ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS DOS
MOVIMENTOS SOCIAIS
Nildo Viana*
O artigo analisa três das principais abordagens sociológicas dos movimentos sociais: a abordagem institucionalista, a abordagem neoinstitucionalista, a abordagem culturalista, mais conhecidas como "teoria da mobilização de recursos", "teoria do processo político", "teoria dos novos movimentos sociais". A partir de uma breve exposição do contexto histórico e das principais teses apresentadas por estas três abordagens, há uma breve análise crítica e das contribuições de cada uma.
Palavras-chave: abordagem institucionalista, abordagem neoinstitucionalista, abordagem culturalista, mobilização de recursos, processo político, novos movimentos sociais
ABSTRACT:
The article analyzes three of the main sociological approaches of social movements: the institutionalist approach, the neoinstitutionalist approach, the culturalist approach, better known as "resource mobilization theory", "political process theory", " "theory of new social movements". From a brief exposition of the historical context and the main theses presented by these three approaches, there is a brief critical analysis and the contributions of each one.
Keywords: institutionalist approach, neoinstitutionalist approach, culturalist approach, resource mobilization, political process, new social movements
RESUMEN:
El artículo analiza tres de los principales abordajes sociológicos de los movimientos sociales: el enfoque institucionalista, el enfoque neoinstitucionalista, el enfoque culturalista, más conocido como "teoría de la movilización de recursos", "teoría del proceso político", "teoría de los nuevos movimientos sociales ". A partir de una breve exposición del contexto histórico y de las principales tesis presentadas por estos tres enfoques, hay un breve análisis crítico y las contribuciones de cada una.
Palabras clave: enfoque institucionalista, enfoque neoinstitucionalista, enfoque cultural, movilización de recursos, proceso político, nuevos movimientos sociales.
Os movimentos
sociais emergiram como tema de pesquisa e reflexões acadêmicas de forma mais
desenvolvida a partir dos anos 1950. Antes disso, era um tema pouco abordado e
raramente aparecia como questão central. A produção nascente sobre movimentos
sociais, bem como a posterior, é predominantemente ideológica, no sentido
marxista do termo. Assim, temos a constituição de ideologias que abordam os
movimentos sociais e busca explicá-los, mas, no fundo, invertem a realidade e
geram mais confusão do que esclarecimento. Essa é uma das formas de relação dos
movimentos sociais e as ideologias, que é quando estas se debruçam sobre esse
fenômeno social. Outra forma é a influência das ideologias sobre os movimentos
sociais. Uma terceira forma é a criação de ideologias pelos próprios movimentos
sociais. O nosso objetivo será tratar apenas das interpretações ideológicas dos
movimentos sociais, deixando a questão da influência das ideologias sobre eles
e a produção de ideologias por intelectuais autóctones ou alóctones, para outra
oportunidade.
O volume de
produção ideológica sobre os movimentos sociais é enorme e por isso não será
possível abordar todas. Por isso vamos selecionar algumas abordagens desse
fenômeno social. Nos limitaremos a tratar das concepções de movimentos sociais
que são consideradas “sociológicas” e que são mais desenvolvidas, bem como mais
reconhecidas contemporaneamente. Assim, vamos destacar algumas abordagens, mas
isso não impedirá de citar outras fora da seleção definida. Escolhemos três
abordagens: a abordagem institucionalista, a abordagem neoinstitucionalista e a
abordagem culturalista.
Antes de
iniciar, no entanto, é preciso realizar o esclarecimento conceitual,
explicitando o que entendemos por ideologia e abordagens, bem como movimentos
sociais. Usamos o conceito de ideologia elaborado por Marx (MARX e ENGELS,
1982), cujo significado é sistema de pensamento ilusório. Enquanto sistema de
pensamento, a ideologia é um pensamento complexo, tal como a ciência, a
filosofia, a teologia. Ela é produzido pelos especialistas no trabalho
intelectual e surge com a divisão entre este e o trabalho manual (MARX e ENGELS, 1982). Definimos por abordagem como um
modo de interpretar a realidade através de um enfoque temático e analítico.
Desta forma, uma abordagem pressupõe determinadas escolhas (temáticas e
analíticas) por parte do pesquisador. Existem abordagens sistemáticas,
constituindo ideologias, mas também existem abordagens semissistemáticas, que
possuem uma sistematicidade limitada (é o caso de abordagens doutrinárias, como
a anarquista, por exemplo), e que podem constituir semi-ideologias. As
abordagens sistemáticas são ideologias que enfocam um tema delimitado e possui
um processo analítico específico para o fenômeno definido pelo enfoque. A
sociologia de Durkheim, por exemplo, é uma abordagem sistemática, uma
ideologia. As abordagens semissistemáticas não possuem maior sistematicidade,
gerando um enfoque analítico e temático sem maior desdobramento e embasamento
ideológico. Quando, no âmbito das ciências particulares, a sistematicidade de
uma abordagem é limitada, nós as distinguimos das ideologias, tal como no caso
da abordagem das representações sociais (VIANA, 2008), que alguns pretendem que
seja uma “teoria” ou “disciplina” específica, mas no fundo não possui sistematicidade
para ser considerada uma ideologia[1].
Outro
conceito importante é o de movimentos sociais. Cada abordagem dos movimentos
sociais apresentará uma definição própria (ou, em certos casos, desenvolverá um
construto ou noção, enquanto que alguns nem sequer apresentam uma definição,
mostrando o seu pouco desenvolvimento analítico). Porém, para quem faz a
análise crítica das abordagens sociológicas dos movimentos sociais, é
necessário delimitar quais fenômenos reais entende que o conceito de movimentos
sociais abrange. Ou seja, uma coisa é o fenômeno real, outra coisa é o termo
usado para abordá-lo. Mas existe um outro complicador que é o termo pode ser
usado para tratar de distintos fenômenos reais. Em outras palavras, é preciso
explicitar a que fenômenos sociais nos referimos quando usamos o conceito de
movimentos sociais, pois isto gera a diferenciação com outros usos do termo que
apontam para outros fenômenos sociais. Desta forma, é preciso compreender que o
signo e o ser podem ser distintos em abordagens distintas.
Abordagem
|
Signo
|
Ser
|
Marxismo
|
Movimentos de Grupos
Sociais
|
|
Institucionalismo
|
Movimentos Sociais
|
Conjunto de opiniões e crenças que buscam mudanças parciais ou na
distribuição de recompensas em uma sociedade.
|
Neoinstitucionalismo
|
Movimentos Sociais
|
Confrontos políticos
|
O quadro
acima mostra que um mesmo signo (movimentos sociais) tem distintos significados
para diferentes concepções[2]. Um signo e vários
significados. Os significados expressam diferentes fenômenos que são abarcados
pelo signo. Assim, quando um marxista e um neoinstitucionalista estão usando o
termo “movimentos sociais”, estão pensando em fenômenos distintos. Por isso, quando
analisamos uma abordagem dos movimentos sociais necessitamos entender não
apenas o signo (ou seja, a definição desse termo), mas também quais fenômenos
reais ele abarca. E também precisamos explicitar qual é o conceito que
adotamos, pois assim se esclarece que fenômenos reais ele abarca. Entendemos
por este conceito, movimentos de grupos sociais gerados a partir da
insatisfação social com determinada situação social específica que gera senso
de pertencimento, objetivos e mobilização (VIANA, 2016a)[3]. Buscaremos esclarecer
esses elementos em nossa análise das abordagens sociológicas dos movimentos
sociais.
O Surgimento dos Movimentos Sociais e as
Abordagens Pioneiras
Os movimentos
sociais são um fenômeno da sociedade moderna. Ao contrário do que alguns afirmam
sem maior reflexão e fundamentação[4], os movimentos sociais não
existiram nas sociedades pré-capitalistas. Existiram movimentos de classes
sociais, protestos, revoltas, etc., mas não movimentos sociais. Isso ocorre
pelo motivo de que apenas na sociedade capitalista surgem as condições de
possibilidade dos movimentos sociais: meios de comunicação, ampliação da
divisão social do trabalho, formação de uma sociedade civil organizada, etc.
