A
Dupla Prisão de Lula
Nildo
Viana
Lula, ex-presidente do
Brasil, foi preso no dia 07 de abril de 2018. Esta, no entanto, foi a sua
segunda prisão no século 21. Vamos tratar destas duas prisões de Lula e
explicar como a primeira gerou a segunda.
A primeira prisão de Lula
começou quando ele deixou de ser um operário para adentrar na disputa sindical.
Ele começou sua carreira política nas disputas burocráticas e chegou a se
tornar um burocrata sindical e teve uma ascensão na carreira através da CUT
(Central Única dos Trabalhadores) e PT (Partido dos Trabalhadores), passando da
burocracia sindical para a burocracia partidária. O primeiro presidente do PT
foi deputado federal e concorreu várias vezes à presidência da república, perdendo
por três vezes consecutivas. Conseguiu sua vitória nas eleições de 2002 e foi
reeleito nas eleições seguintes. Em 2010, Dilma Roussef foi eleita presidente e
reeleita em 2014, o que significou a manutenção do PT no governo.
A primeira prisão de Lula
foi a burocracia. Lula deixou de ser um operário para se tornar um prisioneiro
da burocracia. Apesar dos operários estarem presos no processo de exploração a
que estão submetidos, essa é uma prisão involuntária e da qual o indivíduo não é
responsável. Aqui nos interessa apenas a prisão quando o indivíduo é
responsável por ela, seja de forma voluntária ou involuntária. Lula se tornou burocrata
voluntariamente e foi responsável pela sua primeira prisão. Afinal, “a
burocracia é um círculo ao qual nada pode escapar” (MARX, 1976, p. 72-73). Um
burocrata é um indivíduo que visa efetivar o controle e reproduzir as relações
sociais existentes nas instituições (Estado, universidades, partido, sindicato,
igreja, escolas, hospitais) e se manter no poder. Não é demais lembrar que “burocracia
é poder” (MOTTA, 1985).
Nesse sentido, o mais
correto seria dizer que os burocratas prendem os demais ao invés de serem
prisioneiros. Sem dúvida, isso é verdade. No entanto, os burocratas são prisioneiros
da burocracia como forma organizacional e mentalmente. A burocracia como forma
organizacional é hierárquica, marcada não apenas pelo conflitos com aqueles
submetidos ao seu controle e direção, mas também por disputas
interburocráticas: os burocratas inferiores querem se tornar superiores, o que
se manifesta na disputa por cargos, os burocratas superiores disputam a diretoria,
a presidência, etc., ou seja, cargos melhores e que oferecem mais poder.
Um burocrata tem uma
determinada mentalidade. Surge, assim, uma mentalidade burocrática. Como todos
nascemos e vivemos em organizações burocráticas (escola, igreja, partidos,
sindicatos) ou nos relacionamos e dependemos de tais organizações (estado e
seus aparatos, por exemplo), é comum o desenvolvimento de uma certa mentalidade
burocrática em todos os indivíduos, o que se manifesta através da naturalização
da existência de “chefes”, “líderes”, “dirigentes”. Porém, os burocratas geram
uma forma de mentalidade burocrática mais intensa e específica, gerando o que
se chamou “personalidade burocrática” (MERTON, 1970). O indivíduo se torna,
nesses casos, mentalmente prisioneiro de sua mentalidade burocrática. A ânsia pelo
poder se torna o leitmotiv (motivo
condutor) de sua existência e ação. O burocrata vive para a burocracia e sua
mente está presa nas malhas burocráticas.
Lula, em que pese sua
pouca bagagem cultural, se tornou um grande burocrata. Ele não frequentou instituições
de ensino superior, mas passou pela dura escola das disputas sindicais desde o
final dos anos 1960, da atividade de burocrata sindical, das disputas
partidárias (internas e externas), até chegar às disputas burocráticas mais
amplas do aparato estatal, ao se tornar presidente. E as artimanhas
burocráticas são infinitas e cada vez mais complexas. E para conquistar e
manter o poder, vale tudo. As mentiras são uma das armas usadas nesse vale tudo
de disputa pelo poder[1].
“O poder corrompe”, diz
acertadamente o ditado popular. O que não diz o ditado popular é que o poder é
viciante e gera cegueira. O caráter viciante do poder foi expresso por Lula. Os
intelectuais do partido, com sua formação livresca e gramsciana, queriam
primeiro conquistar a hegemonia na sociedade civil para depois chegar ao poder
estatal. Lula era um pragmático e ansioso pelo poder. Isso demoraria “vinte ou
trinta anos” e Lula queria o poder imediatamente: “mas eu não vou viver mais
trinta anos e eu quero chegar ao poder logo”[2].
Quando foi presidente,
ficou viciado totalmente e não queria largar o vício e foi reeleito e depois,
quando não podia realizar tal proeza novamente, colocou alguém no seu lugar.
Esse alguém foi Dilma Roussef, uma péssima escolha, mas que tinha lógica para
quem queria se manter no poder. Colocar alguém mais competente ou mais esperto
era um risco de perder o poder no interior do partido e também perder espaço
político. Dilma não era ameaça, pois mesmo com o poder nas mãos, não saberia
mantê-lo a não ser quando as coisas estivessem fáceis e tendo apoio. O problema
é que as coisas ficaram difíceis e os apoios diminuíram drasticamente. O refrão
de uma música revela o que se passava na cabeça de Lula: “poder, poder, poder, poder
até não mais poder”[3].
O problema é que o poder
pode gerar cegueira também. As artimanhas burocráticas de Lula mostraram isso,
a começar pela escolha de Dilma Roussef. Por outro lado, ele soube se juntar
com a burguesia e a alta burocracia e fazer seu jogo. O mensalão é prova disso.
