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quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Burocracia: Forma Organizacional e Classe Social


Burocracia: Forma Organizacional e Classe Social

Nildo Viana


A burocracia é uma das questões mais debatidas na sociedade moderna, tanto no âmbito das ideologias quanto das representações cotidianas. Algumas questões são fundamentais nesse contexto: o que é a burocracia? Ela é necessária? Qual motivo de sua existência? É possível aboli-la? Quem são os burocratas? A burocracia sempre existiu? Essas e outras questões não podem ser respondidas sem uma análise mais profunda e histórica. O nosso objetivo aqui não é responder a todas as questões que envolvem o fenômeno burocrático, mas apenas as mais importantes, sendo que as questões não respondidas e outras sem maior desenvolvimento podem ser aprofundadas com outras leituras. Em síntese, nosso objetivo aqui é apresentar uma introdução ao fenômeno burocrático que deve ser desenvolvida em outras obras posteriores.
A Burocracia Como Forma Organizacional
Papelada, carimbo, documentos, são alguns dos símbolos da burocracia e que muitos usam, no âmbito das representações cotidianas, para definir esse fenômeno. A sociologia apresentou diversas definições do fenômeno burocrático. A burocracia pode ser compreendida como forma organizacional e como classe social. Essa distinção ajuda a superar alguns problemas analíticos. A burocracia é uma forma organizacional caracterizada pela relação entre dirigentes e dirigidos, instituída, legitimada e estruturada por normas escritas (regimentos, leis, etc.), cujo funcionamento ocorre via meios formais de admissão e relações hierárquicas (divisão de cargos e atribuições) nas quais o quadro dirigente (os burocratas) é assalariado e possui a posse dos meios de administração e o poder de decisão, sendo que sua função social é o exercício do controle, da dominação, processo predeterminado pelo modo de produção capitalista.
Isso significa que a burocracia é uma forma de organização. Assim, toda burocracia é uma organização, mas nem toda organização é burocracia. Além das organizações burocráticas, existem as organizações não-burocráticas. Retomaremos isto adiante. A forma de organização burocrática visa realizar determinada ação. O aparato estatal, a principal organização burocrática existente, objetiva reproduzir as relações de produção capitalistas. Os partidos políticos objetivam, geralmente, a conquista do poder estatal. As empresas capitalistas visam lucro. A organização burocrática constitui um quadro dirigente, a burocracia, que tem a responsabilidade de dirigir a mesma e buscar concretizar seus objetivos. A finalidade da organização burocrática pode ser definida externamente (uma universidade estatal não define seu objetivo internamente, pois ele é imposto externamente pelo aparato estatal) ou internamente (tal como no caso dos partidos políticos). Essa forma organizacional é legitimada por normas escritas, tais como regulamentos, regimentos, leis, que aparentemente determinam o seu funcionamento, sua hierarquia, o processo decisório, os meios formais de admissão, as funções do quadro dirigente e dos demais indivíduos no seu interior, etc.
As relações hierárquicas são constituídas através de cargos e atribuições e se estendem para os dirigidos (subalternos, auxiliares, usuários, clientes, trabalhadores, estudantes, etc.). A hierarquia é marcada por cargos diversos a começar pelo dirigente geral (presidente, diretor, ou qualquer outro nome, podendo ser também mais de um indivíduo), pelos cargos subordinados que, por sua vez, possuem outros cargos subordinados até chegar ao último escalão da hierarquia, aquele que se relaciona mais diretamente com os dirigidos (na hierarquia burocrática, os burocratas inferiores são dirigidos pelos superiores, mas aqui colocamos como “dirigidos”, aqueles que não dirigem, estando apenas submetidos aos dirigentes, em seus vários escalões), que podem ser subalternos, auxiliares, usuários, clientes, trabalhadores, filiados, associados, estudantes, etc. dependendo da organização[1]. Essa hierarquia expressa as relações internas das organizações burocráticas. A hierarquia de cargos e atribuições é geralmente acompanhada por uma hierarquia salarial, sendo que quanto mais alto no escalão da burocracia, mais alto tende a ser o salário. Essas relações hierárquicas são marcadas pela competição, pois aqueles que estão nos cargos mais altos possuem maior poder e melhores salários. Assim, há sempre uma competição entre a burocracia superior e a burocracia inferior, bem como entre os indivíduos que estão acima na escala e os que estão abaixo[2].
Os meios formais de admissão, também regularizados pelas normas escritas, são basicamente três: eleição (por exemplo: parte da burocracia provisória do aparato estatal, ou seja, da burocracia governamental), nomeação, seleção via concurso (ou “sistema de exames”)[3]. O meio de admissão é a forma de composição da burocracia e vale não só para a admissão como também para recomposição da hierarquia. Por exemplo, um indivíduo concursado para um cargo burocrático no aparato estatal pode ser nomeado para outro cargo pela burocracia governamental ou com uma posição inferior na burocracia pode subir, via exames, para uma que é superior. A nomeação pode estar formalmente submetida a determinadas exigências, através de normas escritas. Ela é realizada por quem está em melhor posição na hierarquia organizacional. A eleição pode ser interna (apenas na instância da organização) ou externa. A eleição interna se manifesta, por exemplo, na eleição de um reitor em uma universidade (mesmo que posteriormente o resultado tenha que ser sancionado pela burocracia governamental) e a externa quando a população ou grupo elege os seus supostos “representantes”, como no caso da burocracia governamental, pois são os eleitores que definem quem será eleito. O concurso, ou “sistema de exames”, termo usado por Marx (1978) e Weber (1970), é a forma na qual há um processo seletivo que supostamente realiza o processo de escolha pelo mérito (expresso nos diplomas, provas, etc.).
A posse dos meios de administração significa que o burocrata tem o poder de decisão sobre o uso dos meios de administração enquanto estiver investido no cargo. Assim, um diretor de uma escola ou faculdade de uma universidade decide com os seus pares como será o uso das instalações, mobiliário, recursos financeiros, etc. bem como cabe a ele autorizar usos externos, ceder espaço para realização de eventos ou reuniões, etc. Essa decisão pode ser o critério geral que os burocratas subordinados aplicam em casos específicos. Esse poder de decisão também é regularizado pelas normas escritas. Os meios de administração não são propriedade individual dos burocratas e nem coletiva, pois tantos os indivíduos burocratas quanto o quadro dirigente, não são proprietários e tão logo saiam do cargo que ocupam, perdem o controle sobre eles. Mesmo no caso de setores da burocracia estatal permanente (do aparato repressivo ou jurídico, por exemplo) ele só pode dispor dos meios de administração para as finalidades e atividades da instituição e sem poder usá-los privadamente[4].
