OS CICLOS DOS REGIMES DE ACUMULAÇÃO
Nildo Viana
Resumo: o presente artigo aborda a
questão da historicidade dos regimes de acumulação, trabalhando a ideia de
ciclos. Os ciclos dos regimes de acumulação são fundamentais para entender a dinâmica
do desenvolvimento capitalista. A partir do método dialético e do materialismo
histórico se busca analisar os processos de surgimento e morte dos regimes de
acumulação através dos ciclos de constituição, consolidação e dissolução. O
exemplo do regime de acumulação conjugado mostra como esse processo se
desenvolve concretamente.
Palavras-chave: Regimes de Acumulação,
Ciclos, Capitalismo, regime de acumulação conjugado, constituição, consolidação,
dissolução.
Um dos elementos fundamentais da
dialética materialista é a categoria de historicidade. De acordo com o método
dialético, é possível dizer que tudo é histórico. Essa ideia, ao que tudo
indica, foi desenvolvida, pela primeira vez, por Heráclito. Marx não só desenvolveu
uma nova concepção de dialética, indo além das tentativas anteriores (de
Heráclito a Hegel), como também contribuiu com o desenvolvimento das ideias de
historicidade e especificidade histórica[1].
Ele, ainda, analisou o desenvolvimento histórico da humanidade a partir dessa
concepção, mais tarde conhecida como materialismo histórico[2].
A deformação do marxismo e a proliferação de ideologias burguesas ofuscaram a
percepção da historicidade do capitalismo.
A teoria dos regimes de
acumulação surge visando explicar o desenvolvimento capitalista, o que permite
recuperar um aspecto fundamental do materialismo histórico-dialético que havia
sido ofuscado pela predominância de um conjunto de ideologias, inclusive
algumas declaradas “marxistas”. A historicidade do capitalismo se revela
através de uma sucessão de regimes de acumulação. Mas, ao contrário do que se
pode pensar, esse não é um processo ad
infinitum. A cada novo regime de acumulação, maior é a dificuldade de
reprodução do capitalismo. A historicidade do capitalismo se revela não apenas
na sucessão de regimes de acumulação, mas também em sua finitude. A ideologia
burguesa, desde Hegel (1980) e Comte (1976), até os pós-estruturalistas
(ideologicamente chamados de “pós-modernos”) e neoliberais, como Francis
Fukuyama (1992), declara o fim da história. Essa aposta ideológica na
tranquilidade de uma imutabilidade histórica sempre é substituída pelo
desespero despertado pela dura realidade das crises, rebeliões e tentativas de
revolução.
Diante desse quadro, assume
grande importância a compreensão da historicidade dos regimes de acumulação. Os
regimes de acumulação não são estáticos, como supõem determinadas concepções
ideológicas. Os regimes de acumulação surgem, se desenvolvem e perecem. Nos
seus momentos de crises, os regimes de acumulação são superados, substituídos
por outro ou então, possibilidade sempre existente, se transformam em crise do
capitalismo e geram revoluções, que, caso sejam vitoriosas, marcam o fim do
capitalismo e a instauração de uma nova sociedade.
A concepção dialética da
história, ao contrário da concepção metafísica (inclusive a pseudomarxista) não
postula, no entanto, um movimento perpétuo e infinito das coisas (VIANA, 2007).
Os processos históricos são marcados por continuidades e descontinuidades.
Alguns fenômenos são mais duradouros, outros menos. Alguns se transformam
totalmente, outros apenas parcialmente ou formalmente. O universo, por exemplo,
é infinito. A durabilidade dos seres é muito variável. Assim, é preciso
entender que, em certos casos concretos, ocorre permanência e mudança. O
capitalismo, em sua essência, permanece, mas muda formalmente e este processo
chegará ao fim com sua superação. Essa mutação formal é caracterizada pela
sucessão de regimes de acumulação.
Os regimes de acumulação também
possuem historicidade. A compreensão de sua historicidade, no nível mais
abstrato, remete à ideia de ciclos. Os ciclos dos regimes de acumulação mostram
sua historicidade. A durabilidade de cada ciclo é variável, de acordo com o
regime de acumulação e as lutas de classes. A duração do próprio regime de
acumulação é variável, alguns duram mais, outros menos, dependendo de um
conjunto de determinações. O regime de acumulação bélico, ou “capitalismo de
guerra” (conhecido eufemisticamente como economia de guerra), que surgiu com a
ascensão nazifascista, teve curta duração (aproximadamente uma década, em
alguns países, em outros menos), e o regime de acumulação extensivo durou muito
mais tempo (quase um século, no caso inglês).
