CAPITALISMO
E PANDEMIA
Nildo
Viana
A relação entre capitalismo e pandemia é complexa e envolve
dois elementos fundamentais. O primeiro elemento é a produção capitalista de
pandemias. O segundo elemento é o combate à pandemia no capitalismo. Derivado
disso, temos um terceiro elemento, que são as consequências das pandemias na
sociedade capitalista. Isso pode ser abordado de forma abstrata, num plano mais
teórico, ou pode ser abordado no plano concreto do capitalismo contemporâneo.
Abordamos, inicialmente, num plano mais abstrato e depois num plano mais
concreto.
O primeiro elemento que é necessário destacar é que o
capitalismo produz pandemias. Sem dúvida, antes do capitalismo existiram surtos,
epidemias e algo próximo de pandemias[1].
Porém, o capitalismo gera uma mundialização antes inexistente e além disso cria
uma divisão internacional do trabalho que gera uma interdependência entre os
países e relações internacionais constantes. A ampla circulação de mercadorias
é veloz e cria fluxos internacionais dos agentes responsáveis por sua
materialização. O desenvolvimento tecnológico, que afeta meios de transportes,
e a circulação de mercadorias torna o fluxo internacional de pessoas algo cada
vez mais intenso. Por outro lado, as ações estatais e militares também
movimentam pessoas internacionalmente, além dos eventos esportivos e
artísticos, bem como educação e trabalho que geram mobilização internacional.
As mudanças sociais mais recentes permitiram, por sua vez, maior acesso aos
voos internacionais, bem como o uso de barcos, transporte terrestre, permitindo
uma passagem de um país para outro sob forma mais ampla e rápida. O caso dos
atuais enxames de gafanhotos que passam do mundo árabe para o continente
africano é apenas um exemplo da possibilidade que o capitalismo permite de passagem
de um problema de um país ou região para outro.
Nesse contexto, doenças virais são mais facilmente e mais
rapidamente repassadas de um país para outro e quanto mais se desenvolve o
capitalismo, isso é mais intenso. Claro que podemos tratar também da origem dos
vírus e seus vínculos com o capitalismo. Diversos vírus podem emergir graças a
mudanças ambientais e climáticas, provocadas pelo capitalismo. Os vírus também
podem surgir através da sua fabricação pelos próprios seres humanos, seja para
guerra biológica, seja por interesses farmacêuticos para lucrar com a cura
posterior da doença fabricada.
Assim, o capitalismo é um produtor de pandemias, embora isso
não apareça imediatamente na consciência das pessoas, pois o imediato é mais
visível, enquanto que as mediações/determinações são menos perceptíveis. Um
acontecimento é rapidamente perceptível em si, mas o seu processo de constituição,
suas determinações, já não são acessadas pela consciência imediatamente, com
raras exceções. Um vírus que surge na cidade X remete para a responsabilização
desse local e não das condições sociais, ambientais e outras, que permitem sua
emergência, bem como transmissão e disseminação.
O segundo elemento que devemos destacar é o combate às
pandemias no capitalismo. O capitalismo tende a criar um alto grau de
disseminação de doenças virais, devido aos elementos já aludidos, e isso é mais
grave quando o modo de transmissão é mais amplo e o grau de transmissibilidade
é mais elevado. No caso de alguns vírus, a pandemia pode demorar mais tempo do
que no caso de outros, e assim o combate é mais fácil no primeiro caso. Quanto
maior é a velocidade de transmissão, maior é sua disseminação. E, nesse caso,
piores são as condições para seu combate.
