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sábado, 3 de fevereiro de 2018

INDIVIDUALISMO E HOLISMO NA METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


INDIVIDUALISMO E HOLISMO
NA METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Nildo Viana*

As ciências sociais, no decorrer de sua história, se viu dividida em dois princípios metodológicos que se opõem e disputam o predomínio nas universidades, publicações e institutos de pesquisa. Estes dois princípios metodológicos são o holismo e o individualismo. O nosso objetivo, no presente trabalho, é apresentar uma visão crítica e breve destes dois princípios metodológicos e por fim observar a existência de uma alternativa à eles.
Por isso, este trabalho será dividido em três partes: na primeira, será apresentado o holismo metodológico com suas principais variantes nas ciências sociais e procedimentos metodológicos; na segunda, será apresentado, da mesma forma, o individualismo metodológico; na terceira e última, será realizada uma análise crítica destes dois princípios tendo como referencial a teoria marxista da sociedade.
A escolha entre os diversos autores e representantes de cada concepção levou em consideração  o critério da importância para a história das ciências sociais, buscando, dentro do possível, abordar o maior número de autores em cada concepção. Sem dúvida, alguns pensadores importantes, segundo o critério acima colocado, foram omitidos e outros foram abordados de forma extremamente resumida, mas não poderia ser de outra forma, levando-se em consideração a quantidade elevada de autores e os limites do presente trabalho.
Cabe observar que no presente estudo nos limitaremos a analisar o holismo e o individualismo apenas no âmbito das ciências sociais. Isto significa, entre outras coisas, que as abordagens holistas e individualistas existentes na filosofia e nas ciências naturais serão deixadas de lado, pois sua extensão foge aos limites impostos a este trabalho, embora, por vezes, possa aparecer aqui e ali alguma referência à filosofia e às ciências naturais.
O HOLISMO METODOLÓGICO
O nascimento da sociologia ocorreu concomitantemente com o surgimento do holismo metodológico. A sociologia ganhou o seu nível mais elevado de sistematização e de cientificidade a partir da obra de Émile Durkheim, As Regras do Método Sociológico. Sem dúvida, antes de Durkheim havia uma “sociologia em estado embrionário” nas obras de Saint-Simon, Comte, Tarde, Spencer, entre outros, mas é com ele que a sociologia torna-se sistemática e científica. Também antes dele já existia um “holismo metodológico embrionário”, tais como o de Comte e Spencer[1], em muitos pensadores sociais, bem como em filósofos e cientistas naturais, mas é com Durkheim que ele é sistematizado e ganha forma de uma metodologia sociológica.
O termo fundamental utilizado por Durkheim que deixa explícito o seu holismo metodológico é o de fato social. Para Durkheim, os fatos sociais são coisas exteriores que exercem coerção sobre os indivíduos[2]. Tal como colocou Anthony Giddens: “os fatos sociais são externos em relação aos indivíduos e exercem coerção sobre eles. Em As Regras, prosseguindo no tema do caráter naturalístico da sociologia, Durkheim sugeriu que essas características do fato social correspondem à externalidade do mundo físico e às coerções ou resistências que ele oferece aos nossos atos - posição da qual mais tarde se afastou em parte. Cada indivíduo nasce numa sociedade já organizada e que por isso lhe modela o desenvolvimento pessoal: uma sociedade pode ter uma organização estável, em aspectos discerníveis, no correr de vários séculos, enquanto gerações de indivíduos vivem suas vidas e morrem. Um indivíduo, portanto, é apenas um elemento de uma totalidade, uma unidade de um sistema muito maior. As propriedades da totalidade não de deduzem das propriedades dos indivíduos que se combinam para formá-la. Durkheim procurou mostrar que o princípio envolvido nisso pode ser iluminado por analogia com a combinação de entidades químicas. As propriedades do hidrogênio e do oxigênio, consideradas isoladamente, são muito diferentes das propriedades que surgem quando eles se combinam para formar a água”[3].
Assim se vê em Durkheim uma oposição entre indivíduo e sociedade, em que há a primazia da sociedade sobre o indivíduo. Aqui se encontra uma concepção de sociedade que tem uma importante conseqüência para sua estruturação do método sociológico. A idéia de que a sociedade molda o indivíduo é referente à realidade social, ou seja, ela se refere a uma determinada concepção de sociedade ou de relação entre indivíduo e sociedade. Esta concepção de sociedade possui ressonâncias sobre a estruturação durkheimiana do método sociológico.
Desta forma, ao considerar o papel proeminente da sociedade em relação ao indivíduo, ao postular esta determinada concepção da realidade social, Durkheim deveria, naturalmente, transferir esta concepção para o núcleo do seu método sociológico. Sem dúvida, podemos dizer que foi isto que ocorreu.
O método sociológico de Durkheim se estruturou como um holismo metodológico. Para Durkheim, se a sociologia quiser o status de ciência, cujo modelo é o das ciências naturais, deverá retratar os fatos sociais como eles são. Como eles são? Eles são predominantes sobre os indivíduos, são coercitivos e objetivos. As representações coletivas (o exemplo mais utilizado por Durkheim é o da religião) e a educação são fatos sociais, sendo, portanto, predominantes sobre os indivíduos, exercendo coerção sobre eles[4].
Se a realidade dos fatos sociais demonstra que eles estão acima dos indivíduos e exerce coerção sobre eles, então o método sociológico deve tomar isto como o seu princípio metodológico básico. O objeto do conhecimento, assim concebido, fornece a base empírica que fundamenta o método sociológico. Esta “base empírica” fundamenta o método sociológico se transforma em um modelo a ser utilizado pelo sujeito do conhecimento como instrumento para compreender a realidade social. É por isso que o sociólogo deve tratar os fatos sociais como coisas.
Cabe ao sociólogo superar as pré-noções e os preconceitos e apreender a realidade de forma objetiva. Isto significa que o sociólogo deve reconhecer o caráter objetivo e coercitivo dos fatos sociais, ou em outras palavras, que o todo (a sociedade) predomina sobre as partes (os indivíduos).
Como se compreende, neste contexto, as ações individuais? Como sendo determinadas socialmente, pois os padrões morais impostos pela sociedade são mobilizadores. O ser humano tem, segundo Durkheim, uma dupla natureza: uma individual e outra social. A primeira manifesta o seu lado egoísta que é superado pelo processo de socialização ao qual o indivíduo é submetido desde sua infância.
Tal como colocou Durkheim,  ”toda educação consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras de ver, de sentir e de agir às quais elas não chegariam espontaneamente, - observação que salta aos olhos todas as vezes que os fatos são encarados tais quais são e tais quais sempre foram. (...). Se, com o tempo, esta coerção deixa de ser sentida, é porque pouco a pouco dá lugar a hábitos, a tendências internas que a tornam inútil, mas que não a substituem senão porque dela derivam”[5].
Por conseguinte, o holismo metodológico de Durkheim remete ao estudo da totalidade da sociedade. As ações individuais existem mas são consideradas como sendo produzidas socialmente. É por isso que o método sociológico de Durkheim preconiza o estudo dos fatos sociais como coisas objetivas, exteriores e coercitivas.
A obra de Durkheim exerceu e continua exercendo uma grande influência sobre a sociologia e a metodologia das ciências sociais. Além da sua influência sobre a corrente funcionalista, da qual foi o primeiro representante, também influenciou outras correntes e pensadores, tal como o seu sobrinho Marcel Mauss. Este retoma de Durkheim o termo fato social e o altera inserindo-o no interior de sua concepção que se diferencia da de Durkheim em alguns aspectos.