A burocracia possui o poder de decisão. Os processos decisórios dentro das organizações burocráticas variam, mas sempre há o objetivo geral (determinado externamente ou internamente) e o processo de execução, e este é definido pela burocracia, sendo que também há uma hierarquia na tomada de decisões e no alcance das mesmas: quanto maior o poder ou elevado o cargo, mais decisiva e influente são as decisões tomadas. Isso está muitas vezes definido nas próprias atribuições do cargo. O reitor de uma universidade estatal pode nomear assessores, decidir sobre encaminhamentos, etc. Esse poder de decisão é formal e informal. O poder de decisão formal é o que está justificado e legitimado nas normas escritas (leis, regimentos, que explicitam, por exemplo, as atribuições do cargo) e o informal é o que o burocrata particular como indivíduo decide e é acatado pelos demais (por interesses, conchavos, acordos, medo de represália, etc.).
A burocracia existe para efetivar o controle social. Ela visa controlar a população em geral (burocracia estatal), os trabalhadores (burocracia empresarial), os estudantes (escolas e universidades), etc. O controle exercido pela burocracia é geral, formando um “círculo do qual nada escapa” (MARX, 1978). Esse é o caso dos gerentes que realizam o controle do processo de produção para a burguesia, sendo que a burocracia está submetida à divisão social do trabalho e cada instituição exerce controle de determinada forma e sobre determinada parte da sociedade. Esse controle é uma forma de dominação que se realiza para garantir a reprodução das relações de produção capitalistas e processos sociais necessários para tal reprodução, como a cultura (instituições de ensino e cultura, como escolas, universidades, igrejas, etc.), o trabalho (empresas), etc.
A Burocracia Como Classe Social
O quadro dirigente das organizações burocráticas forma uma classe social específica, a classe burocrática. A burocracia como classe social só pode ser compreendida no interior da divisão social do trabalho da sociedade capitalista. As classes sociais são constituídas pelas relações de produção dominantes que geram uma divisão social do trabalho que, por sua vez, produz atividades fixas para determinado conjunto de indivíduos, gerando um modo de vida comum, interesses comuns, luta comum contra outras classes sociais (VIANA, 2012)[5]. A classe burocrática tem como atividade fixa que lhe caracteriza o controle social. Se o proletariado se caracteriza pela produção de mais-valor, a burguesia pela apropriação do mais-valor, a classe intelectual pela atividade cultural, a burocracia se caracteriza pelo exercício da dominação, do controle.
No entanto, ela não é a classe dominante. A classe dominante no capitalismo é a burguesia. Isso ocorre pelo fato de que a burocracia exerce controle de acordo com objetivos (internos ou externos) que está determinado por um objetivo mais amplo que é a reprodução das relações de produção capitalistas. Isso é mais direto no caso da burocracia estatal cujo objetivo é realizar tal reprodução. Mesmo no caso da burocracia radicalizada, cujo objetivo é a tomada do poder estatal e defender seus interesses de classe, isso só é possível abolindo as relações de produção capitalistas e, no fundo, não tem capacidade para efetivar tal processo. Isso é comprovado pelo caso do capitalismo estatal (União Soviética, Leste Europeu, China, Cuba, etc.), em que a burocracia desbancou a burguesia sem destruir as relações de produção capitalistas, tornando-se assim uma burguesia burocrática, exercendo a dupla função de apropriação do mais-valor e controle social.
Por isso a autonomia da burocracia é relativa. Há uma predeterminação (a reprodução do capitalismo) da qual ela não pode escapar, sob pena de substituição ou abolição. Então ela deve cumprir sua função e por mais que tente se autonomizar e defender seus próprios interesses, a burocratização ou mesmo a substituição da burguesia como classe dominante, isso deve ser feito conjuntamente com a busca da reprodução das relações de produção capitalistas. Nesse sentido, é necessário entender que a burocracia é uma classe auxiliar da burguesia (VIANA, 2012). Ela exerce a atividade de controle social para a reprodução das relações de produção capitalistas, o que significa reprodução da classe capitalista e da acumulação de capital. Da mesma forma, a burocracia está envolvida na divisão social do trabalho e isso, na sociedade capitalista, pressupõe não apenas uma função determinada nessa divisão, mas também estar submetida a ela no seu conjunto, no qual ocorre o processo de mercantilização das relações sociais, a transformação de tudo em mercadoria (bens materiais) ou mercancia (bens culturais ou coletivos). Nesse sentido, as organizações burocráticas são inseparáveis da mercantilização. Voltaremos a isto adiante.
Um elemento fundamental desse processo é que a burocracia não é uma classe social proprietária[6], tal como a classe capitalista. Ela é uma classe social assalariada e improdutiva. Por não ser proprietária dos meios de produção e das organizações que dirige, ela é uma classe não-proprietária e como tudo é mercadoria no capitalismo, ela recebe uma remuneração que permite o consumo e sobrevivência, que assume a forma de salário. Inclusive, devido sua importância para a reprodução do capitalismo, bem como por sua necessidade de formação especializada, seus salários são mais elevados do que os de outras classes sociais, como a proletária e subalterna. A remuneração sob a forma de salário pode permitir o equívoco de pensar que a burocracia faria parte do proletariado. Na teoria marxista das classes sociais, o proletariado é a classe produtora de mais-valor e ele é uma das diversas classes sociais que tem no salário a sua forma de remuneração. Todo proletário é um assalariado, mas nem todo assalariado é um proletário. Os intelectuais, os subalternos, entre outros, são assalariados e não são proletários. O proletariado é a classe dos assalariados produtivos e as demais classes sociais assalariadas são improdutivas. Os assalariados improdutivos, ou seja, que não produzem mais-valor, formam diversas classes sociais determinadas pela divisão social do trabalho e relações de produção capitalistas. Por conseguinte, a burocracia é uma classe social assalariada, improdutiva, não-proprietária, que exerce a atividade de concretizar o controle social no interior do capitalismo.
