais, muitas vezes não se manifestam.
6.
Os
sentimentos são uma das determinações das ações individuais e coletivas.
Os sentimentos atuam sobre os
valores e consciência dos indivíduos, bem como são poderosos mobilizadores. Os
valores são constituídos socialmente, mas os sentimentos, uma vez existentes,
também atuam sobre sua constituição. É o caso, por exemplo, de uma pessoa que
muda ou acrescenta novos valores por causa das demais pessoas de que gosta
(grupo, amor sexual, etc.). Um indivíduo que nunca gostou de Rock and Roll pode
passar a gostar ao integrar um grupo que valora esse gênero musical ou então
por se enamorar com uma pessoa com esse gosto. Da mesma forma, os valores
incentivam o desenvolvimento de certos sentimentos[11]. Um indivíduo
extremamente competitivo e reprodutor dos valores dominantes tende a desenvolver
sentimentos antipáticos em maior escala do que sentimentos simpáticos.
Os sentimentos são, também, uma
das determinações da consciência e do seu desenvolvimento. Os sentimentos
simpáticos, como o amor e a compaixão, podem mobilizar pessoas para descobrir
cura de doenças, entender as relações sociais para propor reformas ou
revolução, etc. O bloco revolucionário, mesmo reconhecendo a inevitabilidade da
violência e gerar sentimentos antipáticos em relação aos exploradores e
reprodutores da sociedade capitalista, tem nos sentimentos simpáticos a sua
razão de ser e é por isso que o humanismo (mesmo que generalista) é geralmente
o ponto de partida dos indivíduos que posteriormente se tornam revolucionários[12]. Eles também influenciam
nos temas, posições, etc., que os indivíduos mais se aproximam.
A consciência também determina
os sentimentos. Um indivíduo que julgava que seus males pessoais eram
provocados por um determinado grupo social, motivo pelo qual ele o odiava, e
descobre que não era esse o problema, pode diminuir ou abandonar esse
sentimento antipático em relação a tal grupo. Se um indivíduo acredita que é o
governo que é responsável por sua miséria, ele vai odiar o governo. Se um
indivíduo considera que o governo é quem vem lhe concedendo um pouco de bem-estar,
então tende a desenvolver sentimentos simpáticos a ele. Por esse motivo, quando
mais é desenvolvida a consciência, mais tende a tornar seus sentimentos
adequados às relações sociais concretas. O contrário também é verdadeiro:
quanto menos consciência, mais provável é o desenvolvimento de sentimentos
inadequados. Por conseguinte, o acesso a teoria do Estado, o seu significado, o
que é a burocracia governamental, os seus objetivos reais, etc., tende a
produzir um sentimento adequado em relação a ele, caso ele tenha interesse e
valores que apontem para isso. Uma frase do filósofo Hegel sintetiza esse
processo: “não basta amar, é preciso saber amar”[13].
Os sentimentos, ao lado dos
valores, são poderosos elementos de mobilização de indivíduos e grupos. Isso é
ainda mais verdadeiro no caso dos sentimentos mais arraigados nos indivíduos,
grupos, classes sociais. O caso individual ajuda a explicar o processo em
outros casos concretos (grupos, classes, nações, etc.). Os sentimentos
arraigados são aqueles que prevalecem no universo psíquico de um indivíduo, o
que lhe permite fazer escolhas ou tomar decisões difíceis mesmo passando por
cima de outros sentimentos que possui. Assim, para um humanista radical pode
ser dolorido se afastar de determinadas pessoas, por causa do sentimento
simpático em relação a elas, mas se os seus sentimentos mais arraigados (que
anda lado a lado como seus valores fundamentais e consciência), isso será
efetivado. Da mesma forma, algo tomado pelo sentimento de ódio poderá destruir
pessoas próximas que se opõem ao seu ataque em relação aqueles que ele odeia. A
percepção disso reforça a necessidade de uma teoria dos sentimentos e o
reconhecimento da manipulação dos sentimentos por certos indivíduos, partidos e
governos.
7.
A
sociedade capitalista incentiva o desenvolvimento seletivo de determinados
sentimentos.