M. Mauss se refere a fato social total: “os fatos que estudamos são todos, permita-se-nos a expressão, fatos sociais totais ou, se se quiser (...) gerais: quer dizer que eles põem em movimento, em certos casos, a totalidade da sociedade e das suas instituições (...) e noutros casos, apenas um enorme (muito grande) número de instituições em particular quando estas trocas e contratos dizem respeito antes de mais a indivíduos”. Mauss coloca enfaticamente que “o princípio e o fim da sociologia é perceber o grupo inteiro e todo o seu comportamento”[6]
Este holismo metodológico não é menos enfático do o de Durkheim no que se refere à relação entre indivíduo e sociedade, pois esta última impõe até mesmo técnicas corporais àquele e a recusa do indivíduo em acatar as regras sociais tem efeitos até sobre sua saúde mental[7].
Após Durkheim, o holismo metodológico também foi sistematizado pela abordagem funcionalista em antropologia. Embora Durkheim seja considerado o fundador do método funcionalista por muitos, o certo é que com Bronislaw Malinowski e A. R. Radcliffe-Brown que ele se torna um método sistemático e o termo função ganha um papel de primeira ordem. Posteriormente, esta abordagem exerceria uma influência considerável na sociologia.
Para Malinowski, a cultura (termo antropológico que é equivalente ao termo de sociedade em sociologia) é uma totalidade integrada, ou seja, um todo orgânico. Este “todo orgânico” possui um fim em si mesmo. Na sua clássica análise do Kula, ele afirma que o “Kula não se realiza sobre a pressão de quaisquer necessidades, visto que seu objetivo principal é o de permuta de artigos que não têm nenhuma utilidade prática”[8]. Como não existe “pressão exterior” e o objetivo do Kula é a permuta de artigos e ele é esta própria permuta, então ele tem como finalidade a sua própria reprodução.
Nesta concepção, a cultura é um todo que funciona, tal como um organismo. Sendo assim, tudo que é parte integrante da totalidade integrada tem uma função. Esta função, por sua vez, tem como finalidade a reprodução do todo. Malinowski diz que: “definindo o Kula como a atividade primária e mais importante, e as demais como secundárias, quero fazer ver que essa prioridade está implícita nas próprias instituições. Ao estudar o comportamento dos nativos e todos os costumes em questão, vemos que o Kula constitui, sob todos os aspectos, o objetivo principal: as datas são fixadas, as atividades preliminares estabelecidas, as expedições organizadas, a organização social determinada, não em função do comércio, mas sim em função do Kula. A grande festa cerimonial ao iniciar-se uma expedição, refere-se ao Kula; a cerimonia final da avaliação e contagem dos espólios refere-se ao Kula e não aos objetos obtidos pelo comércio. Finalmente, a magia, que constitui um dos principais elementos de todo esse processo, refere-se exclusivamente ao Kula e isto se abriga até mesmo ao conjunto de mágicas com que se encantam as canoas. Alguns dos rituais mágicos do ciclo são executados tendo por objetivo as próprias canoas; outros tem por objetivo o Kula. A construção de canoas está em conexão direta com uma expedição do Kula[9].
Desta forma, a relação entre indivíduo e cultura (sociedade) é marcada por uma relação de subordinação. O indivíduo está subordinado à sociedade. Esta é uma totalidade orgânica que tem a finalidade de se reproduzir e os indivíduos são os agentes determinados desta finalidade. A realidade social confirma o método funcionalista e holista.
A escola funcionalista em antropologia foi desenvolvida por outro pesquisador que assumiu grande importância na história desta disciplina científica.  Trata-se de A. R. Radcliffe-Brown. Ele define sua concepção de vida social comparando-a com a vida orgânica e assim define o significado dos termos “totalidade” e “função”: “a vida de um organismo concebe-se como sendo o funcionamento da sua estrutura. É através de e por meio da continuidade desse funcionamento que esta continuidade de estrutura se mantém. Se considerarmos uma parte qualquer recorrente do processo vital, como por exemplo a respiração, a digestão, etc., a sua função é o seu papel, ou seja, a sua contribuição para a vida do organismo na sua totalidade”[10].
Assim, observamos que o holismo metodológico de Radcliffe-Brown é idêntico ao de Malinowski, apesar de algumas diferenças de pormenor. A sociedade é uma totalidade. As partes componentes desta totalidade possuem como função realizar a sua reprodução. Portanto, o holismo metodológico de Durkheim se desenvolveu e se tornou mais sistemático com as obras de Mauss, Malinowski e Radcliffe-Brown. Ocorre, porém, que uma nova forma de holismo metodológico veio a surgir e ocupar grande parte do espaço antes ocupado pela abordagem funcionalista: o estruturalismo.
O método estrutural surge na lingüística através da obra de Ferdinand de Saussure. Este cria, com sua lingüística estrutural, as distinções entre língua e fala, sincronia e diacronia. O método estrutural focaliza os elementos invariantes e permanentes da linguagem, ou seja, sua estrutura. Claude Lévi-Strauss buscou transferir o método estrutural da lingüística para a etnologia. Além da lingüística estrutural de Saussure, a fonologia de Trubetzkoy lhe proporcionou muitos elementos metodológicos que ele incluiria em sua antropologia estrutural, que seria uma nova forma de holismo metodológico[11].
O método estruturalista de Lévi-Strauss se fundamenta sob o pressuposto da existência de estruturas inconscientes. Entretanto, o termo inconsciente, aqui, não possui o mesmo significado que se encontra na psicanálise freudiana, embora apresente elementos comuns com a psicanálise estruturalista de Jacques Lacan, segundo a qual “o inconsciente é a linguagem”[12].
Para Lévi-Strauss, a atividade inconsciente do espírito, ou o espírito humano invariante, se caracteriza por impor formas a um conteúdo. Essa formas são as mesmas para todos os espíritos  e isto torna possível atingir a estrutura inconsciente que está na base de todas as instituições. Isto quer dizer, entre outras coisas, que as estruturas inconscientes são invariantes e universais.
Segundo Jean Piaget, “antes de mais nada, é preciso constatar que se, nessa perspectiva, tudo é ‘estruturável’, as ‘estruturas’ não corresponderão, entretanto, senão a certas ‘formas de formas’ entre outras, obedecendo aos critérios limitativos, porém especialmente compreensivos, de constituir totalidades possuindo suas leis enquanto sistemas, de exigir que essas leis se estribem em transformações e, sobretudo, de assegurar à estrutura sua autonomia e sua auto-regulação”[13].
O método estrutural busca explicar a totalidade do sistema e considera toda estrutura como um feixe de relações, que são relações de oposição, em especial de opositores binárias que revelam o seu caráter de complementaridade[14].
Qual é o espaço reservado ao indivíduo nesta abordagem? Sem dúvida, a característica mais polêmica do estruturalismo se encontra na sua tentativa de diluir o homem nas estruturas. Tal como afirmou Lévi-Strauss: “o objetivo último das ciências humanas não é constituir o homem, é dissolvê-lo”[15]. O indivíduo é abolido no método estruturalista e em seu lugar emerge um holismo metodológico sui generis, o das estruturas simbólicas.