Ele se sentiu em casa. No entanto, ficou cego, pensando que reinaria
eternamente. Os burocratas petistas também. E precisavam manter o governo, pois
isso significava milhares de cargos no governo e financiamento de outras
burocracias fora do governo (ONGs, sindicatos, etc.) e diminuição drástica de
recursos[4]. A burguesia suportou Lula
enquanto ele foi útil e ela até ria com as gafes do petista, apesar delas
mostrarem uma determinada imagem do país, inclusive no exterior, que não era de
seu agrado. Mas um bom serviçal é suportado em sua simploriedade desde que
continue servindo bem.
A cegueira de Lula também
se manifestou ao pensar que teria entrado definitivamente para o seleto grupo
da alta burocracia e isso lhe dava passe livre com a burguesia, da qual
realmente se aproximou. O problema é que ele estava cego para coisas mais
amplas do que as disputas interburocráticas e que interferem na governabilidade:
a acumulação de capital. Esta estava num ritmo crescente, que se iniciou antes
de seu governo e continuou até mais ou menos 2012, e depois começou a diminuir.
Nesse contexto, a presidente, do mesmo partido, era um problema e os interesses
do PT (e sua pressão sobre ela) era outro. As medidas impopulares que precisavam
ser tomadas para diminuir o impacto da desaceleração do ritmo de acumulação de
capital não foram tomadas e outras ações não ocorreram, o que fez piorar a situação.
Isso ocorreu a expulsão do PT do banquete da burguesia. O impeachment se
concretizou. A cegueira de Lula e dos petistas em relação ao poder não os
deixaram ver que acima do poder está o capital, ou seja, o poder financeiro.
Essa primeira prisão de
Lula não se rompeu com o impeachment. A cegueira continuou e a ânsia de voltar
ao poder através das eleições presidenciais de 2018. O PT e Lula esqueceram das
lições do passado, das derrotas eleitorais anteriores, e pensaram que voltariam
com facilidade para o lugar que agora consideram sua “propriedade”. No entanto,
o contexto é outro. A burguesia não pretende se iludir novamente com o PT e sua
derrota eleitoral seria previsível, caso conseguisse ser candidato, o que é
cada vez mais difícil. O mais curioso é que a cegueira petista parece ser
contagiosa, pois o bloco progressista, em sua quase totalidade, está seguindo o
PT cegamente. O discurso da “ameaça fascista”, entre outros elementos, parecem
ser convincentes para os progressistas de quase todos os partidos. Ao invés de
enxergarem que o barco está furado e que vai afundar e lançarem uma alternativa
eleitoral, preferem afundar junto e reconhecer o estado moribundo do bloco progressista.
O estado lastimável do bloco progressista é perceptível ao ver sua ação de mitificação
e transformação de um burocrata oportunista em mártir e herói[5]. A queda moral do PT levou
junto com ele quase todos do bloco progressista, com raras e heroicas exceções.
E assim eles fortalecem o bloco dominante conservador e o conservadorismo em
geral.
Essa primeira prisão acabou
gerando a segunda prisão, a do dia 07 de abril de 2018. Os petistas e maioria
dos progressistas ainda esperam uma possibilidade de candidatura, uma vitória
eleitoral e um presente do Papai Noel. A esperança é a última que morre, mas
nesse caso, inevitavelmente deverá morrer em 2018. A morte da velha esperança
ilusória, por sua vez, pode abrir caminho para uma nova esperança, que
apontaria para uma total e radical transformação social.
Referências
MARX, Karl. Crítica da Filosofia do
Direito de Hegel. Lisboa: Presença, 1978.
MERTON, Robert. Sociologia: Teoria e Estrutura. São Paulo, Mestre Jou, 1970.
MOTTA, Fernando Prestes. O Que é Burocracia. São Paulo,
Brasiliense, 1985.
[4] Para os ingênuos que acreditam nos
discursos ao invés de analisarem as relações sociais concretas, basta ver uma
notícia de 2016 para ver o efeito financeiro no próprio PT das mutações políticas
para entender o que está em jogo: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/23/politica/1456182587_487647.html
[5] Sobre o caráter e oportunismo de Lula,
o sociólogo Francisco de Oliveira (que foi do PT e PSOL), nesse aspecto mais
lúcido que os demais progressistas, já avisava aos desavisados há muito tempo
atrás. Veja: https://www.youtube.com/watch?v=AP3lk_coK7A&feature=youtu.be
SIM, LULA NUNCA FOI ANTI-CAPITAL, PERTENCE À ESQUERDA CAPITALISTA, ESQUERDA PARLAMENTAR OU ESQUERDA ELEITORAL.
ResponderExcluirLULA É UM BUROCRATA ( AUXILIAR DA BURGUESIA ) , INIMIGO DOS TRABALHADORES ( AMIGO DOS SINDICALISTAS !) .
QUEM MAIS PRECISA DE LULA É A BURGUESIA NACIONAL.
NB. NO GOVERNO LULA, OS BANQUEIROS ENCHERAM OS COFRES.....
LULA DEVE SER JULGADO PELOS TRABALHADORES :
ResponderExcluirSE LULA - BUROCRATA (AUXILIAR DA BURGUESIA ) - FOSSE JULGADO PELOS TRABALHADORES, TERIA SEU NOME APAGADO DA HISTÓRIA DAS LUTAS DE CLASSES ! UM VERDADEIRO ALIADO DO CAPITAL, ALIADO DOS SINDICALISTAS, ALIADO DOS POLÍTICOS. SEU MAIOR PESADELO NÃO É A PRISÃO FÍSICA , E SIM SUA PRISÃO MENTAL, MENTAL DE MENTIRAS DITAS À CLASSE TRABALHADORA.
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