No capitalismo, o combate à uma pandemia ocorre
fundamentalmente através do aparato estatal e, secundariamente, através dos
serviços de saúde (estatais e privados) e de iniciativas privadas, incluindo o
capital farmacêutico, instituições de pesquisa, entre outras. Porém, o Estado
não pode priorizar o combate à pandemia, pois está vinculado a outros
interesses, pois ele expressa os interesses da classe capitalista. Esse combate
só se torna prioridade quando ele aparece como ameaça ao capitalismo, seja no
plano meramente econômico, seja no plano das reações populares diante do caos
que pode se instalar. E isso é mais grave no atual estágio do capitalismo,
comandado pelo regime de acumulação integral, no qual o estado é neoliberal e
desestruturou sua coordenação da economia, reduzindo o intervencionismo
estatal, privatizando empresas estatais, etc. Assim, o Estado capitalista tem
uma capacidade limitada para enfrentar pandemias com alta transmissibilidade e
disseminação.
Os serviços de saúde também não são capazes de enfrentar uma
pandemia, pois eles funcionam de acordo com a lógica capitalista da oferta e da
procura. Os serviços privados de saúde, incluindo planos de saúde, hospitais,
clínicas, profissionais, etc., possuem uma oferta que é de acordo com a demanda
existente, que é a daqueles que podem pagar ou possuem planos de saúde. A oferta
dos serviços privados de saúde gira em torno da demanda efetiva e não da
demanda potencial. Por exemplo, dos 100% das pessoas que possuem planos de
saúde, podemos dizer que, hipoteticamente, apenas 10 ou 20% o usam simultaneamente.
O capital sanitário garante uma oferta equivalente à essa demanda efetiva e não
em relação à demanda potencial, que é de 100% dos usuários. A razão disso é
óbvia: o capital sanitário visa o lucro e, portanto, gera a oferta relativa à
demanda efetiva para poder lucrar e oferecer mais do que isso diminuiria a
lucratividade. Ele tem capacidade para ampliar a oferta e pode aumentá-la um
pouco, mas ela é limitada e a margem de aumento possível é relativamente
pequena, especialmente em curto prazo. Logo, uma pandemia com alto grau de
transmissibilidade e disseminação tende a aumentar drasticamente a demanda e
isso ocorre sem a capacidade de aumento da oferta na mesma proporção, sendo
geralmente muito inferior.
Os serviços estatais de saúde, por sua vez, não visam lucro.
No entanto, eles possuem despesas, como a remuneração dos funcionários,
instalações, materiais para atendimento, etc. Isso não é gratuito, embora os
usuários não paguem diretamente por isso. Os serviços estatais de saúde
conseguem seus recursos através das verbas que são repassadas pelo Estado, que transfere
parte da renda estatal para eles. A renda estatal, por sua vez, tem sua origem
na sociedade e, no fritar dos ovos, do mais-valor global produzido pelo proletariado
no conjunto da sociedade e drenada sob a forma de impostos, taxas e outros
meios. Porém, o aparato estatal tem inúmeras despesas, desde a burocracia
estatal aos diversos aparatos estatais (educação, cultura, infraestrutura,
etc.) e por isso os recursos cedidos para o setor de saúde dependem de várias
determinações. No capitalismo contemporâneo, com a instauração do
neoliberalismo, há a diretriz de diminuir os gastos estatais com políticas de
assistência social, tal como saúde e educação. Independentemente disso, os
serviços estatais de saúde apresentam uma oferta muito inferior à demanda efetiva,
e, por conseguinte, é incapaz de atender a demanda potencial. Tendo em vista
que os usuários desses serviços são geralmente indivíduos das classes
inferiores, que possuem piores condições de vida, sanitárias, urbanas, o que
gera uma maior tendência para problemas de saúde, bem como menor capacidade
financeira de buscar serviços privados, a situação é calamitosa. Isso significa
pessoas não atendidas e até morte por falta de atendimento dos serviços de
saúde. Num momento de pandemia, na qual a demanda efetiva aumenta
drasticamente, especialmente no caso já citado de alto grau de
transmissibilidade e disseminação, os serviços estatais de saúde se tornam
incapazes de atender esse aumento de demanda, bem como, com o passar do tempo, ela
fica ainda mais restrita por causa dos gastos de recursos (como remédios, vacinas,
etc.), a não ser que o Estado passe a repassar verbas extras para que mantenha
um atendimento mínimo.
