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quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Classes Inferiores e Classes Superiores



Classes Superiores e Classes Inferiores

Nildo Viana




A questão das classes sociais é fundamental na teoria de Marx e para o marxismo. Ela ganhou várias discussões e abordagens sociológicas. Porém, tanto nas abordagens sociológicas quanto na marxista, ainda existem muitos pontos obscuros. Dentre estes pontos obscuros, basta citar o pouco desenvolvimento da análise de determinadas classes sociais específicas. Em certos casos, dependendo do sociólogo que se aventurou a tratar das classes sociais, nem sequer há uma discussão sobre cada uma das classes sociais. Porém, não vamos tratar aqui da sociologia das classes sociais e das diversas abordagens nesse temário, pois nosso objetivo é discutir a concepção marxista de classes sociais num aspecto bem delimitado, que é o uso de termos que expressem as classes sociais em seus dois agregados mais amplos, as classes superiores e as classes inferiores. Assim, também não vamos discutir a teoria das classes sociais de Marx e seu desenvolvimento posterior por outros autores marxistas, apesar de realizar uma breve síntese a esse respeito para possibilitar a nossa análise sobre classes sociais superiores e inferiores.

Uma classe social pode ser definida como um conjunto de indivíduos que possuem o mesmo modo de vida, os mesmos interesses e a mesma luta comum contra outras classes sociais, que são elementos derivados da divisão social do trabalho, que, por sua vez, é determinada pelo modo de produção dominante[1]. Assim, é equivocado definir classes sociais apenas pelo modo de vida, interesses e lutas comuns, pois isso pode se manifestar no caso de outros grupos e setores da sociedade. Esses aspectos em comuns são específicos, são derivados da “atividade fixa” na divisão social do trabalho (MARX; ENGELS, 1982) e, na perspectiva marxista, é fundamental entender que esta última só pode ser compreendida a partir de sua constituição pelo modo de produção dominante. Assim, os servos domésticos e os assalariados domésticos só podem ser assim entendidos pelas relações de produção dominantes, a servidão e a produção de mais-valor, assim como o campesinato no capitalismo e outras classes sociais em todas as sociedades de classes. O elemento diferenciador das classes sociais para grupos sociais ou outros agrupamentos é o vínculo com o trabalho e com o processo de reprodução das condições de existência. O que une os indivíduos no pertencimento de classe é a posição na divisão social do trabalho e não a corporeidade (características biológicas, como sexo e raça), a etnia, a cultura, ou qualquer outro aspecto. Sem dúvida, o pertencimento de classe tem efeito sobre todos estes outros aspectos, mas não é uma característica das classes e sim impactos da condição de classe nesses outros elementos das diferenciações sociais. Assim, as mulheres, os negros, os hippies, os jovens, os muçulmanos, os católicos, os judeus, os ecologistas, entre inúmeros outros exemplos possíveis, não são classes sociais. Essa afirmação é um tanto óbvia, embora muitos sociólogos e outros pesquisadores confundam ou apresentem definições confusas que acabam permitindo confundir essas coisas distintas.

Porém, aqui tratamos de classes sociais em geral. Essa foi uma das discussões efetivadas pioneiramente por Marx, mas ele foi além disso e desenvolveu uma análise das classes sociais no capitalismo (MARX, 1988; VIANA, 2018; VIANA, 2016). A partir do modo de produção capitalista emergem as duas classes sociais fundamentais: a classe capitalista e a classe operária, ou, usando outros termos, a burguesia e o proletariado. E, derivado da divisão social do trabalho gerada pelo modo de produção capitalista, emergem outras classes, tal como a burocracia (VIANA, 2018) e outras classes instituídas nas formas sociais (“superestrutura”), nos modos de produção subordinados (camponeses, artesãos, etc.), etc. No fundo, a sociedade capitalista institui um conjunto de classes sociais[2].

Explicitado o significado do conceito de classes sociais, é necessário entender que na realidade concreta estas se articulam, seja via blocos sociais (o setor organizado, consciente e ativo que representam as classes sociais), seja nas lutas sociais concretas por possuírem interesses semelhantes. Marx apontava para uma tendência de polarização cada vez mais intensa entre burguesia e proletariado com o desenvolvimento capitalista (MARX; ENGELS, 1988). Ele pensava isso a partir da constatação de que as classes sociais em decadência (oriundas da sociedade feudal), as classes sociais de modos de produção subordinados e pequenos proprietários (campesinato, etc.), tendiam a diminuir e desaparecer, simplificando os conflitos de classes e restando o antagonismo entre as classes sociais fundamentais, burguesia e proletariado, como forma básica e visível das contradições do capitalismo. Por outro lado, Marx também colocou que as duas classes fundamentais tendiam a hegemonizar as lutas sociais, com as demais classes sociais girando em torno delas e assumindo o lado de uma ou outra classe social, por mais que algumas pudessem querer se autonomizar[3].

As duas assertivas de Marx, a da simplificação do antagonismo de classes com a polarização da luta entre burguesia e proletariado e a coalizão de classes em torno delas, não se efetivaram exatamente como ele previu. Assim, as classes decadentes foram realmente desaparecendo e as classes ligadas a modos de produção subordinados perderam quantidade e espaço político, mas, no entanto, outras classes sociais emergiram ou se fortaleceram. Por um lado, a nobreza desapareceu e só restaram adornos integrados na sociedade capitalista, bem como os servos deixaram de existir e o clero foi integrado no capitalismo como uma esfera social[4]. Os artesãos também foram reduzidos à quase inexistência com o desenvolvimento capitalista e o campesinato foi ficando cada vez mais diminuto, até desaparecer em alguns países[5]. E, nesse aspecto, Marx estava correto. Porém, Marx escreveu no século 19 e, embora tenha percebido as mutações e até emergência de novas classes sociais, não pensou que elas se tornariam tão importantes, tanto pela quantidade quanto pela força política. Assim, Marx percebeu a emergência da burocracia e seu crescimento vertiginoso, enquanto burocracia estatal (MARX, 1986) e enquanto burocracia empresarial, o que ele denominou “gerentes” (MARX, 1988). Após a morte de Marx, há um processo ainda mais intenso de desenvolvimento da burocracia, tanto das frações que já existiam, quanto através da emergência de novas frações, tais como a universitária (e escolar), a partidária, a sindical, etc., ou seja, a burocracia civil avança a partir da segunda metade do século 19, a fase A da burocratização, segundo Lapassade (1989)[6]. Por outro lado, Marx não considerou a intelectualidade uma classe social (VIANA, 2013), pois seu desenvolvimento era muito incipiente no século 19. Essas duas classes sociais, no entanto, cresceram em quantidade e força política, especialmente a partir do século 20. A partir do pós-Segunda Guerra Mundial, a expansão quantitativa da intelectualidade e burocracia é visível, bem como o crescimento do seu peso político.