Michel Foucault utiliza uma perspectiva semelhante. Em seu estudo As Palavras e As Coisas, ele toma como objeto de estudo o que ele chama de “disposições epistemológicas” e não os seres humanos históricos-concretos[16]. A ausência do ser humano no objeto do conhecimento torna possível sua “ausência” no sujeito do conhecimento. Este simplesmente deixa de existir. O indivíduo é abolido no objeto do conhecimento e desta forma torna-se possível declarar a “abolição do homem”. Isto é uma conseqüência lógica da análise foucaultiana, pois, se as “disposições epistemológicas” dominam cada época histórica, então a percepção de que as disposições epistemológicas desempenham este papel é produto de uma nova disposição epistemológica que passa a dominar a época atual e não de um sujeito do conhecimento que realiza descobertas sobre a realidade.
O que diferencia este holismo metodológico dos anteriores? Podemos distinguir estas duas formas de holismo metodológico qualificando, para utilizar linguagem filosófica tradicional, um como “materialismo mecanicista” (Durkheim e o funcionalismo) e o outro como “idealismo objetivo” (Lévi-Strauss e o estruturalismo). Ocorre, porém, que estas distinções não esclarecem a questão da real diferença entre estas duas formas de holismo metodológico.
O que realmente diferencia estas duas abordagens holistas é a concepção de totalidade que se encontra por detrás de cada uma delas. A abordagem durkheimiana e funcionalista compreende a totalidade como um “todo orgânico”, que, sem dúvida, possui partes, mas que é mais do que a simples soma das partes. É uma totalidade orgânica e esta analogia entre totalidade e organismo permite considerar a primeira como sendo algo que possui a finalidade de se reproduzir, ou seja, como algo que possui vida própria e acima das suas partes componentes. Em resumo, é uma concepção nitidamente metafísica que se fundamenta numa analogia entre o mundo social e o organismo subsumindo o primeiro ao segundo.
A abordagem estruturalista compreende a totalidade como um “todo estruturado de forma hierárquica” cujo centro hierárquico reside no mundo simbólico (ou no mundo das idéias ou da linguagem). Esta abordagem, que também não deixa de ser metafísica, pois cria uma autonomização do simbólico em detrimento do real, se fundamenta numa analogia entre linguagem e sociedade e esta última passa a ser vista como uma “linguagem secundária”, ou seja, nesta abordagem realiza-se a subsunção da sociedade à linguagem.
Entretanto, existe duas coisas comuns à ambas as abordagens: elas são holistas e utilizam como procedimento metodológico a analogia, em que a sociedade é considerada análoga ao organismo ou à linguagem, o que significa que um e outro se tornam modelos aos quais a sociedade é subsumida. O indivíduo, aqui, surge como uma figura apagada, sem poder explicativo e, por conseguinte, valor metodológico. Entretanto, o indivíduo seria recuperado por um outro tipo de abordagem: o individualismo metodológico.
O INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO
O individualismo metodológico também nasce simultaneamente com a ciência econômica. Adam Smith, com o seu elogio da divisão social do trabalho, ao instaurar uma coincidência entre interesse individual e interesse geral, marca o nascimento do individualismo metodológico nas ciências sociais[17].
Para Adam Smith, o interesse geral é a soma dos interesses individuais e o indivíduo perseguindo os seus fins egoístas e racionais acaba por servir ao bem estar geral da população. Este “dado da realidade” torna-se um instrumento metodológico que permite compreender esta mesma realidade. Embora Adam Smith não tenha criado uma metodologia científica de forma sistemática e sob estes pressupostos, isto é verificável em seu procedimento analítico e será o ponto de partida para a elaboração do individualismo metodológico feito posteriormente de forma sistematizada. Se o mercado baseado nas ações individuais coloca em funcionamento a economia nacional, então torna-se desnecessário qualquer regulação estatal desta. A análise, por conseguinte, deve centralizar-se sobre as ações individuais que ocorrem na esfera do mercado, que não passa de uma soma das ações individuais.
A chamada economia neoclássica ou marginalista retomaria e aprofundaria tais posições num sentido mais metodológico, privilegiando a “psicologia do consumidor” como elemento explicativo da procura de produtos e serviço e os “elementos qualitativos da atividade econômica”. Em contraposição à teoria marxista do valor-trabalho, segundo a qual o valor de uma mercadoria é determinada pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, ou seja, pelo trabalho abstrato, que remete a categoria de totalidade, apresenta a teoria do valor-utilidade, segundo a qual o valor de uma mercadoria é determinado pela utilidade que ela possui para o comprador, o que nos leva ao jogo da oferta e da procura na esfera do mercado, e a análise se desloca para o indivíduo e sua “subjetividade”[18]. Segundo S. Latouche, “a análise neoclássica parte das preferências do consumidor, isto é, do universo subjetivo das avaliações individuais. É a procura que determina o preço (...)”[19].
Essas abordagens individualistas logo passaram do domínio da economia política para o domínio da sociologia. Georg Simmel seria um dos primeiros representantes do individualismo metodológico em sociologia. Para ele, “a sociedade existe onde quer que vários indivíduos entram em interação”[20].  Entretanto, é com Max Weber que o individualismo metodológico passa a exercer uma forte influência sobre o pensamento sociológico e ganha um nível de sistematicidade mais elevado.
Se em Durkheim a sociologia é a ciência dos fatos sociais, em Weber ela é a ciência da ação social. Isto deixa entrever que o termo fundamental da sociologia weberiana é o de ação social. E o que vem a ser ação social? Para Weber é “uma ação na qual o sentido sugerido pelo sujeito ou sujeitos refere-se ao comportamento de outros e se orienta nela no que diz respeito ao seu desenvolvimento”[21].
Deixando de lado, por enquanto, a tipologia weberiana de ação social, o que interessa ressaltar é que uma ação social é portadora de um sentido para o sujeito que a executa. Aqui, segundo nosso ponto de vista, estão presentes o dois termos que permitem compreender o individualismo metodológico de Max Weber: sujeito e sentido.
Este “sujeito” só pode ser o indivíduo. Segundo Weber, “se agora sou sociólogo então é para pôr um fim nesse negócio de trabalhar com conceitos coletivos. Em outras palavras, também a sociologia somente pode ser implementada tomando-se como ponto de partida a ação do indivíduo ou de um número maior ou menor de indivíduos, portanto de modo estritamente individualista quanto ao método”[22].
E o sentido da ação social? Este varia de acordo com o tipo de ação social executada pelo sujeito. Segundo Weber, a ação social pode ser orientada pela afetividade, pela tradição, por uma racionalidade orientada com relação a valores ou por uma racionalidade orientada em relação a fins. Independentemente do tipo de sentido que orienta a ação social, podemos dizer que trata-se de um sentido subjetivo. Este sentido, por sua vez, é fornecido pelo indivíduo que executa a ação e este é, portanto, o fundamento do individualismo metodológico de Weber.
Outro representante do individualismo metodológico em sociologia é Vilfredo Pareto. Para este autor, a ação social pode ser fruto de uma conduta lógica ou de uma conduta não-lógica, sendo que só esta última é relevante para a pesquisa sociológica. A conduta não-lógica do indivíduo é comandada pelo que Pareto chama de resíduos ou então por interesses (que, no entanto, não passam de tipos particulares de resíduos). O que são resíduos? Eles “são modificações e refinamentos do instinto, formados pela experiência; assim, a sexualidade é um instinto, mas as proibições do incesto e o ascetismo sexual são resíduos”[23]. As ações sociais, como condutas não-lógicas, são predominantes e são dirigidas por sentimentos, interesses e/ou resíduos. Estas ações são executadas, obviamente, por indivíduos.
