ABORDAGENS
SOCIOLÓGICAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Nildo Viana
Os movimentos sociais
emergiram como tema de pesquisa e reflexões acadêmicas de forma mais
desenvolvida a partir dos anos 1950. Antes disso, era um tema pouco abordado e
raramente aparecia como questão central. A produção nascente sobre movimentos
sociais, bem como a posterior, é predominantemente ideológica, no sentido
marxista do termo. Assim, temos a constituição de ideologias que abordam os
movimentos sociais e busca explicá-los, mas, no fundo, invertem a realidade e
geram mais confusão do que esclarecimento. Essa é uma das formas de relação dos
movimentos sociais e as ideologias, que é quando estas se debruçam sobre esse
fenômeno social. Outra forma é a influência das ideologias sobre os movimentos
sociais. Uma terceira forma é a criação de ideologias pelos próprios movimentos
sociais. O nosso objetivo será tratar apenas das interpretações ideológicas dos
movimentos sociais, deixando a questão da influência das ideologias sobre eles
e a produção de ideologias por intelectuais autóctones ou alóctones, para outra
oportunidade.
O volume de produção
ideológica sobre os movimentos sociais é enorme e por isso não será possível
abordar todas. Por isso vamos selecionar algumas abordagens desse fenômeno
social. Nos limitaremos a tratar das concepções de movimentos sociais que são
consideradas “sociológicas” e que são mais desenvolvidas, bem como mais
reconhecidas contemporaneamente. Assim, vamos destacar algumas abordagens, mas
isso não impedirá de citar outras fora da seleção definida. Escolhemos três
abordagens: a abordagem institucionalista, a abordagem neoinstitucionalista e a
abordagem culturalista.
Antes de iniciar, no
entanto, é preciso realizar o esclarecimento conceitual, explicitando o que
entendemos por ideologia e abordagens, bem como movimentos sociais. Usamos o
conceito de ideologia elaborado por Marx (MARX e ENGELS, 1982), cujo
significado é sistema de pensamento ilusório. Enquanto sistema de pensamento, a
ideologia é um pensamento complexo, tal como a ciência, a filosofia, a
teologia. Ela é produzida pelos especialistas no trabalho intelectual e surge
com a divisão entre este e o trabalho manual (MARX e
ENGELS, 1982). Definimos por abordagem como um modo de interpretar a
realidade através de um enfoque temático e analítico. Desta forma, uma
abordagem pressupõe determinadas escolhas (temáticas e analíticas) por parte do
pesquisador. Existem abordagens sistemáticas, constituindo ideologias, mas
também existem abordagens semissistemáticas, que possuem uma sistematicidade
limitada (é o caso de abordagens doutrinárias, como a anarquista, por exemplo),
e que podem constituir semi-ideologias. As abordagens sistemáticas são
ideologias que enfocam um tema delimitado e possui um processo analítico
específico para o fenômeno definido pelo enfoque. A sociologia de Durkheim, por
exemplo, é uma abordagem sistemática, uma ideologia. As
abordagens semissistemáticas não possuem maior sistematicidade, gerando um
enfoque analítico e temático sem maior desdobramento e embasamento ideológico. Quando,
no âmbito das ciências particulares, a sistematicidade de uma abordagem é
limitada, nós as distinguimos das ideologias, tal como no caso da abordagem das
representações sociais (VIANA, 2008), que alguns pretendem que seja uma
“teoria” ou “disciplina” específica, mas no fundo não possui sistematicidade
para ser considerada uma ideologia[1].
Outro conceito importante
é o de movimentos sociais. Cada abordagem dos movimentos sociais apresentará
uma definição própria (ou, em certos casos, desenvolverá um construto ou noção,
enquanto que alguns nem sequer apresentam uma definição, mostrando o seu pouco
desenvolvimento analítico). Porém, para quem faz a análise crítica das
abordagens sociológicas dos movimentos sociais, é necessário delimitar quais
fenômenos reais entende que o conceito de movimentos sociais abrange. Ou seja,
uma coisa é o fenômeno real, outra coisa é o termo usado para abordá-lo. Mas
existe um outro complicador que é o termo pode ser usado para tratar de
distintos fenômenos reais. Em outras palavras, é preciso explicitar a que
fenômenos sociais nos referimos quando usamos o conceito de movimentos sociais,
pois isto gera a diferenciação com outros usos do termo que apontam para outros
fenômenos sociais. Desta forma, é preciso compreender que o signo e o ser podem
ser distintos em abordagens distintas.
Abordagem
|
Signo
|
Ser
|
Marxismo
|
Movimentos de Grupos Sociais
|
|
Institucionalismo
|
Movimentos Sociais
|
Conjunto
de opiniões e crenças que buscam mudanças parciais ou na distribuição de
recompensas em uma sociedade.
|
Neoinstitucionalismo
|
Movimentos Sociais
|
Confrontos políticos
|
O quadro acima mostra que
um mesmo signo (movimentos sociais) tem distintos significados para diferentes
concepções[2]. Um signo e vários
significados. Os significados expressam diferentes fenômenos que são abarcados
pelo signo. Assim, quando um marxista e um neoinstitucionalista estão usando o
termo “movimentos sociais”, estão pensando em fenômenos distintos. Por isso, quando
analisamos uma abordagem dos movimentos sociais necessitamos entender não
apenas o signo (ou seja, a definição desse termo), mas também quais fenômenos
reais ele abarca. E também precisamos explicitar qual é o conceito que
adotamos, pois assim se esclarece que fenômenos reais ele abarca. Entendemos
por este conceito, movimentos de grupos sociais gerados a partir da
insatisfação social com determinada situação social específica que gera senso
de pertencimento, objetivos e mobilização (VIANA, 2016a)[3]. Buscaremos esclarecer
esses elementos em nossa análise das abordagens sociológicas dos movimentos
sociais.
O
Surgimento dos Movimentos Sociais e as Abordagens Pioneiras
Os movimentos sociais são
um fenômeno da sociedade moderna. Ao contrário do que alguns afirmam sem maior
reflexão e fundamentação[4], os movimentos sociais não
existiram nas sociedades pré-capitalistas. Existiram movimentos de classes
sociais, protestos, revoltas, etc., mas não movimentos sociais. Isso ocorre
pelo motivo de que apenas na sociedade capitalista surgem as condições de
possibilidade dos movimentos sociais: meios de comunicação, ampliação da
divisão social do trabalho, formação de uma sociedade civil organizada, etc.
No entanto, os movimentos
sociais não surgem simultaneamente com o capitalismo. Os primeiros elementos da
sociedade capitalista vão se desenvolvendo durante muito tempo, sendo que é no
século 16 que o capital comercial se torna forte o suficiente para possibilitar
a formação e expansão do modo de produção capitalista e de suas formas sociais
correspondentes. O desenvolvimento das relações de produção capitalistas gera
um fortalecimento progressivo da burguesia e permite a criação de suas próprias
ideologias e, posteriormente, suas organizações, bem como a tomada do poder
estatal e sua adequação para a nova forma de dominação instaurada por ela
(VIANA, 2015a). É no século 18 e no século 19 que o modo de produção
capitalista se consolida e subordina todos os demais modos de produção e invade
as formas sociais, que passam a regularizar as relações sociais gerais na
sociedade capitalista, modernizando-as. As revoluções burguesas marcam um
momento crucial nesse processo.
As revoluções burguesas
emergem a partir de uma nova hegemonia, que traz novas ideias (desde o
iluminismo e o liberalismo, até as ciências humanas que emergem
posteriormente), trazendo também mudanças sociais que possibilitam a
constituição dos movimentos sociais. As ideias de liberdade, igualdade e
fraternidade, a racionalização da vida social (a ciência e a razão como fontes
explicativas dos fenômenos naturais e sociais), foram importantes nesse
contexto e ao lado da ideia de democracia que vai se desenvolvendo, bem como o
desenvolvimento dos meios de comunicação, sociedade civil organizada e
ampliação da divisão social do trabalho, permitem a participação e mobilização
popular. O movimento operário emerge com força e suas lutas mostram a
capacidade de pressão das classes exploradas e a possibilidade de ter suas
reivindicações atendidas e se pensar num projeto de transformação social.