Sem dúvida, a ação estatal pode ser também preventiva e de
contenção. É possível, por exemplo, fechar os aeroportos para evitar a entrada
de pessoas contaminadas, bem como outras medidas. As medidas preventivas,
quanto mais rápidas ocorrerem, podem ser mais eficazes. Porém, dificilmente um
país consegue manter por muito tempo esse tipo de medida, tanto por necessidade
econômica como por pressão social. Logo, a sua eficácia depende da velocidade
da transmissão e disseminação, sendo mais eficaz se for realizada
antecipadamente, o que é difícil devido à resistência de setores da sociedade,
especialmente pelo perigo não ser percebido e assim ser um ato aparentemente
sem justificativa ou por outras razões, como apego aos interesses imediatos, crenças
irracionais, entre outras possibilidades.
É claro que isso varia de acordo com a época e sociedade. No
passado, com o Estado intervencionista, o controle estatal seria mais fácil.
Hoje, com o Estado neoliberal, é mais difícil. Antes, a disseminação era um
pouco mais lenta, agora é mais rápida. Além disso, os serviços estatais nos
países capitalistas imperialistas, mesmo com seu enfraquecimento com a emergência
do neoliberalismo, possuem muito mais recursos do que nos países de capitalismo
subordinado, para citar apenas um exemplo. No entanto, apesar dessas
diferenças, esse é o caso que, com variações de grau e intensidade, ocorre a
nível mundial.
Por fim, temos as consequências de todo esse processo. A
primeira consequência que podemos observar é quem é mais atingido pela
pandemia. No início do processo, são indivíduos das classes superiores os mais atingidos.
No atual caso do coronavírus, por exemplo, isso é perceptível, tal como se vê no
caso da comitiva do Presidente Jair Bolsonaro ou a cantora Preta Gil, que estiveram
entre os primeiros casos de contágio. Uma vez que o vírus chega no país, ele
começa a ser transmitido localmente. Os indivíduos das classes superiores
repassam o vírus para outros da mesma classe e também para indivíduos das
classes inferiores, como trabalhadoras domésticas, funcionários de lojas e
empresas, etc. Quando a transmissão se torna local, tende a se expandir para as
classes inferiores. Essas, devido suas condições financeiras, ambientais,
sanitárias, entre outras, são mais frágeis diante de uma pandemia. E isso é
mais grave ainda no caso dos trabalhadores, pois grande parte deles não são
dispensados ou não podem deixar de trabalhar. Logo, ficam mais expostos às
doenças contagiosas.
As ações estatais visando conter o avanço da disseminação,
tal como paralisação de trabalho e outras atividades sociais, bem com
fechamento de comércio e serviços, tende a gerar problemas econômicos e quando
chega ao ponto de atingir o abastecimento, pode gerar fome, revoltas e outros
processos que são de difícil previsão, mas que pode incluir disseminação do
vírus. Mesmo que isso não aconteça, o consumo e a produção tendem a ser
atingidos, com maior ou menor gravidade dependendo da ação estatal e do
contexto mais geral, o que tende a gerar, mesmo após o fim da pandemia, grave
crise econômica e outras que podem lhe acompanhar.
Assim, a fome, o desemprego, a morte de infectados, são
algumas das consequências mais a curto prazo de uma pandemia de altas
proporções, e, a médio prazo, uma grave crise econômica que pode gerar muitos
problemas sociais e atingir drasticamente as classes inferiores, aumentando a
lumpemproletarização e o empobrecimento, bem como atingido as classes
trabalhadoras com a necessidade de um maior grau de exploração para a retomada
da acumulação capitalista.
Em síntese, o capitalismo incentiva a produção de pandemias
e, ao mesmo tempo, não tem capacidade de contê-las quando elas são mais graves,
o que pode ser intensificado por ações governamentais lentas ou incompetentes,
ou, ainda, por existência de um aparato estatal de pouca força
intervencionista, como é o caso do atual estado neoliberal.