A classe burocrática, portanto, possui um modo de vida burocrático, envolto em papelada (as normas escritas que a legitima e regulariza suas ações de controle social), regimentos, processos decisórios (das atividades ou por necessidades derivadas de sua execução), busca incessante de controle e regularização, através da normatização. Ela possui interesses comuns e entre os seus interesses de classe se destaca a reprodução burocrática, tanto de cargos (o que significa número de burocratas, que sempre se busca ampliar) quanto de controle (ampliação do poder de decisão e do controle por parte da burocracia). O principal interesse de classe da burocracia é a burocratização. Devido a isso ela também encontra oposição e/ou antagonismo daqueles que estão submetidos ao seu controle, tal como os estudantes numa universidade, operários numa fábrica, subalternos e intelectuais em instituições, etc. Esse processo de luta ocorre em relação aos processos decisórios, definição de objetivos, execução ou forma de execução de ações, entre inúmeros outros casos. O formalismo é uma das estratégias da burocracia para evitar questionamento do processo decisório, da hierarquia, etc. Outra estratégia é o normativismo, bem como o saber burocrático que tem como uma de suas manifestações mais claras no domínio dos regimentos, regulamentos, leis, etc. (o que aumenta sua força no conflito interno, inclusive com usos desonestos de aspectos ambíguos ou até inexistentes nas normas escritas).
A partir disso a burocracia desenvolve uma consciência de classe que aponta para a autovaloração, autolegitimação, etc., e somente em suas tendências mais radicais aponta para a necessidade de tomar o poder estatal e se tornar classe dominante. Ela acaba desenvolvendo um saber burocrático que é fundamental para o processo de controle e manutenção do poder, bem como desenvolve também uma mentalidade burocrática (que gera, por sua vez, em alguns indivíduos, uma personalidade burocrática). A mentalidade burocrática se caracteriza pela busca incessante de controle, formalismo, normativismo[7], valoração e legitimação da dominação, etc. Alguns burocratas (e alguns intelectuais) produzem ideologias burocráticas, seja para realizar sua autovaloração e autolegitimação, seja para justificar o controle e a dominação burocrática. Essas ideologias podem assumir a forma de várias ciências particulares (sociologia, “teorias” da administração, psicologia, etc.) e sob outras formas (como no caso de ideologias políticas, tal como o leninismo e seus derivados – stalinismo, trotskismo, maoísmo, etc.).
Essa análise da burocracia como classe social ficaria incompleta sem abordar as divisões e competição no interior da mesma. A burocracia possui diversas divisões. A mais ampla é a existente entre burocracia estatal e burocracia civil. A burocracia estatal é a que existe no âmbito do Estado e suas instituições e a civil é a que existe nas organizações burocráticas da sociedade civil. Ela possui diversas subdivisões, sendo a principal a que constitui as frações de classe da burocracia. Uma dessas frações é a burocracia estatal, mas existe também a burocracia universitária, partidária, sindical, etc.
A burocracia estatal pode ser dividida em burocracia governamental (que é provisória) e a burocracia estatutária (que é permanente). A burocracia governamental tem como meio de admissão a eleição (via democracia representativa e processo eleitoral)[8] ou nomeação (da burocracia superior eleita) e a burocracia estatutária tem como meio de admissão o concurso público. A burocracia governamental tem uma ampla hierarquia que, em alguns casos, como o brasileiro (sistema presidencialista), o presidente eleito escolhe os ministros que escolhem seus assessores, entre outros. A burocracia estatutária também tem ampla hierarquia e existe no aparato repressivo (exército), jurídico, etc., bem como nas instituições estatais (empresas, autarquias, fundações, etc.).
A burocracia civil é bem mais diversificada. Ela se espalha pela sociedade através das organizações burocráticas, nas instituições de ensino (escolas, universidades, etc.), empresas, partidos políticos, sindicatos, etc. formando frações de classe da burocracia. A burocracia civil se amplia com o processo de burocratização crescente das relações sociais na sociedade capitalista. A necessidade de recursos (dinheiro, devido ao processo de mercantilização) gera a burocratização das organizações da sociedade civil em geral, com raras exceções.
Existe uma outra forma de divisão no interior da classe burocrática, que é a existente dentro das organizações burocráticas. A hierarquia produz uma divisão interna na burocracia e esta pode ser dividida entre burocracia superior, que está no escalão mais alto da hierarquia, e a burocracia inferior, que está no escalão mais baixo. A relação entre estas duas alas da burocracia é geralmente de competição, sob a forma grupal ou individual. Geralmente se formam grupos rivais que disputam o poder interno, mas há também indivíduos que podem mobilizar outros visando sua ascensão individual. Em certos casos, quando burocracias de outras instituições possuem força no interior de uma organização burocrática, ela também é fonte de competição e luta pelo poder (o caso da burocracia partidária e sua disputa nos sindicatos ou da burocracia sindical e sua disputa no interior do partido).
Formação e Desenvolvimento da Burocracia
A burocracia é um fenômeno da sociedade capitalista. Apesar de que em algumas sociedades pré-capitalistas algumas formas organizacionais possuíssem algumas semelhanças com uma organização burocrática, as diferenças são muito maiores. Nas sociedades pré-capitalistas existiram outras formas de dominação, não-burocráticas. Vamos analisar brevemente algumas formas não-burocráticas de dominação para depois abordar o surgimento histórico da burocracia e seu desenvolvimento.
 A dominação é uma relação entre dominantes e dominados. O conceito de dominação remete ao processo social no qual um indivíduo ou grupo exerce controle sobre outro indivíduo ou grupo e toma as decisões que eles devem executar. É uma relação, como já dizia Weber (2004), de mando e obediência, na qual os dominantes controlam e decidem e os dominados são controlados e obedecem, acatando as decisões tomadas pelos detentores do poder. A dominação burocrática se diferencia de outras formas de dominação devido seu formalismo (normas escritas, meios formais de admissão, etc.). No entanto, uma compreensão mais profunda da burocracia pressupõe uma análise comparativa entre ela e as outras formas de dominação. A forma mais elementar de dominação é a compulsória. A dominação compulsória é aquela realizada através da coação, do uso da força física. Ela pode ser exemplificada pela escravidão, servidão, etc. A dominação consentida é a que se concretiza através do consentimento dos dominados[9]. Ela pode ser dividida em três formas, tal como Weber (1986) apontou em relação aos “tipos de dominação legítima”[10]: a dominação personal, a dominação consuetudinária e a dominação contratual. A dominação personal é aquela na qual alguns indivíduos, por sua personalidade e qualidades (supostas ou reais) conseguem instaurar uma relação de mando e obediência, detendo o controle e o poder de decisão sobre outros indivíduos e/ou grupos. Desta forma, ela remete para uma pessoa ou personalidade que consegue, devido suas qualidades individuais (existentes realmente ou apenas atribuídas pelos outros), que controla e comanda outros indivíduos. Esse é o caso dos líderes messiânicos e semelhantes. A dominação consuetudinária é fundada nos costumes e por isso as tradições acabam se revelando fontes de consentimento. A tradição pode colocar que os mais velhos ou os mais experientes devam ter o controle e comando dos demais e assim estes consentem por aceitarem esse costume. Esse foi o caso do coronelismo no Brasil.