De acordo com a concepção
dialética, a historicidade é sempre historicidade de um ser. O termo “ser”,
aqui, é uma categoria do pensamento dialético que engloba a essência (conteúdo)
e a existência (forma)[3].
O ser é o concreto, algo realmente existente e visto em sua existência, mas
também em sua essência, revelando a unidade de ambas. A historicidade é a forma
como um ser se desenvolve, ou seja, como muda e, em alguns casos, como deixa de
existir. A historicidade de cada ser é específica. Por isso, a historicidade do
capitalismo é distinta da historicidade do modo de produção despótico ou do
feudalismo. As “sociedades sem história” são apenas sociedades com
historicidades diferentes, mais lentas e com maior durabilidade.
Os regimes de acumulação possuem
uma essência. É isto que permite conceituá-los. E também possuem uma existência
concreta que revelam suas mudanças no interior dessa permanência. A essência de
um regime de acumulação se revela numa determinada forma cristalizada das lutas
de classes, no qual o processo de valorização, a forma estatal e a exploração
internacional estão relativamente estabilizados. A sucessão de regimes de
acumulação é a sucessão de mudanças no processo de valorização (produção de
mais-valor, essência do capitalismo que muda apenas de forma): extensividade,
taylorismo, fordismo, toyotismo. Da mesma forma é a sucessão de formas
estatais: liberal, liberal-democrático, integracionista (“bem estar social”),
neoliberal. É, ainda, uma sucessão de formas de exploração internacional: neocolonialismo,
imperialismo financeiro, imperialismo transnacional, hiper-imperialismo[4].
A forma cristalizada da luta de classes que constitui um regime de acumulação
não é estática, pois a luta de classes mesmo estando estabilizada (como, por
exemplo, na contemporaneidade, quando o capital consegue impor o
neoliberalismo, o toyotismo e o hiper-imperialismo, mas nem por isso deixa de
haver resistência e processos de adequação devido à luta operária), permanece
sendo luta, e isso gera mudanças no interior do regime de acumulação.
É a partir desses
esclarecimentos iniciais que podemos analisar os ciclos de regimes de
acumulação. Os ciclos, em seu nível mais geral, são três: constituição,
consolidação e dissolução. Todo regime de acumulação passa por um processo de
constituição que ao terminar inicia o ciclo da consolidação e este ao se
esgotar é substituído pelo ciclo da dissolução. Cada um desses ciclos é marcado
por outros, o que complexifica o processo de análise e o processo histórico.
O ciclo de constituição é aquele
no qual há a formação, expansão e ascensão de um regime de acumulação. Um
regime de acumulação começa a se formar no interior do regime de acumulação
anterior, desenvolvendo alguns de seus aspectos e forças propulsoras (ideologias,
grupos, interesses, etc.). Isso ocorre geralmente nos momentos de crise do
regime de acumulação anterior. Esse
processo, uma vez concluído, ou seja, desenvolvido os elementos básicos do
regime de acumulação, há o período de ascensão, quando ele vai ganhando maior
definição e aprofundamento, tornando-se predominante. A fase seguinte é a da expansão,
que é quando o regime de acumulação se expande, tanto espacialmente (agrupando
novos países, por exemplo) quanto no conjunto das relações sociais (impondo as determinações
dos regimes de acumulação no plano das formas sociais, etc.). É possível, em
casos concretos, que a expansão e ascensão ocorram simultaneamente.
O ciclo de consolidação é aquele
no qual há o fortalecimento e estabilização. Um regime de acumulação consegue
após sua formação ficar suficientemente forte para garantir sua supremacia
geral na sociedade. Após isto, ele entra num período de estabilidade, no qual
reina absoluto e sem grandes oposições. O fortalecimento e a estabilização
podem ocorrer simultaneamente. A estabilidade de um regime de acumulação é
temporária, por mais que nos discursos ideológicos, representações cotidianas,
etc., ele apareça como definitivo e eterno. É por isso que o ciclo seguinte é o
da dissolução.