Assim, a tese da simplificação da luta de classes e sua condensação na luta entre as duas classes fundamentais e antagônicas estava correta para a época, mas devido ao desenvolvimento e ampliação da divisão social do trabalho, a situação acabou se complexificando novamente. E isso ficou ainda mais grave com o desenvolvimento da democracia representativa e formação dos partidos políticos, pois a ideologia da representação e as ilusões eleitorais permitiram que burocratas e intelectuais passassem a se declarar como sendo os porta-vozes da classe operária, do “povo”, da “nação”, etc. Estes e outros mecanismos, acabaram gerando um processo de dificuldade para a autonomização do proletariado e, por conseguinte, sua passagem a classe autodeterminada (“em-si”, segundo terminologia de Marx). A emergência da juventude como grupo social importante politicamente, complexificou ainda mais esta questão, pois os jovens pertencem a todas as classes, bem como um setor mais específico no seu interior, os estudantes, que também ganharam força nas lutas políticas. Desta forma, a tese da simplificação dos antagonismos de classes foi superada historicamente e uma nova complexificação foi instituída.

A outra assertiva de Marx, sobre a coalizão de classes em torno das duas classes fundamentais, continua válida, mas também se tornou mais complexa. E isso tem a ver com o desenvolvimento capitalista e a alteração na composição e divisão de classes já aludidas anteriormente. A coalizão de classes em torno da burguesia ocorre, embora haja setores de algumas classes sociais que buscam se autonomizar e, assim, parecem ficar ao lado da outra coalizão, que seria em torno do proletariado. A burguesia, devido ao seu poder financeiro e domínio sobre o aparato estatal, transformou a burocracia e a intelectualidade em suas classes auxiliares. A posição e função na divisão social do trabalho destas duas classes apontam para a reprodução das relações de produção capitalistas, uma através do controle social e outra através da produção cultural. É por isso que alguns setores dessas classes possuem altos salários, tal como já alertava, desde o final do século 19, Makhaïsky (1981)[7]. Em 1914, Robert Michels (1982) já alertava para a burocratização dos partidos social-democratas e a criação de uma “nova camada pequeno-burguesa”, o que, no fundo, significava nova fração de classe da burocracia. Os estratos inferiores dessas classes sociais, por sua vez, já não recebem salários tão elevados, e alguns ficam no nível do proletariado, ou até menos em alguns casos, mas ainda mantém o vínculo com os valores, interesses, etc., de sua classe de origem. Porém, uma parte desse setor busca se autonomizar e se afastar da burguesia, defendendo seus próprios interesses de classe. Mas, e isso complexifica a luta de classes, alguns pensam e afirmam estar defendendo o proletariado, a “transformação social”, o “socialismo”, o “povo”, as “classes populares”, etc. e, no fundo, defendem a tomada de poder e a substituição da burguesia pela burocracia. A intelectualidade fica a reboque da burocracia nesses casos, pois são as organizações burocráticas (partidos, sindicatos, Organizações Não-Governamentais, etc.) que possuem maior força e iniciativa política, apesar de seu enfraquecimento crescente com o desenvolvimento capitalista.

O que vem sendo dificultado com o desenvolvimento capitalista é a coalizão de classes em torno do proletariado. Obviamente que a burguesia sempre lutou contra tal coalizão, e sempre foi beneficiada pelo auxílio da burocracia e da intelectualidade, tanto em seus setores mais conservadores e próximos da burguesia, quanto nos seus setores mais autonomizados e que dizem representar a população e a transformação, pois ao se intitularem "representantes” ou “vanguarda” dos trabalhadores, do proletariado, das “classes populares”, do “povo”, acabam corroendo a hegemonia proletária em favor de uma hegemonia burocrática. O bloco progressista, que reúne os setores mais organizados, conscientes e ativos dessas duas classes, ao contrário do outro setor que se articula com o bloco dominante sob hegemonia burguesa, promove um processo de criação de organizações burocráticas (partidos, sindicatos, etc.) que são obstáculos para a autonomização do proletariado, bem como geram ideologias, doutrinas, correntes de opinião, que são outros obstáculos. Além disso, aglutinam setores das classes inferiores, incluindo do proletariado, em torno de suas organizações e concepções.

A coalizão de classes em torno do proletariado somente ocorre quando há ascensão das lutas sociais, o que significa que o bloco revolucionário, que é o setor mais organizado, consciente e ativo que expressa os interesses do proletariado, tende a se tornar mais forte e presente, e o proletariado se autonomiza, gerando a hegemonia proletária[8]. Alguns setores da intelectualidade e da juventude (em que pese esta não ser uma classe social, mas adquiriu, com o desenvolvimento capitalista, uma importância política considerável)[9], também se articulam em torno do proletariado e isso se fortalece com a autonomização do proletariado.

Assim, a assertiva de Marx sobre a coalizão de classes em torno do proletariado continua válida, mas vem sendo dificultada e obstaculizada pela burguesia e suas classes auxiliares. E uma “terceira coalizão” se tornou possível, em torno da burocracia, inclusive atraindo setores das classes inferiores, com o discurso em nome do proletariado ou dos “trabalhadores”. Esses elementos ajudam a compreender a discussão a seguir sobre classes superiores e inferiores.

As classes superiores se apresentam no plural por não ser uma classe social e sim um agregado de classes sociais. O mesmo ocorre com as classes inferiores. E qual é a relevância dessa distinção e do uso desses termos? O primeiro aspecto é descritivo[10]. Distinguir entre classes superiores e classes inferiores[11] é um elemento da composição e divisão de classes sociais. As classes superiores são algumas classes sociais agregadas por sua situação de classe, bem como as inferiores. Esse agregado de classes é a reunião de algumas classes sociais no sentido descritivo, através da posição e função de cada uma delas na divisão social do trabalho e na pirâmide social. Porém, além do aspecto descritivo, essa distinção também tem um caráter político, que é a tendência para unificação em torno da burguesia no caso das classes superiores e em torno do proletariado no caso das classes inferiores. E a própria consciência de pertencer ao agregado das classes superiores ou das classes inferiores já contribui para a unificação em torno das classes fundamentais, o que corrói, parcialmente, a possibilidade da “terceira coalizão”, que, no fundo, propõe um capitalismo reformado e não uma nova sociedade e assim não atende as necessidades e interesses das classes inferiores.