É nesse contexto que vão
emergir os embriões dos movimentos sociais. Desde o século 18 já se começava a aparecer,
de forma muito moderada e embrionariamente, alguns elementos que depois se desdobrarão em
movimentos sociais. As lutas operárias e a passagem do capitalismo liberal
(livre-concorrencial, dominado pelo regime de acumulação extensivo) para o
capitalismo oligopolista, dominado pelo regime de acumulação intensivo (VIANA,
2009), criam as condições de possibilidade para o surgimento dos movimentos
sociais. O estado liberal, fundado na democracia censitária, é substituído pelo
estado liberal-democrático, fundado na democracia partidária (VIANA, 2015a). Os
partidos políticos emergem e são uma das novidades da sociedade civil
organizada emergente e com o processo de sua burocratização. As lutas operárias
inspiram outras lutas, inclusive a de grupos sociais, que com o desenvolvimento
dos meios de transporte e especialmente os meios de comunicação, podem gerar um
senso de pertencimento e reconhecer necessidades, desejos, problemas, comuns.
No final do século 19
começa a emergir as primeiras mobilizações femininas e estudantis, mas sob
forma muito embrionária. A luta das mulheres ocorre, principalmente, no
interior do movimento socialista, com todas as suas ambiguidades, devido a
supremacia dos partidos social-democratas, e do movimento operário. As lutas
estudantis se apresentam num estágio ainda mais rudimentar. Nos últimos anos do
século 19 e início do século 20 esse processo tem um certo desenvolvimento,
emergindo lutas femininas influenciadas por uma concepção liberal-democrática,
tal como o sufragismo, e pelo marxismo, tal como expresso por Alexandra Kollontai
e Sylvia Pankhurst.
Assim, alguns movimentos
sociais emergiram embrionariamente, com alguns mais desenvolvidos e outros
menos. No entanto, a produção intelectual sobre tais processos embrionários era
geralmente autóctone, ou seja, produzida pelos próprios indivíduos componentes
do movimento social, tendo, portanto, geralmente um caráter militante (político,
reivindicativo, polêmico, etc.) e não análises mais profundas e explicativas do
próprio movimento. A produção sociológica e intelectual sobre tais movimentos
embrionários demoraria a emergir, tanto pelo próprio caráter embrionário do
fenômeno social em questão como também pelo próprio processo de consolidação
das ciências humanas em geral e da sociologia em particular, sendo essa a
ciência particular que teria esse fenômeno como temática mais natural. O
marxismo, por sua vez, focalizava o movimento operário. Os movimentos sociais
não eram foco na análise marxista por serem embrionários e muitas vezes apareciam
concretamente ou misturado com o movimento dos trabalhadores ou distante do
mesmo. Por isso eram criticados ou desconsiderados e a produção intelectual a
respeito também era mais de caráter polêmico do que analítico[5].
Essa situação vai sofrer
alteração a partir do novo regime de acumulação que se instaura pós-1945. O
regime de acumulação conjugado marca a emergência do capitalismo oligopolista
transnacional. A derrota do nazifascismo e a importância do bloco progressista
e do bloco revolucionário nesse processo, bem como a força do movimento
operário (desde as revoluções do final da década de 1910 e início de 1920 até
as lutas radicalizadas posteriores na França e outros lugares), ao lado da
Guerra Fria e nova modalidade de política estatal implementada, criaram as
condições para uma nova hegemonia. A nova hegemonia passava para o espectro
mais democrático (pelo menos discursivamente) do bloco dominante e mais próximo
do bloco progressista.
Nesse contexto, marcado
também por melhorias no nível de renda de grande parte da população[6], aumenta a mobilização
popular que passa a realizar outras reivindicações que não são mais as exclusivamente
salariais, condições de trabalho, transformação social, etc. A nova hegemonia
do paradigma reprodutivista aponta para a tese da “integração da classe
operária no capitalismo”, bem como para a ideia da sociedade como organismo ou
estrutura estável que precisa “integrar” as classes e grupos sociais no seu
interior. Por outro lado, as mobilizações vão aumentando com o passar do tempo
e ganham maior força, visibilidade e radicalidade com a desestabilização desse
regime de acumulação.
O movimento estudantil
começa a se desenvolver e ganhar mais espaço, o movimento negro se desenvolve
nos Estados Unidos, entre outros. A partir da segunda metade da década de 1960,
os movimentos sociais se consolidam e surgem novos movimentos, como o
pacifista. É nesse contexto que surgem as abordagens pioneiras dos movimentos
sociais. Nesse momento surgem concepções explicativas dos movimentos sociais.
As concepções funcionalistas, psicologistas e interacionistas e outras aparecem
e tentam explicar esse novo fenômeno social. De acordo com o “espírito do
paradigma da época”, a discussão sobre movimentos sociais é encaminhada a
partir de temas como desvio, da frustração, desajustes, comportamento coletivo,
crenças, irracionalidade. No entanto, grande parte das abordagens consideradas
pioneiras dos movimentos sociais não estão tratando exatamente deste fenômeno e
sim de mobilizações, protestos, revoltas, etc. Nesse sentido, seria necessária
uma pesquisa mais ampla para descobrir se alguma das chamadas abordagens
pioneiras está tratando efetivamente de movimentos sociais[7].
A partir da década de
1960 emergem estudos mais direcionados efetivamente, tal como foram definidos
aqui, para os movimentos sociais. É no final dessa década que surgem as
abordagens mais desenvolvidas dos movimentos sociais e cabe destaque, nesse
contexto, para a abordagem institucionalista, da qual vamos tratar agora.
A
Abordagem Institucionalista
A abordagem
institucionalista é também conhecida como “teoria da mobilização de recursos”.
No entanto, essa concepção não constitui uma teoria no sentido restrito do
termo, ou seja, no sentido marxista, segundo a qual ela expressaria a
realidade, sendo um saber verdadeiro. Ela seria, portanto, uma abordagem
semissistemática dos movimentos sociais, uma semi-ideologia.
A abordagem
institucionalista vai surgir nos anos 1960 e existir até os anos 1970. A sua
existência data da época do regime de acumulação conjugado (capitalismo
oligopolista transnacional) na grande potência mundial que era os Estados
Unidos. Os intelectuais considerados principais representantes desta abordagem
foram Olson, Zald, McCarthy, Oberschall, Gusfield (alguns colocam Charles Tilly
como um representante dessa corrente, mas outros já o colocam na abordagem
neoinstitucionalista e, no fundo, ele se diferencia de ambas, embora esteja
maios próximo dessa última). Ela é uma abordagem semi-ideológica, devido sua
pouca sistematicidade e desenvolvimento. Trata-se de uma ideologia rudimentar,
produzida por um conjunto de pesquisadores, expressando um processo de disputa
no interior da esfera científica, mais especificamente no plano dos estudos dos
movimentos sociais. Ela se estrutura como uma espécie de “escola”, algo típico
da produção intelectual a partir do regime de acumulação conjugado,
especialmente nos Estados Unidos, com um grau elevado de burocratização das
universidades[8].
O trabalho coletivo e institucionalizado se distingue do que ocorreu na
sociologia clássica com seu “trabalho artesanal”, para usar expressão de Wright
Mills (1982), e também seus limites e sua adequação ao empiricismo.
A abordagem
institucionalista se inspira em determinadas ideologias anteriores para montar
seu esquema analítico. As bases ideológicas da abordagem institucionalista
foram principalmente a ideologia (“teoria”) da escolha racional, a escola
marginalista em economia, a concepção weberiana de racionalização e burocracia
e elementos da sociologia das organizações. Dessas bases ideológicas, a questão
da racionalização e burocratização das organizações ocupará um lugar especial e
será sua principal contribuição.
Os institucionalistas
definem movimentos sociais da seguinte forma: “Um movimento social é um conjunto
de opiniões e crenças em uma população que manifesta preferência pela mudança
em alguns elementos da estrutura social e/ou na distribuição de recompensas em
uma sociedade” (McCARTHY e ZALD, 2017). O movimento social por
sua vez pode gerar um contramovimento, entendido como “Um contramovimento é um
conjunto de opiniões e crenças em uma população em oposição a um movimento
social” (McCARTHY e ZALD, 2017). Essas duas definições servem para
alertar das interpretações equivocadas da abordagem institucionalista, bastante
disseminada no Brasil a partir da obra de Gohn (2002),
que afirma que os institucionalistas confundiriam movimentos sociais com
organizações e empresas. A definição de movimentos sociais dos adeptos da
concepção institucionalista não dá margem para tal confusão.
Essa interpretação
equivocada emerge a partir da desatenção em relação aos outros termos
trabalhados pela abordagem institucionalista, especialmente “organização de
movimento social” e “indústria de movimento social”. Uma organização de
movimento social é definida pelos institucionalistas como “uma organização
formal ou complexa que identifica seus objetivos com as preferências de um
movimento social ou um contramovimento e tenta implementar esses objetivos” (McCARTHY
e ZALD, 2017).