O ciclo de dissolução é marcado
pelo enfraquecimento, desestabilização, crise inicial, reconfiguração parcial e
crise final. É possível que haja apenas o enfraquecimento, desestabilização e
crise final, pois isso depende de diversas determinações. De qualquer forma,
este é o ciclo com maior complexidade e sua dinâmica não é linear, tal como os
demais, pois isso depende da luta de classes e múltiplas determinações, o que
aumenta a complexidade, já que inclui um conjunto amplo de processos sociais,
especificidades locais, etc. O ciclo de enfraquecimento ocorre quando a solidez
do regime de acumulação começa a perder força, as ideologias dominantes começam
a encontrar críticas (cada vez mais fortes e mais constantes), o movimento
oposicionista começa a ganhar força, etc. O ciclo da desestabilização é aquele
no qual a estabilidade (financeira, política, etc.) começa a declinar, com a
população mostrando cada vez mais insatisfação. A crise inicial é quando o
regime de acumulação encontra uma dificuldade radical de reprodução. A
reconfiguração parcial é quando se consegue superar essa crise inicial e
realizar mudanças no interior do regime de acumulação para garantir sua
continuidade. A crise final é quando a dificuldade radical volta com mais força
e ocorre a passagem para um novo regime de acumulação.
O ciclo de dissolução pode
iniciar com uma crise inicial brusca e inesperada, o regime de acumulação pode
realizar uma reconfiguração parcial e em seguida ocorrer nova crise, e esse
processo pode se repetir antes de uma crise final. Esse processo e seu
desenvolvimento dependem da luta de classes, sua determinação fundamental, e
também de outros processos sociais ligados à dinâmica da acumulação capitalista
e suas condições de reprodução.
Nós podemos buscar reconstituir
esse processo através do exemplo do regime de acumulação conjugado. O
surgimento deste ocorre em 1945 e se encerra, aproximadamente, em 1980 (VIANA,
2009; VIANA, 2015). Claro que tais datas não são fixas e muito menos exatas.
Existem diversas diferenças entre os países, sendo que em alguns o regime de
acumulação se forma primeiro e somente depois que se instaura em outros países.
Um regime de acumulação só ganha força totalizante, mundial, depois de um bom
tempo de ter emergido em alguns países do bloco imperialista. A ilusão
cronológica é bastante comum, mas deve ser evitada. Apresentar uma data não
quer dizer que seja exata, que ocorreu em todos os lugares no mesmo período,
etc. e, principalmente que algo já tenha nascido pronto. Trata-se de um
processo de constituição e por isso é bem mais complexo do que aparenta à
primeira vista.
Dito isto, podemos prosseguir com
a análise do regime de acumulação conjugado. O seu ciclo de constituição se
inicia antes de 1945 no capitalismo oligopolista. A crise inicial do regime de
acumulação intensivo ocorreu no final da década de 1910, com as tentativas de
revoluções proletárias na Rússia, Alemanha, Hungria, Itália e lutas de classes
radicalizadas em diversos países. A derrota das revoluções proletárias foi
seguida de uma reconfiguração parcial do regime de acumulação intensivo, que,
no entanto, já trazia em si os germes do regime de acumulação conjugado. No
entanto, a situação do capitalismo oligopolista era marcada por situação de
pobreza, dificuldades financeiras, tendência à nova onda de revoluções
proletárias, etc. É nesse contexto que emerge alguns elementos que depois se
tornarão características do futuro regime de acumulação.
A reconfiguração de qualquer
regime de acumulação se inicia pela ação estatal, pois é este o aparato do
capital que não só tem o poder de intervenção financeira, repressão, influência
ideológica, etc., como é a forma coletiva e consciente da reação da classe
burguesa. O liberalismo-democrático começa a perder espaço em várias frentes
desde a crise inicial. As tendências estatistas se fortaleceram
(socialdemocracia, bolchevismo, fascismo, nazismo, etc.) e Keynes escreve sua
obra em 1936 (KEYNES, 1996)[5]. A crise de
1929 e a ascensão do nazifascismo permitiu o processo se radicalizasse, o que
gerou um elemento que será desenvolvido no regime de acumulação seguinte, o
intervencionismo estatal. No caso de alguns países, como Alemanha e Itália,
significou a crise final do regime de acumulação intensivo. O exemplo do
capitalismo estatal russo (dito “socialismo real”), não atingido diretamente
pela crise do regime de acumulação intensivo, era outro elemento que apontava
para um maior intervencionismo estatal.
Por outro lado, o
liberalismo-democrático não ruiu apenas pela existência de um movimento
oposicionista e sim pelas dificuldades encontradas no processo de valorização.