O
capitalismo incentiva a constituição e desenvolvimento de sentimentos
antipáticos (inveja, ciúme) e alguns simpáticos (amor romântico, uma versão
empobrecida do amor sexual). Ele busca adaptar os sentimentos para que eles
sirvam aos seus objetivos de reprodução. Ao mesmo tempo, ele reprime
sentimentos que podem ser prejudiciais para sua reprodução.
A
sociabilidade capitalista (fundada na competição, mercantilização e burocratização)
e a mentalidade burguesa que ela cria, incentivam determinados sentimentos
ligados ao processo de competição e possessividade, como a inveja e o ciúme,
mas também o ódio e outros por causa da derrota na competição e outros
processos similares.
O aparato
estatal, por sua vez, busca incentivar o sentimento simpático de patriotismo,
ou seja, o amor à nação. Através disso ele busca criar uma unidade imaginária e
evita a percepção dos interesses antagônicos das classes sociais fundamentais e
outras animosidades derivadas da divisão social do trabalho. Ele pode realizar
isso através do discurso ou ideologias nacionalistas, promulgar uma lei
obrigando os estudantes a cantar o hino nacional nas escolas, divulgando o
patriotismo através de disciplinas, temas, valores, símbolos, ensinados nas
escolas, etc. O sentimento patriótico é uma faca de dois gumes e ao mesmo tempo
que é um sentimento simpático, é, ao mesmo tempo, potencial desenvolvedor do
sentimento antipático em relação a outras nações, povos, etnias e pode ser
manipulado para gerar sentimento antipático em relação aos “não-patriotas” ou
aqueles que o aparato estatal ou determinados partidos propagandeiam que são
“inimigos da nação”. O aparato estatal incentiva esse sentimento antipático de
ódio às demais nações (xenofobia) principalmente em épocas de crises e de
guerras, pois não só reforça a unidade nacional e evita a luta de classes
interna como também permite a culpabilização dos países estrangeiros.
8.
A manipulação
dos sentimentos é uma arma usada para realizar a reprodução do poder.
Existe uma manipulação dos
sentimentos por parte de setores da sociedade, tal como a classe dominante,
governos, partidos políticos, indivíduos. O nazismo[14] foi o exemplo maior de
manipulação dos sentimentos para conquistar e manter o poder estatal e
reproduzir o capitalismo em um momento de crise. A manipulação dos sentimentos
ocorre também em disputas eleitorais, luta pelo poder, etc.
A manipulação dos sentimentos é
quando alguém (indivíduo, partido, classe, governo) visa, conscientemente e intencionalmente, provocar determinados
sentimentos antipáticos para seus adversários ou inimigos e sentimentos
simpáticos para os seus aliados e para isso lança mão de todos os recursos,
inclusive os imorais, antiéticos (seja qual for sua ética), ilegais, rumores,
mentiras, informações falsas, etc. O Partido Nazista, por exemplo, buscou
concentrar nos judeus os sentimentos antipáticos da população alemã. Para isso
contava com uma já existente tradição antissemita e uma deterioração das
condições de vida, tal como o alto grau de desemprego e crescimento da miséria.
Isso facilitou seu sucesso com uma forte propaganda que culpabilizava os
judeus. Aqui, no caso brasileiro, a manipulação de sentimentos ocorreu nos
processos eleitorais de 1989 e 2014, sendo que o primeiro foi o candidato Fernando
Collor de Mello que buscou provocar medo na eleição de um candidato de esquerda
(Lula) e, em 2014, a candidata Dilma Roussef, do partido de Lula, realizou o
mesmo processo em relação ao candidato Aécio Neves, por poder acabar com os
supostos “avanços” dos governos petistas.
A manipulação dos sentimentos é
utilizada para conquistar ou preservar o poder e se baseia no obscurantismo, em
ideologias (sistemas de pensamento ilusório), doutrinas, mentiras, rumores,
informações falsas, etc. e trabalham com o medo, ódio, etc. Se os nazistas
mobilizam o ódio contra os judeus, outros buscam ganhar eleições relacionando o
adversário com um suposto perigo gerador de medo, sendo duas formas de
manipulação de sentimentos, ao lado de outras.