Nas ciências sociais contemporâneas, o individualismo metodológico ressurge não só através da metodologia weberiana mas também a partir de novas correntes de pensamento. Entre estas correntes, se destacam: de um lado, a chamada “pós-modernidade”, tal como proposta, entre outros representantes, por Michel Maffesoli[24]; de outro, pela etnometodologia[25] e pelo “marxismo analítico”.
É interessante ressaltar a relação do chamado “marxismo analítico” como o individualismo metodológico, já que Marx não foi incluído como um representante do holismo metodológico e nem do individualismo. A posição de Marx, ao nosso ver, tal como procuraremos demonstrar adiante, é oposta tanto ao individualismo quanto ao holismo. Porém, alguns auto-intitulados “marxistas” defendem com afinco o individualismo metodológico (assim como outros defendem o holismo, embora não explicitamente).
O chamado “marxismo analítico” ou “marxismo de escolha racional” buscam “reformular” a teoria marxista com a adoção do individualismo metodológico[26]. Embora alguns representantes desta corrente façam algumas ressalvas ao individualismo, este é sem dúvida o traço distintivo desta forma de “marxismo”. Os “marxistas analíticos” questionam três aspectos da teoria marxista clássica e consideram que somente a substituição destes aspectos pela contribuição de elementos da filosofia analítica e da ciência social positivista poderão salvá-lo.
Quais são estes três aspectos? São o holismo metodológico, a explicação funcional e a dedução dialética. Deixaremos de lado estes aspectos por três motivos: em primeiro lugar, tais aspectos, ao nosso ver, não estão presentes no marxismo original (Marx) e sim em algumas correntes pretensamente marxistas; em segundo lugar, eles podem ser resumidos a um só termo: holismo metodológico, ao qual o individualismo busca refutar e substituir, sendo isto será tratado mais adiante; em terceiro lugar, por não ser relevante de acordo com os objetivos aqui propostos.
Jon Elster, um dos principais representantes desta corrente (que inclui também Adam Przeworski, Roemer, G. Cohen, entre outros), define o individualismo metodológico como sendo “a posição segundo a qual todas as instituições, padrões de comportamento e processos sociais só podem ser em princípio explicados em termos de indivíduos: suas ações, propriedades e relações. É um forma de reducionismo, o que quer dizer que nos leva a explicar fenômenos complexos em termos de seus componentes mais simples”[27].
Desta forma, torna-se necessário, então, fornecer micro-fundamentos que complementem a teoria marxista. Estes micro-fundamentos são as ações individuais motivadas por escolhas racionais. Tais escolhas significam que se escolhe a melhor ação dentro de um conjunto de alternativas viáveis.
Portanto, o individualismo metodológico invade também o campo marxista. Ele defende que a análise da ação individual é fundamental para explicar a relação entre indivíduo e sociedade. Isto porque os adeptos desta concepção consideram que é o indivíduo em relação com os demais indivíduos que dão vida e forma à sociedade. Instaura-se, assim, a primazia do indivíduo sobre a sociedade. Estamos, aqui, no extremo oposto do holismo metodológico.
O objeto do conhecimento deixa de ser o “todo metafísico” do holismo metodológico e passa a ser as suas partes constituintes, que são os indivíduos. Se na concepção de sociedade se sustenta que esta se caracteriza pela soma das ações individuais, então isto deve ser integrado no plano metodológico através da adoção de uma postura individualista. Aliás, a idéia de soma possui uma presença constante neste tipo de abordagem quando se refere à sociedade.
O sujeito do conhecimento, por sua vez, também não deve se submeter a nenhuma concepção “holista”, “coletiva” ou “abstrata” que sirva de mediação entre ele e o seu objeto. Daí a vocação empiricista do individualismo metodológico. Existe uma negação de qualquer tentativa de generalização mais ampla, pois não se pode fugir do caráter não generalizador da realidade social vista sob uma perspectiva individualista.
Esta metodologia, entretanto, está longe de ser unitária. Afinal de contas, figuras tão diferentes como Weber, Pareto, A. Smith, K. Popper, J. Elster, Maffesoli, Garfinkel, Simmel, entre outros, não poderiam defender exatamente o mesmo ponto de vista. Assim como existe mais de um holismo metodológico, também existe diferenças internas no interior do individualismo metodológico.
Qual é esta diferença? Se a grande diferença no interior do holismo metodológico se encontra no seu termo fundamental, que é o de totalidade, então a grande diferença no interior do individualismo metodológico deve se encontra, também, no seu termo fundamental, que é o de indivíduo.
Para alguns adeptos do individualismo metodológico, o indivíduo é um ser racional. As motivações dos indivíduos são racionais, bem como sua conduta. O indivíduo se move e age de acordo com o que lhe é vantajoso e benéfico e esta ação é produto de um planejamento racional do indivíduo. Esta é a posição de A. Smith, da economia neoclássica e do chamado “marxismo analítico”.
Para outros adeptos do individualismo metodológico, o indivíduo é um ser passional ou irracional. Embora este último termo possa parecer muito forte, é o único que pode unir perspectivas diferentes, tais como a de Weber, Simmel, Maffesoli, Pareto. O indivíduo, neste caso, teria suas ações motivadas por elementos “não-lógicos” (Pareto, Simmel, Maffesoli) ou por elementos “valorativos” (Weber), embora o “não-lógico” e o “valorativo” estejam intimamente ligados.
Entretanto, pode parecer estranho a qualificação de Weber como “irracionalista”. Podemos recordar que Weber trabalhou com a idéia de ação racional e por isto não se poderia dizer que para ele o indivíduo é um ser irracional. Contudo, podemos sustentar que em seus quatro tipos de ação social subsiste um substrato irracional.
Isto é facilmente comprovado quando se trata de dois tipos: a ação social afetiva e a ação social tradicional. Essas duas formas de ação, sem dúvida, não formas de ação consideradas “racionais”. Isto é colocado explicitamente por Weber. Mas resta explicar como ocorre a irrupção do irracional nas demais formas de ação social presentes na tipologia weberiana.
Segundo Weber, “a ação orientada racionalmente com relação a valores distingue-se da ação afetiva pela elaboração consciente dos princípios últimos da ação e por orientar-se por eles de maneira conseqüentemente planejada. Por outro lado, ambas tem em comum o fato de que o sentido da ação não reside no resultado, que já se encontra fora dela, mas na própria ação em sua peculiaridade”. Além disso, “age de modo estritamente racional com relação a valores quem, sem considerar as conseqüências previsíveis, se comporta segundo as suas convicções sobre ou referente ao que é o dever, a dignidade, a beleza, a sabedoria religiosa, a piedade ou a importância de uma ‘causa’, qualquer que seja o seu gênero”[28].
O que isto significa? Significa que a “ação orientada racionalmente com relação a valores” tem como motivação estes últimos e a racionalidade cumpre meramente uma função mediadora. Em outras palavras, os elementos racionais deste tipo de ação social apenas realizam uma mediação entre o substrato irracional que a motiva e a sua concretização efetiva. O elemento fundamental aqui é o irracional e não o racional.