Eles citam alguns exemplos de OMS: SNCC (Comitê de Coordenação Estudantil Não-Violento), CORE (Congresso da
Igualdade Racial), NAACP (Associação Nacional para a Promoção de Pessoas de
Cor) e SCLC (Congresso das Lideranças Cristãs do Sul), sendo que algumas destas
foram pesquisadas pelos institucionalistas. E uma indústria de
movimento social, por sua vez, é “o conjunto das OMS que têm como objetivo a realização das mais amplas preferências de
um movimento social constitui uma indústria de movimento social (IMS)” (McCARTHY
e ZALD, 2017)[9]. Um termo complementar é
“setor de movimento social”, que engloba todas as IMS de uma sociedade, mesmo
sem pertencerem a um mesmo movimento social.
A confusão dos
intérpretes é resolvida quando se observa que os institucionalistas distinguem
entre movimentos sociais e seu “objeto de estudo”, que seria as OMS e IMS. Ou
seja, eles deixam claro que não trabalham com o fenômeno geral dos movimentos
sociais, mas apenas suas organizações e indústria. Eles justificam essa
distinção por suas “vantagens”: a) ela enfatiza que os movimentos sociais nunca
estão totalmente mobilizados; b) ela se concentra explicitamente no componente
organizacional da atividade; c) reconhece explicitamente que os movimentos
sociais são tipicamente representados por mais de uma OMS; d) permite a
possibilidade de uma análise do crescimento e declínio de uma IMS, que não é
totalmente dependente do tamanho de um movimento social ou da intensidade das
preferências dentro dele.
Portanto, é fundamental
compreender que a abordagem institucionalista tem como “objeto de pesquisa” não
os movimentos sociais em si e sim as organizações dos movimentos sociais (OMS).
Isso mostra o equívoco de certos intérpretes que os acusam de confundir
movimentos sociais e organizações. Essa abordagem, a partir da sociologia das
organizações, economia marginalista e outras influências, analisam a questão
das organizações dos movimentos sociais a partir da questão organizacional e
com ênfase na questão dos recursos. São os recursos que permitem a emergência
das OMS. A ideia cálculo racional[10] é chave no processo
interpretativo das OMS por parte dos institucionalistas. Como o seu objeto de
estudo são as organizações e indústria do movimento social, então a questão
financeira e dos recursos são realmente determinantes em suas ações e
estratégias. Os movimentos sociais disputam o público consumidor, adeptos e
financiadores, pelas fontes de recursos. As OMS, por sua vez, são perpassadas
pela competição com outras OMS, instituições, etc. em torno dos recursos
existentes.
A abordagem
institucionalista realiza uma distinção interna entre os membros dos MS e OMS. Essa
distinção é entre constituintes, aderentes, não-aderentes, público espectador
beneficiário ou consciente e oponentes. Os constituintes são aqueles que
fornecem recursos para uma OMS e os aderentes são os indivíduos e organizações
que acreditam nos objetivos do movimento social. Os não-aderentes podem ser o
público espectador que não se opõe ao MS ou OMS, se limitando a “testemunhar”
suas atividades.
É uma tarefa da
organização transformar os não-aderentes em aderentes e manter o envolvimento
dos constituintes. Uma outra distinção considerada importante pelos
institucionalistas é a relação destes com o pool
(conjunto) de recursos da OMS, gerando a diferenciação entre elites e massas.
As elites possuem um pool de recursos
(financeiros, intelectuais, etc.) superiores e as massas possuem um conjunto de
recursos inferiores (que pode ser, nos casos de maior escassez, meramente seu
tempo e trabalho).
A partir desse elementos
básicos da abordagem, os institucionalistas desenvolvem um conjunto de análises
das OMS (e também das IMS e SMS), tais como a posição dos líderes como gerentes
e administradores, a percepção da competição por recursos, adesões, apoio de
agências governamentais, a manipulação da imagem dos meios oligopolistas de
comunicação e a busca em chamar a atenção da mesma, o sucesso do movimento (o
que ocorre quando possui organização formal hierárquica), etc. Sem dúvida, não
poderemos desenvolver todos estes aspectos aqui, pois nosso objetivo foi apenas
apresentar uma síntese das ideias centrais da abordagem institucionalista.
Podemos, agora, fazer uma
breve consideração crítica sobre a abordagem institucionalista. O primeiro
ponto que merece destaque é a base ideológica que os institucionalistas lançam
mão, sem grande desenvolvimento ou reflexão sobre ela, ou seja, mais como um
elemento exógeno adotado no processo analítico. O uso das concepções da
ideologia da escolha racional, da escola marginalista, da sociologia das
organizações, da sociologia da burocracia de Weber, são elementos que,
aparentemente, são adequados ao seu tema de pesquisa, as organizações e seus
desdobramentos. Porém, isso gera equívocos analíticos, pois deixa de lado
aspectos que, segundo a linguagem utilizada por estas concepções, seriam
“irracionais”, bem como reduzem os seres humanos a uma psicologia do
consumidor. Isso sem falar que reproduzem os limites próprios destas
concepções, tal como uma incompreensão da dinâmica capitalista, inacessível
para a economia marginalista.
Outro problema dessa
abordagem é a sua opção pela centralidade das organizações. Sem dúvida, as
organizações podem e devem ser foco analítico, assim como qualquer outro
fenômeno social. O problema está em substituir o procedimento dialético da
focalização pelo procedimento ideológico da centralização, pois nesse último
caso se abandona a totalidade e as diferenciações existentes. Os movimentos
sociais viram apêndices das OMS, IMS e SMS. Como consequência disso, temos outro
problema, que é a aplicação do modelo das organizações empresariais a todas as
organizações, inclusive as autárquicas[11], o que significa criar
uma indistinção ideológica no lugar de uma distinção real. Derivado disso, toma
o objetivo das organizações empresariais como os objetivos das demais
organizações, pois isso não é algo generalizado[12]. Outra consequência
problemática, oriunda de sua base metodológica deficiente, é deixar de lado a
totalidade das relações sociais (Estado, cultura, classes sociais, etc.), sendo
que certos elementos importantes para explicar as OMS pouco aparecem ou mesmo
não aparecem.
O mérito da abordagem
institucionalista é ter analisado um elemento importante dos movimentos
sociais, as organizações, apesar da forma deficiente como realizou isso. A
análise institucionalista contribui para analisar as organizações burocráticas
informais e as que se tornam burocráticas e suas relações com os movimentos
sociais, apesar dos seus limites nesse processo analítico. De qualquer forma, a
abordagem institucionalista contribui para uma análise do processo de
mercantilização e burocratização dos movimentos sociais, processo que atinge
suas ramificações, e como que as organizações burocráticas (formais e
informais) influenciam o conjunto do movimento social. No entanto, essa
contribuição é limitada devido sua base ideológica e que se restringe ao caso
das organizações burocráticas (informais, que ainda estão dentro do âmbito dos
movimentos sociais, e formais, que saem desse âmbito).
Essa abordagem foi
recusada e teve pouca influência fora dos Estados Unidos. O motivo disso é que
sua centralização nas organizações (e nesse país, com maiores recursos e grau
de mercantilização, burocratização, competição e conservadorismo), embora
reveladora de aspectos das mesmas, encontrava resistência em lideranças e
intelectuais vinculados às suas congêneres na América Latina e outros lugares.
No entanto, essa abordagem perdeu espaço no decorrer nos anos 1970 e logo foi
substituída por uma outra abordagem que tentava superar seus limites e será
nosso foco analítico a partir de agora.
A
Abordagem Neoinstitucionalista
A abordagem
neoinstitucionalista já recebeu outros nomes, como “teoria das oportunidades
políticas”, “teoria do processo político”, “teoria da mobilização política”,
“teoria do confronto político”. Aqui optamos por abordagem neoinstitucionalista
por causa que ela delimita a política institucional como o seu campo perceptivo,
colocando a centralidade nela, e por ser produzida em grande parte por
ex-representantes da abordagem institucionalista.
A abordagem
neoinstitucionalista surge nos anos 1990, época de consolidação do novo regime
de acumulação e quando, decorrente disso, ocorre uma mutação cultural. O regime
de acumulação integral trouxe mudanças gerais na sociedade e teve impacto sobre
os movimentos sociais. O processo de intensificação da exploração internacional
(hiperimperialismo, mais conhecido como “globalização”), o neoliberalismo e as
mutações nas relações de trabalho (toyotismo) marcaram uma nova fase do
capitalismo e que acabou gerando mudanças sociais gerais, inclusive mutações
culturais. Um novo paradigma se tornou hegemônico, o subjetivista e com isso os
esquemas interpretativos do paradigma anterior, reprodutivista, perdiam espaço.