9.
Existe
a necessidade de desenvolver uma teoria dos sentimentos.
O marxismo depois de Marx
desconsiderou a questão dos sentimentos e esse é um grave problema, pois não
dota o bloco revolucionário de elementos para combater a manipulação dos
sentimentos. Marx não focalizou a questão dos sentimentos e nem desenvolveu uma
teoria sobre isso, bem como sobre inúmeros outros fenômenos. O seu foco foi a
análise da sociedade e do desenvolvimento dos modos de produção, especialmente
do modo de produção capitalista e da possibilidade de emancipação humana. As
suas considerações sobre sentimentos são no interior dessa imensa produção
sobre os processos sociais. Isso é compreensível por causa de sua focalização e
também por que seria necessário lançar as bases da compreensão da sociedade
para ter acesso a uma compreensão dos sentimentos. A sua morte impediu de
completar sua análise do capitalismo e outros processos que ele pretendia
desenvolver e somente por ignorância ou má fé alguém iria querer que ele
tratasse de todos os fenômenos sociais e humanos e mais ainda de forma aprofundada.
A deformação do pensamento de
Marx realizada posteriormente pela social-democracia, leninismo e outras
concepções (os ecletismos acadêmicos, por exemplo) e a marginalização do
marxismo autêntico dificultou avanços deste de forma mais ampla, só avançando
em algumas questões mais específicas (Korsch e a questão metodológica,
Pannekoek e a questão dos conselhos operários, Rühle e a crítica dos partidos
políticos, Bourdet e questão da autogestão, etc.). No plano geral, houve uma
certa estagnação do marxismo, especialmente em momentos de estabilidade do
capitalismo.
Por outro lado, a psiquiatria,
com seu reducionismo exacerbado, tem pouco a dizer sobre sentimentos e a psicologia
se dedicou mais para os chamados “processos cognitivos” e outros fenômenos do
que a questão sentimental, com raras exceções. A psicanálise é que teria mais
potencial para contribuir com uma teoria dos sentimentos, mas de certa forma
priorizou outros processos sociopsíquicos (o inconsciente, a sexualidade, etc.)
e por isso se limitou nesse processo, apesar de ter gerado avanços na
compreensão do universo psíquico e, no caso de alguns psicanalistas,
desenvolvido teses e análises sobre determinados sentimentos específicos.
A análise marxista da sociedade
e alguns elementos da psicanálise, reunidos, formam um ponto de partida para a
constituição de uma teoria dos sentimentos. A compreensão da necessidade de
entender os sentimentos no interior de uma totalidade (a sociedade) e não
isoladamente, sua historicidade, sua especificidade, entre outros aspectos, são
elementos que podem ser perceptíveis através do método dialético e da análise
que ele proporciona sobre este fenômeno. Por isso o marxismo é a base adequada
para a elaboração de uma teoria dos sentimentos e é a fonte de inspiração das
teses aqui apresentadas e que necessitam ser desenvolvidas.
A importância de uma teoria dos
sentimentos é perceptível não apenas para a compreensão dos indivíduos, seu universo
psíquico e suas ações, mas também para entender as classes e grupos sociais e a
dinâmica social, incluindo as lutas de classes e os processos políticos em
geral. A compreensão da dinâmica da sociedade moderna é facilitada com a
compreensão dos sentimentos. A desconsideração desse elemento é, por exemplo,
um dos motivos da incompreensão do pseudomarxismo da ascensão do nazifascismo e
de sua ineficácia no combate a esse processo. O combate em relação à
manipulação dos sentimentos pelos detentores do poder (aparato estatal,
burocracia governamental, meios oligopolistas de comunicação, etc.) ou seus
aspirantes (partidos, indivíduos, etc.) requer uma reflexão mais profunda sobre
a dinâmica sentimental no interior da sociedade capitalista. Se os sentimentos
são expulsos do campo perceptivo da episteme burguesa ou são abordados de forma
reducionista, anistórica e antinômica, então é necessário superar esse processo
elaborando uma teoria que seja, simultaneamente, uma crítica das poucas
ideologias que abordaram a questão sentimental. Em síntese, é fundamental a
elaboração de uma teoria dos sentimentos tanto para o avanço da consciência
quanto para a luta pela libertação humana.
