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domingo, 29 de janeiro de 2017

O GOVERNO TEMER E O PROBLEMA DA ACUMULAÇÃO DE CAPITAL


O GOVERNO TEMER E O PROBLEMA DA ACUMULAÇÃO DE CAPITAL

Nildo Viana

O Governo Temer tomou posse há alguns meses e não conseguiu resolver o problema das dificuldades do processo de acumulação de capital. Essas dificuldades se esboçaram a partir de 2012 e se intensificaram nos anos seguintes, sendo que se aprofundaram nos anos seguintes. O seu agravamento se iniciou em 2014 e foi reforçado com a inoperância, incompetência e neopopulismo do Governo Dilma. Havia uma expectativa, por certos setores da sociedade, que estes problemas, oriundos da burocracia governamental, seriam removidos e uma nova equipe e política estatal promoveria o chamado retorno do “crescimento econômico”. No entanto, não foi isso que ocorreu efetivamente.

A desestabilização do regime de acumulação integral no Brasil, durante o governo Dilma, se prolonga até hoje. Alguns denominam essa situação como “crise”, mas é apenas uma desestabilização. Um regime de acumulação somente entra em crise quando isso ocorre em escala mundial. Os regimes de acumulação são adotados mundialmente, mesmo tendo um centro irradiador para o resto do mundo. Nos casos nacionais, o que pode ocorrer é uma crise no regime de acumulação, o que pode provocar, em âmbito nacional, sua reconfiguração parcial. Sem dúvida, a desestabilização pode ocorrer em escala mundial, mas, nesse caso, é um prenúncio da crise do regime de acumulação. A desestabilização do regime de acumulação integral, no caso brasileiro, acompanha um ciclo que pode desembocar numa crise e esta é a tendência mais forte no momento. A crise nacional, por sua vez, reforça a desestabilização mundial e, dependendo da importância do país derivada de sua posição na divisão internacional do trabalho e da situação de outros países, pode provocar uma crise no regime de acumulação integral. O caso de Portugal, Espanha e Grécia, por exemplo, não foi suficiente para desencadear tal crise.

A desestabilização, por sua vez, pode ser revertida, ou, mais exatamente, minimizada. A desestabilização pode constituir altos e baixos, subciclos que se sucedem, até ser superada, o que em certas situações é algo raro, ou aprofundada até gerar uma crise. Assim, tanto os otimistas, que são aqueles que pensam que a desestabilização caminha inelutavelmente para a crise, quanto os pessimistas, que são aqueles que pensam que um certo momento de ampliação da acumulação significa sua superação, se enganam. O equívoco dos pessimistas se revela na ideia de que a estabilização não pode ser superada, sendo que, apesar de ser difícil, isso pode ocorrer (é mais difícil no caso de crise e quase impossível no caso de crise mundial) e não perceber que ela tem altos e baixos. O equívoco dos otimistas está em tomar um subciclo ascensional e temporário como se fosse a superação da desestabilização. Enquanto que no caso dos regimes de acumulação a tendência geral é de ascensão e queda, embora a duração desse processo seja de difícil previsão e depende de diversas determinações que podem complexificar a situação (sem falar das peculiaridades nacionais), o processo de desestabilização e crise é mais complexo e em curto prazo, bem como um conjunto de determinações pode promover mudanças que, sendo menos impactantes, atuam mais sobre sua dinâmica.

A desestabilização pode conter vários subciclos e estes podem ser de desaceleração e aceleração de acumulação de capital. Essa é, inclusive, uma tendência, pois toda desaceleração cria alguns elementos que possibilitam uma aceleração posterior, obviamente que não no mesmo grau que num momento de ascensão e consolidação de um regime de acumulação. O que ocorre, no entanto, é que estes subciclos são passageiros e dentro de uma dinâmica geral de desestabilização. Os dois gráficos abaixo apontam para a compreensão desse fenômeno, um apontando apenas a tendência geral de um regime de acumulação e outro apontando uma das tendências dos subciclos da desestabilização (sendo que este último ocorre de forma imperceptível observando apenas o primeiro):




 
 



O quadro mostra a dinâmica geral de um regime de acumulação e o caso específico do processo de desestabilização enquanto parte do ciclo de dissolução de um regime de acumulação e sua dinâmica temporal e tendencial, que é a de subciclos (que podem ser vários e com duração maior ou menor). Assim, ao olhar para a história de um regime de acumulação em âmbito mundial, veremos a dinâmica acima, mas se olharmos apenas o seu ciclo de dissolução, poderemos ver a dinâmica mais específica da desestabilização, com altos e baixos, o que permite o surgimento de uma corrente de opinião otimista. Uns observam apenas a tendência geral e caem no pessimismo, outros, ansiosos pela superação da situação, tendem ao otimismo ao enxergar qualquer breve recuperação. No plano da análise política e conjuntural, ambas são problemáticas e dificultam a compreensão e ação diante dessa situação.