A dominação contratual é aquela fundada em um contrato. Esse contrato é a fonte do consentimento e se diferencia da dominação consuetudinária por ser fundado em normas escritas, tal como leis, regulamentos, contratos formais, etc. Esse contrato significa um acordo estabelecido entre as partes, sendo supostamente justo e tendo deveres e direitos para ambos os lados. O direito é a principal fonte de legitimação contratual e onde as disputas encontram sua solução. Quando o contrato é rompido, a dominação compulsória pode tomar o seu lugar (tal como no caso da passagem de um regime político democrático para um ditatorial). A dominação capitalista no processo de produção pressupõe o contrato entre proletário e burguês, sendo o primeiro “juridicamente livre” (mas não socialmente, já que é constrangido a assinar o contrato para conseguir os meios de sobrevivência) e recebe uma “justa remuneração” (apenas aparentemente, pois ela oculta o processo de exploração), sob a forma de salário, pelo seu trabalho. Logo, o contrato parece justo e legitima essa forma de dominação.
Essas formas de dominação podem existir sob forma isolada ou reunida. A dominação personal pode coexistir e ser reforçada pela dominação consuetudinária ou compulsória, ou, ainda, a contratual. Da mesma forma, essa pode conviver com as demais. No entanto, historicamente, a dominação compulsória foi perdendo espaço paulatinamente, bem como a personal e a consuetudinária, pois a forma de dominação específica e predominante na sociedade capitalista é a dominação contratual, que abarca a dominação burocrática. Em certas relações sociais, as demais formas de dominação (nas relações familiares, por exemplo, a dominação consuetudinária, e/ou a compulsória, pode existir e predominar na relação entre pais e filhos, por exemplo). Em síntese, a dominação contratual é a forma predominante de dominação na sociedade capitalista.
A burocracia é uma forma de dominação contratual. Se um estudante faz matrícula em uma escola ou indivíduo se filia num partido político, isso significa aceitação de suas normas escritas (estatutos, regimentos, etc.) e comprometimento em acatá-las. Existiram, historicamente, algumas formas de dominação que possuem elementos em comum com a burocracia. Esse é o caso do modo de produção despótico (“asiático”, “tributário”). A classe despótica explorava os aldeões através da cobrança de tributos. No entanto, não existia um “contrato” ou normas escritas que regularizasse tal cobrança. Os chamados “códigos de Hamurabi” são uma forma embrionária, mas pouco desenvolvida, de norma escrita. A classe despótica era uma classe proprietária e realizava o processo de exploração e dominação, ao contrário da classe burocrática do capitalismo. Tratava-se de uma dominação compulsória. Essas e outras diferenças servem para mostrar a especificidade histórica da burocracia como forma organizacional e como classe social.
As organizações burocráticas vão se desenvolvendo paulatinamente na sociedade capitalista e, por conseguinte, a classe burocrática. A origem da burocracia ocorre através de duas vias principais: a estatal e a empresarial (MOTTA, 1985). A formação do estado absolutista marca o nascimento da burocracia monárquica, antecessora da burocracia moderna. A burocracia monárquica aponta para o processo de criação de uma nova classe social especializada na direção do aparato estatal. Com as revoluções burguesas, emerge a burocracia moderna, já plenamente racionalizada e formalizada[11]. A outra via de emergência da burocracia é a empresarial. A formação do modo de produção capitalista significa a constituição das unidades de produção típicas da sociedade capitalista, as fábricas. No início, a classe burguesa tinha maior presença no processo de produção, mas com o desenvolvimento da acumulação capitalista, ela cada vez se afasta mais do local de produção e em seu lugar uma ampla burocracia vai sendo constituída (gerentes, supervisores, etc.). Uma vez que o modo de produção capitalista vai se desenvolvendo, a burocracia empresarial também vai crescendo e se estruturando, bem como com o desenvolvimento da sociedade capitalista também há uma ampliação da burocracia estatal[12].
Desta forma, podemos observar que a burocracia (forma organizacional e classe social) inicia seu processo de formação no século 16, época do capitalismo comercial, ganhando sua forma mais desenvolvida a partir da revolução industrial e revoluções burguesas (cuja data mais exata varia de acordo com o país). A sucessão de regimes de acumulação fornece a dinâmica do desenvolvimento capitalista, se inicia nessa época, com o regime de acumulação extensivo. Os regimes de acumulação posteriores foram o intensivo, conjugado e integral. É nesse contexto que podemos colocar o desenvolvimento da burocracia como estando intimamente ligado ao desenvolvimento desses regimes de acumulação. Podemos denominar esse processo como ondas de burocratização. No regime de acumulação extensivo (da revolução industrial até aproximadamente metade do século 19) nós temos a consolidação, fortalecimento e formalização das burocracias estatal e empresarial. No regime de acumulação intensivo (do final do século 19 até aproximadamente 1945) temos a segunda onda de burocratização, marcada pela ampliação da burocracia estatal e empresarial e a emergência da burocracia civil (partidos, sindicatos, etc.)[13]. No regime de acumulação conjugado (de 1945 até 1980, aproximadamente) ocorre a terceira onda de burocratização, avançando para novos setores da sociedade, como o lazer, meios oligopolistas de comunicação, etc. No regime de acumulação integral (de 1980 até hoje) temos a quarta onda de burocratização, com a emergência de novas burocracias civis (ONGs, por exemplo) e maior rigidez no controle social.