Resta apenas um tipo de ação social, que é a ação racionalmente orientada para fins. Segundo Weber, “age racionalmente com relação a fins aquele que orienta sua ação conforme o fim, meios e conseqüências implicadas nela e nisso avalia racionalmente os meios relativamente aos fins, os fins com relação às conseqüências implicadas e os diferentes fins possíveis entre si. Em qualquer caso, pois, é aquele que não age afetivamente (sobretudo emotivamente) nem com relação à tradição. Por outro lado, a decisão entre os diferentes fins e conseqüências concorrentes e conflitantes pode ser racional com relação a valores. Neste caso, a ação é racional com relação a fins somente nos seus meios[29].
Neste último caso, não está descartado o aspecto irracional da ação, pois sua “racionalidade” pode ser apenas um meio para execução de fins valorativos. Isto tudo significa que permanece a existência de um substrato irracional também neste tipo de ação social. Desta forma, em todos os tipos de ação social pode estar presente o fundamento “irracional” que acompanha os indivíduos. Existe a possibilidade, segundo Weber, de haver uma ação puramente racional, porém, este seria um “caso limite”.
Desta forma, não há uma determinação nas ações sociais, pois o sujeito apresenta-se como indeterminado. Tal como colocou Paul Hirst: “o sujeito humano como ser livre para projetar significados e buscar fins está na base da sociologia geral de Weber. A natureza do objeto da sociologia deriva dos atributos desse sujeito humano livre”[30].
Somando-se a isto o fato de que os tipos de ação social são tipos ideais nunca presentes em estado puro na realidade[31], a racionalidade da ação social deve ser considerada um elemento marginal.
Do ponto de vista histórico, a ação racional direcionada para fins é equivalente a dominação burocrático-legal[32], o que significa que ela está ligada à burocratização e ao cálculo econômico capitalista. Esta “racionalidade instrumental”, para a sociologia romântica de Max Weber, aparece como um “desencantamento do mundo”. Na concepção weberiana de racionalidade, ela é um instrumento cada vez mais utilizado para servir a fins irracionais. Ocorre, porém, que o problema não se encontra nos fins e sim nos meios, ou, em outras palavras, o problema se revela quando os meios se tornam fins em si mesmos e é isto que produz o desencantamento do mundo.
Portanto, as duas concepções de individualismo metodológico se distinguem por uma ser “racionalista” e a outra “irracionalista”, o que significa que uma aceita a união, embora de forma limitada, entre o indivíduo e a sociedade num nível de elaboração metodológica e outra recusa tal possibilidade, negando a existência de leis e a possibilidade de união entre as ciências sociais e as ciências naturais e, por conseguinte, qualquer tentativa de generalização.
HOLISMO E INDIVIDUALISMO DIANTE DO MÉTODO DIALÉTICO
O método dialético desenvolvido por Karl Marx se distingue tanto do individualismo quanto do holismo. Em oposição ao individualismo, a dialética apresenta outra concepção de indivíduo; em oposição ao holismo, apresenta outra concepção de totalidade; em oposição a ambos, apresenta outra concepção sobre a relação entre indivíduo e sociedade. Neste sentido, o método dialético é radicalmente diferente destas duas abordagens metodológicas.
Mas antes de tudo cabe esclarecer que aqui se trata do método dialético tal como apresentado por Marx e por um número restrito de continuadores de sua obra (especialmente, Karl Korsch), pois a maior parte do que se apresenta como “marxismo” é, na verdade, uma forma de holismo metodológico (ou, em casos mais raros, de individualismo metodológico).
A concepção marxista de indivíduo difere radicalmente da concepção expressa pelo individualismo metodológico. O indivíduo é uma forma concreta de manifestação da natureza humana. Esta, por sua vez, se caracteriza pelas necessidades de que ela é portadora. Por necessidade entendemos todo e qualquer impulso orientado para algum objetivo, ou seja, não se refere apenas a carências mas também a potencialidades.
Essas necessidades radicais que caracterizam a natureza humana são de duas ordens: as necessidades primárias, tais como comer, beber, dormir, amar, etc.; e as necessidades secundárias, que são a criatividade e a sociabilidade. Existe um terceiro tipo de necessidades e estas são produzidas socialmente. Se tais necessidades estiverem em concordância com as anteriores, elas podem ser consideradas autênticas, e se estiverem em discordância, inautênticas.
O ser humano para realizar suas necessidades primárias instaura uma relação com a natureza mediada pelo trabalho e pela cooperação com outros seres humanos[33]. Esta satisfação de necessidades cria novas necessidades. O ser humano ao transformar o meio ambiente não faz isto gratuitamente, pois ele tem como finalidade satisfazer suas necessidades primárias. Assim, desde o início, ele coloca uma finalidade no seu trabalho e por isso pode ser considerado uma animal teleológico.
Uma vez satisfeita suas necessidades primárias, surgem novas necessidades baseadas no próprio ato de satisfação. O trabalho e a cooperação tornam-se necessidades humanas. Mas não se trata do trabalho como alienação, que é uma negação da natureza humana, e sim do trabalho como objetivação. Neste último, que se encontra em concordância com a natureza humana, o ser humano desenvolve suas potencialidades e sua criatividade, pois assim realiza o processo de humanização do mundo. O ser humano, entretanto, só pode fazer isso no interior de uma associação com outros seres humanos. É nesta associação que ele desenvolve sua consciência e sua criatividade.
Entretanto, em cada forma histórica e concreta de sociedade a natureza humana se manifesta de maneira diferente, pois as relações sociais podem reprimir o desenvolvimento das necessidades humanas e é isto o que ocorre nas sociedades marcadas pela divisão de classes. O surgimento das classes sociais significa o nascimento da dominação e da exploração.
Neste sentido, a concepção marxista do indivíduo é bastante diferente da concepção apresentada pelo individualismo metodológico. Uma das versões do individualismo apresenta o indivíduo como um ser racional indeterminado e a outra como um ser passional indeterminado. A concepção marxista, ao contrário, reconhece que o indivíduo humano é um ser social e só pode existir no interior de uma associação com outros seres humanos.
Além disso, devemos acrescentar que esta associação realiza uma determinação sobre suas idéias e comportamentos, assim com na constituição de sua racionalidade, valores, sentimentos, etc. Outra determinação que o ser humano possui são as suas necessidades primárias. Em uma sociedade repressiva, tal como são todas as sociedades classistas, a repressão a algumas destas necessidades, em especial a repressão aos desejos sexuais, cria um conjunto de processos psíquicos que exercem grande influência sobre o comportamento do indivíduo[34].
Por conseguinte, o indivíduo é um ser social e isto quer dizer que ele não é um ser racional indeterminado, nem um ser passional indeterminado. A razão dos indivíduos é condicionada pelo contexto social e pela forma como eles se inserem neste contexto e o mesmo ocorre com suas “paixões”. Além disso, o indivíduo não pode ser definido como “passional” ou como “racional”, pois ele é as duas coisas ao mesmo tempo. Na concepção marxista, razão e sentimentos (incluindo aqui o que se chama “valores”, “instintos”, etc.) são inseparáveis[35].
Portanto, a concepção marxista de indivíduo se opõe a uma versão do individualismo ao afirmar que ele não é predominantemente (e muito menos “unicamente”) racional e se opõe à outra ao colocar que ele também não é predominantemente passional e contra ambas as versões deixa claro que ele não é indeterminado.
A partir desta concepção de indivíduo fica evidente que não se pode tomar a relação entre indivíduo e sociedade tal como apresentada pelo individualismo metodológico e que existe, no marxismo, uma concepção alternativa. Entretanto, cabe, antes de tratar desta relação, esclarecer qual é a concepção marxista da totalidade, pois ela também é radicalmente diferente da concepção holista.