10.
A
luta por uma sociedade humanizada pressupõe uma transformação sentimental.
O processo de humanização gerou
os sentimentos simpáticos e possibilitou os sentimentos antipáticos. No
entanto, esse é um processo incompleto. A humanização possibilitou o
desenvolvimento da consciência e dos sentimentos, mas, ao mesmo tempo, com a
emergência das sociedades classistas, os limitou e impediu o seu
desenvolvimento pleno. O desenvolvimento da consciência é limitado pelo
imaginário (representações cotidianas ilusórias) e ideologias, além de outros
processos (como inacessibilidade ao processo de alfabetização, informações,
etc., dependendo da classe social, época, lugar, etc.).
A forma de sociedade mais
avançada tecnologicamente que existiu na história da humanidade, a capitalista,
não permitiu a todos os seres humanos o acesso às informações (e, mais ainda, à
informações verdadeiras), ao desenvolvimento mais amplo de sua consciência, à
satisfação de suas necessidades básicas (um bilhão de indivíduos passando fome,
01 a cada 07 pessoas do planeta, é mais do que suficiente para se perceber
isso) e muito menos de suas necessidades especificamente humanas (práxis e
socialidade, ou seja, autorrealização via trabalho teleológico e consciente e
relações sociais satisfatórias). O processo de humanização foi limitado e a
sociedade capitalista vem gerando um processo que pode gerar o seu retrocesso,
gerando uma nova época de barbarismo modernizado. É necessário lutar pelo
avanço do processo de humanização e por uma sociedade humanizada de forma
plena. A forma de sociedade que pode concretizar esse projeto e essa
necessidade é a sociedade autogerida.
A constituição de uma sociedade
autogerida, que consiga gerar a libertação humana, só pode ocorrer como uma
transformação total e radical das relações sociais. Isso significa a
necessidade de abolir o capitalismo (o que pressupõe abolição do capital, das
classes sociais, do mercado, do aparato estatal, etc.) e constituir relações
sociais radicalmente diferentes. A revolução proletária é uma revolução total,
que atinge o modo de produção, as formas sociais, a cultura, incluindo os
sentimentos.
No processo de luta pela
transformação social é necessário o desenvolvimento de sentimentos simpáticos,
mas no interior das classes desprivilegiadas e em relação àqueles que apoiam
tal transformação. Isso significa que os sentimentos simpáticos generalizados
devem ser controlados no interior das lutas de classes e mais ainda num momento
de guerra civil. Não é possível tratar o carrasco com amor. Não é através do
amor generalizado que se transforma a sociedade, pois existem interesses
antagônicos entre as classes fundamentais, interesses opostos no conjunto da sociedade,
valores antagônicos, desequilíbrios psíquicos, sentimentos antipáticos
arraigados entre outros processos, que impedem uma transformação com base na
racionalidade ou na sentimentalidade.
O sentimentalismo puro é um
obstáculo para a libertação humana[15], ou seja, para a
instituição de uma sociedade na qual as relações sociopsíquicas sejam
radicalmente diferentes e humanizadas. Isso é tão evidente que basta ver a
manipulação contemporânea dos sentimentos através do incentivo do
sentimentalismo ao lado da recusa da razão e da teoria para perceber que ele é
de interesse da classe dominante, pois permite uma maior manipulação. Esse é
outro obstáculo para o desenvolvimento integral do universo psíquico dos
indivíduos na sociedade capitalista: os interesses da classe dominante. O bloco
dominante (as forças conscientes e organizadas da classe capitalista e suas
classes auxiliares), bem como o bloco progressista (as forças conscientes e
organizadas das classes auxiliares que buscam se autonomizar e competir com a
classe dominante) buscam a todo o momento manipular as classes desprivilegiadas
para garantir o seu controle, o seu apoio, etc. No plano do sentimentalismo, a
comunicação é obstaculizada, pois quando os sentimentos são antipáticos, o que
resta é a guerra e a destruição e assim é possível canalizar os sentimentos
antipáticos em relação a inimigos imaginários e manter a exploração e
dominação. Sem a mediação da razão, quando se trata de sentimentos antipáticos,
a comunicação é substituída pela guerra e pela destruição. A reprodução disso
no interior do bloco revolucionário e das classes desprivilegiadas significa o
seu enfraquecimento e fortalecimento da classe dominante. Por conseguinte, o
desenvolvimento da consciência e o uso da razão é um elemento fundamental para
a libertação humana e é interesse do proletariado e dos seus aliados, enquanto
que é algo que não pode ser desenvolvido livremente para a perspectiva da classe
capitalista, o que gera as suas formas de controle da produção cultural.