A burocratização é o processo de ampliação do controle na sociedade, o que pode significar ampliação das organizações burocráticas, transformação de organizações não-burocráticas em burocráticas, intensificação e ampliação do controle social via burocracia, etc. As ondas de burocratização acima se referem a todas essas formas de burocratização. Ela acompanha o desenvolvimento capitalista e a sucessão de regimes de acumulação que marcam também ondas de mercantilização. O processo de mercantilização gera a ampliação da divisão social do trabalho e a transformação de tudo em mercadoria ou mercancia, o que significa não apenas processo de produção, mas também de distribuição e consumo. A mercantilização do lazer, por exemplo, gera a sua burocratização. Isso significa que a mercantilização é geradora de burocratização. Em alguns casos, a burocratização gera mercantilização. O importante é compreender que a burocratização e a mercantilização andam juntas e são derivadas do desenvolvimento capitalista.
Um último aspecto da burocratização é seu processo de constituição na sociedade moderna através da transformação de organizações não-burocráticas em organizações burocráticas. O exemplo clássico aqui é o sindicato. Os sindicatos surgem da luta dos trabalhadores como organizações não-burocráticas. O seu processo de desenvolvimento mostra a sua burocratização que ocorre com o processo de legalização e mercantilização[14]. O processo de legalização significa o reconhecimento pelo aparato estatal e este ocorre com sua regularização legal, o que significa normas escritas do Estado que regularizam a existência e funcionamento dos sindicatos, que, por sua vez, para se adequar à legislação, criam também suas normas escritas internas. O meio de admissão passa a ser a eleição da diretoria e os meios de administração passam a ser posse dos dirigentes sindicais que passam a controlar e ter o poder de decisão sobre o aparato sindical e as reivindicações dos trabalhadores. No entanto, por ser uma organização representativa, o sindicato deve realizar assembleias (e acatar suas decisões, que geralmente são manipuladas pelos dirigentes por possuir acesso às informações, saber burocrático, controle das falas e microfone, concepções e propostas mais estruturadas, etc.) e “ouvir as bases”.
Algumas organizações já nascem com o objetivo de se tornarem burocráticas, tal como grupos que pretendem formar um sindicato ou agrupamentos políticos que querem se tornar partidos políticos, ou, ainda, um conjunto de pessoas que querem fundar uma escola. No entanto, elas ainda não são organizações burocráticas, mas a partir de um certo grau de desenvolvimento, tornam-se uma burocracia informal. A burocracia informal é aquela que já apresenta alguns elementos burocráticos convivendo com outros que são pré-burocráticos. Um grupo político que produz suas normas escritas (estatutos, manifestos), quadro dirigente, processo de controle e decisão, hierarquia, é uma burocracia informal. Ao aprofundar esses aspectos, com o assalariamento, posse de meios de administração, etc., se torna burocracia formal, ou seja, completa. O mesmo ocorre com uma oposição sindical que, antes de ganhar a eleição, é uma burocracia informal por sua organização própria e uma vez ganhando a eleição e tomando posse do sindicato, passa a possuir os meios de administração, salários, etc., o que a torna burocracia sindical, isto é, formal e completa. Isso também ocorre com certas tendências oposicionistas no interior de um partido político. Um conjunto de pessoas que se unem para fundar uma escola também pode constituir uma burocracia informal, caso produzam um esboço, tal como nos demais casos, de uma organização burocrática. A burocracia informal é uma burocracia incompleta, possuindo algumas características definidoras da burocracia e não possuindo outras. É só quando ela consegue adquirir essas características ausentes (assalariamento, meios de administração, etc., dependendo do caso) é que assume o caráter de uma burocracia formal, completa.
Burocracia e Ideologia
A organização burocrática gera um conjunto de representações cotidianas e um saber burocrático, bem como ideologias. No interior de uma organização burocrática os indivíduos (dirigentes ou dirigidos) elaboram representações cotidianas ao seu respeito. Essas representações cotidianas podem ser sistematizadas por ideólogos e se tornarem ideologias. A própria atividade burocrática pressupõe um saber burocrático. O saber burocrático é aquele que domina a forma de funcionamento organizacional, conhece as normas escritas, pois estes são elementos de poder e disputa no interior das organizações burocráticas. O quadro dirigente busca manter o “sigilo burocrático”, monopolizando certas informações e impedindo a sua socialização. Um indivíduo burocrata habilidoso é um profundo conhecedor das normas escritas e do saber burocrático, pois isso é fundamental para vencer a competição, manter o controle e o poder de decisão, etc.
Contudo, a dominação burocrática gera determinadas ideologias que visam sistematizar as representações cotidianas ilusórias existentes e legitimar e valorar a burocracia, bem como aumentar a sua capacidade de controle e comando sobre os dirigidos. Entre essas ideologias burocráticas podemos citar as chamadas “teorias” da administração. Os exemplos mais conhecidos são o taylorismo, fordismo, fayolismo, toyotismo, entre outros (MOTTA, 1987; TRAGTENBERG, 1985). O taylorismo é uma ideologia que visa calcular milimetricamente o controle dos trabalhadores. O uso do cronômetro, a divisão intensa do trabalho, a redução do “tempo morto”, a organização do trabalho detalhadamente, a gerência científica, etc. são formas de controle dos trabalhadores para garantir a extração de mais-valor relativo, o objetivo determinado externamente (VIANA, 2009). A gerência científica é o elemento fundamental desse processo, pois não só aponta para a legitimação e valoração da burocracia (a gerência) como o faz isso através da “ciência”, uma autovaloração da ideologia administrativa.
Além das ideologias administrativas, obras de sociologia e psicologia, entre outras ciências, também são produzidas e expressam o interesse da burocracia como classe social, realizando o processo de naturalização da organização burocrática e seu quadro dirigente. Surgem, também, ideologias burocráticas específicas, que buscam legitimar e valorar organizações burocráticas específicas (o que reforça a valoração e legitimação da burocracia em geral). A filosofia hegeliana do Estado, a concepção política de Lassale, são apenas alguns exemplos, cujo foco é a burocracia estatal. Esse é o caso também da ideologia da vanguarda de Lênin, que busca legitimar e valorar a burocracia partidária (e, secundariamente, a burocracia estatal), as ideologias sindicalistas, entre diversas outras.
A Abolição da Burocracia