Num nível mais abstrato de análise, essa é a situação. Passando
para uma maior concreticidade, tal como o caso do coronavírus, temos uma situação
bem específica e algumas consequências e tendenciais. Ainda não se sabe
adequadamente (e de forma confiável) a origem desse vírus, bem como ainda não
há uma explicação de suas características específicas (alto grau de
transmissibilidade e disseminação, para além da questão social, tal como a mundialização
e fluxo intenso de pessoas, mercadorias, etc.)[2].
Porém, a pandemia se concretizou e as ações estatais foram, em muitos casos, relativamente
rápidas e fortes, o que foi surpreendente e que ocorria por acesso a informações
que a maioria da população não possui (e inclusive algumas talvez ainda não reveladas).
A princípio, as medidas estatais relativamente rápidas e voltadas para prevenção
e contenção, tem como justificativa a incapacidade dos serviços de saúde de
atender uma demanda crescente e inesperada, o que é verdade, mas não parece ser
toda a verdade. De qualquer forma, a pandemia é uma realidade e as ações governamentais,
que variam de país para país e mesmo numa mesma nação com o passar do tempo, foram
relativamente rápidas e geralmente voltadas para a contenção. O coronavírus se apresentou
como uma ameaça e por isso as medidas estatais foram tomadas.
Um elemento importante é que o coronavírus provocou ações não
liberais de governos neoliberais. A intervenção estatal ampliada, o aumento dos
gastos estatais, entre outras iniciativas, mostram uma ação estatal contra os
ditames do neoliberalismo hegemônico. As chamadas medidas de contenção, no
entanto, promovem várias críticas e isso tem sua razão de ser: são não liberais
e, além disso, atingem o processo de produção e distribuição de mercadorias,
que, em curto prazo, pode ser aceitável, mas sua extensão no tempo vai se
tornando, para o capital, cada vez menos sustentável, bem como atinge os
pequenos proprietários, trabalhadores autônomos, etc., e tende a gerar falências,
desemprego, diminuição do consumo, etc. Essa é uma das razões para que muitos
se coloquem contra as políticas de contenção via reclusão doméstica, ou “isolamento
social”.
O dilema do capitalismo contemporâneo a partir da expansão
do coronavírus é: ou se busca a contenção gerando uma grave crise econômica posterior
ou não se contém e se gera uma grave crise sanitária imediatamente. A política
de contenção adia a crise, embora com o passar do tempo se aproxima cada vez
mais dela. Ela adia a crise sanitária, mas se aproxima da crise econômica se se
prolongar muito. A política de não-contenção deixa a crise sanitária se
instalar e tenta, através disso, deixar as consequências nefastas atingirem
apenas os indivíduos do chamado “grupo de risco” e classes inferiores, tentando
manter a “normalidade” do processo de produção e distribuição capitalistas. Assim
tenta evitar a crise econômica[3].
Se a política de contenção conseguir um sucesso relativamente mais rápido, a
crise econômica posterior poderá ser mais amena, mas não é isso que parece
ocorrer, pois o coronavírus parece ser mais perigoso do que se pensa e o abandono
das políticas de contenção podem significar o seu retorno[4],
sendo necessário retomar tais políticas e numa situação ainda mais difícil.
No entanto, as consequências da pandemia no atual contexto
do capitalismo contemporâneo apontam para algumas tendências principais. As ações
governamentais já contrariam as diretrizes neoliberais e as consequências econômicas
de tais medidas e da pandemia, tendem a gerar uma crise do regime de acumulação
integral. Esse regime de acumulação já se encontrava em desestabilização e já
apontava para uma tendência no sentido de entrar em crise. Contudo, a crise
agora é uma tendência ainda mais poderosa e quase inevitável, pois os gastos
estatais com as políticas adotadas vão gerar uma dívida pública superior, bem
como ainda serão necessárias, quer se queira ou não, a sua continuidade, e a
inflação, depois de sua contenção monetarista por um bom tempo, tende a voltar
com força. Ao lado disso, o desemprego, falências, e outras consequências, que
podem variar em magnitude de país para país, ocorrerá inevitavelmente, sendo
que o que se pode especular é sobre sua intensidade e gravidade.