Isso influenciou os movimentos sociais, as análises dos movimentos sociais e a
abordagem institucionalista, que encontrou mais um obstáculo. A abordagem
institucionalista entrou em crise, pois não conseguiu ultrapassar as fronteiras
dos Estados Unidos e por isso precisava se renovar e ampliar, especialmente com
o reinado da ideologia da globalização.
A esfera científica foi
atingida por esse processo e novos mecanismos de competição emergiram (tal como
a chamada “internacionalização”, uma outra forma de subordinação cultural do
capitalismo subordinado ao capitalismo imperialista, com suas subdivisões
hierárquicas). A subesfera sociológica e abordagens dos movimentos sociais não
ficaram, obviamente, imunes a este processo. No âmbito da produção intelectual
sobre os movimentos sociais, a competição se tornou mais acirrada, mesmo porque
o tema passou a ganhar maior visibilidade. A abordagem neoinstitucionalista
emerge a partir da anterior e tenta ser mais ampla, completa e adequada à
realidade. Junto com isso, a percepção da “globalização” por parte dos
representantes do neoinstitucionalismo aponta para a criação de uma rede
internacional de pesquisa. Os diversos encontros internacionais e publicações
de pessoas de várias nacionalidades é um exemplo de como a abordagem
neoinstitucionalista queria superar os limites presentes na abordagem anterior
e se tornar “palatável” para fora dos Estados Unidos e aumentar sua
competitividade na subesfera sociológica a nível internacional. Nesse sentido,
houve uma readaptação da abordagem
institucionalista ao novo momento histórico, o que lhe provocou várias
mudanças. Nesse contexto, havia também uma competição com as abordagens
europeias (abordagem culturalista, da qual trataremos adiante) e a hegemonia do
paradigma subjetivista.
A abordagem
neoinstitucionalista teve nos antigos representantes do institucionalismo os
seus principais defensores, como Zald, etc. e alguns novos nomes, com destaque
para Tarrow e, de certa forma, Charles Tilly. As bases ideológicas do
neoinstitucionalismo eram, em parte, algumas do institucionalismo, e, em parte,
novas fontes. No caso de Sidney Tarrow, o principal representante do
neoinstitucionalismo, é visível a fonte ideológica extraída do leninismo (e sua
interpretação equivocada de Marx), alguns elementos extraídos de Marx
(interpretado de forma limitada, e enfatizando a divisão social, o conflito de
classes e “descontentamento”, relacionada com as abordagens do comportamento
coletivo), de Charles Tilly, que já produzia antes do surgimento dessa
abordagem, Gramsci e outros.
A abordagem
neoinstitucionalista mantém, portanto, elementos do paradigma hegemônico
anterior, o reprodutivismo, e isso aparece com seu apelo ao leninismo (a ideia
de elites divididas cuja inspiração é leninista, segundo a qual a revolução
depende de três condições: crise, divisão da classe dominante e partido
revolucionário que se aproveita disso) e elementos do institucionalismo, mas
trazendo elementos do novo paradigma hegemônico. Esse aspecto se observa
através de elementos retirados do interacionismo simbólico e congêneres, bem
como Gramsci, ao discutir questões como “frame”, “cultura”, “repertório”, etc.
No entanto, isso era feito simultaneamente com a permanência de elementos típicos
do paradigma hegemônico anterior (o “macro”, estado e oportunidades políticas).
A abordagem
neoinstitucionalista é mais ampla do que a anterior e traz um conjunto de
construtos novos para a interpretação dos movimentos sociais. Poderíamos citar
aqui, além da definição de movimentos sociais, alguns dos seus principais
construtos: “oportunidades políticas”, “estruturas de mobilização”, “quadros
interpretativos” (ou “frames”), “repertório”, “ciclos de protesto ou
confronto”.
O primeiro ponto a
destacar é que essa abordagem apresentou distintas definições de movimentos
sociais. Vejamos algumas definições:
“Um movimento
social é uma interação sustentada entre pessoas poderosas e outras que não têm
poder: um desafio contínuo aos detentores de poder em nome da população cujos
interlocutores afirmam estar ela sendo injustamente prejudicada ou ameaçada por
isso” (McADAM, TARROW, TILLY, 2009).
O complexo
político combinado de três elementos: “1) campanhas de reivindicações coletivas
dirigidas a autoridades-alvo; 2) um conjunto de empreendimentos
reivindicativos, incluindo associações com finalidades específicas, reuniões
públicas, declarações à imprensa e demonstrações; 3) representações públicas de
valor, unidade, números e comprometimento referentes à causa. A esse complexo
historicamente específico denomino movimento social” (TILLY, 2010).
Uma terceira definição,
de Charles Tilly, é a de que um movimento social deve ser entendido como uma
“interação contenciosa”, que “envolve demandas mútuas entre desafiantes e
detentores do poder”, em nome de uma população sob litígio (ALONSO, 2009).
As definições de
movimentos sociais da abordagem neoinstitucionalista são problemáticas. O
problema está em sua amplitude, que abarca fenômenos sociais amplos, cuja
origem é antiga na sociedade moderna. A ideia de movimento social não é clara,
aparece como “interação e desafio dos detentores do poder”, “processos
reivindicativos em relação aos governos” ou “interação contenciosa” entre
“desafiantes e detentores do poder”. Isso pode ser confundido com classes
sociais, partidos políticos, organizações, etc. Por isso, a abordagem
neoinstitucionalista é limitada e trata mais de conflitos políticos em geral do
que movimentos sociais, mais especificamente.
Os neoinstitucionalistas
abordam os movimentos sociais a partir de alguns construtos fundamentais, tais
como “estruturas de oportunidades políticas”, “oportunidades políticas”,
“estruturas de mobilização”, “quadros interpretativos”, “repertórios”, etc. Esse
conjunto de construtos, no entanto, não são organizados sistematicamente num
processo explicativo da realidade. Por isso é algo semissistemático e limitado,
embora mais avançado e desenvolvido do que a abordagem institucionalista. A
estrutura de oportunidades políticas aponta para “o grau de probabilidade dos
grupos de terem acesso ao poder e influírem no sistema político” (LIPSKY, apud.
GOHN, 2002). As oportunidades políticas ganham uma centralidade na análise
neoinstitucionalista e podem ser compreendidas como conjunto de oportunidades
(variáveis) que são abertas no âmbito da política institucional (especialmente
Estado) para a emergência ou fortalecimento dos movimentos sociais.
As oportunidades
políticas possuem determinados componentes, a saber: a) o grau de abertura
relativa do sistema político institucionalizado; b) a estabilidade ou
desestabilização dos alinhamentos entre elites, alinhamentos que exercem uma
grande influência no âmbito do político; c) a presença ou ausência de aliados
entre as elites; d) capacidade e propensão do estado para repressão (McADAM,
1999). Isso pode ser exemplificado pelos casos das elites divididas, tal como
citado por Tarrow (2009), que aponta o caso russo de Gorbatchev e os
reformistas, que abriram oportunidades políticas, com a Glasnost e Perestroika.
As oportunidades políticas podem ocorrer para certos grupos e não para outros (McADAM,
1999; TARROW, 2009). Da mesma forma, as oportunidades políticas podem não estar
visíveis para todos os desafiantes (TARROW, 2009).
Outro construto
importante usado pelos neoinstitucionalistas é o de estruturas de mobilização. Esse
é o elemento da abordagem institucionalista que é preservado e absorvido pela
abordagem neoinstitucionalista. A compreensão dessas estruturas podem ser mais ou
menos amplas, dependendo do autor (alguns incluem os quadros interpretativos,
etc.). Elas incluem, tal como para Kriesi (1999), organizações informais
(família, vizinhos, etc.) e organizações formais (“movimentos sociais
organizados”, organizações de apoio, associações de movimentos, partidos/grupos
de interesses). Essas estruturas são importantes para compreender o
aproveitamento ou não, ou as suas formas, das oportunidades políticas.