No plano concreto, as classes superiores são aquelas que possuem maior poder e renda. A classe dominante, a burguesia, obviamente é a detentora do capital e do poder financeiro, bem como possui o domínio sobre o aparato estatal e hegemonia na sociedade civil. Ela é a principal classe superior e em torno do qual todas as demais existem e a maioria são suas classes auxiliares. Em certos momentos históricos, outras classes proprietárias podem fazer parte das classes superiores, tal como a classe latifundiária. A nobreza foi parte das classes superiores durante algum tempo, até ser superada historicamente pelo desenvolvimento capitalista. Além dessas, as classes auxiliares da burguesia, a burocracia e a intelectualidade fazem parte das classes superiores, embora seus estratos inferiores estejam próximos, por sua renda e menor poder, das classes inferiores. Essas classes sociais estão, por conseguinte, no topo da pirâmide social. As classes proprietárias (incluindo, obviamente, a classe capitalista) e as classes auxiliares da burguesia formam as classes superiores.

As classes inferiores são aquelas destituídas de poder e de menor renda, sendo as classes trabalhadoras (incluindo o lumpemproletariado), algumas sendo exploradas, algumas sendo submetidas à pobreza e salários baixos. A principal classe inferior é, obviamente, o proletariado, a classe dos trabalhadores assalariados produtivos, que são aqueles que produzem mais-valor. A sua importância se revela em ser o sustentáculo da produção material na sociedade capitalista, sem a qual não existiria riqueza, bens materiais, sobrevivência da espécie. Além dessa importância, “econômica”, o proletariado é importante no plano político, pois sem ele não existe possibilidade de transformação social, pois sem alteração nas relações de produção, que depende dele, não há como emergir uma nova sociedade. Além disso, ele possui uma potencialidade revolucionária, pois o trabalho alienado, a exploração capitalista, o seu vínculo com a produção e o fato de estar no coração das relações de produção capitalistas o tornam o artífice de novas relações de produção e novas relações sociais. É isso que torna o proletariado (e não sua quantidade, que em certo momento histórico e lugares foi também expressiva e talvez a mais numerosa em alguns casos) uma classe revolucionária.

O proletariado é destituído de poder e sua renda é baixa, pois mesmo nos setores em que os salários são mais elevados, eles não se comparam aos das classes superiores (a não ser no caso dos estratos inferiores da burocracia e da intelectualidade). Porém, existem outras classes em situação semelhante e que formam, junto com ele, o agregado das classes inferiores. Esse é o caso do lumpemproletariado, a classe marginal na divisão social do trabalho e que vive no desemprego ou do subemprego[12], dos subalternos[13], dos camponeses, dos artesãos, entre outras classes, que também variam em quantidade dependendo da época e lugar. Os artesãos, por exemplo, foram reduzidos drasticamente e são parte de uma classe quase extinta.

Desta forma, poderíamos retomar a pirâmide social para ilustrar esses dois agregados de classes sociais:

O segundo aspecto que demonstra a relevância dessa distinção entre classes superiores e classes inferiores é a tendência para a coalizão delas em torna da burguesia e do proletariado, respectivamente. Já colocamos que essa tendência, observada por Marx, não se efetiva facilmente devido aos obstáculos gerados pelas condições da sociedade capitalista, especialmente a emergência do bloco progressista e da ideologia da representação (incluindo a da vanguarda). No caso das classes superiores, essa coalizão nem sempre se concretiza englobando o conjunto delas. Sem dúvida, existem divisões no interior da classe capitalista (suas frações e outras subdivisões), bem como existem interesses distintos e, em alguns casos, até opostos (mas não antagônicos) entre as diversas classes que fazem parte do seleto grupo das classes superiores. As divisões das outras classes além da burguesia também afetam essa coalizão, mas é algo secundário (os estratos inferiores da burocracia e da intelectualidade, por exemplo, tendem a querer se autonomizar e buscar formar uma “terceira coalizão”, gerando o bloco progressista e girando em torno dele).

No caso das classes inferiores, a coalizão é ainda mais difícil. Isso pelo simples motivo de que a hegemonia burguesa gera uma adesão de uma grande quantidade de indivíduos dessas classes aos valores e concepções do bloco dominante, conservador, e, secundariamente, aos do bloco progressista. No primeiro caso, temos os indivíduos e setores das classes inferiores que reproduzem e reforçam as ideias, valores, dominantes, a hegemonia burguesa, e, por conseguinte, buscam ascensão social, a propriedade, o consumo, etc. e defendem a sociedade existente. Trata-se de uma quantidade considerável de indivíduos, sendo, geralmente, a maioria dos indivíduos que compõem as classes inferiores. E foi assim em todas as épocas, com variações apenas no percentual dessa maioria, se 80 ou 70%, por exemplo. Uma parte dos indivíduos das classes inferiores, por ligações com partidos, sindicatos, etc., aderem aos valores e concepções do bloco progressista. O quantum dessa adesão também varia historicamente. Isso se justifica pelo motivo que alguns setores relativamente descontentes querem alguma mudança, fazem reivindicações, ou, alguns, se aproximam de ideias e valores ligados a tal bloco, em parte se iludindo com suas promessas e discursos (alguns reproduzindo o marxismo, e, por conseguinte, elementos dos interesses do proletariado). A última parte, quantitativamente insignificante em épocas de estabilidade econômica e política, tende a se aproximar do bloco revolucionário ou demonstrar um descontentamento geral sem ser acompanhado por uma utopia ou ideia de transformação social. Sem dúvida, nesses dois últimos casos, há variação devido à época e lugar, podendo aumentar ou diminuir. Em momentos de radicalização das lutas de classes, a tendência é aumentar a adesão aos valores e concepções do bloco progressista e do bloco revolucionário (sendo que, historicamente, há uma diminuição no primeiro caso, devido ao conservadorismo, oportunismo e burocratismo crescente da social-democracia e bolchevismo) e diminuição drástica da adesão à hegemonia burguesa. Também não é preciso dizer que existem diferenças no interior das classes inferiores. Os pequenos proprietários e comerciantes são mais conservadores, bem como setores das classes trabalhadoras, como comerciários, entre outros. Outros setores das classes inferiores já tendem mais à rebeldia, tais como setores do lumpemproletariado, proletariado, especialmente os jovens. No entanto, trata-se de rebeldia e não posição revolucionária e isso é derivado tanto da condição juvenil (no caso específico dos jovens) quanto da falta de autoformação e condições de desenvolver ou conhecer projeto alternativo, ou, ainda, acreditar em sua possibilidade (o que inclui parte dos jovens e adultos).