Existem várias concepções de totalidade na filosofia e nas diversas ciências. Ocorre, porém, que iremos tratar aqui apenas das duas concepções existentes no interior do holismo metodológico anteriormente tratadas e da concepção marxista.
Para a dialética materialista, a totalidade assim como todas as categorias utilizadas por ela, são recursos heurísticos[36]. A categoria de totalidade, desta forma, não é um modelo ao qual a realidade deva ser encaixada e sim um conjunto de proposições que sugerem a existência de determinadas relações em um ser (entendido aqui como “um todo”). Tal categoria foi extraída de situações reais e deve sempre ser confrontada com elas e quando não houver correspondência deve ser alterada.
A concepção marxista da sociedade a considera como uma forma de totalidade. Como o marxismo distingue de forma radical dois tipos de sociedade, as não-classistas e as classistas, a sua concepção de totalidade apresenta duas variantes, que possuem elementos comuns e elementos diferenciados. Os elementos comuns se encontram no fato de que toda sociedade tem como determinação fundamental[37] o seu modo de produção. Este é o conceito fundamental da teoria marxista da sociedade. Podemos dizer que os elementos diferenciados se encontram no fato de que o movimento da sociedade sem classes é provocado pela forma de relação entre sociedade e meio ambiente e o movimento das sociedades classistas é provocado pela luta de classes.
A partir disto podemos constatar, em primeiro lugar, que a concepção dialética de totalidade não é a de um “todo orgânico” ou “homogêneo”. As sociedades simples (pré-históricas e indígenas, que são sociedades não-classistas) são relativamente homogêneas, mas as sociedades classistas não possuem esta homogeneidade. Desta forma, a categoria de totalidade não sustenta uma falsa idéia de homogeneidade, pois esta homogeneidade é inexistente na realidade.
Aqui cabe abrir um parêntesis para recordar que o método funcionalista, uma variante do holismo metodológico, se desenvolve num campo de estudos que é o da antropologia, ou seja, voltado mais para o estudo das sociedades simples, que apresentam um grau maior de homogeneidade. O funcionalismo de Malinowski, Radcliffe-Brown, entre outros, demonstram que é nas sociedades simples que se pode utilizar este método e conseguir um relativo sucesso. Claro que tal sucesso é apenas “relativo”, pois este método não consegue dar conta nem da realidade destas sociedades, devido à suas deficiências. Ocorre, porém, que este “relativo sucesso” acaba “confirmando” o método funcionalista e logo ele ganha uma justificativa para sua transposição para o estudo das sociedades classistas, o que é um procedimento ideológico. Aqui fechamos os parêntesis.
Entretanto, é necessário apresentar aqui a concepção marxista da sociedade classista em contraposição às concepções do holismo metodológico. A sociedade, segundo este ponto de vista, não é um “todo metafísico” que possui a finalidade de se reproduzir. Sem dúvida, as sociedades de classes se reproduzem mas esta não é uma finalidade sua, pois uma “sociedade” não possui “finalidades”. Este é um atributo dos seres humanos.
As sociedades classistas possuem, na verdade, é uma tendência para se reproduzir e esta tendência é provocada pela supremacia da classe dominante e pelo apoio de suas classes auxiliares. Essa tendência de reprodução se realiza cotidianamente mas nada garante que ela continuará se realizando, pois, simultaneamente, existe uma tendência contrária apontada para a transformação social e que é impulsionada pela luta das classes exploradas. Neste sentido, as sociedades de classes são totalidades contraditórias, marcadas pela luta de classes. Não existe nada mais distante disso do que a concepção holista de “todo orgânico” ou “harmonioso”. Além disso, a visão marxista também rompe com o teleologismo da totalidade, que se caracteriza por reificar a sociedade e lhe atribuir uma metafísica finalidade de se reproduzir, pois somente os seres humanos possuem finalidades.
Neste ponto, sem dúvida, o individualismo metodológico está correto: a finalidade é um atributo do indivíduo. Ocorre, porém, que, ao contrário do que diz a concepção individualista, o indivíduo não é um ser indeterminado. O indivíduo é determinado por sua natureza e por sua condição social. Como a natureza humana é a mesma em todos os indivíduos, então a mesma condição social tende a produzir os mesmos interesses e, por conseguinte, as mesmas finalidades. Portanto, as classes sociais, que são grandes agrupamentos de indivíduos definidos por sua posição na divisão social do trabalho (condição social), possuem finalidades, que são as finalidades dos indivíduos que a compõe.
É claro que muitas vezes as finalidades dos indivíduos que compõem uma classe não são as mesmas, mas isto decorre da influência das demais classes sociais e do conjunto das relações sociais. No caso das classes exploradas isto é mais importante, pois a classe dominante, para manter sua hegemonia, precisa desarticular o desenvolvimento da consciência de classe das classes opostas. Se há esta dissonância entre consciência individual e consciência de classe, isto significa que não se construiu ainda uma unidade entre indivíduo e classe. No caso das classes exploradas, tal dissonância é que sustenta a dominação da classe exploradora. A unidade entre as múltiplas consciências individuais e a consciência de classe significa a radicalização das lutas de classes e por conseguinte o reforço desta unidade e a possibilidade efetiva de transformação social. Tal problema foi bastante debatido na tradição de pensamento que tem como referencial o marxismo e sua expressão mais famosa ficou conhecida como a discussão, ainda em linguagem hegeliana, sobre a passagem da “classe-em-si” à “classe-para-si” — discussão que iniciou-se com Marx e desenvolveu-se com as obras de Lukács (19  ) e Lênin (19  ), entre outros.
Uma sociedade dividida em classes sociais também não pode ser considerada um “todo estruturado de forma hierárquica”, pois ela se fundamenta não sob uma hierarquia entre os seus aspectos componentes e sim na luta de classes. Por conseguinte, nenhum desses pretensos “aspectos componentes” pode ser o seu centro hierárquico.
Por fim, a concepção dialética da totalidade não utiliza o procedimento positivista de extrair um aspecto da totalidade (natural ou social)  e erigi-lo como modelo ao qual a sociedade é subsumida. A totalidade, segundo a concepção dialética, é concreta, pois, tal como colocaram Marx e Engels, “estas abstrações, separadas da história real, não possuem valor algum. Podem servir apenas para facilitar a ordenação do material histórico, para indicar a seqüência de suas camadas singulares. Mas de forma alguma dão, como a filosofia, uma receita ou um esquema onde as épocas podem ser enquadradas”[38].
Observamos, assim, que a dialética marxista possui a concepção de indivíduo e de totalidade diferenciada do individualismo e do holismo, respectivamente. Mas resta saber como o método dialético concebe, então, a relação indivíduo-sociedade? É disto que iremos tratar a partir de agora.
Para Marx, o indivíduo possui uma autonomia relativa perante a sociedade. Acontece que essa autonomia varia de acordo com o tipo de sociedade. Isto quer dizer que não é possível transpor para a metodologia uma posição sobre o grau de autonomia do indivíduo, pois este grau de autonomia não pode ser definido a priori mas somente a posteriori, ou seja, após a pesquisa.
Os indivíduos, nas sociedades sem classes, não se encontram em contradição com a sociedade. Isto é válido para todas as sociedades não-classistas mas com proporções diferenciadas. Em sociedades não-classistas onde a dependência em relação ao meio ambiente é grande (sociedades pré-históricas e indígenas), há uma coerção sobre os indivíduos muito maior do que em sociedades não-classistas mais avançadas, ou seja, numa hipotética sociedade pós-capitalista fundamentada na autogestão social. Nesta última, podemos supor que não haverá nenhum tipo de coerção. Uma sociedade condizente com a natureza humana marca a unidade entre indivíduo e sociedade.