Os quadros
interpretativos, também chamados de “frames”, e também traduzidos como “marcos
interpretativos” (McADAM, GAMSON e MEYER, 1999); “marcos referenciais
significativos” (GOHN, 2002), trazem a discussão sobre questões culturais, cuja
fonte foram as críticas à abordagem institucionalista e a emergência do
paradigma subjetivista. É nesse contexto que aparece discussões sobre símbolos
e significados e também elementos do processo de construção, bem como certos
elementos de construtivismo. Não há apenas uma definição de quadros
interpretativos na abordagem neoinstitucionalista. É possível ver as seguintes
definições dos quadros interpretativos: “é um processo em que os atores
sociais, a mídia e os membros de uma sociedade interpretam, definem e redefinem
a situação conjuntamente” (Klandermans, apud TARROW, 2009); é um “esquema
interpretativo que simplifica e condensa o ‘mundo lá fora’, salientando e
codificando seletivamente objetos, situações, eventos, experiências e sequências
de ações num ambiente presente ou passado” (SNOW e BENFORD, apud. TARROW, 2009);
“são dispositivos enfatizadores que ressaltam e adornam a gravidade e a
injustiça de uma condição social ou redefinem como injusto ou imoral o que era
visto anteriormente como desastroso, mas talvez tolerável” (TARROW, 2009). Eles
trazem um enriquecimento em relação ao que era abordado antes pelos
institucionalistas, pois incluem na análise novos elementos, como emoções,
injustiça, “solidariedade”, elemento cognitivo e identidade coletiva.
Um último termo
importante para a abordagem neoinstitucionalista é o de repertório. Este é
compreendido pelo seu criador como “um conjunto limitado de rotinas que são
aprendidas, compartilhadas e postas em ação por meio de um processo
relativamente deliberado de escolha” (TILLY, apud. ALONSO, 2009), que complementa
que “o repertório do movimento social se justapõe aos repertórios de outros
fenômenos políticos, tais como a atividade sindical e as campanhas eleitorais”
(TILLY, 2010). Tilly foi alterando sua concepção e terminologia com o passar do
tempo e desta forma também alterou a denominação complementar do repertório (1970:
repertórios de ação coletiva; 1990: repertórios de confronto; 2000: repertórios
e performance) (ALONSO, 2012). O termo tem sua utilidade, apesar de ser
limitado pela forma como é trabalhado e pela ênfase que é oferecido a algo que
não tem significado tão decisivo assim. Mas ajuda a compreender a dinâmica dos
movimentos sociais.
Um dos termos mais
importantes e de maior alcance da abordagem neoinstitucionalista é o “ciclo de
protesto”, que depois foi mudado para “ciclo de confronto”. Segundo Tarrow:
Entendo ‘ciclos de
confronto’ como uma fase de conflito acentuado que atravessa um sistema social:
com uma rápida difusão da ação coletivo de setores mais mobilizados para outros
menos mobilizados; com um ritmo rápido de inovação nas formas de confronto; com
a criação de quadros interpretativos de ação coletiva, novos ou transformados;
com uma combinação de participação organizada e não-organizada; e, com
sequencias de fluxos intensificados de informação e de interação entre os
desafiantes e as autoridades (TARROW, 2009).
Os ciclos de protestos
reforçam os desafiantes, exige resposta do estado e se difere dos ciclos
revolucionários. São processos nos quais os desafiantes do poder entram em
conflito com os seus detentores, gerando a necessidade de resposta do estado.
Não se trata de ciclos revolucionários[13], pois seus elementos
apontam para reivindicações, luta pelo poder, etc., e não a solução
revolucionária.
A abordagem
neoinstitucionalista padece dos mesmos problemas analíticos que a abordagem
institucionalista, embora avance em alguns aspectos e recue em alguns outros.
Entre os principais problemas dessa abordagem, podemos destacar as definições
de movimentos sociais que são demasiadas amplas e imprecisas, além de suas
diferenças e mutações constantes. A imprecisão e a constante alteração mostram
a fragilidade e falta de maior sistematização dessa abordagem. No fundo, ao
invés dos movimentos sociais, na maioria do caso (o que corresponde aos
construtos trabalhados pelos neoinstitucionalistas), os fenômenos abordados são
lutas políticas gerais e não movimentos sociais (protestos, confrontos, lutas
políticas, etc. movimentos sociais aparecem apenas como exemplos). Assim, a imprecisão
conceitual e constantes reformulações mostram as fragilidades dessa abordagem.
Todo saber noosférico (complexo) possui alterações com o seu desenvolvimento,
mas a imprecisão é algo problemático em qualquer caso. As alterações produzidas
por desenvolvimento e aprofundamento ocorrem naturalmente, mas é preciso que
isso não seja constante e que seja um real aprofundamento. Esse não é o caso da
abordagem institucionalista, pois as mudanças terminológicas não significam
aprofundamento, mas alterações formais e superficiais, devido seus limites
ideológicos e metodológicos, bem como no desafio do confronto com a realidade,
mostrando que as definições anteriores eram problemáticas (embora nem sempre,
pois tem também as influências ideológicas e idiossincrasias de alguns
institucionalistas).
Outro problema da
abordagem neoinstitucionalista e o peso exagerado na política institucional. A
centralidade conferida ao aparato estatal acaba transformando o construto de
movimentos sociais em outra coisa, que são os grupos políticos, setores dos
movimentos sociais, partidos e organizações, que vivem em função do Estado.
Nessa abordagem, os movimentos sociais giram em torno do Estado. Isso entra em
contradição com os movimentos sociais reais. Muitos setores de movimentos
sociais são próximos do aparato estatal, mas muitos são de orientação
civilista, se mantendo distante dele, o que inclui inclusive aqueles que são
antiestatistas (VIANA, 2017b; VIANA, 2016a).
Da mesma forma que os
representantes da abordagem institucionalista, os institucionalistas descartam
a totalidade, deixando de lado elementos fundamentais para explicar a realidade
social que envolve os confrontos políticos, tais como a luta de classes,
acumulação de capital, etc. A abordagem neoinstitucionalista realiza uma
análise limitada e não consegue explicitar, por exemplo, o que gera as
oportunidades políticas, pois fica preso em generalidades e não possui uma
explicação mais profunda do aparato estatal. Ao não entender o vínculo entre
aparato estatal e acumulação de capital, os neoinstitucionalistas não conseguem
ultrapassar uma percepção superficial da relação entre estado e conflitos
políticos, e, mais ainda, dos movimentos sociais, não compreendidos por eles
devido seu enfoque temático e analítico.
Isso não quer dizer que a
abordagem neoinstitucionalista não tenha nenhum momento de verdade. Há alguns
méritos nessa abordagem, tal como incluir o estado/política institucional na
análise, trazer a questão dos quadros interpretativos e repertórios para a
discussão, apresentar uma visão histórica, embora superficial, dos movimentos
sociais (mais dos “confrontos políticos” do que dos movimentos sociais mais
exatamente). Os méritos da abordagem neoinstitucionalista, no entanto, ainda
são limitados, pela superficialidade e falta de maior sistematicidade, além da
centralidade no aparato estatal e compreensão limitada das lutas políticas e
significado do Estado e dos quadros interpretativos e repertórios.
A
Abordagem Culturalista
A abordagem culturalista
é geralmente denominada “teoria dos novos movimentos sociais”. Essa denominação
é problemática por vários motivos. Um deles é o caráter equivocado da discussão
sobre supostos “novos” movimentos sociais e o erro que é um pesquisador
utilizar a linguagem dos pesquisados, compartilhando seus equívocos e ilusões.
A abordagem culturalista surge na mesma época que a abordagem
institucionalista, embora em seu período de surgimento e tendo vários
desdobramentos posteriores.
Ela surge num contexto
histórico específico, bem como noutro continente, na Europa. Isso traz
diferenças mais amplas em relação às duas abordagens anteriores. A abordagem
culturalista começa a emergir no final dos anos 1960 e vai se desenvolvendo nos
anos 1970. A crise do regime de acumulação conjugado no final dos anos 1960 e
as lutas radicalizadas, bem como o “retorno à normalidade”, formam um contexto
histórico específico. Esse processo se desenvolve em 1970 e marca a transição do
regime de acumulação conjugado para regime de acumulação integral.
Nesse contexto ocorre
também uma mutação ideológica. A partir do final da década de 1960, após a
derrota das lutas operárias e estudantis e das tendências revolucionárias dos
movimentos sociais, ocorre uma crise do paradigma hegemônico, o reprodutivismo,
e das ideologias associadas. Durante os anos 1970 se forja o novo paradigma, o
subjetivismo (VIANA, 2018). Embora o paradigma subjetivista surja nos anos
1970, ele só consegue se tornar hegemônico a partir dos anos 1980 na Europa e
Estados Unidos, e, posteriormente, no resto do mundo (anos 1990). O paradigma
subjetivista emerge através de diversas ideologias: pós-estruturalismo,
neoliberalismo, multiculturalismo, fenomenologia, weberianismo, etc. Os
ideólogos pioneiros do subjetivismo foram Foucault, Guattari, Deleuze, Lyotard,
entre outros, e foram surgindo novas ideologias filiadas a tal paradigma. Para
tanto, o estado capitalista e instituições burguesas desenvolveram uma ampla política
cultural que serviu para garantir a nova hegemonia. Políticas estatais,
fundações internacionais, institutos, organismos internacionais, capital
comunicacional, etc. foram mobilizados para garantir a hegemonia subjetivista.