A abolição da burocracia pressupõe a abolição da sociedade capitalista, sua fonte geradora e razão de existência. A superação da dominação contratual e sua forma especificamente burocrática pressupõe a formação de novas formas organizacionais. A constituição de formas organizacionais não-burocráticas é fundamental para a superação da burocracia. Esse processo ocorre com a luta contra o capitalismo. A constituição de organizações não-burocráticas é um processo simultâneo de abolição da burocracia. Sem a abolição do capital é impossível a abolição da burocracia. Por isso o fundamental é a transformação das relações de produção capitalistas. Outra condição para abolição da burocracia é a superação do aparato estatal. Esses dois processos (abolição do capital e do estado) são acompanhados por outros processos semelhantes, sendo algo generalizado na sociedade, incluindo transformações culturais e da mentalidade, no conjunto da sociedade civil e na vida cotidiana.
A abolição do capital pressupõe a constituição de novas relações de produção. Na sociedade capitalista, é o proletariado, devido estar no coração dessas relações de produção, que pode realizar tal transformação. A abolição das relações de produção capitalistas significa que o próprio proletariado é abolido, deixa de existir. No entanto, é preciso pensar o que se coloca no lugar delas, ou seja, o que substitui a produção de mais-valor e a relação de classes que a caracteriza e também a burocracia empresarial e a forma de organização da produção. A resposta a esta questão já foi fornecida pelas experiências históricas. O proletariado em sua luta cria novas formas de auto-organização e essas abrem espaço para a superação da burguesia e da burocracia no processo de produção. Desde as formas mais embrionárias, como os comitês de greve, grupos de autoajuda, até chegar a formas organizacionais mais estruturadas como conselhos de fábrica e conselhos operários, temos a constituição de novas formas organizacionais não-burocráticas. Os conselhos operários são a forma mais acabada dessa forma de auto-organização (PANNEKOEK, 1977; GUILLERM e BOURDET, 1976). Eles reúnem vários conselhos de fábrica e desenvolvem o processo de produção e distribuição dentro de um determinado território. Os sovietes, na Rússia (1905 e 1917) foram as primeiras formas de conselhos operários, e as tentativas de revolução na Alemanha (1918-1921), Hungria (1919), Itália (1919) apontam para sua reprodução, o que se repetiu em inúmeras outras experiências históricas e continua reaparecendo sempre que ocorrem tentativas de revolução.
Porém, não basta a auto-organização no local de produção, é necessário abolir o estado, o principal aparato de reprodução do capital. A articulação dos conselhos operários resolve o problema da produção e distribuição num território, mas deve se generalizar em toda sociedade (inicialmente um país, depois mundialmente), bem como se articular outras formas de auto-organização. Outras formas de auto-organização, como conselhos de bairros, grupos revolucionários, conselhos de autodefesa, conselhos de serviços sociais, conselhos educacionais, se unem, num primeiro momento, de forma articulada, para, num segundo momento, realizarem a sua fusão. O processo revolucionário (e a abolição do capital e do estado) ocorre com essa articulação que torna o aparato estatal inútil e promove a despossessão da burocracia estatal dos meios de administração (que passam a pertencer ao conjunto da população e ser geridos pelas formas de auto-organização) e com isso se concretiza a fusão das diversas formas de auto-organização, pois a divisão social do trabalho é abolida.
Nesse processo, os conselhos operários deixam de existir, sendo substituídos por associações de produção, distribuição, serviços, etc., sem o processo de especialização e divisão social do trabalho, mas havendo um processo de organização e divisão temporal do trabalho (VIANA, 2008). A classe proletária deixa de existir, assim como todas as demais, e em seu lugar emerge os produtores associados (MARX, 1988). Todos os indivíduos passam a serem indivíduos livremente associados e responsáveis por todas as funções de produção e reprodução da sociedade, no qual as hierarquias são abolidas, passando a reinar a igualdade e a liberdade.
Assim, a burocracia é substituída pela autogestão social. As formas de auto-organização são o primeiro passo para se constituir a autogestão da produção e sua generalização no conjunto da sociedade. Esse duplo processo de abolição do capital e da burocracia não é apenas um trabalho negativo e destrutivo mas também um trabalho afirmativo e construtivo. A destruição das antigas relações sociais significa a constituição de novas relações sociais. E isso pode ocorrer em determinados lugares inicialmente, mas só se concretiza com sua generalização.
O processo de luta que aponta para a concretização da autogestão ocorre nos espaços dos processos de produção, bem como em todas as demais instâncias da sociedade. Isso pressupõe a formação de uma nova hegemonia – nova cultura, valores, concepções – o que significa que dentro do capitalismo é necessária uma ampla luta cultural e também a formação de formas de auto-organização no interior da sociedade (dos proletários e outros trabalhadores, dos revolucionários, etc.) e nesse processo é possível ocorrer uma formação intelectual que possibilite a autogestão derivada tanto das lutas e experiências revolucionárias quanto da autoformação e da produção cultural revolucionária. Nesse sentido, faz parte da luta pela abolição do capital e da burocracia a luta cultural que é o embrião da nova cultura que inclui tanto a crítica das ideologias e representações cotidianas ilusórias, quando produção de teorias e outras formas de consciência que contribuam com a concretização da autogestão generalizada, o que significa a necessidade de indivíduos associados que consigam realizar o processo de produção e reprodução do conjunto da sociedade.
Esse é um processo amplo e marcado por avanços e recuos. No entanto, essa é a linha geral apontada tanto pelas experiências revolucionárias quanto pelas teorias que são formas de consciência antecipadora. A abolição da burocracia (e do capital) pressupõe que os processos organizacionais existentes hoje e que permitem a realização do que é necessário para a sobrevivência da sociedade e sua reprodução, sejam substituídos por outros, autogeridos. Isso, por sua vez, pressupõe formas de auto-organização e formação intelectual necessária para tal. As experiências históricas são ricas em mostrar como esse processo é possível e se iniciou em diversas oportunidades e sob formas distintas, mas também mostraram as derrotas e hoje é preciso aprender com o que deu certo e com o que deu errado, para superar os erros do passado. A articulação e generalização da autogestão, que pressupõe um determinado grau de desenvolvimento da consciência revolucionária, são os elementos fundamentais para a superação dos erros passados e essa é uma das tarefas que todos que lutam contra o capital e a burocracia devem contribuir para sua concretização.
Referências