Para a concepção dialética materialista, não se pode criar um método universal, seja holista ou individualista, pois é a realidade que determina o método e não o contrário. Por conseguinte, somente uma análise concreta de uma sociedade concreta pode responder a questão da relação entre indivíduo e a sociedade. No caso da sociedade capitalista, o indivíduo possui uma autonomia relativa muito restrita. Isto quer dizer que para analisar esta sociedade, o ponto de vista mais adequado é o holismo? Não, pois a concepção de totalidade do holismo metodológico, tal como foi colocado anteriormente, é insatisfatória. Ao invés de um todo homogêneo ou hierárquico, o que se vê, no capitalismo, é um todo contraditório marcado pela antagonismo da luta de classes, ou seja, a totalidade é a totalidade antagônica de classes sociais em luta. Isto quer dizer que o método dialético rompe tanto com o individualismo quanto com o holismo.
A totalidade, segundo a concepção dialética, é composta pelas relações de classes existentes, sendo que o elemento determinante se encontra nas duas classes sociais fundamentais constituídas no modo de produção dominante, embora a análise deva incluir também as demais classes sociais, tanto as produzidas nas formas de regularização (“superestrutura”, tal como é o conjunto de trabalhadores improdutivos) quanto as produzidas nos modos de produção subordinados (no caso as sociedades em que eles existam, tal como no caso do campesinato na sociedade capitalista).
O indivíduo sofre, inicialmente, uma determinação de classe. Entretanto, um indivíduo não se relaciona apenas com os demais indivíduos que pertencem à sua classe mas também com os pertencentes a todas as outras classes. Neste sentido, podemos falar em relação entre indivíduo e sociedade, compreendendo por esta o conjunto das relações de classes existentes.
As ações individuais possuem múltiplas determinações (a da natureza humana, a da situação de classe, a da ação das demais classes sociais, a das demais divisões sociais, tal como as divisões culturais, raciais, sexuais, determinadas pela divisão de classe, etc.) e é devido a isto que existe uma autonomia relativa dos indivíduos. A determinação fundamental, porém, é a determinação de classe. A este respeito cumpre lembrar a possibilidade de dissonância entre o discurso e a prática dos indivíduos, o que significa que o pertencimento a uma classe produz práticas determinadas pelas relações de classes e uma dinâmica contraditória no desenvolvimento da consciência de classe, no caso das classes exploradas.
No estudo da sociedade, do ponto de vista da dialética materialista, a focalização teórica incide sobre as classes sociais. Estas não são as “unidades últimas” da análise, mas é sua “unidade fundamental”, que pode ser enriquecida por uma análise das ações individuais, embora estas últimas nunca sejam determinantes e sim determinadas.
Outro elemento de discordância entre marxismo e as concepções holistas e individualistas se encontra no que se refere às condições de possibilidade do saber. Tanto o holismo quanto o individualismo, ambos seguindo aqui, de forma diferente, o postulado básico do positivismo, buscam garantir a “objetividade” através da “neutralidade”, seja através da subsunção do sujeito ao objeto do conhecimento (holismo), seja através da subsunção do objeto ao sujeito do conhecimento (individualismo).
Para o método dialético, ao contrário, existe uma unidade e uma inseparabilidade entre ser e consciência e numa sociedade de classes existem classes que têm o interesse em manter uma falsa consciência sobre a realidade e outras que têm interesse em superá-la. Por conseguinte, o “sujeito do conhecimento” não pode ser neutro e para conseguir atingir uma consciência correta da realidade é preciso partir do ponto de vista da classe revolucionária em sua sociedade. No capitalismo, esta classe é o proletariado. Isto significa, entre outras coisas, que esta tarefa é facilitada para os indivíduos provenientes desta classe e dificultada para os indivíduos oriundos de outras classes sociais.
De qualquer forma, a grande diferença entre o marxismo, por um lado, e holismo e individualismo, por outro, reside no fato do primeiro negar a possibilidade de neutralidade enquanto que as demais abordagens a consideram possível. Outra diferença é que o método dialético não só considera impossível a neutralidade como não considera que os valores e sentimentos sejam necessariamente prejudiciais ao desenvolvimento de uma consciência correta da realidade, tal como afirma o positivismo expresso tanto na concepção individualista quanto holista. O que interessa é quais são estes valores e sentimentos, ou seja, a interesse de que classe social eles correspondem. Por conseguinte, a condição de possibilidade do saber na sociedade contemporânea é, para o método dialético, partir do ponto de vista do proletariado, e do ponto de vista positivista (tanto o holismo quanto o individualismo) é a neutralidade.
Por fim, esperamos ter contribuído para o reconhecimento das diferenças entre marxismo e as abordagens holistas e individualistas no campo das ciências sociais e do fato de que o marxismo não se confunde com estas abordagens e se apresenta como uma alternativa a elas.
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Artigo publicado originalmente em: Fragmentos de Cultura – IFITEG/UCG. Vol. 9, no 06, nov./dez. 1999, pp. 1259-1282.




                               






* Sociólogo, Mestre em Filosofia e Mestre em Sociologia; Doutorando em Sociologia na UNB; Professor na Universidade Católica de Goiás e na Universidade Estadual de Goiás.
[1]Veja: Cohen, Percy. Teoria Social Moderna. 2a  edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
[2]Durkheim, É. As Regras do Método Sociológico. 6a  edição, SP, Nacional, 1974.
[3]Giddens, Anthony. As Idéias de Durkheim. São Paulo, Cultrix, 1978, p. 24.
[4]A abordagem durkheimiana mais detalhada sobre as representações coletivas encontra-se em: Durkheim, É. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo, Edições Paulinas, s/d; sobre educação: Durkheim, É. Educação e Sociologia. 11a  edição, São Paulo, Melhoramentos, 1978.
[5]Durkheim, É. As Regras do Método Sociológico. Ob. cit., p. 5.
[6]Mauss, Marcel. Ensaio Sobre a Dádiva. Lisboa, Edições 70, 1988, p. 200-202.
[7] “A saúde do espírito individual implica a participação na vida social, assim como a recusa de a ela se prestar (mas ainda segundo modalidades que ela impõe) corresponde ao aparecimento de perturbações mentais” (Lévi-Strauss, Claude. Introdução à Obra de Marcel Mauss. In: Mauss, M. ob. cit., p.19).
[8]Malinowski, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. In: col. Os Pensadores. 2a  edição, São Paulo, Abril Cultural, 1978, p. 73.
[9]Malinowski, B. ob. cit., p. 84.
[10]Radcliffe-Brown, A. R. Estrutura e Função nas Sociedades Primitivas. Lisboa, Edições 70, 1989, p. 265.
[11] “Comparando a fonologia e a antiga lingüística, Trubetzkoy define a primeira como um ‘estruturalismo e um universalismo sistemático’, que opõe ao individualismo e o ‘atomismo’ das escolas anteriores” (Lévi-Strauss, C. Antropologia Estrutural. 2a  edição, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1970, p. 51).
[12]Cf. Deschamps, Jean. Psicanálise e Estruturalismo. In: Ballet, René e outros. Estruturalismo e Marxismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1968; Lacan, Jacques. Escritos. São Paulo, Perspectiva, s/d.