Assim, a hegemonia burguesa reina absoluta nas classes superiores, com pouca dissidência e com uma parte, especialmente da burocracia e intelectualidade, aderindo à hegemonia burocrática e, uma parte ainda mais diminuta – da intelectualidade e juventude das classes superiores[14] – à hegemonia proletária. A hegemonia burocrática é forte nos estratos inferiores da burocracia e intelectualidade, bem como possui força atrativa em setores da juventude das classes superiores e inferiores, além de atrair setores das classes inferiores. A hegemonia proletária, por sua vez, é a menos influente e que aglutina o menor número de indivíduos, sendo que atinge setores da intelectualidade e juventude das classes superiores, em pequena quantidade, e jovens e indivíduos em geral das classes inferiores, também em quantidade muito pequena.

Essa é a situação em períodos de estabilidade econômica e política. Processos de desestabilização de um regime de acumulação, crises financeiras, lutas espontâneas e acirramentos dos conflitos de classes, alteram esse processo, sem contar acontecimentos extraordinários em outras instâncias (emergência de uma produção artística em perspectiva revolucionária que consegue espaço na sociedade mesmo em períodos de estabilidade, produção teórica que consegue, por sua capacidade explicativa, aglutinar mais pessoas, conflitos localizados em certos lugares ou rebeldia juvenil que desemboca em radicalização no plano cultural, etc.)[15], alteram isso e podem promover o aumento de espaços de hegemonia proletária em disputa com a hegemonia burocrática, que, em alguns casos, também se fortalece.

Desta forma, a divisão entre classes superiores e inferiores expressa também uma importância política. O proletariado revolucionário (via hegemonia proletária) tende a atrair as classes inferiores e tal tendência se fortalece com as crises e radicalização das lutas de classes. E isso ocorre, entre outras coisas, pelas semelhanças na posição da sociedade, nas reivindicações, na insatisfação compartilhada, na desilusão com governos e partidos, etc. Essa, no entanto, é uma tendência e já apontamos os obstáculos. Inclusive os setores ambíguos do bloco revolucionário (que são semiproletários e, por isso, se aproximam, em muitos casos, do bloco progressista ou de elementos de ideologias burguesas e/ou burocráticas) é um outro obstáculo no interior da própria luta revolucionária. Os indivíduos da ala semiproletária do bloco revolucionário são influenciados pela hegemonia burguesa e burocrática, mesclando isso com elementos de hegemonia proletária, e por isso a competição, a ambição (inclusive intelectual), entre outros processos, dificultam a unificação do bloco e o reforço da hegemonia proletária.

Porém, as condições de vida semelhantes das classes inferiores, ou pelo menos de sua parte composta por trabalhadores assalariados e lumpemproletariado, tendem a gerar uma unificação em torno do proletariado, ou seja, aderir à hegemônica proletária, especialmente em momentos revolucionários. Nessas épocas, até indivíduos das classes superiores podem aderir (alguns momentaneamente, abandonando tal posição quando volta a estabilidade ou a tentativa de revolução é derrotada, com algumas exceções, obviamente) à hegemonia proletária.

O fundamental, no entanto, é entender que a percepção da existência das classes inferiores é importante para analisar a divisão e composição de classes da sociedade capitalista, por um lado, e para a compreensão das lutas políticas, por outro. Além da importância analítica, há sua importância política, pois é necessário compreender que o proletariado é a classe revolucionária de nossa época, mas ele aglutina outras classes (as inferiores), especialmente nos momentos revolucionários, e é assim que, mesmo não sendo a classe com maior quantidade de indivíduos, reúne a maioria da população sob hegemonia proletária. O caso da Revolução Russa mostra justamente isso, pois a maioria da população era camponesa (70% da população) e o proletariado era concentrado em algumas grandes cidades mais industrializadas e reuniu, além das classes inferiores (especialmente o campesinato, nesse caso), apoio de setores da intelectualidade e outros setores da sociedade. Isso também serve para alertar militantes e intelectuais, que querem atuar apenas com indivíduos proletários, que a grande questão é fazer avançar a hegemonia proletária, tanto no âmbito do proletariado com sua autonomização e passagem para classe autodeterminada, quanto das demais classes inferiores e setores das classes superiores (especialmente setores da juventude e da classe intelectual) para fortalecer focos dessa hegemonia e ampliá-la ao máximo, mesmo em momentos de estabilidade política e econômica, pois isso fortalece a tendência de seu fortalecimento e maior possibilidade de superar as demais forças hegemônicas em momentos revolucionários.

Referências

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MAKHAÏSKI, J. W. Ciência Socialista, A Nova Religião dos Intelectuais. In: TRAGTENBERG, Maurício (org.). Marxismo Heterodoxo. São Paulo, Brasiliense, 1981.

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MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. Brasília: UnB, 1982.

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WOLF, Eric R. Sociedades camponesas. 2ª edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1976.