Assim, o cenário pós-epidemia aponta para uma forte tendência
para a crise do regime de acumulação integral que, por sua vez, pode gerar uma
crise do capitalismo. Se isso já estava no horizonte, agora se torna ainda mais
provável e próximo. A passagem de uma crise do regime de acumulação para uma
crise do capitalismo é tendencial, tal como ocorreu na crise do regime de
acumulação conjugado no final dos anos 1960. Assim, as políticas estatais pós-pandemia
poderão seguir o sentido de mais neoliberalismo, o que tende ao suicídio político
de governos, ou uma retomada do intervencionismo estatal, seja sob a forma de
um keynesianismo autoritário, ou outra forma estatizante e que combine intervencionismo
estatal na economia para salvar empresas capitalistas e alto grau de repressão
para evitar acirramento das lutas de classes[5].
Uma das tendências, portanto, é a crise do neoliberalismo. Essa
forma estatal se mostra questionada pelas ações governamentais distintas das
diretrizes do neoliberalismo durante as políticas de contenção do coronavírus,
e o caos econômico que virá posteriormente demandará sua continuidade, sendo
uma nova necessidade do capital e, por conseguinte, nova tarefa política e econômica
da burguesia e do aparato estatal. Desta forma, os governos neoliberais ou
liberal-conservantistas devem mudar suas políticas ou serem substituídos[6].
A ideologia neoliberal e as diversas concepções liberais deverão se
enfraquecer. Assim, a tendência é um maior intervencionismo estatal na
economia, bem como maior repressão social. Esse último aspecto deve ser
fortalecido pela intensificação das lutas de classes. As greves selvagens que
já emergiram apontam justamente para uma maior tendência de acirramento das
lutas sociais e as consequências gerais na população, como aumento ainda maior
do desemprego, dificuldades financeiras, crescimento da pobreza, tendem a
generalizar o descontentamento social e manifestações, protestos, greves, etc.
Além do neoliberalismo, outros aspectos do regime de acumulação
integral tendem a ser atingidos, como as relações de trabalho, no qual o
capital tenderá aumentar a taxa de exploração (e o aumento do desemprego e
oferta de força de trabalho podem contribuir com esse processo) e acirrar a
busca de aumento de mais-valor absoluto, bem como as relações internacionais tendem
a se alterar, não só por propostas nacionalistas que se fortalecerão (inclusive
devido ao trauma e a uma certa paranoia que surgirão pós-pandemia), mas por
medidas concretas no geral e tentativa de aumento da exploração internacional
do bloco imperialista em relação ao bloco subordinado. O modo de produção
capitalista será atingido pela situação pós-pandemia e a solução do capital é
sempre aumentar a exploração, interna (do proletariado em cada país) e externa
(dos países imperialistas sobre os países subordinados, o que significa aumento
ainda maior da exploração dos trabalhadores destes últimos).
Outra tendência é a crise do paradigma subjetivista. O
subjetivismo e seus derivados, como o individualismo, valoração do “sujeito” e
da “subjetividade”, são correspondentes ao regime de acumulação integral e ao
neoliberalismo. Uma situação na qual a estatização e intervencionismo estatal
tendem a aumentar, suas bases sociais tendem a ser corroídas. A tendência ao
estatismo significa uma tendência ao objetivismo e ao holismo, o que é oposto
ao subjetivismo e individualismo. As concepções republicanas, nacionalistas, fascistas,
social-democratas, entre outras, todas holistas, tendem a ganhar espaço e a alteração
mais provável das políticas estatais também apontam para isso. A própria experiência
gerada pela pandemia, apesar dos discursos imaginários e irrealistas de alguns,
tende a corroer as bases sociais do subjetivismo, pois não somente as políticas
de contenção significaram maior presença estatal e menos espaço para o
individualismo e suas fantasmagorias, como também os discursos identitários e
de grupos perdem o sentido diante da situação coletiva que atingiu a toda a população.