[13]Piaget, Jean. O Estruturalismo. 3a  edição, São Paulo, Difel, 1979, p. 91.
[14]Sève, Lucien. Método Estrutural e Método Dialético. In: Ballet, René e outros. ob. cit.
[15]Cit. por: Anderson, Perry. A Crise da Crise do Marxismo. 3a  edição, São Paulo, Brasiliense, 1987, p. 43. Tal posição também foi expressa sobre outra forma: “não pretendemos mostrar como os homens pensam os mitos mas como os mitos se pensam nos homens e à sua revelia” (cit. por: Leach, Edmund. As Idéias de Lévi-Strauss. 2a  edição, São Paulo, Cultrix, s/d., p. 51). Esta concepção “holista” e “anti-humanista” se espalhou pelas ciências humanas, influenciando a psicanálise (Lacan), a filosofia (Foucault), o marxismo (Althusser), a teoria da literatura (Barthes), etc.
[16]Foucault, M. As Palavras e as Coisas. 4a edição, São Paulo, Martins Fontes, 1987. Para uma crítica da obra de Foucault, veja-se: Viana, Nildo. Foucault: Filosofia ou Fetichismo? In: Revista Teoria Crítica da Sociedade. Ano 1, No  1, Dezembro de 1994.
[17]Cf. Smith, Adam. Investigação Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações. Col. Os Pensadores, 3a edição, São Paulo, Abril Cultural, 1984.
[18]Cf. Hugon, Paul. História das Doutrinas Econômicas. 13a edição, São Paulo, Atlas, 1976; Huberman, Leo. História da Riqueza do Homem. 16a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1980.
[19]Latouche, Serge. Análise Econômica e Materialismo Histórico. Rio de Janeiro, Zahar, 1977, p. 25.
[20]Simmel, Georg. O Problema da Sociologia. In: Moraes Filho, E. (Org.). Simmel. São Paulo, Ática, 1983, p. 59.
[21]Weber, M. Metodologia das Ciências Sociais. Vol. 2. São. Paulo, Cortêz, 1992, p. 400.
[22]Cit. por: Cohn, Gabriel. (Org.). Weber. 3a edição, São Paulo, Ática, 1986, p. 25-26. Pode-se acrescentar aqui que “não obstante, a ação humana é cognoscível, em certa medida, que mais não seja pelo fato também de sermos humanos. Este é o primeiro passo da sociologia de Weber. O segundo é a identificação da unidade básica do social - a que o próprio Weber chamaria de ‘átomo’, uma palavra, que segundo creio, não tinha para ele o significado contemporâneo de átomos como complexos de partículas mais fundamentais e singularmente probabilísticas, mas traduzia, outrossim, a idéia de irredutibilidade final, de minúscula e impenetrável essência. Essa unidade atômica do social é a ação singular e deliberada do indivíduo, dirigida no molde a afetar o comportamento de uma ou mais pessoas. (...). A sociedade é a soma de atos sociais unitários mas, evidentemente, a sociedade não é o caos” (MacRae, Donald. As Idéias de Weber. 2a edição, São Paulo, Cultrix, 1985, p. 68).
[23]Cohen, P. ob. cit. p. 104.
[24]Cf. Maffesoli, M. O Conhecimento Comum. São Paulo, Brasiliense, 1988.
[25]Coulon, Alain. Etnometodologia. Petrópolis, Vozes, 1995.
[26]Cf. Elster, Jon. Marx Hoje. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989; Wright, Erik e outros. Reconstruindo o Marxismo. Petrópolis, Vozes, 1993; para uma crítica, embora apresentando uma visão ao nosso ver equivocada do marxismo: Weldes, Jutta. Marxismo e Individualismo Metodológico: Uma Crítica. In: Revista Presença. No 16, abril de 1991.
[27]Elster, J. ob. cit., p. 36.
[28]Weber, M. ob. cit., p. 418.
[29]Weber, M. ob. cit., p. 418.
[30]Hirst, Paul. Evolução Social e Categorias Sociológicas. RJ, Zahar, 1977, p. 75.
[31] “Raras vezes a ação, especialmente a ação social, está exclusivamente orientada por uma ou por outra destas modalidades. Tampouco essas formas de orientação podem ser consideradas como uma classificação exaustiva, mas sim como tipos conceituais puros, construído para os fins da pesquisa sociológica, com relação aos quais a ação real se aproxima mais ou menos, ou, o que é mais freqüente, composta por uma mescla” (Weber, M. ob. cit., p. 418).
[32]Tragtenberg, Maurício. Burocracia e Ideologia. São Paulo, Ática, 1985. Podemos dizer também que a racionalidade capitalista da qual Weber tratou em A Ética Protestante e o Espiríto do Capitalismo é orientada para fins “irracionais”, tal como o ascetismo (Weber, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 5a edição, São Paulo, Pioneira, 1987).
[33]Esta parte está baseada em: Marx, Karl. O Capital. Vol. 1, 3a edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988; Marx, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos. In: Fromm, Erich. Conceito Marxista do Homem. 8a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1983; Marx, Karl e Engels, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3a edição, São Paulo, Ciências Humanas, 1982.
[34]Embora possamos encontrar alguns apontamentos em Marx sobre a repressão da natureza humana, tal aspecto foi desenvolvido principalmente pela psicanálise freudiana e pelo chamado “freudo-marxismo” (cf. Freud, Sigmund. O Futuro de Uma Ilusão. 2a edição, Col. Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1978; Fromm, E. Psicanálise da Sociedade Contemporânea. 8a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1976; Fromm, E. Análise do Homem. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1962; Schneider, Michael. Neurose e Classes Sociais - Uma Síntese Freudiano-Marxista. Rio de Janeiro, Zahar, 1977; Reich, Wilhelm. O Que é Consciência de Classe? Lisboa, Textos Exemplares, 1976; Andreani, T. Marxismo e Ciências do Homem. Lisboa, Rés, s/d).
[35]Schneider, M. ob. cit.
[36]Korsch, Karl. Marxismo e Filosofia. Porto, Afrontamento, 1977.
[37]A expressão “determinação fundamental”, utilizada por Hegel, apresenta aqui o sentido de que é a determinação que fornece a razão de ser do fenômeno, ou seja, é a determinação que é constituinte do fenômeno. Isto não quer dizer que seja a única determinação, pois se assim o fosse não seria necessário o qualificativo de “fundamental”. Tal como Hegel e Marx colocaram, o “concreto é o resultado de suas múltiplas determinações”. Ocorre, porém, que as determinações do concreto não possuem estatuto equivalente. Uma determinação fundamental é tanto o que constitui o fenômeno quanto o que condiciona as outras determinações. No caso da teoria marxista da sociedade, a determinação fundamental (que é o modo de produção) é o que constitui a sociedade, ou seja, a sociedade é a manifestação concreta e histórica de um determinado modo de produção e esta manifestação significa que os elementos derivados dele constituem um conjunto de fenômenos que o ultrapassa. Entretanto, isto não quer dizer que o modo de produção não tenha existência real, que seja, como alguns pretendem, que ele seja uma “abstração”, um “tipo ideal”. Isto significa tão-somente que ele possui existência concreta e que para existir necessita criar um conjunto de relações sociais complementares e é por isso que ele é sua “determinação fundamental”.  Sobre isto veja, Viana (1997; 1998).
[38]Marx, Karl e Engels, F. ob. cit., p. 38.

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