No entanto,
os movimentos sociais não surgem simultaneamente com o capitalismo. Os
primeiros elementos da sociedade capitalista vão se desenvolvendo durante muito
tempo, sendo que é no século 16 que o capital comercial se torna forte o
suficiente para possibilitar a formação e expansão do modo de produção
capitalista e de suas formas sociais correspondentes. O desenvolvimento das
relações de produção capitalistas gera um fortalecimento progressivo da
burguesia e permite a criação de suas próprias ideologias e, posteriormente,
suas organizações, bem como a tomada do poder estatal e sua adequação para a
nova forma de dominação instaurada por ela (VIANA, 2015a). É no século 18 e no
século 19 que o modo de produção capitalista se consolida e subordina todos os
demais modos de produção e invade as formas sociais, que passam a regularizar
as relações sociais gerais na sociedade capitalista, modernizando-as. As
revoluções burguesas marcam um momento crucial nesse processo.
As revoluções
burguesas emergem a partir de uma nova hegemonia, que traz novas ideias (desde
o iluminismo e o liberalismo, até as ciências humanas que emergem
posteriormente), trazendo também mudanças sociais que possibilitam a
constituição dos movimentos sociais. As ideias de liberdade, igualdade e
fraternidade, a racionalização da vida social (a ciência e a razão como fontes
explicativas dos fenômenos naturais e sociais), foram importantes nesse
contexto e ao lado da ideia de democracia que vai se desenvolvendo, bem como o
desenvolvimento dos meios de comunicação, sociedade civil organizada e
ampliação da divisão social do trabalho, permitem a participação e mobilização
popular. O movimento operário emerge com força e suas lutas mostram a
capacidade de pressão das classes exploradas e a possibilidade de ter suas
reivindicações atendidas e se pensar num projeto de transformação social.
É nesse
contexto que vão emergir os embriões dos movimentos sociais. Desde o século 18
já se começava a aparecer, de forma muito moderada e embrionariamente, alguns elementos que depois se desdobrarão em
movimentos sociais. As lutas operárias e a passagem do capitalismo liberal
(livre-concorrencial, dominado pelo regime de acumulação extensivo) para o
capitalismo oligopolista, dominado pelo regime de acumulação intensivo (VIANA,
2009), criam as condições de possibilidade para o surgimento dos movimentos
sociais. O estado liberal, fundado na democracia censitária, é substituído pelo
estado liberal-democrático, fundado na democracia partidária (VIANA, 2015a). Os
partidos políticos emergem e são uma das novidades da sociedade civil organizada
emergente e com o processo de sua burocratização. As lutas operárias inspiram
outras lutas, inclusive a de grupos sociais, que com o desenvolvimento dos
meios de transporte e especialmente os meios de comunicação, podem gerar um
senso de pertencimento e reconhecer necessidades, desejos, problemas, comuns.
No final do
século 19 começa a emergir as primeiras mobilizações femininas e estudantis,
mas sob forma muito embrionária. A luta das mulheres ocorre, principalmente, no
interior do movimento socialista, com todas as suas ambiguidades, devido a
supremacia dos partidos social-democratas, e do movimento operário. As lutas
estudantis se apresentam num estágio ainda mais rudimentar. Nos últimos anos do
século 19 e início do século 20 esse processo tem um certo desenvolvimento,
emergindo lutas femininas influenciadas por uma concepção liberal-democrática,
tal como o sufragismo, e pelo marxismo, tal como expresso por Alexandra
Kollontai e Sylvia Pankhurst.
Assim, alguns
movimentos sociais emergiram embrionariamente, com alguns mais desenvolvidos e
outros menos. No entanto, a produção intelectual sobre tais processos
embrionários era geralmente autóctone, ou seja, produzida pelos próprios
indivíduos componentes do movimento social, tendo, portanto, geralmente um
caráter militante (político, reivindicativo, polêmico, etc.) e não análises
mais profundas e explicativas do próprio movimento. A produção sociológica e
intelectual sobre tais movimentos embrionários demoraria a emergir, tanto pelo
próprio caráter embrionário do fenômeno social em questão como também pelo
próprio processo de consolidação das ciências humanas em geral e da sociologia
em particular, sendo essa a ciência particular que teria esse fenômeno como
temática mais natural. O marxismo, por sua vez, focalizava o movimento
operário. Os movimentos sociais não eram foco na análise marxista por serem
embrionários e muitas vezes apareciam concretamente ou misturado com o
movimento dos trabalhadores ou distante do mesmo. Por isso eram criticados ou
desconsiderados e a produção intelectual a respeito também era mais de caráter
polêmico do que analítico[5].
Essa situação
vai sofrer alteração a partir do novo regime de acumulação que se instaura
pós-1945. O regime de acumulação conjugado marca a emergência do capitalismo
oligopolista transnacional. A derrota do nazifascismo e a importância do bloco
progressista e do bloco revolucionário nesse processo, bem como a força do
movimento operário (desde as revoluções do final da década de 1910 e início de
1920 até as lutas radicalizadas posteriores na França e outros lugares), ao
lado da Guerra Fria e nova modalidade de política estatal implementada, criaram
as condições para uma nova hegemonia. A nova hegemonia passava para o espectro
mais democrático (pelo menos discursivamente) do bloco dominante e mais próximo
do bloco progressista.
Nesse
contexto, marcado também por melhorias no nível de renda de grande parte da
população[6], aumenta a mobilização
popular que passa a realizar outras reivindicações que não são mais as
exclusivamente salariais, condições de trabalho, transformação social, etc. A
nova hegemonia do paradigma reprodutivista aponta para a tese da “integração da
classe operária no capitalismo”, bem como para a ideia da sociedade como
organismo ou estrutura estável que precisa “integrar” as classes e grupos
sociais no seu interior. Por outro lado, as mobilizações vão aumentando com o
passar do tempo e ganham maior força, visibilidade e radicalidade com a
desestabilização desse regime de acumulação.
O movimento
estudantil começa a se desenvolver e ganhar mais espaço, o movimento negro se
desenvolve nos Estados Unidos, entre outros. A partir da segunda metade da
década de 1960, os movimentos sociais se consolidam e surgem novos movimentos,
como o pacifista. É nesse contexto que surgem as abordagens pioneiras dos
movimentos sociais. Nesse momento surgem concepções explicativas dos movimentos
sociais. As concepções funcionalistas, psicologistas e interacionistas e outras
aparecem e tentam explicar esse novo fenômeno social. De acordo com o “espírito
do paradigma da época”, a discussão sobre movimentos sociais é encaminhada a
partir de temas como desvio, da frustração, desajustes, comportamento coletivo,
crenças, irracionalidade. No entanto, grande parte das abordagens consideradas
pioneiras dos movimentos sociais não estão tratando exatamente deste fenômeno e
sim de mobilizações, protestos, revoltas, etc. Nesse sentido, seria necessário
uma pesquisa mais ampla para descobrir se alguma das chamadas abordagens pioneiras
estão tratando efetivamente de movimentos sociais[7].
A partir da
década de 1960 emergem estudos mais direcionados efetivamente, tal como foram
definidos aqui, para os movimentos sociais. É no final dessa década que surgem
as abordagens mais desenvolvidas dos movimentos sociais e cabe destaque, nesse
contexto, para a abordagem institucionalista, da qual vamos tratar agora.
A Abordagem
Institucionalista
A abordagem
institucionalista é também conhecida como “teoria da mobilização de recursos”.
No entanto, essa concepção não constitui uma teoria no sentido restrito do
termo, ou seja, no sentido marxista, segundo a qual ela expressaria a
realidade, sendo um saber verdadeiro. Ela seria, portanto, uma abordagem
semissistemática dos movimentos sociais, uma semi-ideologia.
A abordagem
institucionalista vai surgir nos anos 1960 e existir até os anos 1970. A sua
existência data da época do regime de acumulação conjugado (capitalismo
oligopolista transnacional) na grande potência mundial que era os Estados
Unidos. Os intelectuais considerados principais representantes desta abordagem
foram Olson, Zald, McCarthy, Oberschall, Gusfield (alguns colocam Charles Tilly
como um representante dessa corrente, mas outros já o colocam na abordagem
neoinstitucionalista e, no fundo, ele se diferencia de ambas, embora esteja
maios próximo dessa última). Ela é uma abordagem semi-ideológica, devido sua
pouca sistematicidade e desenvolvimento. Trata-se de uma ideologia rudimentar,
produzida por um conjunto de pesquisadores, expressando um processo de disputa
no interior da esfera científica, mais especificamente no plano dos estudos dos
movimentos sociais. Ela se estrutura como uma espécie de “escola”, algo típico
da produção intelectual a partir do regime de acumulação conjugado, especialmente
nos Estados Unidos, com um grau elevado de burocratização das universidades[8]. O trabalho coletivo e
institucionalizado se distingue do que ocorreu na sociologia clássica com seu
“trabalho artesanal”, para usar expressão de Wright Mills (1982), e também seus
limites e sua adequação ao empiricismo.