[1] Essa definição, não explícita, se encontra em Marx e Engels (1982) e tem desdobramentos em outras obras, tal como se pode ver na síntese realizada dos diversos escritos destes autores (VIANA, 2018; VIANA, 2016).
[2] Alguns sociólogos deformaram a concepção de Marx ao atribuir a ele a ideia de apenas duas classes sociais no capitalismo (GURVICHT, 1982), certamente por ter lido apenas o volume 01 de O Capital, no qual ele focaliza a produção de mais-valor, logo, a relação de produção existente entre burguesia e proletariado, pois, se tivesse lido os demais volumes, veria as referências e análises dos latifundiários, campesinato, lumpemproletariado, etc.
[3] Esse foi o caso das lutas de classes na França, especialmente no que se refere à Comuna de Paris (MARX, 2011).
[4] Sobre as esferas sociais veja: Viana, 2015a.
[5] Hobsbawn (1993) afirma que o campesinato desapareceu na Europa. Claro que aqui se trata do conceito marxista de campesinato, como a pequena propriedade nominal e familiar, e não qualquer definição deste termo, tal como aqueles que pensam que todos os que moram no “campo” (zona rural) são camponeses, criando uma indistinção histórica entre servos, camponeses, latifundiários, operários agrícolas, etc. É isso tipo de confusão que permite alguns abordarem o que denominam “sociedades camponesas” (WOLF, 1976).
[6] Sobre a classe burocrática, é possível ver uma análise em: Viana, 2018a; Viana, 2018b) e a respeito da abordagem de Marx sobre a burocracia: Viana, 2015b.
[7] Ele chegou a afirmar, não sem certo exagero, que Kautsky tinha um modo de vida idêntico ao de um burguês (MAKHAÏSKY, 1981).
[8] Sobre hegemonia burguesa e hegemonia proletária, cf. Viana, 2018c; Viana, 2015c.
[9] Isso é possível devido às características da intelectualidade e da juventude. Alguns setores da intelectualidade, por seu vínculo com a produção cultural e os valores vinculados a ela, bem como sua contradição relativa com a burguesia (burocratização e mercantilização da produção intelectual – arte, ciência, etc. –, entre outros aspectos), possuem maior capacidade de ruptura com a classe dominante, especialmente os setores mais autônomos, que se encontram geralmente nos estratos mais baixos e aqueles que valoram mais suas atividades (embora, quando exageram nesse ponto, se vinculam mais ao bloco progressista). A juventude, por sua vez, devido sua autonomia relativa e negação de sua inserção no mundo adulto, tende a rebeldia e ativismo, que, em certos setores, acaba se aproximando do proletariado (embora outro setor, maior, se aproxima do bloco progressista, ou seja, da hegemonia burocrática). Em momentos de radicalização da luta de classes, aumenta a adesão de indivíduos intelectuais e jovens à hegemonia proletária. Porém, é preciso deixar claro que a classe intelectual é uma classe auxiliar da burguesia e, por conseguinte, é conservadora. No entanto, indivíduos, ou até setores inteiros, podem ultrapassar essa determinação, embora seja raro além de casos individuais ou setores marginalizados (que podem também aderir ao extremismo conservador visando ganhar espaços com isso, tal como ocorre hoje no Brasil em torno de Jair Bolsonaro, apesar de alguns realizarem tal aproximação por questões morais).
[10] Porém, não é qualquer descrição. Trata-se de uma descrição da realidade tal como ela é efetivamente, sendo, portanto, concreta.
[11] Em alguns textos passados utilizei os termos “classes privilegiadas” e “classes desprivilegiadas”. Porém, esses termos são problemáticos pela confusão em torno das discussões problemáticas atuais em torno dos “privilégios”, bem como focar nesse item que, embora real, é de menor importância. Daí a alteração para classes superiores e classes inferiores, expressão da posição das classes na pirâmide social, forma ilustrativa da posição das classes na sociedade capitalista.
[12] Sobre o significado do lumpemproletariado existe várias polêmicas e posições negativas ao seu respeito, desde Marx, mas que se intensificou e se tornou unilateral após ele. Marx manteve algumas ambiguidades em sua definição de lumpemproletariado (VIANA, 2018a), mas esta é uma das formas pelas quais ele o concebe. Contemporaneamente, outros autores vêm ressignificando o conceito no sentido de romper com tais ambiguidades e lhe retirando o caráter negativo (VIANA, 2018a; BRAGA, 2013; VIANA, 2015d).
[13] A classe subalterna é aquela que engloba o conjunto dos trabalhadores domésticos (o que Marx denominou a “classe dos serviçais”), trabalhadores dos serviços e comércio, que possuem renda inferior e não possuem poder nas instituições (funcionários de limpeza, segurança, etc.).
[14] Essa adesão, no entanto, é geralmente temporária e, na maioria das vezes, ambígua. Apenas uma parte insignificante, numericamente, dos jovens das classes superiores mantém adesão à hegemonia proletária após a entrada na idade adulta. As razões para isso já foram apresentadas em Viana, 2015e.
[15] Estes processos ocorrem em momentos de estabilidade, gerando focos de hegemonia proletária. Porém, seu efeito vai além disso, pois, uma vez existindo, em momentos de desestabilização se fortalecem e ampliam, reforçando a tendência para a coalizão das classes inferiores em torno do proletariado, ou seja, adesão à hegemonia proletária, indo além de focos para se tornar algo mais generalizado.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

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ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Nildo Viana

Os movimentos sociais emergiram como tema de pesquisa e reflexões acadêmicas de forma mais desenvolvida a partir dos anos 1950. Antes disso, era um tema pouco abordado e raramente aparecia como questão central. A produção nascente sobre movimentos sociais, bem como a posterior, é predominantemente ideológica, no sentido marxista do termo. Assim, temos a constituição de ideologias que abordam os movimentos sociais e busca explicá-los, mas, no fundo, invertem a realidade e geram mais confusão do que esclarecimento. Essa é uma das formas de relação dos movimentos sociais e as ideologias, que é quando estas se debruçam sobre esse fenômeno social. Outra forma é a influência das ideologias sobre os movimentos sociais. Uma terceira forma é a criação de ideologias pelos próprios movimentos sociais. O nosso objetivo será tratar apenas das interpretações ideológicas dos movimentos sociais, deixando a questão da influência das ideologias sobre eles e a produção de ideologias por intelectuais autóctones ou alóctones, para outra oportunidade.
O volume de produção ideológica sobre os movimentos sociais é enorme e por isso não será possível abordar todas. Por isso vamos selecionar algumas abordagens desse fenômeno social. Nos limitaremos a tratar das concepções de movimentos sociais que são consideradas “sociológicas” e que são mais desenvolvidas, bem como mais reconhecidas contemporaneamente. Assim, vamos destacar algumas abordagens, mas isso não impedirá de citar outras fora da seleção definida. Escolhemos três abordagens: a abordagem institucionalista, a abordagem neoinstitucionalista e a abordagem culturalista.
Antes de iniciar, no entanto, é preciso realizar o esclarecimento conceitual, explicitando o que entendemos por ideologia e abordagens, bem como movimentos sociais. Usamos o conceito de ideologia elaborado por Marx (MARX e ENGELS, 1982), cujo significado é sistema de pensamento ilusório. Enquanto sistema de pensamento, a ideologia é um pensamento complexo, tal como a ciência, a filosofia, a teologia. Ela é produzida pelos especialistas no trabalho intelectual e surge com a divisão entre este e o trabalho manual (MARX e ENGELS, 1982). Definimos por abordagem como um modo de interpretar a realidade através de um enfoque temático e analítico. Desta forma, uma abordagem pressupõe determinadas escolhas (temáticas e analíticas) por parte do pesquisador. Existem abordagens sistemáticas, constituindo ideologias, mas também existem abordagens semissistemáticas, que possuem uma sistematicidade limitada (é o caso de abordagens doutrinárias, como a anarquista, por exemplo), e que podem constituir semi-ideologias. As abordagens sistemáticas são ideologias que enfocam um tema delimitado e possui um processo analítico específico para o fenômeno definido pelo enfoque. A sociologia de Durkheim, por exemplo, é uma abordagem sistemática, uma ideologia. As abordagens semissistemáticas não possuem maior sistematicidade, gerando um enfoque analítico e temático sem maior desdobramento e embasamento ideológico. Quando, no âmbito das ciências particulares, a sistematicidade de uma abordagem é limitada, nós as distinguimos das ideologias, tal como no caso da abordagem das representações sociais (VIANA, 2008), que alguns pretendem que seja uma “teoria” ou “disciplina” específica, mas no fundo não possui sistematicidade para ser considerada uma ideologia[1].
Outro conceito importante é o de movimentos sociais. Cada abordagem dos movimentos sociais apresentará uma definição própria (ou, em certos casos, desenvolverá um construto ou noção, enquanto que alguns nem sequer apresentam uma definição, mostrando o seu pouco desenvolvimento analítico). Porém, para quem faz a análise crítica das abordagens sociológicas dos movimentos sociais, é necessário delimitar quais fenômenos reais entende que o conceito de movimentos sociais abrange. Ou seja, uma coisa é o fenômeno real, outra coisa é o termo usado para abordá-lo. Mas existe um outro complicador que é o termo pode ser usado para tratar de distintos fenômenos reais. Em outras palavras, é preciso explicitar a que fenômenos sociais nos referimos quando usamos o conceito de movimentos sociais, pois isto gera a diferenciação com outros usos do termo que apontam para outros fenômenos sociais. Desta forma, é preciso compreender que o signo e o ser podem ser distintos em abordagens distintas.