Da mesma forma, não se deve
incentivar sentimentos antipáticos generalizados, pois o objetivo da revolução
autogestionária é a emancipação humana via transformação das relações sociais e
não destruição de indivíduos. Se o objetivo é abolir a classe capitalista, isso
deve ser entendido como abolição de uma classe social, que existe a partir de
determinadas relações sociais, e não dos indivíduos concretos que compõem tal
classe. Sem dúvida, a transformação social sofrerá oposição, inclusive armada,
de indivíduos dessa e de outras classes, e num embate muitos perecerão. A
abolição da produção de mais-valor e do trabalho assalariado significa a
abolição do proletariado (e dos demais assalariados) e da burguesia, pois essas
classes só existem em sua relação. Porém, indivíduos dessa classe poderão
passar para o lado da transformação radical e por isso não precisam ser punidos
por causa do seu passado. Como a classe dominante foi a responsável pela
miséria de milhões, pela exploração, dominação, morte, etc., direta (em alguns
casos) ou indiretamente, então é previsível que num momento de revolução social
muitos indivíduos possuirão sentimentos antipáticos em relação a esta classe (e
também em relação às suas classes auxiliares, especialmente a burocracia, sua
fiel servidora). E num contexto de guerra civil, isso tende a se intensificar, inclusive
pela violência física que tende a ser desencadeada. No entanto, é preciso
distinguir entre indivíduo e classe. Os sentimentos antipáticos em relação à
classe capitalista e suas classes auxiliares é inevitável, mas é preciso
entender que não se trata de destruir indivíduos e sim relações sociais.
Outro motivo para não incentivar
sentimentos antipáticos generalizados é a existência de milhares de pessoas com
fortes desequilíbrios psíquicos[16] e revoltados, que podem
tornar a destruição o foco de suas práticas e isso prejudicar o próprio
processo revolucionário (divisões internas derivadas de atrocidades e outras
formas de violência, precipitações por excesso de sentimentalismo em detrimento
de reflexão sobre os acontecimentos e indivíduos, etc.). Assim, não há como
evitar a existências de sentimentos antipáticos, mas é possível evitar sua
generalização e buscar através do desenvolvimento consciente coordená-los para
que não sejam obstáculos para a constituição da sociedade autogerida. Esse
processo permite autorreflexão sobre os seus próprios sentimentos, no caso dos
indivíduos, e dos grupos e da coletividade, no caso da sociedade. Esse processo
já é uma transformação sentimental – pois ela deixa de ser dissociada da
racionalidade e dos valores axionômicos, se tornando mais autoconsciente. É
também um elemento da revolução proletária, pois como revolução social, ou seja,
total, gera uma transformação cultural e sentimental.
Assim, a revolução proletária é,
simultaneamente, uma revolução sentimental. Com o fim da pré-história da humanidade,
também chega ao fim a pré-história dos sentimentos humanos. A história da humanidade
passa a ser controlada pela própria humanidade ao invés da reprodução de relações
sociais automatizadas, como o domínio do capital. E isso pressupõe um alto grau
de desenvolvimento da consciência da realidade, incluindo a realidade sentimental.
Notas
[1] Seja por necessidade
própria do universo psíquico humano, que busca uma explicação para o mundo,
seja para atingir determinados objetivos (sobrevivência, autorrealização,
realização de interesses, desejos socialmente produzidos, etc.) e direcionar
sua ação sobre o mundo.