A abordagem
institucionalista se inspira em determinadas ideologias anteriores para montar
seu esquema analítico. As bases ideológicas da abordagem institucionalista
foram principalmente a ideologia (“teoria”) da escolha racional, a escola
marginalista em economia, a concepção weberiana de racionalização e burocracia
e elementos da sociologia das organizações. Dessas bases ideológicas, a questão
da racionalização e burocratização das organizações ocupará um lugar especial e
será sua principal contribuição.
Os
institucionalistas definem movimentos sociais da seguinte forma: “Um movimento
social é um conjunto de opiniões e crenças em uma população que manifesta
preferência pela mudança em alguns elementos da estrutura social e/ou na
distribuição de recompensas em uma sociedade” (McCARTHY e ZALD, 2017). O
movimento social por sua vez pode gerar um contramovimento, entendido como “Um
contramovimento é um conjunto de opiniões e crenças em uma população em
oposição a um movimento social” (McCARTHY e ZALD, 2017). Essas duas definições
servem para alertar das interpretações equivocadas da abordagem
institucionalista, bastante disseminada no Brasil a partir da obra de Gohn
(2002), que afirma que os institucionalistas confundiriam movimentos sociais
com organizações e empresas. A definição de movimentos sociais dos adeptos da
concepção insstitucionalista não dá margem para tal confusão.
Essa
interpretação equivocada emerge a partir da desatenção em relação aos outros
termos trabalhados pela abordagem institucionalista, especialmente “organização
de movimento social” e “indústria de movimento social”. Uma organização de
movimento social é definida pelos institucionalistas como “uma organização
formal ou complexa que identifica seus objetivos com as preferências de um
movimento social ou um contramovimento e tenta implementar esses objetivos”
(McCARTHY e ZALD, 2017). Eles citam alguns exemplos de OMS: SNCC (Comitê de Coordenação Estudantil
Não-Violento), CORE (Congresso da Igualdade Racial), NAACP (Associação Nacional
para a Promoção de Pessoas de Cor) e SCLC (Congresso das Lideranças Cristãs do
Sul), sendo que algumas destas foram pesquisadas pelos institucionalistas. E
uma indústria de movimento social, por sua vez, é “o conjunto das OMS que têm como objetivo a realização das
mais amplas preferências de um movimento social constitui uma indústria de
movimento social (IMS)” (McCARTHY e ZALD, 2017)[9]. Um termo complementar é
“setor de movimento social”, que engloba todas as IMS de uma sociedade, mesmo
sem pertencerem a um mesmo movimento social.
A confusão
dos intérpretes é resolvida quando se observa que os institucionalistas
distinguem entre movimentos sociais e seu “objeto de estudo”, que seria as OMS
e IMS. Ou seja, eles deixam claro que não trabalham com o fenômeno geral dos
movimentos sociais, mas apenas suas organizações e indústria. Eles justificam
essa distinção por suas “vantagens”: a) ela enfatiza que os movimentos sociais
nunca estão totalmente mobilizados; b) ela se concentra explicitamente no
componente organizacional da atividade; c) reconhece explicitamente que os
movimentos sociais são tipicamente representados por mais de uma OMS; d)
permite a possibilidade de uma análise do crescimento e declínio de uma IMS,
que não é totalmente dependente do tamanho de um movimento social ou da
intensidade das preferências dentro dele.
Portanto, é
fundamental compreender que a abordagem institucionalista tem como “objeto de
pesquisa” não os movimentos sociais em si e sim as organizações dos movimentos
sociais (OMS). Isso mostra o equívoco de certos intérpretes que os acusam de
confundir movimentos sociais e organizações. Essa abordagem, a partir da
sociologia das organizações, economia marginalista e outras influências,
analisam a questão das organizações dos movimentos sociais a partir da questão
organizacional e com ênfase na questão dos recursos. São os recursos que
permitem a emergência das OMS. A ideia cálculo racional[10] é chave no processo
interpretativo das OMS por parte dos institucionalistas. Como o seu objeto de
estudo são as organizações e indústria do movimento social, então a questão
financeira e dos recursos são realmente determinantes em suas ações e
estratégias. Os movimentos sociais disputam o público consumidor, adeptos e
financiadores, pelas fontes de recursos. As OMS, por sua vez, são perpassadas
pela competição com outras OMS, instituições, etc. em torno dos recursos
existentes.
A abordagem
institucionalista realiza uma distinção interna entre os membros dos MS e OMS.
Essa distinção é entre constituintes, aderentes, não-aderentes, público
espectador beneficiário ou consciente e oponentes. Os constituintes são aqueles
que fornecem recursos para uma OMS e os aderentes são os indivíduos e
organizações que acreditam nos objetivos do movimento social. Os não-aderentes
podem ser o público espectador que não se opõe ao MS ou OMS, se limitando a
“testemunhar” suas atividades.
É uma tarefa
da organização transformar os não-aderentes em aderentes e manter o
envolvimento dos constituintes. Uma outra distinção considerada importante
pelos institucionalistas é a relação destes com o pool (conjunto) de recursos da OMS, gerando a diferenciação entre
elites e massas. As elites possuem um pool
de recursos (financeiros, intelectuais, etc.) superiores e as massas possuem um
conjunto de recursos inferiores (que pode ser, no casos de maior escassez,
meramente seu tempo e trabalho).
A partir
desse elementos básicos da abordagem, os institucionalistas desenvolvem um
conjunto de análises das OMS (e também das IMS e SMS), tais como a posição dos
líderes como gerentes e administradores, a percepção da competição por
recursos, adesões, apoio de agências governamentais, a manipulação da imagem
dos meios oligopolistas de comunicação e a busca em chamar a atenção da mesma,
o sucesso do movimento (o que ocorre quando possui organização formal
hierárquica), etc. Sem dúvida, não poderemos desenvolver todos estes aspectos
aqui, pois nosso objetivo foi apenas apresentar uma síntese das ideias centrais
da abordagem institucionalista.
Podemos,
agora, fazer uma breve consideração crítica sobre a abordagem
institucionalista. O primeiro ponto que merece destaque é a base ideológica que
os institucionalistas lançam mão, sem grande desenvolvimento ou reflexão sobre
ela, ou seja, mais como um elemento exógeno adotado no processo analítico. O
uso das concepções da ideologia da escolha racional, da escola marginalista, da
sociologia das organizações, da sociologia da burocracia de Weber, são
elementos que, aparentemente, são adequados ao seu tema de pesquisa, as
organizações e seus desdobramentos. Porém, isso gera equívocos analíticos, pois
deixa de lado aspectos que, segundo a linguagem utilizada por estas concepções,
seriam “irracionais”, bem como reduzem os seres humanos a uma psicologia do
consumidor. Isso sem falar que reproduzem os limites próprios destas
concepções, tal como uma incompreensão da dinâmica capitalista, inacessível
para a economia marginalista.
Outro
problema dessa abordagem é a sua opção pela centralidade das organizações. Sem
dúvida, as organizações podem e devem ser foco analítico, assim como qualquer
outro fenômeno social. O problema está em substituir o procedimento dialético
da focalização pelo procedimento ideológico da centralização, pois nesse último
caso se abandona a totalidade e as diferenciações existentes. Os movimentos
sociais viram apêndices das OMS, IMS e SMS. Como consequência disso, temos
outro problema, que é a aplicação do modelo das organizações empresariais a
todas as organizações, inclusive as autárquicas[11], o que significa criar
uma indistinção ideológica no lugar de uma distinção real. Derivado disso, toma
o objetivo das organizações empresariais como os objetivos das demais
organizações, pois isso não é algo generalizado[12]. Outra consequência
problemática, oriunda de sua base metodológica deficiente, é deixar de lado a
totalidade das relações sociais (Estado, cultura, classes sociais, etc.), sendo
que certos elementos importantes para explicar as OMS pouco aparecem ou mesmo
não aparecem.
O mérito da
abordagem institucionalista é ter analisado um elemento importante dos
movimentos sociais, as organizações, apesar da forma deficiente como realizou
isso. A análise institucionalista contribui para analisar as organizações
burocráticas informais e as que se tornam burocráticas e suas relações com os
movimentos sociais, apesar dos seus limites nesse processo analítico. De
qualquer forma, a abordagem institucionalista contribui para uma análise do
processo de mercantilização e burocratização dos movimentos sociais, processo
que atinge suas ramificações, e como que as organizações burocráticas (formais
e informais) influenciam o conjunto do movimento social. No entanto, essa
contribuição é limitada devido sua base ideológica e que se restringe ao caso
das organizações burocráticas (informais, que ainda estão dentro do âmbito dos
movimentos sociais, e formais, que saem desse âmbito).