Assim, a tendência é o recuo das ideologias subjetivistas,
incluindo a “política de identidades” e sua força nos movimentos sociais, e
foco nas questões sociais, aumentando o espaço para os movimentos sociais
populares e o movimento operário e de trabalhadores em geral[7].
Por mais que muitos insistam nos discursos subjetivistas, sobre identidades e “minorias”,
que já se encontravam caminhando para o esgotamento, o seu espaço tende a se
diluir drasticamente. Os setores que possuem uma percepção mais lenta das mutações
culturais vão, com o passar do tempo, se adaptando às novas concepções hegemônicas,
que, doravante, tendem a ser fundadas no objetivismo e holismo[8].
O mais provável é que a crise do regime de acumulação
integral vai gerar um momento de transição, na qual alguns ainda vão insistir
em saídas neoliberais e muitos vão buscar alternativas e o estatismo será a
principal característica e o retorno ao keynesianismo e outras concepções semelhantes
será a tendência mais forte. Em outras palavras, a classe dominante buscará uma
saída e um novo regime de acumulação. As dificuldades nesse sentido são
evidentes, inclusive por pressupor aumento ainda mais intenso da taxa de exploração.
Sem dúvida, ainda restam como saída, nos países imperialistas, o fascismo e a
guerra. Por outro lado, a tendência ao fortalecimento das lutas operárias e
sociais em geral, é outro elemento que vai pesar na balança e promover uma tendência
distinta e humanizadora, que é a transformação radical e total das relações
sociais. O retorno da luta do proletariado e demais trabalhadores que tendem a
se aglutinar ao seu redor, gera uma outra tendência que é transformar a crise
do regime de acumulação em crise do capitalismo. A emergência de novas
tentativas de revoluções proletárias pode ocorrer com o desdobramento dessas
lutas. E, assim, do caos pode emergir uma nova sociedade. A tendência à barbárie
convive com a tendência à autogestão generalizada, a sociedade autogerida.
Assim, no plano das tendências, o capitalismo pós-pandemia
não será o mesmo, não só pela pandemia, mas principalmente por suas consequências
econômicas. E as classes inferiores tendem a sofrer na pele as consequências e
tentativas de recuperação do capitalismo pós-pandemia. O acirramento das lutas
de classes e a radicalização da luta operária e das lutas sociais em geral é
uma tendência poderosa, ao lado de outras. E novamente a possibilidade de transformação
social radical e total se coloca no horizonte. E por isso devemos trabalhar no
sentido de fortalecer essa tendência ao invés de cruzar os braços e não combater
a outra tendência, um capitalismo ainda mais cruel, inclusive com tendência à
regimes ditatoriais, empobrecimento populacional e guerras.
Referências
CLARKE, John. Coronavírus,
clima e capital: a irracionalidade destrutiva do capitalismo. In: Mutatis
Mutandis. Disponível em: https://revolucio2080.blogspot.com/2020/03/coronavirus-clima-e-capital.html
VIANA, Nildo. Hegemonia
Burguesa e Renovações Hegemônicas. Curitiba: CRV, 2019.
Notas:
[1] O surto ocorre quando a disseminação de uma doença atinge
repentinamente determinada região, como um bairro ou uma cidade. Uma epidemia ocorre
quando a quantidade de casos é extensa em atinge diversas regiões (cidades, estados,
etc.). A pandemia, por sua vez, ocorre quando uma doença se espalha e avança
por várias regiões, se generalizando, atingindo, tendencialmente ou
concretamente, todos os países e continentes. Algumas doenças não podem gerar
pandemia, pois para esta existir teria que haver condições ambientais similares
em todos os lugares atingidos (o que, no nosso planeta, é algo que somente a ação
humana poderia gerar, tais como uma guerra nuclear generalizada ou poluição
generalizada) ou serem contagiosas, passando de ser humano para ser humano. As
doenças contagiosas são diferentes e algumas tem maior facilidade e capacidade
de contágio, gerando, portanto, uma maior potencialidade para a formação de pandemia.