[2] Cada uma dessas concepções
está ligada a determinados sentimentos. Não se trata de uma relação automática,
mas é uma tendência de unicidade entre determinados sentimentos e determinadas
ideias, mas que as informações, grau de reflexão, etc. interferem na constituição
da representação produzida. Por exemplo, a concepção de que o mendigo pertence
ao lumpemproletariado tende a ser acompanhada de compaixão, por parte do
marxismo autêntico, e nem sempre no caso do pseudomarxismo (que inclusive vê o
lumpemproletariado preconceituosamente); a percepção de que o mendigo é um
preguiçoso que só traz despesa é a posição dos liberais conservantistas, que
culpabilizam os indivíduos e demonstram apatia em relação ao dilema humano
deste indivíduo; a ideia de que o mendigo é um fenômeno universal geralmente
está ligado a um certo sentimento de culpa e a busca de reprimir a consciência
disso, criando o mecanismo de defesa da razoabilização.
[3] Uma pessoa pode gostar
muito de cães e ao encontrar um na rua, pode querer acariciá-lo, mas este, pode
estar com raiva ou ser hostil por diversos motivos. O mesmo vale para o chamado
“amor não correspondido”. Apenas um da relação demonstra sentimento simpático,
pois o outro pode ser indiferente ou possuir (no caso de outro ser humano) um sentimento
antipático. A questão dos animais será abordada na próxima tese.
[4] Uma pessoa pode simpatizar
com outra e até querer ajudá-la ou se aproximar dela, mas a outra pode odiá-la.
A primeira pessoa não sabe ou não entende isso, pois não fez nada diretamente
contra a outra pessoa. O ódio do outro pode ser provocado por outros
sentimentos (inveja, ciúme, medo, etc.) ou por determinadas relações sociais
(relações de poder ou generalização afetiva, mal-entendidos, conflitos de
interesses, relação sentimental em relação ao grupo social que o outro
pertence, etc.).
[5] Uma pessoa simpática é uma
pessoa que expressa sentimentos simpáticos e uma pessoa antipática, obviamente,
é uma pessoa que expressa sentimentos antipáticos. No entanto, não existe
pessoa apenas simpática ou apenas antipática, pois todos os seres humanos
possuem potencialmente tais sentimentos e, na sociedade capitalista,
inevitavelmente, manifestam ambos. Uma pessoa considerada simpática é
geralmente aquela que tem maior civilidade, calma e modo de comportamento
amistoso, o que pode ocorrer até em relação a pessoas com as quais não se
simpatiza. Aqui temos uma simpatia convencional que pode ser o ethos (modo de ser) de um indivíduo,
sendo distinto do que estamos analisando aqui, embora relacionado (se a pessoa
for sincera, está relacionado no sentido da coerência entre sentimentos reais e
convencionalidade, se for falsa, a relação é apenas aparente, pois são outros
sentimentos, valores e concepções que geram a convencionalidade). Uma pessoa
considerada antipática é geralmente aquela que tem maior agressividade, é mais
desagradável, etc. Essa caracterização dos indivíduos tem relação com a forma
que o indivíduo se comporta e expressa seus sentimentos e seu impacto psíquico
sobre os outros.
[6] Não às classes sociais ou
determinados grupos, mas aos indivíduos reais, independente do grupo do qual
fazem parte, pois são seres humanos. As exceções são aqueles excessivamente
destruídos psiquicamente e dominados por sentimentos antipáticos, o que gera,
por conseguinte, uma antipatia recíproca. Esse é um dos sentidos atribuídos ao
termo quando alguém afirma que uma pessoa é antipática, ou seja, ela executa
ações que expressam, predominantemente, sentimentos antipáticos. Uma pessoa
considerada antipática é geralmente aquela que tem maior incivilidade,
agressividade e modo de comportamento belicoso, o que pode ocorre de forma
generalizada, até mesmo em relação às pessoas com as quais ela simpatiza. É o
mesmo caso da pessoa simpática, mas nesse caso não se trata de convencionalidade
e sim uma certa personalidade ou, no caso da pessoa antipática, certo
desequilíbrio psíquico (de forma mais amena, na neurose, por exemplo) que pode
ser o ethos de determinado indivíduo.