Essa
abordagem foi recusada e teve pouca influência fora dos Estados Unidos. O
motivo disso é que sua centralização nas organizações (e nesse país, com
maiores recursos e grau de mercantilização, burocratização, competição e
conservadorismo), embora reveladora de aspectos das mesmas, encontrava
resistência em lideranças e intelectuais vinculados às suas congêneres na
América Latina e outros lugares. No entanto, essa abordagem perdeu espaço no
decorrer nos anos 1970 e logo foi substituída por uma outra abordagem que
tentava superar seus limites e será nosso foco analítico a partir de agora.
A Abordagem Neoinstitucionalista
A abordagem
neoinstitucionalista já recebeu outros nomes, como “teoria das oportunidades
políticas”, “teoria do processo político”, “teoria da mobilização política”,
“teoria do confronto político”. Aqui optamos por abordagem neoinstitucionalista
por causa que ela delimita a política institucional como o seu campo
perceptivo, colocando a centralidade nela, e por ser produzida em grande parte
por ex-representantes da abordagem institucionalista.
A abordagem
neoinstitucionalista surge nos anos 1990, época de consolidação do novo regime
de acumulação e quando, decorrente disso, ocorre uma mutação cultural. O regime
de acumulação integral trouxe mudanças gerais na sociedade e teve impacto sobre
os movimentos sociais. O processo de intensificação da exploração internacional
(hiperimperialismo, mais conhecido como “globalização”), o neoliberalismo e as
mutações nas relações de trabalho (toyotismo) marcaram uma nova fase do
capitalismo e que acabou gerando mudanças sociais gerais, inclusive mutações culturais.
Um novo paradigma se tornou hegemônico, o subjetivista e com isso os esquemas
interpretativos do paradigma anterior, reprodutivista, perdiam espaço. Isso
influenciou os movimentos sociais, as análises dos movimentos sociais e a
abordagem institucionalista, que encontrou mais um obstáculo. A abordagem
institucionalista entrou em crise, pois não conseguiu ultrapassar as fronteiras
dos Estados Unidos e por isso precisava se renovar e ampliar, especialmente com
o reinado da ideologia da globalização.
A esfera
científica foi atingida por esse processo e novos mecanismos de competição
emergiram (tal como a chamada “internacionalização”, uma outra forma de
subordinação cultural do capitalismo subordinado ao capitalismo imperialista,
com suas subdivisões hierárquicas). A subesfera sociológica e abordagens dos
movimentos sociais não ficaram, obviamente, imunes a este processo. No âmbito
da produção intelectual sobre os movimentos sociais, a competição se tornou
mais acirrada, mesmo porque o tema passou a ganhar maior visibilidade. A
abordagem neoinstitucionalista emerge a partir da anterior e tenta ser mais
ampla, completa e adequada à realidade. Junto com isso, a percepção da
“globalização” por parte dos representantes do neoinstitucionalismo aponta para
a criação de uma rede internacional de pesquisa. Os diversos encontros
internacionais e publicações de pessoas de várias nacionalidades é um exemplo
de como a abordagem neoinstitucionalista queria superar os limites presentes na
abordagem anterior e se tornar “palatável” para fora dos Estados Unidos e
aumentar sua competitividade na subesfera sociológica a nível internacional.
Nesse sentido, houve uma readaptação da
abordagem institucionalista ao novo momento histórico, o que lhe provocou
várias mudanças. Nesse contexto, havia também uma competição com as abordagens
europeias (abordagem culturalista, da qual trataremos adiante) e a hegemonia do
paradigma subjetivista.
A abordagem
neoinstitucionalista teve nos antigos representantes do institucionalismo os
seus principais defensores, como Zald, etc. e alguns novos nomes, com destaque
para Tarrow e, de certa forma, Charles Tilly. As bases ideológicas do
neoinstitucionalismo eram, em parte, algumas do institucionalismo, e, em parte,
novas fontes. No caso de Sidney Tarrow, o principal representante do
neoinstitucionalismo, é visível a fonte ideológica extraída do leninismo (e sua
interpretação equivocada de Marx), alguns elementos extraídos de Marx
(interpretado de forma limitada, e enfatizando a divisão social, o conflito de
classes e “descontentamento”, relacionada com as abordagens do comportamento
coletivo), de Charles Tilly, que já produzia antes do surgimento dessa
abordagem, Gramsci e outros.
A abordagem
neoinstitucionalista mantém, portanto, elementos do paradigma hegemônico
anterior, o reprodutivismo, e isso aparece com seu apelo ao leninismo (a ideia
de elites divididas cuja inspiração é leninista, segundo a qual a revolução
depende de três condições: crise, divisão da classe dominante e partido
revolucionário que se aproveita disso) e elementos do institucionalismo, mas
trazendo elementos do novo paradigma hegemônico. Esse aspecto se observa
através de elementos retirados do interacionismo simbólico e congêneres, bem
como Gramsci, ao discutir questões como “frame”, “cultura”, “repertório”, etc.
No entanto, isso era feito simultaneamente com a permanência de elementos
típicos do paradigma hegemônico anterior (o “macro”, estado e oportunidades
políticas).
A abordagem
neoinstitucionalista é mais ampla do que a anterior e traz um conjunto de
construtos novos para a interpretação dos movimentos sociais. Poderíamos citar
aqui, além da definição de movimentos sociais, alguns dos seus principais
construtos: “oportunidades políticas”, “estruturas de mobilização”, “quadros
interpretativos” (ou “frames”), “repertório”, “ciclos de protesto ou
confronto”.
O primeiro
ponto a destacar é que essa abordagem apresentou distintas definições de
movimentos sociais. Vejamos algumas definições:
“Um
movimento social é uma interação sustentada entre pessoas poderosas e outras
que não têm poder: um desafio contínuo aos detentores de poder em nome da
população cujos interlocutores afirmam estar ela sendo injustamente prejudicada
ou ameaçada por isso” (McADAM, TARROW, TILLY, 2009).
O complexo
político combinado de três elementos: “1) campanhas de reivindicações coletivas
dirigidas a autoridades-alvo; 2) um conjunto de empreendimentos
reivindicativos, incluindo associações com finalidades específicas, reuniões
públicas, declarações à imprensa e demonstrações; 3) representações públicas de
valor, unidade, números e comprometimento referentes à causa. A esse complexo
historicamente específico denomino movimento social” (TILLY, 2010).
Uma terceira
definição, de Charles Tilly, é a de que um movimento social deve ser entendido
como uma “interação contenciosa”, que “envolve demandas mútuas entre
desafiantes e detentores do poder”, em nome de uma população sob litígio
(ALONSO, 2009).
As definições
de movimentos sociais da abordagem neoinstitucionalista são problemáticas. O
problema está em sua amplitude, que abarca fenômenos sociais amplos, cuja
origem é antiga na sociedade moderna. A ideia de movimento social não é clara,
aparece como “interação e desafio dos detentores do poder”, “processos reivindicativos
em relação aos governos” ou “interação contenciosa” entre “desafiantes e
detentores do poder”. Isso pode ser confundido com classes sociais, partidos
políticos, organizações, etc. Por isso, a abordagem neoinstitucionalista é
limitada e trata mais de conflitos políticos em geral do que movimentos
sociais, mais especificamente.
Os
neoinstitucionalistas abordam os movimentos sociais a partir de alguns
construtos fundamentais, tais como “estruturas de oportunidades políticas”,
“oportunidades políticas”, “estruturas de mobilização”, “quadros
interpretativos”, “repertórios”, etc. Esse conjunto de construtos, no entanto,
não são organizados sistematicamente num processo explicativo da realidade. Por
isso é algo semissistemático e limitado, embora mais avançado e desenvolvido do
que a abordagem institucionalista. A estrutura de oportunidades políticas
apontam para “o grau de probabilidade dos grupos de terem acesso ao poder e
influírem no sistema político” (LIPSKY, apud. GOHN, 2002). As oportunidades políticas
ganham uma centralidade na análise neoinstitucionalista e pode ser
compreendidas como conjunto de oportunidades (variáveis) que são abertas no
âmbito da política institucional (especialmente Estado) para a emergência ou
fortalecimento dos movimentos sociais.