O taylorismo, enquanto elemento fundamental para aumentar a extração de
mais-valor relativo, não estava sendo suficiente para garantir as altas taxas
de exploração. O desenvolvimento tecnológico e a resistência operária sempre
colocam em xeque o processo de valorização, o primeiro exigindo aumento de
produtividade e de extração de mais-valor, e o outro sendo um obstáculo para
tal e através de sua resistência, pode não só dificultar o aumento da taxa de
exploração, como pode exigir e conquistar, em determinado contexto, a sua
diminuição. O aparato estatal (através da repressão e outras ações) interfere
nesse processo, mas não pode resolver o que só pode ser resolvido no âmbito do
modo de produção capitalista. O fordismo também emerge como forma predominante
de organização do trabalho e extração de mais-valor. Por último, a exploração
internacional era outro ponto fundamental e a partilha do mundo não era a mais
adequada para todos os países e por isso não bastava apenas um maior intervencionismo
estatal interno, era necessário aumentar o poder do aparato estatal nacional
diante dos demais países. É nesse contexto que a reformulação do imperialismo
se torna uma necessidade, mais premente em alguns países, e a guerra aparecia
com a forma de realizar esse processo.
Neste contexto, novas concepções
e ideologias vão surgindo e/ou ganhando força, como o fascismo, nazismo,
socialdemocracia, keynesianismo, bem como as ideias de Henry Ford e diversas
outras manifestações culturais e ideológicas. Essa mudança cultural apontava
para a percepção do impasse do regime de acumulação intensivo e da necessidade
de mudanças para sua superação e, sob formas diferentes, apontaram para um
maior intervencionismo estatal, necessidade de reconfiguração das relações
internacionais, necessidade de aumento da extração de mais-valor. Assim, foram
surgindo respostas diferentes e algumas foram resgatadas e amplamente
utilizadas no ciclo de constituição do regime de acumulação conjugado.
Assim, o ciclo de constituição possui antecedentes que ele recupera, assimila e
coloca no interior de uma nova totalidade, que é o novo regime de acumulação.
O ciclo de constituição em sua
fase formação se encerra com a predominância do novo regime de acumulação, o
que, no caso, ocorreu a partir de 1945. É nessa época que inicia o seu ciclo de
ascensão, cuja duração varia de acordo com o país. Nos Estados Unidos foi mais
imediato, na Europa ocidental, devido à reconstrução do pós-guerra, demorou
mais tempo. O ciclo de expansão e ascensão ocorre simultaneamente e vai até
meados dos anos 1950 (com as devidas variações).
Nesse contexto, abriu-se o caminho
para o ciclo da consolidação a partir, aproximadamente, 1955 (o que ocorreu
antes nos Estados Unidos), ocorrendo sua estabilização e fortalecimento até a
metade dos anos 1960, aproximadamente, dependendo do país. Essa foi a época das
ideologias apologéticas da “sociedade de consumo”, “integração da classe
operária no capitalismo”, “Estado de bem estar social”. A terminologia
escolhida não é gratuita. Efetivamente, as políticas estatais estruturais foram
implementadas, bem como o aumento real dos salários (à custa do aumento de
produtividade via fordismo e exploração internacional via capital oligopolista
transnacional), aumento do consumo (com o reforço do sistema de crédito),
permitiram uma estabilidade política e financeira que aparentemente criava uma
“sociedade sem oposição”[6].
A partir de 1965 esse processo já
começa a declinar, gerando o ciclo de dissolução, iniciando com um
enfraquecimento, perceptível pela queda da taxa de lucro (HARVEY, 1992) e que
logo promove a desestabilização, com a emergência de diversas formas de
contestação e luta (VIANA, 2009). A crise inicial explode nos últimos anos da
década de 1960, com a ascensão das lutas operárias e estudantis, sendo o ano de
1968 (emblemático por causa da rebelião estudantil em Paris e radicalização na
Itália e Alemanha, bem como a luta operária nestes e em outros países).