DAHRENDORF, Ralf. As Classes e Seus Conflitos na Sociedade Industrial. Brasília: Edunb, 1982.

GUILLERM, Allain e BOURDET, Yvon. Autogestão: Mudança Radical. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.

LAPASSADE, Georges. Grupos, Organizações e Instituições. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Sindicalismo. São Paulo: Ched, 1980.

MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Lisboa: Presença, 1978.

MARX, Karl. O Capital. 5 vols. 1. 3a edição, São Paulo: Nova Cultural, 1988.

MARX, Karl. O Dezoito Brumário e Cartas a Kugelmann. 5ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

MOTTA, Fernando C. Prestes. Teoria Geral da Administração: Uma Introdução. 14ª ed. São Paulo: Pioneira, 1987.

MOTTA, Fernando P. O Que é Burocracia. São Paulo: Brasiliense, 1985.

PANNEKOEK, Anton. Los Consejos Obreros. Madrid: Zero, 1977.

RÜHLE, Otto. Da Revolução Burguesa à Revolução Proletária. Porto: Publicações Escorpião, 1975.

TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e Ideologia. São Paulo: Ática, 1985.

VIANA, Nildo. A Teoria das Classes Sociais em Karl Marx. Florianópolis: Bookess, 2012.

VIANA, Nildo. Anton Pannekoek e a Questão Sindical. In: BRAGA, Lisandro e VIANA, Nildo (orgs.). Anton Pannekoek e a Questão da Organização. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.

VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003.

VIANA, Nildo. Manifesto Autogestionário. Rio de Janeiro: Achiamé, 2008.

VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo: Ideias e Letras, 2009.

VIANA, Nildo. Reflexões sobre o Maoísmo. Revista Enfrentamento. Ano 09, num. 16, jan./jun. 2015. Disponível em: http://enfrentamento.net/ Acessado em 08/07/2015.

WEBER, Max. Economia e Sociedade. Vol. 1. Brasília, Edunb, 2004.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

WEBER, Max. Os Três Tipos de Dominação Legítima. In: COHN, Gabriel. (Org.). Weber. 3a edição, São Paulo, Ática, 1986.