As
oportunidades políticas possuem determinados componentes, a saber: a) o grau de
abertura relativa do sistema político institucionalizado; b) a estabilidade ou
desestabilização dos alinhamentos entre elites, alinhamentos que exercem uma
grande influência no âmbito do político; c) a presença ou ausência de aliados
entre as elites; d) capacidade e propensão do estado para repressão (McADAM,
1999). Isso pode ser exemplificado pelos casos das elites divididas, tal como
citado por Tarrow (2009), que aponta o caso russo de Gorbatchev e os
reformistas, que abriram oportunidades políicas, com a Glasnost e Perestroika.
As oportunidades políticas podem ocorrer para certos grupos e não para outros
(McADAM, 1999; TARROW, 2009). Da mesma forma, as oportunidades políticas podem
não estar visíveis para todos os desafiantes (TARROW, 2009).
Outro
construto importante usado pelos neoinstitucionalistas é o de estruturas de
mobilização. Esse é o elemento da abordagem institucionalista que é preservado
e absorvido pela abordagem neoinstitucionalista. A compreensão dessas
estruturas podem ser mais ou menos amplas, dependendo do autor (alguns incluem
os quadros interpretativos, etc.). Elas incluem, tal como para Kriesi (1999),
organizações informais (família, vizinhos, etc.) e organizações formais
(“movimentos sociais organizados”, organizações de apoio, associações de
movimentos, partidos/grupos de interesses). Essas estruturas são importantes
para compreender o aproveitamento ou não, ou as suas formas, das oportunidades
políticas.
Os quadros
interpretativos, também chamados de “frames”, e também traduzidos como “marcos
interpretativos” (McADAM, GAMSON e MEYER, 1999); “marcos referenciais
significativos” (GOHN, 2002), trazem a discussão sobre questões culturais, cuja
fonte foram as críticas à abordagem institucionalista e a emergência do
paradigma subjetivista. É nesse contexto que aparece discussões sobre símbolos
e significados e também elementos do processo de construção, bem como certos
elementos de construtivismo. Não há apenas uma definição de quadros
interpretativos na abordagem neoinstitucionalista. É possível ver as seguintes
definições dos quadros interpretativos: “é um processo em que os atores
sociais, a mídia e os membros de uma sociedade interpretam, definem e redefinem
a situação conjuntamente” (Klandermans, apud TARROW, 2009); é um “esquema
interpretativo que simplifica e condensa o ‘mundo lá fora’, salientando e
codificando seletivamente objetos, situações, eventos, experiências e
sequências de ações num ambiente presente ou passado” (SNOW e BENFORD, apud.
TARROW, 2009); “são dispositivos enfatizadores que ressaltam e adornam a
gravidade e a injustiça de uma condição social ou redefinem como injusto ou
imoral o que era visto anteriormente como desastroso, mas talvez tolerável”
(TARROW, 2009). Eles trazem um enriquecimento em relação ao que era abordado
antes pelos institucionalistas, pois incluem na análise novos elementos, como
emoções, injustiça, “solidariedade”, elemento cognitivo e identidade coletiva.
Um último
termo importante para a abordagem neoinstitucionalista é o de repertório. Este
é compreendido pelo seu criador como “um conjunto limitado de rotinas que são
aprendidas, compartilhadas e postas em ação por meio de um processo
relativamente deliberado de escolha” (TILLY, apud. ALONSO, 2009), que
complementa que “o repertório do movimento social se justapõe aos repertórios
de outros fenômenos políticos, tais como a atividade sindical e as campanhas
eleitorais” (TILLY, 2010). Tilly foi alterando sua concepção e terminologia com
o passar do tempo e desta forma também alterou a denominação complementar do
repertório (1970: repertórios de ação coletiva; 1990: repertórios de confronto;
2000: repertórios e performance) (ALONSO, 2012). O termo tem sua utilidade,
apesar de ser limitado pela forma como é trabalhado e pela ênfase que é
oferecido a algo que não tem significado tão decisivo assim. Mas ajuda a
compreender a dinâmica dos movimentos sociais.
Um dos termos
mais importantes e de maior alcance da abordagem neoinstitucionalista é o
“ciclo de protesto”, que depois foi mudado para “ciclo de confronto”. Segundo
Tarrow:
Entendo
‘ciclos de confronto’ como uma fase de conflito acentuado que atravessa um
sistema social: com uma rápida difusão da ação coletivo de setores mais
mobilizados para outros menos mobilizados; com um ritmo rápido de inovação nas
formas de confronto; com a criação de quadros interpretativos de ação coletiva,
novos ou transformados; com uma combinação de participação organizada e
não-organizada; e, com sequencias de fluxos intensificados de informação e de
interação entre os desafiantes e as autoridades (TARROW, 2009).
Os ciclos de
protestos reforça os desafiantes, exige resposta do estado e se difere dos
ciclos revolucionários. São processos nos quais os desafiantes do poder entram
em conflito com os seus detentores, gerando a necessidade de resposta do
estado. Não se trata de ciclos revolucionários[13], pois seus elementos
apontam para reivindicações, luta pelo poder, etc., e não a solução revolucionária.
A abordagem
neoinstitucionalista padece dos mesmos problemas analíticos que a abordagem
institucionalista, embora avance em alguns aspectos e recue em alguns outros.
Entre os principais problemas dessa abordagem, podemos destacar as definições
de movimentos sociais que são demasiadas amplas e imprecisas, além de suas
diferenças e mutações constantes. A imprecisão e a constante alteração mostra a
fragilidade e falta de maior sistematização dessa abordagem. No fundo, ao invés
dos movimentos sociais, na maioria do caso (o que corresponde aos construtos
trabalhados pelos neoinstitucionalistas), os fenômenos abordados são lutas
políticas gerais e não movimentos sociais (protestos, confrontos, lutas
políticas, etc. movimentos sociais aparecem apenas como exemplos). Assim, a
imprecisão conceitual e constantes reformulações mostram as fragilidades dessa
abordagem. Todo saber noosférico (complexo) possui alterações com o seu
desenvolvimento, mas a imprecisão é algo problemático em qualquer caso. As
alterações produzidas por desenvolvimento e aprofundamento ocorrem
naturalmente, mas é preciso que isso não seja constante e que seja um real
aprofundamento. Esse não é o caso da abordagem institucionalista, pois as
mudanças terminológicas não significam aprofundamento, mas alterações formais e
superficiais, devido seus limites ideológicos e metodológicos, bem como no
desafio do confronto com a realidade, mostrando que as definições anteriores
eram problemáticas (embora nem sempre, pois tem também as influências
ideológicas e idiossincrasias de alguns institucionalistas).
Outro
problema da abordagem neoinstitucionalista e o peso exagerado na política
institucional. A centralidade conferida ao aparato estatal acaba transformando
o construto de movimentos sociais em outra coisa, que são os grupos políticos,
setores dos movimentos sociais, partidos e organizações, que vivem em função do
Estado. Nessa abordagem, os movimentos sociais giram em torno do Estado. Isso
entra em contradição com os movimentos sociais reais. Muitos setores de
movimentos sociais sao próximos do aparato estatal, mas muitos são de
orientação civilista, se mantendo distante dele, o que inclui inclusive aqueles
que são antiestatistas (VIANA, 2017b; VIANA, 2016a).
Da mesma
forma que os representantes da abordagem institucionalista, os
institucionalistas descartam a totalidade, deixando de lado elementos
fundamentais para explicar a realidade social que envolve os confrontos
políticos, tais como a luta de classes, acumulação de capital, etc. A abordagem
neoinstitucionalista realiza uma análise limitada e não consegue explicitar,
por exemplo, o que gera as oportunidades políticas, pois fica preso em
generalidades e não possui uma explicação mais profunda do aparato estatal. Ao
não entender o vínculo entre aparato estatal e acumulação de capital, os
neoinstitucionalistas não conseguem ultrapassar uma percepção superficial da
relação entre estado e conflitos políticos, e, mais ainda, dos movimentos
sociais, não compreendidos por eles devido seu enfoque temático e analítico.
Isso não quer
dizer que a abordagem neoinstitucionalista não tenha nenhum momento de verdade.
Há alguns méritos nessa abordagem, tal como incluir o estado/política
institucional na análise, trazer a questão dos quadros interpretativos e
repertórios para a discussão, apresentar uma visão histórica, embora
superficial, dos movimentos sociais (mais dos “confrontos políticos” do que dos
movimentos sociais mais exatamente). Os méritos da abordagem
neoinstitucionalista, no entanto, ainda são limitados, pela superficialidade e
falta de maior sistematicidade, além da centralidade no aparato estatal e
compreensão limitada das lutas políticas e significado do Estado e dos quadros
interpretativos e repertórios.