Abordagem
Signo
Ser
Marxismo
Movimentos de Grupos Sociais
Institucionalismo
Movimentos Sociais
Conjunto de opiniões e crenças que buscam mudanças parciais ou na distribuição de recompensas em uma sociedade.
Neoinstitucionalismo
Movimentos Sociais
Confrontos políticos

O quadro acima mostra que um mesmo signo (movimentos sociais) tem distintos significados para diferentes concepções[2]. Um signo e vários significados. Os significados expressam diferentes fenômenos que são abarcados pelo signo. Assim, quando um marxista e um neoinstitucionalista estão usando o termo “movimentos sociais”, estão pensando em fenômenos distintos. Por isso, quando analisamos uma abordagem dos movimentos sociais necessitamos entender não apenas o signo (ou seja, a definição desse termo), mas também quais fenômenos reais ele abarca. E também precisamos explicitar qual é o conceito que adotamos, pois assim se esclarece que fenômenos reais ele abarca. Entendemos por este conceito, movimentos de grupos sociais gerados a partir da insatisfação social com determinada situação social específica que gera senso de pertencimento, objetivos e mobilização (VIANA, 2016a)[3]. Buscaremos esclarecer esses elementos em nossa análise das abordagens sociológicas dos movimentos sociais.
O Surgimento dos Movimentos Sociais e as Abordagens Pioneiras
Os movimentos sociais são um fenômeno da sociedade moderna. Ao contrário do que alguns afirmam sem maior reflexão e fundamentação[4], os movimentos sociais não existiram nas sociedades pré-capitalistas. Existiram movimentos de classes sociais, protestos, revoltas, etc., mas não movimentos sociais. Isso ocorre pelo motivo de que apenas na sociedade capitalista surgem as condições de possibilidade dos movimentos sociais: meios de comunicação, ampliação da divisão social do trabalho, formação de uma sociedade civil organizada, etc.
No entanto, os movimentos sociais não surgem simultaneamente com o capitalismo. Os primeiros elementos da sociedade capitalista vão se desenvolvendo durante muito tempo, sendo que é no século 16 que o capital comercial se torna forte o suficiente para possibilitar a formação e expansão do modo de produção capitalista e de suas formas sociais correspondentes. O desenvolvimento das relações de produção capitalistas gera um fortalecimento progressivo da burguesia e permite a criação de suas próprias ideologias e, posteriormente, suas organizações, bem como a tomada do poder estatal e sua adequação para a nova forma de dominação instaurada por ela (VIANA, 2015a). É no século 18 e no século 19 que o modo de produção capitalista se consolida e subordina todos os demais modos de produção e invade as formas sociais, que passam a regularizar as relações sociais gerais na sociedade capitalista, modernizando-as. As revoluções burguesas marcam um momento crucial nesse processo.
As revoluções burguesas emergem a partir de uma nova hegemonia, que traz novas ideias (desde o iluminismo e o liberalismo, até as ciências humanas que emergem posteriormente), trazendo também mudanças sociais que possibilitam a constituição dos movimentos sociais. As ideias de liberdade, igualdade e fraternidade, a racionalização da vida social (a ciência e a razão como fontes explicativas dos fenômenos naturais e sociais), foram importantes nesse contexto e ao lado da ideia de democracia que vai se desenvolvendo, bem como o desenvolvimento dos meios de comunicação, sociedade civil organizada e ampliação da divisão social do trabalho, permitem a participação e mobilização popular. O movimento operário emerge com força e suas lutas mostram a capacidade de pressão das classes exploradas e a possibilidade de ter suas reivindicações atendidas e se pensar num projeto de transformação social.
É nesse contexto que vão emergir os embriões dos movimentos sociais. Desde o século 18 já se começava a aparecer, de forma muito moderada e embrionariamente,  alguns elementos que depois se desdobrarão em movimentos sociais. As lutas operárias e a passagem do capitalismo liberal (livre-concorrencial, dominado pelo regime de acumulação extensivo) para o capitalismo oligopolista, dominado pelo regime de acumulação intensivo (VIANA, 2009), criam as condições de possibilidade para o surgimento dos movimentos sociais. O estado liberal, fundado na democracia censitária, é substituído pelo estado liberal-democrático, fundado na democracia partidária (VIANA, 2015a). Os partidos políticos emergem e são uma das novidades da sociedade civil organizada emergente e com o processo de sua burocratização. As lutas operárias inspiram outras lutas, inclusive a de grupos sociais, que com o desenvolvimento dos meios de transporte e especialmente os meios de comunicação, podem gerar um senso de pertencimento e reconhecer necessidades, desejos, problemas, comuns.
No final do século 19 começa a emergir as primeiras mobilizações femininas e estudantis, mas sob forma muito embrionária. A luta das mulheres ocorre, principalmente, no interior do movimento socialista, com todas as suas ambiguidades, devido a supremacia dos partidos social-democratas, e do movimento operário. As lutas estudantis se apresentam num estágio ainda mais rudimentar. Nos últimos anos do século 19 e início do século 20 esse processo tem um certo desenvolvimento, emergindo lutas femininas influenciadas por uma concepção liberal-democrática, tal como o sufragismo, e pelo marxismo, tal como expresso por Alexandra Kollontai e Sylvia Pankhurst.
Assim, alguns movimentos sociais emergiram embrionariamente, com alguns mais desenvolvidos e outros menos. No entanto, a produção intelectual sobre tais processos embrionários era geralmente autóctone, ou seja, produzida pelos próprios indivíduos componentes do movimento social, tendo, portanto, geralmente um caráter militante (político, reivindicativo, polêmico, etc.) e não análises mais profundas e explicativas do próprio movimento. A produção sociológica e intelectual sobre tais movimentos embrionários demoraria a emergir, tanto pelo próprio caráter embrionário do fenômeno social em questão como também pelo próprio processo de consolidação das ciências humanas em geral e da sociologia em particular, sendo essa a ciência particular que teria esse fenômeno como temática mais natural. O marxismo, por sua vez, focalizava o movimento operário. Os movimentos sociais não eram foco na análise marxista por serem embrionários e muitas vezes apareciam concretamente ou misturado com o movimento dos trabalhadores ou distante do mesmo. Por isso eram criticados ou desconsiderados e a produção intelectual a respeito também era mais de caráter polêmico do que analítico[5].