O novo paradigma e as
ideologias filiadas é que forma as bases ideológicas da abordagem culturalista.
As mutações do capitalismo, a passagem do regime de acumulação conjugado para o
regime de acumulação integral, interpretada pelas novas ideologias, formam o
pretexto ideológico que legitima as novas ideologias. É nesse momento histórico
que ganha força ou novas versões a ideia de uma “sociedade pós-moderna”, “sociedade
pós-industrial”, etc. Essa ideia de que a sociedade capitalista (“moderna”,
“industrial”) foi substituída por outra, foi defendida por vários Ideólogos (Daniel
Bell, Touraine, Claus Offe, Habermas). O novo paradigma subjetivista é a fonte
da renovação linguística e dos termos que se tornaram hegemônicos: “sujeito”,
“novos sujeitos”, “subjetividade”, “atores”, “pluralismo”, “fragmentação”, etc.
No entanto, a abordagem
culturalista não possui a homogeneidade das duas abordagens anteriores. Ela não
é produzida por intelectuais associados como no caso anterior, não tendo o
mesmo caráter coletivo. A sua base ideológica, subjetivista, também aponta para
um maior individualismo, bem como a própria tradição europeia é distinta da
norte-americana. Esses elementos explicam a razão da abordagem culturalista
poder ser subdividida em diversas outras abordagens e ligadas geralmente a
apenas um intelectual (e seus reprodutores). A diversidade de concepções é
muito maior, e, consequentemente, a diversidade terminológica. No entanto, é
possível identificar algumas ideias gerais comuns e concepções divergentes em
aspectos secundários. O que é singular em cada manifestação particular da
abordagem culturalista pode ser visto na produção intelectual dos seus
representantes, sendo que se destacam Touraine, Melucci, Offe, entre outros.
São os elementos comuns
que permitem analisar o que pode ser denominado “abordagem culturalista”.
Algumas autoras tentaram apontar quais são esses elementos comuns, como foi o
caso de Alonso (2009) e Gohn (2002). Alonso coloca que os elementos comuns são
os seguintes: a) crítica da ortodoxia marxista; b) manutenção de um quadro
analítico macrohistórico e associação entre mudança social e formas de conflito;
c) se diferenciam das outras duas abordagens por partir de um enfoque cultural;
d) pensam a partir da concepção de que houve uma mudança social e de que essa
significou a formação de uma sociedade pós-industrial (ALONSO, 2009).
Gohn (2002) já elenca um
conjunto maior de elementos comuns. Ela afirma que os representantes da “teoria
dos novos movimentos sociais” recusam a concepção funcionalista da cultura
(predeterminada por valores e normas do passado) e se inspiram na concepção
marxista de ideologia, deixando de lado o seu caráter de falsa consciência[14]. Eles também recusam o marxismo
“clássico”, que subjuga a cultura e a política ao “econômico”[15] e não permite ver a
inovação, a recriação do ator, etc.; b) eliminam a centralidade de um sujeito e
pensa em torno de um sujeito coletivo difuso, não-hierarquizado; c) a política
ganha centralidade, mas é redefinida, ao estilo foucaultiano; d) os atores são
analisados por suas ações coletivas e pela identidade coletiva gestada no
processo; e) coloca um papel central da identidade coletiva; f) concebem o
“novo” (dos movimentos sociais) no fato de os movimentos sociais recentes não tem base classista, por se contrapor
ao antigo movimento operário, por romper com os movimentos sociais americanos
ligados ao populismo (ou deixam a questão aberta)[16]; consideram que os novos
movimentos sociais recusam a política de cooperação entre agências estatais e
sindicatos e sua preocupação é assegurar direitos sociais; pensam que os novos
movimentos sociais negam o utilitarismo e enfatizam a cultura; abordam como
nova característica a “liderança democrática”, etc.
A interpretação de Gohn (2002)
da abordagem culturalista é problemática, pois não há consenso nas várias
concepções de novos movimentos sociais e por isso há contradições. Da mesma
forma, alguns dos elementos acima não se encontra em certos culturalistas e por
isso não é “comum” a todos dessa referida abordagem. Nesse sentido, a
interpretação de Alonso (2009) é mais adequada do que a de Gohn (2002), embora
bem mais sintética, mesmo porque se trata de um artigo.
O que é há de comum em
todos os representantes da abordagem culturalista? Alguns elementos apontados
por Alonso (2009) e Gohn (2002) são aceitáveis, outros não. Vamos então
apresentar o que consideramos que é comum em todos os representantes da
abordagem culturalista. O primeiro elemento comum é a concepção de que estamos
numa sociedade nova, apontada com diferentes nomes (“pós-moderna”,
“pós-industrial”, “sociedade complexa”, etc.). Esse aspecto foi notado por
Alonso, mas não por Gohn. O segundo elemento, relacionado com o anterior, é a
crítica ao que eles entendem como “marxismo”. Tanto Alonso quanto Gohn
perceberam essa tentativa de refutar o “marxismo” (chamado pela primeira de
“ortodoxo” e pela segunda como “clássico”, apesar de não ser característica do
marxismo original – Marx e Engels – e nem daqueles que mantiveram a sua
perspectiva). Um terceiro elemento é a crítica às ideologias ligadas ao
paradigma reprodutivista (funcionalismo, teoria dos sistemas, etc.). Isso foi
percebido por Gohn, mas não por Alonso. O quarto elemento é o resgate de ideologias
não-hegemônicas durante a hegemonia reprodutivista (fenomenologia,
interacionismo simbólico, etc.), o que as duas autoras colocam sem maior
reflexão. O quinto elemento é a politização da vida cotidiana (a discussão sobre
público/privado; Habermas e a questão da esfera pública e mundo da vida;
Melucci, etc.). Isso não é apresentado por Alonso como comum, mas ela apresenta
isso em sua descrição das concepções, enquanto que Gohn aponta isso ao colocar
a inspiração foucaultiana de política. O sexto elemento, é a ideia de “novos”
movimentos sociais, o que é percebido por Gohn, mas não por Alonso, e que deu o
nome com o qual essas duas autoras (e diversos outros, criando-se uma tradição
em torno disso) denominaram essa abordagem: “teoria dos novos movimentos
sociais”. O sétimo elemento é o culturalismo, que é a base de todos os outros,
ao enfatizar a cultura, o discurso, a identidade coletiva, entre outros termos
que mostram a primazia do cultural sobre o social. Esse elemento é percebido
por Gohn e Alonso, embora nem sempre com clareza.
Uma crítica da abordagem
culturalista seria algo extremamente difícil, pois sua diversidade dificulta
uma crítica única e geral. Nesse sentido, o que realizaremos aqui é uma crítica
geral dos elementos comuns e explicitar que cada autor em particular deve
receber um tratamento separado. Assim, a abordagem culturalista alguns
elementos comuns que criticaremos: a) a ideia do surgimento de uma nova
sociedade; b) a suposta “novidade” dos movimentos sociais recentes; c) a
crítica ao “marxismo”; d) a crítica ao reprodutivismo e resgate de ideologias
anteriores; e) a imprecisão e falta de clareza nas definições e nos construtos;
d) a politização da vida cotidiana; e) f) o culturalismo.
A ideia do surgimento de
uma nova sociedade (pós-moderna, pós-industrial, complexa, etc.) não passa de
uma ideologia sem fundamentação real. Os poucos que se atreveram a tentar
apresentar uma fundamentação dessa ideologia não conseguiram apresentar nenhum
argumento convincente. A fragilidade das teses de Claus Offe (1989), por
exemplo, que tenta sustentar sua tese do fim da sociedade do trabalho apelando
para o declínio das teses acadêmicas sobre trabalho e aumento do setor
terciário (comércio e serviços) e diminuição do setor secundário (indústria) é
visível. A primeira fundamentação, sobre teses acadêmicas sobre trabalho, é
risível, e a da alteração dos setores da economia é apenas uma mutação
quantitativa e não qualitativa e uma repetição do que Daniel Bell (1969) já
havia dito décadas antes[17]. Nenhum ideólogo da “nova
sociedade” conseguiu provar sua existência ou o fim da modernidade, do
capitalismo, ou dos construtos que eles usavam anteriormente.