A Abordagem
Culturalista
A abordagem
culturalista é geralmente denominada “teoria dos novos movimentos sociais”.
Essa denominação é problemática por vários motivos. Um deles é o caráter
equivocado da discussão sobre supostos “novos” movimentos sociais e o erro que
é um pesquisador utilizar a linguagem dos pesquisados, compartilhando seus
equívocos e ilusões. A abordagem culturalista surge na mesma época que a
abordagem institucionalista, embora em seu período de surgimento e tendo vários
desdobramentos posteriores.
Ela surge num
contexto histórico específico, bem como noutro continente, na Europa. Isso traz
diferenças mais amplas em relação às duas abordagens anteriores. A abordagem
culturalista começa a emergir no final dos anos 1960 e vai se desenvolvendo nos
anos 1970. A crise do regime de acumulação conjugado no final dos anos 1960 e
as lutas radicalizadas, bem como o “retorno à normalidade”, formam um contexto
histórico específico. Esse processo se desenvolve em 1970 e marca a transição
do regime de acumulação conjugado para regime de acumulação integral.
Nesse
contexto ocorre também uma mutação ideológica. A partir do final da década de
1960, após a derrota das lutas operárias e estudantis e das tendências
revolucionárias dos movimentos sociais, ocorre uma crise do paradigma
hegemônico, o reprodutivismo, e das ideologias associadas. Durante os anos 1970
se forja o novo paradigma, o subjetivismo (VIANA, 2018). Embora o paradigma
subjetivista surja nos anos 1970, ele só consegue se tornar hegemônico a partir
dos anos 1980 na Europa e Estados Unidos, e, posteriormente, no resto do mundo
(anos 1990). O paradigma subjetivista emerge através de diversas ideologias:
pós-estruturalismo, neoliberalismo, multiculturalismo, fenomenologia,
weberianismo, etc. Os ideólogos pioneiros do subjetivismo foram Foucault, Guattari,
Deleuze, Lyotard, entre outros, e foram surgindo novas ideologias filiadas a
tal paradigma. Para tanto, o estado capitalista e instituições burguesas
desenvolveram uma ampla política cultural que serviu para garantir a nova
hegemonia. Políticas estatais, fundações internacionais, institutos, organismos
internacionais, capital comunicacional, etc. foram mobilizados para garantir a
hegemonia subjetivista.
O novo
paradigma e as ideologias filiadas é que forma as bases ideológicas da
abordagem culturalista. As mutações do capitalismo, a passagem do regime de
acumulação conjugado para o regime de acumulação integral, interpretada pelas
novas ideologias, formam o pretexto ideológico que legitima as novas
ideologias. É nesse momento histórico que ganha força ou novas versões a ideia
de uma “sociedade pós-moderna”, “sociedade pós-industrial”, etc. Essa ideia de
que a sociedade capitalista (“moderna”, “industrial”) foi substituída por
outra, foi defendida por vários Ideólogos (Daniel Bell, Touraine, Claus Offe,
Habermas). O novo paradigma subjetivista é a fonte da renovação linguística e
dos termos que se tornaram hegemônicos: “sujeito”, “novos sujeitos”,
“subjetividade”, “atores”, “pluralismo”, “fragmentação”, etc.
No entanto, a
abordagem culturalista não possui a homogeneidade das duas abordagens
anteriores. Ela não é produzida por intelectuais associados como no caso
anterior, não tendo o mesmo caráter coletivo. A sua base ideológica,
subjetivista, também aponta para um maior individualismo, bem como a própria
tradição europeia é distinta da norte-americana. Esses elementos explicam a
razão da abordagem culturalista poder ser subdividida em diversas outras
abordagens e ligadas geralmente a apenas um intelectual (e seus reprodutores).
A diversidade de concepções é muito maior, e, consequentemente, a diversidade
terminológica. No entanto, é possível identificar algumas ideias gerais comuns
e concepções divergentes em aspectos secundários. O que é singular em cada
manifestação particular da abordagem culturalista pode ser vistos na produção
intelectual dos seus representantes, sendo que se destacam Touraine, Melucci,
Offe, entre outros.
São os
elementos comuns que permitem analisar algo chamado “abordagem culturalista”.
Algumas autoras tentaram apontar quais são esses elementos comuns, como foi o
caso de Alonso (2009) e Gohn (2002). Alonso coloca que os elementos comuns são
os seguintes: a) crítica da ortodoxia marxista; b) manutenção de um quadro
analítico macrohistórico e e associação entre mudança social e formas de
conflito; c) se diferenciam das outras duas abordagens por partir de um enfoque
cultural; d) pensam a partir da concepção de que houve uma mudança social e de
que essa significou a formação de uma sociedade pós-industrial (ALONSO, 2009).
Gohn (2002)
já elenca um conjunto maior de elementos comuns. Ela afirma que os
representantes da “teoria dos novos movimentos sociais” recusam a concepção
funcionalista da cultura (predeterminada por valores e normas do passado) e se
inspiram na concepção marxista de ideologia, deixando de lado o seu caráter de
falsa consciência[14]. Eles também recusam o
marxismo “clássico”, que subjuga a cultura e a política ao “econômico”[15] e não permite ver a
inovação, a recriação do ator, etc.; b) eliminam a centralidade de um sujeito e
pensa em torno de um sujeito coletivo difuso, não-hierarquizado; c) a política
ganha centralidade, mas é redefinida, ao estilo foucaultiano; d) os atores são
analisados por suas ações coletivas e pela identidade coletiva gestada no
processo; e) coloca um papel central da identidade coletiva; f) concebem o
“novo” (dos movimentos sociais) no fato de os movimentos sociais recentes não tem base classista, por se contrapor
ao antigo movimento operário, por romper com os movimentos sociais americanos
ligados ao populismo (ou deixam a questão aberta)[16]; consideram que os novos
movimentos sociais recusam a política de cooperação entre agências estatais e
sindicatos e sua preocupação é assegurar direitos sociais; pensam que os novos
movimentos sociais negam o utilitarismo e enfatizam a cultura; abordam como
nova característica a “liderança democrática”, etc.
A
interpretação de Gohn (2002) da abordagem culturalista é problemática, pois não
há consenso nas várias concepções de novos movimentos sociais e por isso há
contradições. Da mesma forma, alguns dos elementos acima não se encontra em
certos culturalistas e por isso não é “comum” a todos dessa referida abordagem.
Nesse sentido, a interpretação de Alonso (2009) é mais adequada do que a de
Gohn (2002), embora bem mais sintética, mesmo porque se trata de um artigo.
O que é há de
comum em todos os representantes da abordagem culturalista? Alguns elementos
apontados por Alonso (2009) e Gohn (2002) são aceitáveis, outros não. Vamos
então apresentar o que consideramos que é comum em todos os representantes da
abordagem culturalista. O primeiro elemento comum é a concepção de que estamos
numa sociedade nova, apontada com diferentes nomes (“pós-moderna”,
“pós-industrial”, “sociedade complexa”, etc.). Esse aspecto foi notado por
Alonso, mas não por Gohn. O segundo elemento, relacionado com o anterior, é a
crítica ao que eles entendem como “marxismo”. Tanto Alonso quanto Gohn
perceberam essa tentativa de refutar o “marxismo” (chamado pela primeira de
“ortodoxo” e pela segunda como “clássico”, apesar de não ser característica do
marxismo original – Marx e Engels – e nem daqueles que mantiveram a sua
perspectiva). Um terceiro elemento é a crítica às ideologias ligadas ao
paradigma reprodutivista (funcionalismo, teoria dos sistemas, etc.). Isso foi
percebido por Gohn, mas não por Alonso. O quarto elemento é o resgate de
ideologias não-hegemônicas durante a hegemonia reprodutivista (fenomenologia,
interacionismo simbólico, etc.), o que as duas autores colocam sem maior
reflexão. O quinto elemento é a politização da vida cotidiana (a discussão
sobre público/privado; Habermas e a questão da esfera pública e mundo da vida;
Melucci, etc.). Isso não é apresentado por Alonso como comum, mas ela apresenta
isso em sua descrição das concepções, enquanto que Gohn aponta isso ao colocar
a inspiração foucaultiana de política. O sexto elemento, é a ideia de “novos”
movimentos sociais, o que é percebido por Gohn, mas não por Alonso, e que deu o
nome com o qual essas duas autoras (e diversos outros, criando-se uma tradição
em torno disso) denominaram essa abordagem: “teoria dos novos movimentos
sociais”. O sétimo elemento é o culturalismo, que é a base de todos os outros,
ao enfatizar a cultura, o discurso, a identidade coletiva, entre outros termos que
mostram a primazia do cultural sobre o social. Esse elemento é percebido por
Gohn e Alonso, embora nem sempre com clareza.