Obviamente, aqueles que apostaram no governo Temer como solução para a desestabilização não analisam a situação nestes termos e por isso esperavam uma rápida e eficaz solução com a mera troca de governo. Isso é ilusório. No entanto, um governo competente e corajoso poderia ter avançado mais, não no sentido de retomar a situação de estabilidade, mas no sentido de enfraquecer e interromper o processo de desestabilização. O governo Temer, até agora, se mostrou frágil, tanto por sua incompetência e inoperância (em parte por se manter preso ao neoliberalismo, que limita a criatividade e a adoção de certas políticas que seriam eficazes nesse contexto), quanto pela situação política (lava-jato, impeachment incompleto, interesses político-partidários e eleitorais, etc.).

O problema foi se agravando e após a concretização do impeachment, o governo Temer, reforçado pelos resultados eleitorais de 2016, resolveu tomar as medidas necessárias de acordo com a continuidade das políticas neoliberais. Assim, várias reformas inflexíveis típicas do neoliberalismo discricionário foram arquitetadas e enviadas para o congresso nacional. A PEC 241/55 foi parte do primeiro ato da peça chamada neoliberalismo discricionário[1].

O neoliberalismo discricionário conseguirá reverter o processo de desestabilização? Se ele for adotado em conjunto e ao lado de uma política pecuniária (financeira, industrial, etc.) tem condições de criar um subciclo de aceleração da acumulação de capital. Isso não significa um retorno ao período de ascensão da acumulação de capital e sim uma situação melhor do que a que existe atualmente, ou seja, um subciclo ascensional.

Durante o governo Dilma, o que existia era, principalmente, uma crise financeira, concomitantemente com o início da desaceleração da acumulação de capital. Se a primeira tivesse sido combatida e revertida, a segunda teria sido adiada por um certo tempo. A crise financeira, no entanto, acabou agilizando e intensificando a crise pecuniária (“econômica” ou “de acumulação”). O mundo das finanças atinge o mundo da produção. A categoria da totalidade ou a compreensão da dinâmica da sociedade (e acumulação) capitalista são fundamentais para entender que tudo está relacionado e que cada elemento do todo age sobre os outros. Isso seria suficiente para entender que o mundo das finanças e o mundo da produção não são “mundos separados”. A crise financeira atinge o processo de produção por diminuir a capacidade de investimentos, realocação de recursos, o poder aquisitivo da população e por gerar, em certos setores da sociedade, desemprego, o que, por sua vez, diminui ainda mais o mercado consumidor. Assim, a diminuição, mesmo que relativa, do consumo, investimento, etc., atinge o capital produtivo e o próprio aparato estatal, que, por sua vez, diminui sua capacidade de intervenção e/ou aumenta a dívida pública.

Porém, a acumulação de capital é caracterizada por ciclos e subciclos. O processo acima descrito, quando gera uma crise pecuniária, promove o aumento do desemprego, redução do mercado consumidor, etc. Esse processo após algum tempo, permite aumentar a taxa de exploração (o desemprego predispõe os trabalhadores a venderem sua força de trabalho por um preço mais baixo, aumentando a taxa de mais-valor, o que pode ser visto na história do capitalismo no caso de empresas em que ocorreram acordos coletivos para redução salarial para não perder o vínculo empregatício), realocação do consumo para o setor produtivo e mais ainda para certos setores deste (na época das vacas magras, o consumo de bens necessários e materiais cresce proporcionalmente em relação aos bens supérfluos e bens culturais e coletivos). Assim, a desestabilização passa por altos e baixos, subciclos de desaceleração e aceleração da acumulação de capital.

Esse desenvolvimento cíclico da acumulação de capital possui múltiplas determinações  e o tempo de duração de cada subciclo também. Uma das determinações desse processo é o aparato estatal, que é o regularizador do processo de reprodução do capitalismo e que atua sobre diversos aspectos que atingem diretamente o regime de acumulação. Assim, o governo pode contribuir com a permanência ou superação de um subciclo (de forma mais decisiva do que no caso de um ciclo), o seu tempo de duração, etc.

É nesse contexto que o governo Temer se encontra. A expectativa de que ele resolvesse imediatamente o problema da desestabilização era ilusória. No entanto, ele, sem dúvida, poderia ter contribuído com o processo de passagem de um subciclo de desaceleração para um de aceleração (relativa). Isso não ocorreu, pelo menos de forma mais ágil e eficaz. A iniciativa em torno do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) foi a única mais eficaz em curto prazo. As políticas de austeridade, como a PEC 241/55, são limitadas e longas (visando o longo prazo), bem como tem efeitos indesejáveis. Em longo prazo elas tendem a surtir o efeito de acelerar a acumulação de capital, mas também tende a aumentar os conflitos sociais e reemergência de lutas operárias radicalizadas. Se elas conseguiram uma nova estabilização relativa, a tendência é que o fim desta seja muito mais brutal (e num contexto muito pior para a maioria da população e acompanhada com um processo tendencial de desestabilização mundial). Logo, “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, como diz o ditado popular e que revela o dilema do capitalismo brasileiro contemporâneo.