A suposta “novidade” dos
movimentos sociais recentes (justificada e fundamentada sob formas distintas,
dependendo de quem é o autor) não se sustenta. Nem no plano concreto, que é
pensar que surgiram “novos movimentos sociais”[18], pois alguns realmente
surgiram, mas o termo é aplicado indistintamente a todos os movimentos sociais,
com exceção do movimento operário (confundindo-o com movimento social). No
sentido de que sua “novidade” é não ter “base classista”, é algo sem sentido,
pois todo movimento social tem vínculo com o movimento operário e outras
classes sociais. O que ocorreu foi o deslocamento da hegemonia para uma
concepção que nega o significado revolucionário do proletariado no interior dos
movimentos sociais, o que é apenas uma mutação cultural e que não se manifesta
na totalidade dos movimentos sociais. A ideia de que a “novidade” seria
derivada da “nova sociedade” é tão frágil quanto a fundamentação dessa última.
Melucci (2001), que justifica a “novidade” como fundamentalmente uma “categoria
analítica” e não realidade empírica, é algo metodologicamente problemático,
pois remete mais para o “tipo ideal” do que para a realidade concreta.
A crítica ao marxismo é
extremamente pobre e limitada. A derrota do maio de 1968 gerou a tentativa de
refutar o marxismo e enfraquecer sua força cultural. No fundo, o que eles
criticam é uma caricatura do marxismo ou o pseudomarxismo (social-democracia e
leninismo, principalmente). Os culturalistas demonstram possuir uma
incompreensão do marxismo original, realizando uma simplificação e deformação
do mesmo e fundamentando isso através da confusão com o pseudomarxismo. Os
elementos de crítica que se aplicam realmente ao marxismo é a recusa da
totalidade e do caráter revolucionário do proletariado. A recusa da totalidade
é justamente o maior problema da abordagem culturalista, como mostraremos
adiante. A recusa do significado revolucionário da luta proletária pode parecer
um problema menor em épocas de estabilidade do capitalismo, mas junto com isso
vem a desconsideração do movimento operário, o que empobrece qualquer análise
dos movimentos sociais.
A crítica ao
reprodutivismo é relativamente correta, mas o ponto de partida da crítica fica
aquém do paradigma reprodutivista. O subjetivismo, a fragmentação, entre outros
aspectos, mostram a fragilidade dos críticos, pois se conseguem enxergar alguns
aspectos da realidade que os reprodutivistas não conseguiam perceber, fazem
isso em detrimento da percepção de diversos fenômenos. O apelo às ideologias
como a fenomenologia, interacionismo simbólico e outros, por mais que tenham
uma ou outra ideia proveitosa, diminui a capacidade explicativa e reforça o
subjetivismo, obliterando a compreensão dos movimentos sociais. Desconhecer,
por exemplo, a mercantilização das relações sociais, reconhecida sob forma
problemática pela abordagem institucionalista, significa cair no subjetivismo e
criar uma muito mais uma ficção sociológica do que análise das relações
sociais. Desconhecer a importância do aparato estatal para a explicação dos
movimentos sociais, o que é feito sob forma limitada pela abordagem
neoinstitucionalista, é o mesmo que renunciar a tratar desse fenômeno.
A abordagem culturalista
mantém um problema que é comum nas demais abordagens, que é no plano
terminológico. As diversas definições de movimentos sociais dos diversos
representantes do culturalismo e termos correlatos é imprecisa, pobre, sem
maior fundamentação e coerência. Apesar das variações, os construtos produzidos
são frágeis e confusos. Alguns autores, como Touraine[19], mudaram de concepção
durante as últimas décadas, mas se tornaram cada vez mais imprecisos e
distantes da realidade.
A politização da vida
cotidiana realizada pela abordagem culturalista é, no fundo, uma despolitização.
Ao tratar da “micropolítica”, abandona a totalidade e assim despolitiza, não
mostrando os nexos entre a vida privada e a vida política, desde a luta de
classes até a relação com o aparato estatal. É um reducionismo que só resta o
subjetivismo para explicar as demandas e os processos, gerando interpretações
equivocadas e simplistas das relações sociais.
O último elemento
característico da abordagem culturalista é, justamente, o culturalismo. O
culturalismo é um subproduto do paradigma subjetivista. Ele oferece primazia
para a cultura e secundariza o social. Assim, a prioridade para o discurso, a
identidade, a “subjetividade”, entre outras formas de culturalismo, é muito
mais um problema do que uma solução. Em primeiro lugar, assim se perde a
percepção da historicidade dos movimentos sociais. A mutação cultural que
ocorreu no interior de alguns movimentos sociais só pode ser compreendida com
as mudanças históricas. O passeio superficial que alguns sociólogos realizam
sobre a contemporaneidade não dá conta de explicar esse processo de mutação e
muitos nem sequer se aventuram nisso. Inclusive seria necessário apontar para
mudanças no interior de tal mutação, mas os ideólogos não pensam de forma
histórica e sim de forma evolucionista, como se sempre se caminhasse rumo ao
aperfeiçoamento, sem enxergar as mudanças, suas determinações, suas
contradições e seus vínculos com o processo de reprodução do capitalismo. Em
segundo lugar, a generalização que os culturalistas fazem acabam mostrando seus
limites e sua pouca utilidade para analisar os movimentos sociais populares,
tanto os urbanos quanto os rurais. Em terceiro lugar, a ânsia culturalista de
substituir a análise marxista é parte do processo de contrarrevolução cultural
preventiva (VIANA, 2009) e significa, intelectualmente, produzir ideologias em
detrimento da teoria, e, no plano político, passar de mala e cuia para o lado
da classe dominante, mesmo vociferando contra o “poder”, “a razão”, etc. Em
quarto lugar, a ênfase subjetivista impede a percepção das raízes profundas das
ações e lutas sociais contemporâneas, onde se mistura atribuição de
significados por parte dos sociólogos absorvidos pelo subjetivismo e crença na
veracidade do discurso de determinados ativistas. Em quinto lugar, o problema
metodológico, pois ao abandonar a categoria da totalidade e aderir a um
reducionismo culturalista, não conseguem compreender nem os movimentos sociais
e nem suas próprias raízes históricas e sociais. Outros problemas adicionais
poderiam ser elencados, além de problemas específicos de autores específicos,
mas consideramos que estes são os principais e suficientes para mostrar a
fragilidade da abordagem culturalista.
A abordagem culturalista
traz alguma contribuição para a discussão sobre os movimentos sociais? O
reconhecimento da importância da cultura para compreender os movimentos sociais
é uma contribuição da abordagem culturalista, mas a forma como isso é feito
acaba sendo mais prejudicial do que benéfico. O único mérito nisso está em
enfatizar aquilo que as duas abordagens anteriores desconsideraram ou
secundarizaram. Uma contribuição é que o fenômeno abordado pelos representantes
da abordagem culturalista é realmente os movimentos sociais (feminino,
estudantil, etc.), apesar das ambiguidades e problemas no caso de alguns
sociólogos específicos. As principais contribuições se encontram muito mais em
autores isolados e elementos de sua produção do que no que é comum na abordagem
culturalista.
Considerações
Finais
O nosso objetivo foi
apresentar uma síntese de três das principais abordagens sociológicas dos
movimentos sociais. Sem dúvida, outras poderiam e deveriam ser trabalhadas, mas
isso demandaria mais espaço e pesquisa. Da mesma forma, seria necessário um
aprofundamento da análise das três abordagens selecionadas, o que não foi
possível aqui por questão de espaço e que demandaria um artigo específico ou
obra mais extensa para cada uma delas. O objetivo de apresentar sinteticamente
as três abordagens, no entanto, foi efetivado.
Outro elemento que devemos
destacar aqui é a ausência da concepção marxista dos movimentos sociais. Sem
dúvida, o marxismo é a teoria que melhor consegue abordar o fenômeno dos
movimentos sociais, mas não seria possível apresentá-la aqui, pois o foco aqui
foi em determinadas abordagens, ideológicas ou semi-ideológicas, o que gera sua
exclusão.
Por último, é possível
analisar as abordagens dos movimentos sociais buscando elencar suas
contribuições ou seus limites. O trabalho aqui realizado buscou realizar uma
apresentação sintética geral e levantar de forma breve e mais sintética ainda,
seus limites e possíveis contribuições. O resultado final é uma síntese geral
de três das principais abordagens sociológicas dos movimentos sociais, servindo
como uma introdução geral. Toda introdução e síntese é apenas um convite para a
reflexão e que necessita de aprofundamentos e desdobramentos. Enquanto análise
introdutória, o presente trabalho cumpre com seu objetivo.
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VIANA, Nildo. O
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VIANA, Nildo. Senso Comum, Representações Sociais e Representações Cotidianas.