Uma crítica
da abordagem culturalista seria algo extremamente difícil, pois sua diversidade
dificulta uma crítica única e geral. Nesse sentido, o que realizaremos aqui é
uma crítica geral dos elementos comuns e explicitar que cada autor em
particular deve receber um tratamento separado. Assim, a abordagem culturalista
alguns elementos comuns que criticaremos: a) a ideia do surgimento de uma nova
sociedade; b) a suposta “novidade” dos movimentos sociais recentes; c) a
crítica ao “marxismo”; d) a crítica ao reprodutivismo e resgate de ideologias
anteriores; e) a imprecisão e falta de clareza nas definições e nos construtos;
d) a politização da vida cotidiana; e) f) o culturalismo.
A ideia do
surgimento de uma nova sociedade (pós-moderna, pós-industrial, complexa, etc.)
não passa de uma ideologia sem fundamentação real. Os poucos que se atreveram a
tentar apresentar uma fundamentação dessa ideologia não conseguiram apresentar
nenhum argumento convincente. A fragilidade das teses de Claus Offe (1989), por
exemplo, que tenta sustentar sua tese do fim da sociedade do trabalho apelando
para o declínio das teses acadêmicas sobre trabalho e aumento do setor
terciário (comércio e serviços) e diminuição do setor secundário (indústria) é
visível. A primeira fundamentação, sobre teses acadêmicas sobre trabalho, é
risível, e a da alteração dos setores da economia é apenas uma mutação
quantitativa e não qualitativa e uma repetição do que Daniel Bell (1969) já
havia dito décadas antes[17]. Nenhum ideólogo da “nova
sociedade” conseguiu provar sua existência ou o fim da modernidade, do
capitalismo, ou dos construtos que eles usavam anteriormente.
A suposta “novidade”
dos movimentos sociais recentes (justificada e fundamentada sob formas
distintas, dependendo de quem é o autor) não se sustenta. Nem no plano
concreto, que é pensar que surgiram “novos movimentos sociais”[18], pois alguns realmente
surgiram, mas o termo é aplicado indistintamente a todos os movimentos sociais,
com exceção do movimento operário (confundido-o com movimento social). No
sentido de que sua “novidade” é não ter “base classista”, é algo sem sentido,
pois todo movimento social tem vínculo com o movimento operário e outras
classes sociais. O que ocorreu foi o deslocamento da hegemonia para uma
concepção que nega o significado revolucionário do proletariado no interior dos
movimentos sociais, o que é apenas uma mutação cultural e que não se manifesta
na totalidade dos movimentos sociais. A ideia de que a “novidade” seria
derivada da “nova sociedade” é tão frágil quanto a fundamentação dessa última.
Melucci (2001), que justifica a “novidade” como fundamentalmente uma “categoria
analítica” e não realidade empírica, é algo metodologicamente problemático,
pois remete mais para o “tipo ideal” do que para a realidade concreta.
A crítica ao
marxismo é extremamente pobre e limitada. A derrota do maio de 1968 gerou a
tentativa de refutar o marxismo e enfraquecer sua força cultural. No fundo, o
que eles criticam é uma caricatura do marxismo ou o pseudomarxismo
(social-democracia e leninismo, principalmente). Os culturalistas demonstram
possuir uma incompreensão do marxismo original, realizando uma simplificação e
deformação do mesmo e fundamentando isso através da confusão com o
pseudomarxismo. Os elementos de crítica que se aplicam realmente ao marxismo é
a recusa da totalidade e do caráter revolucionário do proletariado. A recusa da
totalidade é justamente o maior problema da abordagem culturalista, como
mostraremos adiante. A recusa do significado revolucionário da luta proletária
pode parecer um problema menor em épocas de estabilidade do capitalismo, mas
junto com isso vem a desconsideração do movimento operário, o que empobrece
qualquer análise dos movimentos sociais.
A crítica ao
reprodutivismo é relativamente correta, mas o ponto de partida da crítica fica
aquém do paradigma reprodutivista. O subjetivismo, a fragmentação, entre outros
aspectos, mostra a fragilidade dos críticos, pois se conseguem enxergar alguns
aspectos da realidade que os reprodutivistas não conseguiam perceber, fazem
isso em detrimento da percepção de diversos fenômenos. O apelo à ideologias
como a fenomenologia, interacionismo simbólico e outros, por mais que tenham
uma ou outra ideia proveitosa, diminui a capacidade explicativa e reforça o
subjetivismo, obliterando a compreensão dos movimentos sociais. Desconhecer,
por exemplo, a mercantilização das relações sociais, reconhecida sob forma
problemática pela abordagem institucionalista, significa cair no subjetivismo e
criar uma muito mais uma ficção sociológica do que análise das relações
sociais. Desconhecer a importância do aparato estatal para a explicação dos
movimentos sociais, o que é feito sob forma limitada pela abordagem
neoinstitucionalista, é o mesmo que renunciar a tratar desse fenômeno.
A abordagem
culturalista mantém um problema que é comum nas demais abordagens, que é no
plano terminológico. As diversas definições de movimentos sociais dos diversos
representantes do culturalismo e termos correlatos é imprecisa, pobre, sem
maior fundamentação e coerência. Apesar das variações, os construtos produzidos
são frágeis e confusos. Alguns autores, como Touraine[19], mudaram de concepção
durante as últimas décadas, mas se tornaram cada vez mais imprecisos e
distantes da realidade.
A politização
da vida cotidiana realizada pela abordagem culturalista é, no fundo, uma
despolitização. Ao tratar da “micropolítica”, abandona a totalidade e assim
despolitiza, não mostrando os nexos entre a vida privada e a vida política,
desde a luta de classes até a relação com o aparato estatal. É um reducionismo
que só resta o subjetivismo para explicar as demandas e os processos, gerando
interpretações equivocadas e simplistas das relações sociais.
O último
elemento característico da abordagem culturalista é, justamente, o
culturalismo. O culturalismo é um subproduto do paradigma subjetivista. Ele
oferece primazia para a cultura e secundariza o social. Assim, a prioridade
para o discurso, a identidade, a “subjetividade”, entre outras formas de
culturalismo, é muito mais um problema do que uma solução. Em primeiro lugar,
assim se perde a percepção da historicidade dos movimentos sociais. A mutação
cultural que ocorreu no interior de alguns movimentos sociais só pode ser
compreendida com as mudanças históricas. O passeio superficial que alguns
sociólogos realizam sobre a contemporaneidade não dá conta de explicar esse
processo de mutação e muitos nem sequer se aventuram nisso. Inclusive seria
necessário apontar para mudanças no interior de tal mutação, mas os ideólogos
não pensam de forma histórica e sim de forma evolucionista, como se sempre se
caminhasse rumo ao aperfeiçoamento, sem enxergar as mudanças, suas
determinações, suas contradições e seus vínculos com o processo de reprodução
do capitalismo. Em segundo lugar, a generalização que os culturalistas fazem
acabam mostrando seus limites e sua pouca utilidade para analisar os movimentos
sociais populares, tanto os urbanos quanto os rurais. Em terceiro lugar, a
ânsia culturalista de substituir a análise marxista é parte do processo de
contrarrevolução cultural preventiva (VIANA, 2009) e significa,
intelectualmente, produzir ideologias em detrimento da teoria, e, no plano
político, passar de mala e cuia para o lado da classe dominante, mesmo
vociferando contra o “poder”, “a razão”, etc. Em quarto lugar, a ênfase
subjetivista impede a percepção das raízes profundas das ações e lutas sociais
contemporâneas, onde se mistura atribuição de significados por parte dos
sociólogos absorvidos pelo subjetivismo e crença na veracidade do discurso de
determinados ativistas. Em quinto lugar, o problema metodológico, pois ao
abandonar a categoria da totalidade e aderir a um reducionismo culturalista,
não conseguem compreender nem os movimentos sociais e nem suas próprias raízes
históricas e sociais. Outros problemas adicionais poderiam ser elencadas, além
de problemas específicos de autores específicos, mas consideramos que estes são
os principais e suficientes para mostrar a fragilidade da abordagem
culturalista.