[1] Isso quer dizer que nem todo mundo que está no interior de uma organização burocrática é burocrata. Os burocratas compõem o quadro dirigente, que é hierárquico, o que faz com que seus estratos inferiores se confundam com outros indivíduos no interior da organização. Por isso é importante esclarecer que, nessa forma de organização, nem todo cargo é burocrático. Em determinadas organizações burocráticas podem coexistir com a burocracia os intelectuais e os subalternos, fazendo parte do quadro geral de assalariados. Numa escola, por exemplo, além da burocracia escolar, existe a cozinheira, o funcionário da limpeza e o segurança, que são integrantes da classe subalterna e não são burocratas, sendo dirigidos e não dirigentes. Da mesma forma, nessa mesma escola, existem professores e pode existir um psicólogo. Os professores e o psicólogo não são burocratas e sim intelectuais, cujo poder de decisão ocorre no âmbito restrito de sua formação intelectual e profissão, além dos processos eleitorais gerais da instituição (que, nesse caso, também é composto pelos estudantes e subalternos). Eles também não são dirigentes. Obviamente que alguns indivíduos da classe intelectual podem assumir um cargo burocrático, mas ou isso é provisório (durante um mandato, por exemplo, que ao término ele retorna a condição específica de professor, embora ainda, na maioria, continue com suas atividades docentes) ou então ele se torna um burocrata, deixando de ser intelectual. Por conseguinte, a ideologia da “nova classe média”, surgida nos Estados Unidos, apenas confunde e demonstra não possuir base teórico-metodológica adequada. Assim, ao invés de distinguir dentro das empresas e organizações burocráticas em geral as classes sociais presentes, tende a englobar todas nesse rótulo superficial (DAHRENDORF, 1982).
[2] Assim, quanto maior é a organização burocrática, maior é a divisão social do trabalho e a especialização (expressa nos cargos e atribuições). As pequenas organizações burocráticas apresentaram um grau menor de divisão social do trabalho, bem como um baixo processo de especialização. Isso significa que a tendência das organizações burocráticas é aumentar a divisão social do trabalho e especialização com seu crescimento. A competição interna é o resultado desse processo e sempre envolve a burocracia superior e inferior, grupos burocráticos, indivíduos. Essa competição interburocrática ocorre frequentemente e tem sua forma mais visível nas burocracias governamentais, partidárias e sindicais. Um exemplo disso é a competição interburocrática na China expressa pelo maoísmo (VIANA, 2015).
[3] Aqui se trata de admissão para o quadro dirigente (cargos burocráticos) e não de todos que podem estar numa determinada instituição (nesse caso pode haver adesão voluntária – como no caso dos partidos políticos – processos seletivos – como no caso de estudantes em universidades – entre diversas outras possibilidades).
[4] Claro que isso é o que consta nas normas escritas e que nem sempre ocorre exatamente dessa forma, pois muitos indivíduos se apropriam de bens estatais, o que é, no entanto, imoral e ilegal, sendo passível de punição, o que também nem sempre ocorre.
[5] A divisão social do trabalho gera não somente diferenciação na sociedade, mas, devido ao processo de exploração constituído nas relações de produção dominantes, um antagonismo entre as classes fundamentais e gerando interesses diferenciados e por vezes opostos nas demais classes existentes.
[6] Isso foi explicitado anteriormente quando afirmamos que ela possui a posse dos meios de administração e não a propriedade dos mesmos. A propriedade significa um poder permanente e total de determinado indivíduo ou grupo e a posse significa um poder parcial e provisório de determinado indivíduo ou grupo.
[7] É preciso compreender que o normativismo e o formalismo são armas da burocracia para manter o controle das instituições. No entanto, em alguns casos ela pode ser contra certas normas e formalidades. Isso ocorre porque a burocracia usa as normas para legitimar e garantir o seu poder de decisão formal, mas em certos casos elas podem dificultar o seu poder de decisão informal. A existência de determinadas normas, regras, formalidades, etc., pode diminuir sua capacidade de manobra e efetivação do poder de decisão informal. Assim, numa instituição universitária que uma burocracia externa (Ministério Público, no caso brasileiro, por exemplo) exige determinadas normas universais para concurso público, isso diminui a margem de manobra de certos burocratas no processo de influência na admissão de novos burocratas ou outros indivíduos na mesma. Assim, a burocracia sempre quer mais normas e formalismo, mas somente quando isso reforça o seu poder de decisão formal e sempre se colocará contra quando isso diminui o seu poder de decisão informal.
[8] Com exceção dos regimes ditatoriais que não realizam processos eleitorais de nenhum tipo. Nesse caso, o que ocorre é que a própria burocracia estatal decide quem são o quadro dirigente do aparato estatal. Isso, sem dúvida, abre espaço para lutas interburocráticas pelo poder, tal como ocorre especialmente no capitalismo estatal. Os casos russo (Stálin versus Trotsky) e chinês (Mao versus “revisionistas”) são exemplares nesse aspecto.
[9] Sem dúvida, a dominação compulsória traz algo de consentimento, bem como a dominação consentida traz algo de compulsório. O escravo poderia se rebelar, mas sofreria as consequências, o castigo. O operário consente, mas isso para evitar as consequências (não satisfação de suas necessidades). A dominação compulsória se fundamenta nas consequências da desobediência (o castigo) e a dominação consentida nas consequências da obediência (o “benefício”, no caso, o salário). No entanto, em que pese existir um certo consentimento na dominação compulsória e uma certa compulsoriedade na dominação consentida, a supremacia é evidente nos dois casos, bem como a sua forma de reprodução principal. Um não existiria sem o outro.
[10] A diferença de nossa abordagem para a de Weber não é apenas terminológica, mas também teórica e metodológica. Para nós, não se trata de “tipos ideais”, ou seja, elaborações unilaterais dos pesquisadores que geram modelos que raramente ou nunca se encontram em “estado puro” na realidade. Aqui se trata de conceitos, tal como definidos por Marx, ou seja, expressões da realidade, tal como ela é. Além dessa diferença metodológica, que gera uma diferença terminológica, há a questão teórica, pois a discussão sobre “dominação carismática” (personal) em Weber é problemática, pois acaba ganhando um certo ar misterioso (talvez devido ao vínculo com o caso religioso), bem como a falta de historicidade e vínculo com a totalidade em todos os três casos.
[11] A respeito do estado capitalista, veja Viana (2015).
[12] Tal como Marx (1986) coloca em relação à burocracia estatal, quando mais se amplia a divisão social do trabalho na sociedade, também mais material de atuação surge para o estado.
[13] A burocracia civil existente anteriormente a isso era a eclesiástica, mas que era uma forma de dominação consuetudinária vinculada ao modo de produção feudal que vai deixando de ser uma forma totalizante e vai se especializando e assumindo a forma burocrática, especialmente a partir do século 19. Lapassade (1988) analisa as fases da burocracia e sua periodização coincide com a nossa.
[14] Há uma abundante bibliografia sobre tal processo de burocratização do sindicatos (PANNEKOEK, 1977; RÜHLE, 1975; VIANA, 2011). Isso foi produto do processo histórico, que gerou na militância revolucionária, a percepção desse fenômeno, nem sempre com clareza e realizando as relações necessárias com a totalidade e seus aspectos. Os limites dos sindicatos já são percebidos desde Marx (1980) e sua burocratização e conservadorismo crescente, promove ampliação na percepção do seu caráter burocrático.
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