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WRIGHT MILLS, C. A Imaginação Sociológica. 5ª edição, Rio
de Janeiro: Zahar, 1982.
Resumo:
O artigo analisa três das principais abordagens sociológicas dos movimentos
sociais: a abordagem institucionalista, a abordagem neoinstitucionalista, a
abordagem culturalista, mais conhecidas como "teoria da mobilização de
recursos", "teoria do processo político", "teoria dos novos
movimentos sociais". A partir de uma breve exposição do contexto histórico
e das principais teses apresentadas por estas três abordagens, há uma breve
análise crítica e das contribuições de cada uma.
Palavras-chave:
abordagem institucionalista, abordagem neoinstitucionalista, abordagem
culturalista, mobilização de recursos,
processo político, novos movimentos sociais
Abstract: The
article analyzes three of the main sociological approaches of social movements:
the institutionalist approach, the neoinstitutionalist approach, the
culturalist approach, better known as "resource mobilization theory",
"political process theory", " "theory of new social
movements". From a brief exposition of the historical context and the main
theses presented by these three approaches, there is a brief critical analysis
and the contributions of each one.
Keywords:
institutionalist approach, neoinstitutionalist approach, culturalist approach,
resource mobilization, political process, new social movements
Resumen: El artículo analiza tres
de los principales abordajes sociológicos de los movimientos sociales: el
enfoque institucionalista, el enfoque neoinstitucionalista, el enfoque
culturalista, más conocido como "teoría de la movilización de recursos",
"teoría del proceso político", "teoría de los nuevos movimientos
sociales ". A partir de una breve exposición del contexto histórico y de
las principales tesis presentadas por estos tres enfoques, hay un breve
análisis crítico y las contribuciones de cada una.
Palabras clave: enfoque
institucionalista, enfoque neoinstitucionalista, enfoque cultural, movilización
de recursos, proceso político, nuevos movimientos sociales.
[1] Serge Moscovici depois tentou fornecer
embasamento ideológico para sua concepção, produzindo obra sobre “sociedade”,
mas isso foi posterior e requer análise para ver se conseguiu efetivar tal
projeto.
[2] Uma discussão sobre o conceito de
movimentos sociais mais aprofundada pode ser vista em Os Movimentos Sociais (VIANA, 2016a).
[3] Essa é apenas uma definição, que
remete para se explicar o que se entende por grupos sociais, senso de
pertencimento, objetivos, mobilização, etc., e diversos outros elementos relacionados
(cf. VIANA, 2016). No entanto, é preciso esclarecer aqui que essa definição
exclui o movimento operário e outros movimentos de classes sociais do fenômeno
dos movimentos sociais (VIANA, 2016a; VIANA, 2016b). Assim, movimentos sociais
e movimentos de classes são distintos e, por conseguinte, as produções
intelectuais sobre movimento operário, muito anteriores às relacionadas com os
movimentos sociais, não serão abordadas aqui.
[4] Veja: Frank e Fuentes (1989).
[5] A produção intelectual sobre a
questão da mulher vai sendo realizada por mulheres e homens desde o
desenvolvimento do capitalismo que apontamos anteriormente. Porém, trata-se de
reflexões sobre a questão da mulher e não sobre o movimento feminino. No caso
do marxismo, o movimento social que ganhou maior atenção foi o movimento
feminino, não só devido seu vínculo com o movimento operário, como também por
causa da questão da mulher. Desde Fourier e depois Marx e Engels (e
posteriormente August Bebel), até as militantes
marxistas do final do século 19 e início do século 20, a questão da mulher
era discutida. O movimento das mulheres, no entanto, terá em Rosa Luxemburgo e
outras militantes social-democratas algumas discussões, bem como
posteriormente, de forma mais desenvolvida, Alexandra Kollontai e Sylvia
Pankhurst. Alexandra Kollontai criticava o feminismo (entendida como uma
tendência burguesa no interior do movimento feminino) e a Sylvia Pankhurst
rompeu com a mãe e irmã sufragistas e fundou a Federação das Mulheres
Socialistas e aderiu ao antiparlamentarismo.
[6] O estado integracionista, “do bem
estar social” e a nova política pecuniária (salarial, monetária, etc.)
apontavam para mutações na renda e acesso aos bens coletivos, o que, ao lado da
hegemonia do discurso democrático, cria condições de possibilidade para o
avanço dos movimentos sociais. As burocracias sindicais ficavam cada vez mais
atreladas ao aparato estatal e ao capital, e a desmobilização do proletariado
nesse novo contexto supostamente “democrático” e com melhor nível de renda e
consumo, permitiram um deslocamento da mobilização para outros setores da
sociedade, promovendo, assim, a consolidação dos movimentos sociais. É preciso,
no entanto, enfatizar que isso ocorreu no capitalismo imperialista (o conjunto
de países capitalistas imperialistas) e não no capitalismo subordinado, sendo
que a transferência de mais-valor do capitalismo subordinado para o
imperialista era o principal sustentáculo da estabilidade pecuniária e política
desses países (VIANA, 2009; VIANA, 2015a).
[7] Abordaremos isso em outra
oportunidade.
[8] A este respeito pode se consultar
a obra de Wright Mills (1982) e Russel Jacoby (1990).
[9] Os institucionalistas usam
determinadas siglas para expressar os termos que trabalham: MS (movimentos
sociais), OMS (organização de movimento social), IMS (indústria de movimento
social).
[10] O cálculo racional aponta para a
avaliação do custo-benefício. No fundo, a fonte de inspiração da abordagem
institucionalista (economia marginalista e Weber) dificultam uma percepção mais
profunda desse processo e que é melhor entendida através da teoria do cálculo
mercantil (VIANA, 2016c).
[11] As organizações autárquicas são
formas de auto-organização (VIANA, 2015b) e que se distinguem das organizações
burocráticas, sendo que a diferença fundamental entre uma e outra é que no
primeiro caso não existe quadro dirigente e no segundo este não só existe como
é o elemento fundamental.
[12] A abordagem institucionalista
falha ao não realizar uma análise mais profunda da relação entre movimentos
sociais e organizações, bem como as formas assumidas por estas e o seu caráter
de organizações mobilizadoras, o que foi abordado na perspectiva dialética
(VIANA, 2017a).
[13] Essa é a posição de Tarrow e que
nem sempre é a mesma dos demais neoinstitucionalistas.
[14] Essa é uma afirmação totalmente
ilógica, pois se inspiram na concepção marxista de ideologia, então esta
deveria significar o que significa nessa concepção, mas deixam de lado o que
lhe define, o seu caráter, então não se inspiram nela. O livro de Gohn (2002) é
recheado de equívocos, contradições e problemas interpretativos, dos quais não
pretendemos tratar aqui.
[15] Isso na interpretação pobre e
equivocada de alguns culturalistas.
[16] O que significa “novo” nos
movimentos sociais abordados pelos culturalistas não é consenso entre seus
representantes. Para Melucci (2001), por exemplo, o “novo” é produto da
“categoria analítica” utilizada, pois se mesclam elementos antigos e novos na
realidade empírica. A própria Gohn (2002) cita outro culturalista, Mouffe, para
quem a novidade dos movimentos sociais deriva de sua subordinação ao
capitalismo “tardio”, expansão das relações capitalistas na cultura, no lazer e
na sexualidade; burocratização, massificação e homogeneização, poderosa invasão
dos meios de comunicação.
[17] Não poderemos realizar uma crítica
mais ampla aqui das teses da “nova sociedade” de Offe, Habermas, Negri, entre
outros, mas isso pode ser visto em obras que abordam a atual fase do
capitalismo (VIANA, 2009).
[18] Alguns movimentos sociais são
antigos, como o feminino e o estudantil, outros são um pouco posteriores, sendo
que alguns surgiram na década de 1960, como o pacifista, e outros surgiram
posteriormente.
[19] Touraine iniciou sua carreira, na
década de 1960, próximo do marxismo e vai, posteriormente, trocando a ideia de
classes sociais por movimentos sociais, realizando uma confusão conceitual
(TOURAINE, 1977) e, depois, se afasta mais ainda ao discutir a “sociedade
pós-industrial” (TOURAINE, 1970), chegando a aprofundar seus equívocos, até que
em suas últimas obras decreta o fim das sociedades e a soberania do “sujeito”
(TOURAINE, 1998).
Artigo publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. As
Abordagens Sociológicas dos Movimentos Sociais. Movimentos Sociais, Goiânia,
v.1, n. 2, 2017.
Disponível em: https://redelp.net/revistas/index.php/rms/article/view/02vianams03/pdf_15
Acesso em: 31/12/2017a.
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