A abordagem
culturalista traz alguma contribuição para a discussão sobre os movimentos
sociais? O reconhecimento da importância da cultura para compreender os movimentos
sociais é uma contribuição da abordagem culturalista, mas a forma como isso é
feito acaba sendo mais prejudicial do que benéfico. O único mérito nisso está
em enfatizar aquilo que as duas abordagens anteriores desconsideraram ou
secundarizaram. Uma contribuição é que o fenômeno abordado pelos representantes
da abordagem culturalista é realmente os movimentos sociais (feminino,
estudantil, etc.), apesar das ambiguidades e problemas no caso de alguns
sociólogos específicos. As principais contribuições se encontram muito mais em
autores isolados e elementos de sua produção do que no que é comum na abordagem
culturalista.
Considerações Finais
O nosso
objetivo foi apresentar uma síntese de três das principais abordagens
sociológicas dos movimentos sociais. Sem dúvida, outras poderiam e deveriam ser
trabalhadas, mas isso demandaria mais espaço e pesquisa. Da mesma forma, seria
necessário um aprofundamento da análise das três abordagens selecionadas, o que
não foi possível aqui por questão de espaço e que demandaria um artigo
específico ou obra mais extensa para cada uma delas. O objetivo de apresentar
sinteticamente as três abordagens, no entanto, foi efetivado.
Outro
elemento que devemos destacar aqui é a ausência da concepção marxista dos
movimentos sociais. Sem dúvida, o marxismo é a teoria que melhor consegue
abordar o fenômeno dos movimentos sociais, mas não seria possível apresentá-la
aqui, pois o foco aqui foram em determinadas abordagens, ideológicas ou
semi-ideológicas, o que gera sua exclusão.
Por último, é
possível analisar as abordagens dos movimentos sociais buscando elencar suas
contribuições ou seus limites. O trabalho aqui realizado buscou realizar uma
apresentação sintética geral e levantar de forma breve e mais sintética ainda,
seus limites e possíveis contribuições. O resultado final é uma síntese geral
de três das principais abordagens sociológicas do movimentos sociais, servindo
como uma introdução geral. Toda introdução e síntese é apenas um convite para a
reflexão e que necessita de aprofundamentos e desdobramentos. Enquanto análise
introdutória, o presente trabalho cumpre com seu objetivo.
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* Professor da Faculdade de Ciências
Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de
Goiás (UFG); Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB);
Pós-Doutor pela Universidade de São Paulo (USP).
[1] Serge Moscovici depois
tentou fornece embasamento ideológico para sua concepção, produzindo obra sobre
“sociedade”, mas isso foi posterior e requer análise para ver se conseguiu
efetivar tal projeto.
[2] Uma discussão sobre o
conceito de movimentos sociais mais aprofundada pode ser vista em Os Movimentos Sociais (VIANA, 2016a).
[3] Essa é apenas uma
definição, que remete para se explicar o que se entende por grupos sociais,
senso de pertencimento, objetivos, mobilização, etc., e diversos outros
elementos relacionados (cf. VIANA, 2016). No entanto, é preciso esclarecer aqui
que essa definição exclui o movimento operário e outros movimentos de classes
sociais do fenômeno dos movimentos sociais (VIANA, 2016a; VIANA, 2016b). Assim,
movimentos sociais e movimentos de classes são distintos e, por conseguinte, as
produções intelectuais sobre movimento operário, muito anteriores às
relacionadas com os movimentos sociais, não serão abordadas aqui.
[4] Veja: Frank e Fuentes
(1989).
[5] A produção intelectual
sobre a questão da mulher vai sendo realizada por mulheres e homens desde o
desenvolvimento do capitalismo que apontamos anteriormente. Porém, trata-se de
reflexões sobre a questão da mulher e não sobre o movimento feminino. No caso
do marxismo, o movimento social que ganho maior atenção foi o movimento
feminino, não só devido seu vínculo com o movimento operário, como também por
causa da questão da mulher. Desde Fourier e depois Marx e Engels (e
posteriormente August Bebel), até as militantes marxistas do final do século 19
e início do século 20, a questão da mulher era discutida. O movimento das
mulheres, no entanto, terá em Rosa Luxemburgo e outras militantes
social-democratas algumas discussões, bem como posteriormente, de forma mais
desenvolvida, Alexandra Kollontai e Sylvia Pankhurst. Alexandra Kollontai
criticava o feminismo (entendida como uma tendência burguesa no interior do
movimento feminino) e a Sylvia Pankhurst rompeu com a mãe e irmã sufragista e
fundou a Federação das Mulheres Socialistas e aderiu ao antiparlamentarismo.
[6] O estado integracionista,
“do bem estar social” e a nova política pecuniária (salarial, monetária, etc.)
apontavam para mutações na renda e acesso aos bens coletivos, o que, ao lado da
hegemonia do discurso democrático, cria condições de possibilidade para o
avanço dos movimentos sociais. As burocracias sindicais ficavam cada vez mais
atreladas ao aparato estatal e ao capital, e a desmobilização do proletariado
nesse novo contexto supostamente “democrático” e com melhor nível de renda e
consumo, permitiram um deslocamento da mobilização para outros setores da
sociedade, promovendo, assim, a consolidação dos movimentos sociais. É preciso,
no entanto, enfatizar que isso ocorreu no capitalismo imperialista (o conjunto
de países capitalistas imperialistas) e não no capitalismo subordinado, sendo
que a transferência de mais-valor do capitalismo subordinado para o
imperialista era o principal sustentáculo da estabilidade pecuniária e política
desses países (VIANA, 2009; VIANA, 2015a).
[7] Abordaremos isso em outra
oportunidade.
[8] A este respeito pode se
consultar a obra de Wright Mills (1982) e Russel Jacoby (1990).
[9] Os institucionalistas usam
determinadas siglas para expressar os termos que trabalham: MS (movimentos
sociais), OMS (organização de movimento social), IMS (indústria de movimento
social).
[10] O cálculo racional aponta
para a avaliação do custo-benefício. No fundo, a fonte de inspiração da
abordagem institucionalista (economia marginalista e Weber) dificultam uma
percepção mais profunda desse processo e que é melhor entendida através da
teoria do cálculo mercantil (VIANA, 2016c).
[11] As organizações
autárquicas são formas de auto-organização (VIANA, 2015b) e que se distinguem
das organizações burocráticas, sendo que a diferença fundamental entre uma e
outra é que no primeiro caso não existe quadro dirigente e no segundo este não
só existe como é o elemento fundamental.
[12] A abordagem
institucionalista falha ao não realizar uma análise mais profunda da relação
entre movimentos sociais e organizações, bem como as formas assumidas por estas
e o seu caráter de organizações mobilizadoras, o que foi abordado na
perspectiva dialética (VIANA, 2017a).
[13] Essa é a posição de
Tarrow e que nem sempre é a mesma dos demais neoinstitucionalistas.
[14] Essa é uma afirmação
totalmente ilógica, pois se inspiram na concepção marxista de ideologia, então
esta deveria significar o que significa nessa concepção, mas deixam de lado o
que lhe define, o seu caráter, então não se inspiram nela. O livro de Gohn (2002)
é recheado de equívocos, contradições e problemas interpretativos, dos quais
não pretendemos tratar aqui.
[15] Isso na interpretação
pobre e equivocada de alguns culturalistas.
[16] O que significa “novo”
nos movimentos sociais abordados pelos culturalistas não é consenso entre seus
representantes. Para Melucci (2001), por exemplo, o “novo” é produto da
“categoria analítica” utilizada, pois se mesclam elementos antigos e novos na
realidade empírica. A própria Gohn (2002) cita outro culturalista, Mouffe, para
quem a novidade dos movimentos sociais deriva de sua subordinação ao
capitalismo “tardio”, expansão das relações capitalistas na cultura, no lazer e
na sexualidade; burocratização, massificação e homogeneização, poderosa invasão
dos meios de comunicação.
[17] Não poderemos realizar
uma crítica mais ampla aqui das teses da “nova sociedade” de Offe, Habermas,
Negri, entre outros, mas isso pode ser visto em obras que abordam a atual fase
do capitalismo (VIANA, 2009).
[18] Alguns movimentos sociais
são antigos, como o feminino e o estudantil, outros são um pouco posteriores,
sendo que alguns surgiram na década de 1960, como o pacifista, e outros
surgiram posteriormente.
[19] Touraine iniciou sua
carreira, na década de 1960, próximo do marxismo e vai, posteriormente, trocando
a ideia de classes sociais por movimentos sociais, realizando uma confusão
conceitual (TOURAINE, 1977) e, depois, se afasta mais ainda ao discutir a
“sociedade pós-industrial” (TOURAINE, 1970), chegando a aprofundar seus
equívocos, até que em suas últimas obras decreta o fim das sociedades e a
soberania do “sujeito” (TOURAINE, 1998).
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