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sábado, 18 de janeiro de 2020

QUANTO VALE A SUA VIDA?

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QUANTO VALE A SUA VIDA?
Nildo Viana

Se alguém perguntar aos leitores deste artigo, “quanto quer (em dinheiro) por sua vida” ou “quanto vale a sua vida”, a maioria deles ficaria surpresa, sem entender ou indignada. A vida é considerada por muitos como um valor fundamental e o direito à vida, bem como o respeito, é algo quase consensual em nossa sociedade. Assim, perguntar sobre o valor monetário da vida é uma ofensa, um disparate ou então uma brincadeira de mau gosto.
No entanto, tudo o que precisamos para viver precisa ser comprado com dinheiro. O ser humano, para sobreviver, precisa de habitação, alimentação e inúmeros outros bens materiais e todos eles, na nossa sociedade, são mercadorias, ou seja, bens materiais portadores de valores de uso e valores de troca, produzidas em determinadas empresas por trabalhadores assalariados e vendidas no mercado. A natureza foi mercantilizada. Então, para satisfazer as necessidades básicas, precisamos adquirir mercadorias. Mas o ser humano não possui apenas as necessidades que compartilha com os animais, pois ele tem necessidades especificamente humanas, como a práxis (trabalho teleológico consciente através do qual desenvolvemos nossas potencialidades, tal como a criatividade) e a socialidade (relações sociais harmônicas com os demais seres humanos). E para concretizar isso, mesmo que parcialmente, na sociedade moderna, precisamos de consumir mercancias[1], ou seja, bens coletivos, culturais ou até mesmo materiais, que possuem valor de uso e valor de troca, mas não são mercadorias, pois são produzidas fora do âmbito das empresas e relações de produção capitalistas.
Disto isto tudo, então a conclusão óbvia é a de que para viver, na sociedade capitalista, precisamos de dinheiro. O quanto de dinheiro precisamos para viver nesta sociedade? Para saber isso, teríamos que fazer o cálculo mercantil de quanto gastaríamos durante toda a nossa existência e assim teremos o montante necessário (abstraindo a inflação e outros processos que complexificam o cálculo). Se a pergunta fosse nesse sentido, não seria tão absurda.
Porém, a pergunta não é essa. O que se quer saber é quanto, em dinheiro, vale a sua vida. Ora, quem estipularia um valor monetário para algo que possui um valor cultural tão alto? Se tudo é mercantilizado na sociedade capitalista, adquirindo valor de troca, então por qual motivo a vida ficaria de fora? Justamente por entrar em conflito com os valores culturais, com as necessidades humanas (a socialidade), a moral, os sentimentos simpáticos dos seres humanos. Então observamos o choque de duas forças: a da mercantilização, que se expande para cada vez mais coisas, e a da humanização, que limita e busca abolir a transformação dos seres humanos em valores de troca.
A força da mercantilização já prevaleceu como no caso da escravidão negra, pois os escravos (sua vida) eram vendidos em troca de dinheiro. O processo civilizatório parcialmente coibiu esse processo tornando-o ilegal e imoral, mas ainda permanece o trabalho forçado em lugares que a fiscalização não atua e de forma parcial na prostituição, na venda de órgãos humanos e no tráfico internacional de seres humanos.
Porém, a moral e a lei sempre se relativizam quando a necessidade dos poderosos e a reprodução da sociedade exigem. Hoje se faz muitos sacrifícios em um país pelo “crescimento econômico”, assim como muitos indivíduos se sacrificam para aumentar seu poder aquisitivo e seu consumo. A sociedade moderna existe sob o signo da mercantilização e esta é uma necessidade imperiosa que tende a arrastar e colocar um preço em tudo.  É por isso que podemos dizer que o futuro da humanidade será decidido no confronto entre mercantilização e humanização, e quanto mais um avança, mais o outro recua.
A mercantilização das relações sociais invade e mercantiliza tudo. Mas as necessidades especificamente humanas continuam existindo e resistindo, mesmo que marginalmente. A insatisfação aumenta mesmo quando a posse de riquezas permite consumir o que se desejar, pois o consumo é distinto da autorrealização e de relações sociais autênticas e harmônicas. Por fim, podemos dizer que a humanidade se encontra diante da decisão entre continuar o processo de mercantilização e desumanização, que aponta para sua autodestruição, ou realizar uma transformação radical e total, que é possível e depende apenas dos seres humanos resolveram tomar o seu destino em suas mãos. A vida da competição, exploração, solidão, sofrimento psíquico, violência, destruição ambiental, ao lado da miséria dos bilhões com pouco ou nenhum dinheiro, deve ser superada e para isso é preciso começar a pensar e agir no sentido dessa transformação. A consciência desse processo é o primeiro passo para tomar a decisão acertada e salvar a humanidade dela mesma.


[1] O conjunto de conceitos aqui utilizados foram desenvolvidos ou explicitados no livro A Mercantilização das Relações Sociais (Curitiba: Appris, 2018).


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