Essa situação vai sofrer alteração a partir do novo regime de acumulação que se instaura pós-1945. O regime de acumulação conjugado marca a emergência do capitalismo oligopolista transnacional. A derrota do nazifascismo e a importância do bloco progressista e do bloco revolucionário nesse processo, bem como a força do movimento operário (desde as revoluções do final da década de 1910 e início de 1920 até as lutas radicalizadas posteriores na França e outros lugares), ao lado da Guerra Fria e nova modalidade de política estatal implementada, criaram as condições para uma nova hegemonia. A nova hegemonia passava para o espectro mais democrático (pelo menos discursivamente) do bloco dominante e mais próximo do bloco progressista.
Nesse contexto, marcado também por melhorias no nível de renda de grande parte da população[6], aumenta a mobilização popular que passa a realizar outras reivindicações que não são mais as exclusivamente salariais, condições de trabalho, transformação social, etc. A nova hegemonia do paradigma reprodutivista aponta para a tese da “integração da classe operária no capitalismo”, bem como para a ideia da sociedade como organismo ou estrutura estável que precisa “integrar” as classes e grupos sociais no seu interior. Por outro lado, as mobilizações vão aumentando com o passar do tempo e ganham maior força, visibilidade e radicalidade com a desestabilização desse regime de acumulação.
O movimento estudantil começa a se desenvolver e ganhar mais espaço, o movimento negro se desenvolve nos Estados Unidos, entre outros. A partir da segunda metade da década de 1960, os movimentos sociais se consolidam e surgem novos movimentos, como o pacifista. É nesse contexto que surgem as abordagens pioneiras dos movimentos sociais. Nesse momento surgem concepções explicativas dos movimentos sociais. As concepções funcionalistas, psicologistas e interacionistas e outras aparecem e tentam explicar esse novo fenômeno social. De acordo com o “espírito do paradigma da época”, a discussão sobre movimentos sociais é encaminhada a partir de temas como desvio, da frustração, desajustes, comportamento coletivo, crenças, irracionalidade. No entanto, grande parte das abordagens consideradas pioneiras dos movimentos sociais não estão tratando exatamente deste fenômeno e sim de mobilizações, protestos, revoltas, etc. Nesse sentido, seria necessária uma pesquisa mais ampla para descobrir se alguma das chamadas abordagens pioneiras está tratando efetivamente de movimentos sociais[7].
A partir da década de 1960 emergem estudos mais direcionados efetivamente, tal como foram definidos aqui, para os movimentos sociais. É no final dessa década que surgem as abordagens mais desenvolvidas dos movimentos sociais e cabe destaque, nesse contexto, para a abordagem institucionalista, da qual vamos tratar agora.
A Abordagem Institucionalista
A abordagem institucionalista é também conhecida como “teoria da mobilização de recursos”. No entanto, essa concepção não constitui uma teoria no sentido restrito do termo, ou seja, no sentido marxista, segundo a qual ela expressaria a realidade, sendo um saber verdadeiro. Ela seria, portanto, uma abordagem semissistemática dos movimentos sociais, uma semi-ideologia.
A abordagem institucionalista vai surgir nos anos 1960 e existir até os anos 1970. A sua existência data da época do regime de acumulação conjugado (capitalismo oligopolista transnacional) na grande potência mundial que era os Estados Unidos. Os intelectuais considerados principais representantes desta abordagem foram Olson, Zald, McCarthy, Oberschall, Gusfield (alguns colocam Charles Tilly como um representante dessa corrente, mas outros já o colocam na abordagem neoinstitucionalista e, no fundo, ele se diferencia de ambas, embora esteja maios próximo dessa última). Ela é uma abordagem semi-ideológica, devido sua pouca sistematicidade e desenvolvimento. Trata-se de uma ideologia rudimentar, produzida por um conjunto de pesquisadores, expressando um processo de disputa no interior da esfera científica, mais especificamente no plano dos estudos dos movimentos sociais. Ela se estrutura como uma espécie de “escola”, algo típico da produção intelectual a partir do regime de acumulação conjugado, especialmente nos Estados Unidos, com um grau elevado de burocratização das universidades[8]. O trabalho coletivo e institucionalizado se distingue do que ocorreu na sociologia clássica com seu “trabalho artesanal”, para usar expressão de Wright Mills (1982), e também seus limites e sua adequação ao empiricismo.
A abordagem institucionalista se inspira em determinadas ideologias anteriores para montar seu esquema analítico. As bases ideológicas da abordagem institucionalista foram principalmente a ideologia (“teoria”) da escolha racional, a escola marginalista em economia, a concepção weberiana de racionalização e burocracia e elementos da sociologia das organizações. Dessas bases ideológicas, a questão da racionalização e burocratização das organizações ocupará um lugar especial e será sua principal contribuição.
Os institucionalistas definem movimentos sociais da seguinte forma: “Um movimento social é um conjunto de opiniões e crenças em uma população que manifesta preferência pela mudança em alguns elementos da estrutura social e/ou na distribuição de recompensas em uma sociedade” (McCARTHY e ZALD, 2017). O movimento social por sua vez pode gerar um contramovimento, entendido como “Um contramovimento é um conjunto de opiniões e crenças em uma população em oposição a um movimento social” (McCARTHY e ZALD, 2017). Essas duas definições servem para alertar das interpretações equivocadas da abordagem institucionalista, bastante disseminada no Brasil a partir da obra de Gohn (2002), que afirma que os institucionalistas confundiriam movimentos sociais com organizações e empresas. A definição de movimentos sociais dos adeptos da concepção institucionalista não dá margem para tal confusão.