Porém, a derrota do Maio de 1968
significou a superação da crise inicial e o início da reconfiguração parcial do
regime de acumulação conjugado. Essa reconfiguração parcial teve na chamada
Comissão Trilateral a sua grande mentora intelectual, propondo um aparato
estatal ainda mais repressivo, aumento da exploração internacional, etc. (VIANA,
2009). Estes elementos são uma tentativa de reconfiguração do regime de
acumulação conjugado e já anunciam elementos do futuro regime de acumulação, o
integral. A proposta de um aparato estatal mais repressivo, bem como as
tentativas de alterações na organização do trabalho (processo de valorização) e
aumento da exploração do capitalismo subordinado[7],
são elementos que estarão presentes no futuro regime de acumulação. É nos anos
1970 que ganham força as ideologias que foram denominadas “pós-modernas”
(pós-estruturalistas em ciências humanas e pós-vanguardistas em artes),
constituindo uma contrarrevolução cultural preventiva (VIANA, 2009) e, ao mesmo
tempo, anunciando a nova hegemonia cultural no capitalismo neoliberal. No
entanto, essa reconfiguração parcial não foi suficiente para manter o regime de
acumulação conjugado e novas lutas sociais, como a Revolução dos Cravos em
Portugal em 1974, a Revolução Polonesa em 1980, a crise do petróleo também em
1974, foram avolumando conflitos e dificuldades, até que a solução foi a
retomada do liberalismo sob nova forma, mantendo os elementos propostos nos
anos 1970 e acrescentando novos. Nesse sentido, os anos 1970 foram marcados por
uma reconfiguração parcial do regime de acumulação conjugado e ao mesmo tempo
pelo início do ciclo de formação do regime de acumulação integral. No final dos
anos 1970, a situação era insuportável e foi em 1979 que foi eleito o primeiro
governo neoliberal, Margareth Thatcher e em 1980 o segundo, Ronald Reagan,
iniciando o ciclo de expansão do regime de acumulação integral.
Em síntese, esse foi um dos
processos que demonstram a dinâmica dos ciclos dos regimes de acumulação. Sem
dúvida, talvez fosse mais interessante analisar esse processo no regime de
acumulação integral. Contudo, este ainda existe e por isso é mais difícil
analisar seus ciclos. De qualquer forma, é possível identificar seu ciclo de constituição
(formação: década de 1970 até 1980; ascensão e expansão: 1980-1990), o seu
ciclo de consolidação (fortalecimento e estabilização: 1990-1999) e o ciclo de dissolução
(enfraquecimento: de 2000-2008; desestabilização: 2008 até hoje). Isso
significa que o regime de acumulação integral está em processo de declínio e
nesse momento histórico se cria um impasse que é decidir o que vem depois.
Muitos se agarram e tentam por tudo manter o atual regime de acumulação e as
políticas de austeridade são exemplos cristalinos desse processo. No entanto,
isso avoluma as contradições. O fim do regime de acumulação integral já
começou, a questão é quando e como vai terminar. Nesses momentos históricos, o
fascismo e a guerra são possibilidades (o regime de acumulação bélico), bem
como a transformação social no sentido da emancipação humana (autogestão
social). Outras possibilidades existem, mas são pouco prováveis.
A compreensão da história e suas
tendências são fundamentais para compreendermos a sociedade e intervirmos nela,
escolhendo o lado e a tendência que queremos reforçar. Logo, a compreensão dos
ciclos dos regimes de acumulação é fundamental tanto no plano teórico quanto
político. A percepção da historicidade dos regimes de acumulação é algo difícil
para os seres humanos envolvidos com sua época, com dificuldade de superar as
amarras da contemporaneidade (VIANA, 2014). Isso a torna ainda mais importante.
Referências
COMTE, Augusto. Discurso sobre o Espírito Positivo.
Porto Alegre: Globo, 1976.
FUKUYAMA, Francis. O Fim da História e o Último Homem. Rio
de Janeiro: Rocco, 1992.
HARVEY,
David. Condição Pós-Moderna. São
Paulo: Edições Loyola, 1992.
HEGEL, G. F. Introdução
à História da Filosofia. 4ª edição, Coimbra, Armênio Amado, 1980.
KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da
Moeda. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
KORSCH, Karl. Karl Marx. Barcelona: Ariel, 1983.
KOTHE,
Flávio. Para Ler Benjamin. Rio de
Janeiro, Francisco Alves, 1976.
MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial. O
Homem Unidimensional. 6ª edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política.
2a Ed., São Paulo: Martins Fontes, 1983.
MARX, Karl. A Miséria da
Filosofia. 2ª Edição, São Paulo: Global, 1985.
MARX,
Karl. O Capital. 3ª edição, Vol. 01,
São Paulo: Nova Cultural, 1988.
VIANA, Nildo. A Consciência da História. 2ª edição, Rio de Janeiro, Achiamé,
2007.
VIANA,
Nildo. Estado, Democracia e Cidadania.
A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. 2ª edição, Rio de Janeiro:
Rizoma, 2015.