Assim, a dengue pode gerar epidemia, mas não pandemia, pois ela é transmitida
por um mosquito e esse dificilmente consegue se instalar em todos os lugares,
devido às diferenças climáticas, ambientais, etc. A gripe, em suas várias
formas, por exemplo, tem potencial pandêmico maior, por serem contagiosas, e
mais especialmente em suas formas mais agressivas.
[2] Sem dúvida, para as
pessoas crédulas e que confiam nas informações oficiais e “autoridades
científicas” (com suas divergências e distintos graus de confiabilidade), não parece
haver nenhuma dúvida e tudo estar suficientemente explicado. Porém, o que aqui
questionamos é a confiabilidade de tais informações e análises, por mais que venham
de supostos cientistas, renomados ou reconhecidos, e instituições (como a OMS –
Organização Mundial de Saúde), pois os interesses por detrás destas instituições
e os limites do saber científico vulgar dificilmente poderia confiança nos seus
discursos.
[3] As duas crises, sanitária
e econômica, estão entrelaçadas, mas o foco de alguns é a primeira e a de
outros é a segunda, sendo que uma tende a gerar a outra posteriormente.
[4] Isso
pode ser visto em notícias que apontam para a preocupação com isso, embora haja
questões complementares a serem analisadas (imunização, por exemplo): https://noticias.r7.com/saude/coronavirus-chegar-ao-pico-da-curva-de-contagio-nao-encerra-quarentena-dizem-especialistas-04042020
[5]
Inclusive discursos higienistas e sanitaristas tendem a se fortalecer e
justificar/legitimar ações estatais.
[6] No
caso brasileiro, o governo Bolsonaro mostrou mais uma vez sua incompetência ao não
aproveitar a oportunidade para desfazer a aliança do seu conservantismo com o
neoliberalismo, tanto por pressão de setores do governo e do capital, quanto
por falta de capacidade estratégica. As concessões ao neoliberalismo poderiam
ter sido superadas se tivesse adotado, aproveitando a situação, uma forma estatizante,
que é a mais adequada ao conservantismo. Isso significa que, no caso brasileiro,
o governo Bolsonaro enfrentará dificuldades crescentes para se manter e isso se
tornará mais grave pelo simples motivo que o próprio capital vai abandonar as
diretrizes neoliberais por necessitar de apoio estatal, o que pode significar,
inclusive, o fim de tal governo antes do término do mandato ou então uma
mudança drástica em sua orientação.
[7]
Sem dúvida, as classes inferiores são as que mais sofrerão com a pandemia e, principalmente,
a situação pós-pandemia (CLARKE, 2020).
[8]
Uma rápida análise da história do capitalismo demonstra justamente o revezamento
entre tais posições: iluminismo (antes da revolução francesa), romantismo (pós-revolucão),
positivismo (regime de acumulação intensivo), organicismo (nazifascismo e regime
de acumulação bélico), reprodutivismo (regime de acumulação conjugado
pós-Segunda Guerra Mundial), subjetivismo (regime de acumulação integral, pós-1980)
(VIANA, 2019). Assim, o revezamento mostra a força de determinadas concepções (que
se manifestam sob formas diferentes, mas seguem alguns elementos básicos e que
se observa na sequencia iluminismo-positivismo-reprodutivismo e na sequencia
romantismo-organicismo-subjetivismo, sendo que determinada característica
assume mais força dependendo do paradigma hegemônico, e tendo em vista que o organicismo
foi regional (o nazifascismo na Alemanha e Itália), apesar de ter semelhantes
que não se tornaram hegemônicos em outros países. O caráter holista esteve presente
em quase todos, mas o objetivismo foi típico do iluminismo, positivismo e reprodutivismo.
Essas antinomias do pensamento burguês ajudam a explicar a recombinação dos
elementos da episteme burguesa em cada regime de acumulação, de acordo com as
necessidades do capital e as tarefas econômicas e políticas da burguesia,
efetivadas via aparato estatal, gerando paradigmas hegemônicos que lhes são correspondentes.
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