[7] O ódio, assim como todo
sentimento, é duradouro e enraizado na mente dos indivíduos e não é removido
facilmente. Mas ele não é irremovível. Ele pode ser removido e por vários
motivos dependendo dos casos concretos (o tempo, a mudança na relação entre os
indivíduos, informações que mudam a percepção da pessoa odiada, a atração
sexual, o deslocamento do ódio para outro indivíduo ou grupo social, etc.).
Isso também ocorre com os demais sentimentos, inclusive o amor, cada um com
suas determinações, especificidades e com suas diferenças em casos concretos.
[8] Para uma diferenciação
entre processos psíquicos simples e processos psíquicos complexos, veja a nossa
obra “Cérebro e Ideologia”.
[9] Isso apenas mostra que as
relações entre os sexos são muito mais complexas do que as ideologias
contemporâneas (tal como a que se fundamenta na ideia de “gênero”) imaginam.
Além do processo histórico e social mais amplo que gera mutações sociais (tal
como a separação entre unidade de produção e unidade de consumo), há as
consequências culturais, políticas e psíquicas desse processo, indo muito além
do reducionismo da chamada “relações de gênero”. Obviamente essas ideologias
são constituídas socialmente e tendo por base mudanças sociais e culturais, bem
como sociopsíquicas, que, aliados a idiossincrasias e casos concretos (o que
pode gerar “generalização afetiva”, especialmente a partir de determinada
relação concreta com o pai), geram um crescimento de sentimentos antipáticos
por parte de muitas mulheres em relação aos homens. E isso, por sua vez, pode
gerar reciprocidade e mais motivo para a antipatia numa espiral crescente de
irracionalidade e fortalecimento da simplória ideia de “guerra dos sexos”.
[10] É uma das formas de amor,
um sentimento simpático que, nesse caso, é direcionado para a humanidade como
um todo e que tem sua expressão consciente no humanismo, sob as variadas formas
que esse assume.
[11] Para aprofundar a questão
dos valores, sugerimos a leitura de nossa obra “Os Valores na Sociedade Moderna”.
[12] Obviamente que isso não
vale para todos os casos concretos, pois no interior do bloco revolucionário
existem casos concretos de pessoas destruídas psiquicamente, pessoas revoltadas
ou simplesmente rebeldes, que não se encaixam no caso acima. No caso dos
indivíduos revoltados, são os sentimentos antipáticos que os guiam, especialmente
o ódio. E isso ajuda a explicar um dos motivos pelos quais certos indivíduos
fazem apologia da violência.
[13] Uma pessoa que ama outra
e por isso a sufoca (possessividade, por exemplo), acaba gerando problemas
nessa relação e para a pessoa amada, assim como o humanista generalista ao amar
a humanidade e não fazer distinções concretas existentes, apela para ações e
soluções que são, no fundo, obstáculos para a emancipação humana.
[14] E, secundariamente, o
fascismo.
[15]
Sentimentos sem razão assim como razão sem sentimentos produzem monstruosidades.
A razão sem sentimentos gera o calculismo, a frieza, a coisificação. Os sentimentos
sem razão na melhor das hipóteses, quando é predominantemente simpática, gera um
sentimentalismo que pode ser ingênuo e prejudicial, e, na pior das hipóteses, gera
agressividade e destrutividade.
[16] Na sociedade capitalista
não existe indivíduos sem desequilíbrios psíquicos. No entanto, eles variam em
quantidade e intensidade em indivíduos diferentes (e mesmo num caso individual se
altera, de acordo com seu processo histórico de vida). Assim, a expressão
“fortes desequilíbrios psíquicos” se refere aos casos mais graves, que, por sua
vez, geram um maior grau de agressividade e violência, no qual a sombra
(energias psíquicas destrutivas) é predominante em determinados indivíduos. Uma
análise da sombra pode ser vista na nossa obra “Inconsciente Coletivo e Materialismo Histórico”.
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