VIANA, Nildo. Karl
Korsch e a Concepção Materialista da História. São Paulo: Scortecci, 2013.
VIANA,
Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação
Integral. São Paulo: Idéias e Letras, 2009.
VIANA, Nildo. Os Efeitos do Contemporâneo. Revista Despierta. Vol. 01, num. 01,
jul-dez. de 2014. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rde/article/view/2nviana1/163 Acessado
em: 10/12/2014.
[1] Marx não usou esses
termos, mas desenvolveu o referente que eles significam. A ideia de
historicidade está presente no conjunto do pensamento de Marx, bem como a ideia
de especificidade histórica, recuperada por Karl Korsch (1983), que não só a
explicitou como também lhe deu a ênfase devida ao utilizar a expressão
“princípio da especificidade histórica” (VIANA, 2014).
[2] Marx apresentou sua
concepção de dialética em diversas obras (1983; 1985; 1988). Materialismo
histórico e método dialético são semelhantes e diferentes. O materialismo
histórico é a determinação fundamental e raiz do método dialético, sendo este
uma ferramenta intelectual derivada daquele (VIANA, 2007). O método dialético é
indissociável do materialismo histórico, embora possua sua autonomia e
especificidade.
[3] A concepção segundo a qual
em idioma português não existe um termo como o alemão gehalt, que aborda simultaneamente forma e conteúdo (KOTHE, 1976),
é assim desmentido. Claro que isso depende do que se entender por “ser”, mas a
abordagem aqui aponta para tal entendimento, o que resolve o problema da lacuna
lexical do idioma português.
[4] Obviamente que esses
processos não significam que há a imediata abolição da forma anterior e nem que
elas deixam de existir totalmente. Os que essas formas manifestam é uma
predominância, pois em certos setores da sociedade, ainda podem existir formas
de organização do trabalho (processos de valorização) e de exploração
internacional que foram predominantes anteriormente. Da mesma forma, é preciso
entender que o desenvolvimento capitalista é assincrônico e por isso não ocorre
no mesmo período em todos os países, nem da mesma forma (bastaria citar que,
derivado da exploração internacional e da divisão internacional do trabalho,
existem blocos diferenciados de países).
[5] As ideologias burguesas
possuem alguns elementos comuns, mas possuem diversas diferenças. Um dos
elementos que caracterizam essas diferenças são as oposições entre algumas
delas em relação a diversos aspectos da realidade: estatismo/liberalismo;
racionalismo/empiricismo; holismo/individualismo; objetivismo/subjetivismo;
materialismo/idealismo, entre inúmeros outros exemplos. Também existem as
ideologias híbridas, que mesclam elementos das suas posições. Há também a
tendência de homogeneização de posição
(estatismo/racionalismo/holismo/objetivismo, bem como
liberalismo/empiricismo/individualismo/subjetivismo) e também hibridismo e
tendências ambíguas. No caso político, as tendências estatistas são variadas e
assumem distintas formas. A única forma de pensamento que escapa totalmente
destas oposições é o marxismo, pois ele expressa a negação do capitalismo e,
por conseguinte, de suas ideologias. Obviamente que nem sempre isso ocorre
concretamente, pois além das deformações do marxismo, os marxistas nascem na
sociedade capitalista e começam a refletir no seu interior, tendo influências
das suas ideologias, sendo que uma parte do marxismo consegue superar tais influências
quando atinge maior profundidade e autonomia intelectual.
[6] É nesta época que Marcuse
lança a sua obra “O Homem Unidimensional” (MARCUSE, 1982), no qual aborda o
pensamento unidimensional e a inexistência de uma oposição. Sem dúvida, ele é
apenas mais um entre tantos outros que, sob formas diferentes, afirmam a mesma
coisa. Uma das diferenças é que Marcuse via isso negativamente e outros
positivamente. Isso serve para nos alertar de que durante o ciclo de
consolidação, com a estabilidade financeira e política, a hegemonia burguesa
sob forma adequada ao regime de acumulação (tal como, nesse caso, o
integracionismo) reina absoluta. No caso do atual regime de acumulação
integral, isso aconteceu nos anos 1990 e por isso se cunhou o termo “pensamento
único” e Fukuyama foi apenas um de seus ideólogos.
[7] Expressão disso foram as
ditaduras na América Latina, tal como no caso brasileiro, bem como a
experiência chilena, no qual a repressão foi combinada com a privatização,
elementos que serão retomados no regime de acumulação integral.
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