O governo Temer tende a se encerrar com um fracasso em curto prazo e talvez com um relativo “sucesso” a médio e longo prazo e, nesse caso, se houver frutos para se colher, a coleta será feita por outro governo (tal como o governo Lula foi beneficiado pelos governos anteriores, apesar de que os frutos do futuro sejam escassos). Evidentemente, qualquer previsão do futuro é mera hipótese que, numa análise dialética, é fundada em tendências mais gerais, que podem ser contrariadas por acontecimentos destoantes da tendência geral. Por exemplo, se nas eleições presidenciais de 2018 for eleito um governo demasiado incompetente e/ou irresponsável, as políticas de austeridade do governo Temer podem ter seus resultados desmanchados como castelos de areia atingidos por um redemoinho. A crise pode substituir a desestabilização e assim se constituir uma situação revolucionária.

Os progressistas, com seu habitual otimismo (com ações governistas) e incompreensão da dinâmica capitalista, podem dizer que isto é “determinismo” e que um bom governo (o deles) pode trazer de volta a “bonança” (que nunca foi para o conjunto da população). Se isso fosse verdade, o governo Dilma e inúmeros outros governos em diversos países (de partidos denominados “trabalhistas”, “social-democratas” ou “socialistas”) teriam evitado crises, desestabilização, etc., e nunca o fizeram. Teriam também ganhado eleições após eleições, o que nunca ocorreu. Eles sempre abrem as portas para os conservadores após decepcionarem a população.

Outros poderão colocar a necessidade dos trabalhadores se organizarem para defender os seus direitos, etc. Assim, segundo estes, os trabalhadores não sofrerão as consequências da desaceleração da acumulação de capital (o que eles chamam de “crise”). Essa é uma posição tragicômica. É trágica pelo simples motivo de que a resistência dos trabalhadores contribui com a desaceleração da acumulação de capital, ou seja, desestabilização e crise, que vai atingir, posteriormente e com mais força, os próprios trabalhadores. Por isso, além de trágica, essa solução é cômica, pois não soluciona nada.

Isso significa não entender que os interesses fundamentais da burguesia, bem como das classes privilegiadas em geral, e os interesses imediatos do proletariado, e das classes desprivilegiadas em geral, no que se refere à acumulação de capital, são os mesmos. O antagonismo reside nos interesses fundamentais das duas classes fundamentais, pois no plano dos interesses imediatos, eles coincidem. A desaceleração da acumulação de capital prejudica a todos, tanto a classe capitalista quanto as classes trabalhadoras, incluindo a classe proletária. Ela gera desemprego, inflação, redução dos recursos estatais, etc. Logo, se o pensamento se move dentro da dinâmica da acumulação capitalista (não busca a superação do capitalismo), não há saída para os trabalhadores. Nesse caso, eles devem pagar a conta, se submetendo aos ditames do capital e aceitar a alienação, o empobrecimento relativo, o desemprego, o aumento da exploração, etc. Se o proletariado fica ao nível dos seus interesses imediatos, deve apoiar a classe capitalista e o aumento de sua própria exploração. Nesse contexto, pode no máximo pressionar o governo para o impacto ser menor, o que seria possível com um subciclo ascensional, que, por sua vez, tende a ter curta duração.

Portanto, é necessário que as classes trabalhadoras em geral e o principalmente o proletariado, em particular, compreendam que, no capitalismo, sempre perderão e jamais ganharão e que uma real solução está muito além de governos e reformas, está além o capitalismo. A libertação dos trabalhadores só é possível com a abolição do capitalismo.






[1] O neoliberalismo discricionário é aquele que surge no momento de desestabilização do regime de acumulação integral, tentando manter o mesmo através de mais políticas neoliberais, agora de caráter ainda mais inflexível (políticas de austeridade, autocracia governamental, etc.) e que pode, dependendo do contexto, buscar uma reconfiguração parcial do regime de acumulação integral.

Um comentário:

  1. Muito bom o texto. Porém, ele nos chama a atenção para algo dramático, o fato de que as lutas sociais só valem à pena do ponto de vista do trabalhador, se o horizonte destas lutas não se limitar aos ganhos salariais, por isso, devem incluir o fim do capitalismo? Certo. Mas, a questão é o que podemos fazer?

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