Essa interpretação equivocada emerge a partir da desatenção em relação aos outros termos trabalhados pela abordagem institucionalista, especialmente “organização de movimento social” e “indústria de movimento social”. Uma organização de movimento social é definida pelos institucionalistas como “uma organização formal ou complexa que identifica seus objetivos com as preferências de um movimento social ou um contramovimento e tenta implementar esses objetivos” (McCARTHY e ZALD, 2017). Eles citam alguns exemplos de OMS: SNCC (Comitê de Coordenação Estudantil Não-Violento), CORE (Congresso da Igualdade Racial), NAACP (Associação Nacional para a Promoção de Pessoas de Cor) e SCLC (Congresso das Lideranças Cristãs do Sul), sendo que algumas destas foram pesquisadas pelos institucionalistas. E uma indústria de movimento social, por sua vez, é “o conjunto das OMS que têm como objetivo a realização das mais amplas preferências de um movimento social constitui uma indústria de movimento social (IMS)” (McCARTHY e ZALD, 2017)[9]. Um termo complementar é “setor de movimento social”, que engloba todas as IMS de uma sociedade, mesmo sem pertencerem a um mesmo movimento social.
A confusão dos intérpretes é resolvida quando se observa que os institucionalistas distinguem entre movimentos sociais e seu “objeto de estudo”, que seria as OMS e IMS. Ou seja, eles deixam claro que não trabalham com o fenômeno geral dos movimentos sociais, mas apenas suas organizações e indústria. Eles justificam essa distinção por suas “vantagens”: a) ela enfatiza que os movimentos sociais nunca estão totalmente mobilizados; b) ela se concentra explicitamente no componente organizacional da atividade; c) reconhece explicitamente que os movimentos sociais são tipicamente representados por mais de uma OMS; d) permite a possibilidade de uma análise do crescimento e declínio de uma IMS, que não é totalmente dependente do tamanho de um movimento social ou da intensidade das preferências dentro dele.
Portanto, é fundamental compreender que a abordagem institucionalista tem como “objeto de pesquisa” não os movimentos sociais em si e sim as organizações dos movimentos sociais (OMS). Isso mostra o equívoco de certos intérpretes que os acusam de confundir movimentos sociais e organizações. Essa abordagem, a partir da sociologia das organizações, economia marginalista e outras influências, analisam a questão das organizações dos movimentos sociais a partir da questão organizacional e com ênfase na questão dos recursos. São os recursos que permitem a emergência das OMS. A ideia cálculo racional[10] é chave no processo interpretativo das OMS por parte dos institucionalistas. Como o seu objeto de estudo são as organizações e indústria do movimento social, então a questão financeira e dos recursos são realmente determinantes em suas ações e estratégias. Os movimentos sociais disputam o público consumidor, adeptos e financiadores, pelas fontes de recursos. As OMS, por sua vez, são perpassadas pela competição com outras OMS, instituições, etc. em torno dos recursos existentes.
A abordagem institucionalista realiza uma distinção interna entre os membros dos MS e OMS. Essa distinção é entre constituintes, aderentes, não-aderentes, público espectador beneficiário ou consciente e oponentes. Os constituintes são aqueles que fornecem recursos para uma OMS e os aderentes são os indivíduos e organizações que acreditam nos objetivos do movimento social. Os não-aderentes podem ser o público espectador que não se opõe ao MS ou OMS, se limitando a “testemunhar” suas atividades.
É uma tarefa da organização transformar os não-aderentes em aderentes e manter o envolvimento dos constituintes. Uma outra distinção considerada importante pelos institucionalistas é a relação destes com o pool (conjunto) de recursos da OMS, gerando a diferenciação entre elites e massas. As elites possuem um pool de recursos (financeiros, intelectuais, etc.) superiores e as massas possuem um conjunto de recursos inferiores (que pode ser, nos casos de maior escassez, meramente seu tempo e trabalho).
A partir desse elementos básicos da abordagem, os institucionalistas desenvolvem um conjunto de análises das OMS (e também das IMS e SMS), tais como a posição dos líderes como gerentes e administradores, a percepção da competição por recursos, adesões, apoio de agências governamentais, a manipulação da imagem dos meios oligopolistas de comunicação e a busca em chamar a atenção da mesma, o sucesso do movimento (o que ocorre quando possui organização formal hierárquica), etc. Sem dúvida, não poderemos desenvolver todos estes aspectos aqui, pois nosso objetivo foi apenas apresentar uma síntese das ideias centrais da abordagem institucionalista.
Podemos, agora, fazer uma breve consideração crítica sobre a abordagem institucionalista. O primeiro ponto que merece destaque é a base ideológica que os institucionalistas lançam mão, sem grande desenvolvimento ou reflexão sobre ela, ou seja, mais como um elemento exógeno adotado no processo analítico. O uso das concepções da ideologia da escolha racional, da escola marginalista, da sociologia das organizações, da sociologia da burocracia de Weber, são elementos que, aparentemente, são adequados ao seu tema de pesquisa, as organizações e seus desdobramentos. Porém, isso gera equívocos analíticos, pois deixa de lado aspectos que, segundo a linguagem utilizada por estas concepções, seriam “irracionais”, bem como reduzem os seres humanos a uma psicologia do consumidor. Isso sem falar que reproduzem os limites próprios destas concepções, tal como uma incompreensão da dinâmica capitalista, inacessível para a economia marginalista.
Outro problema dessa abordagem é a sua opção pela centralidade das organizações. Sem dúvida, as organizações podem e devem ser foco analítico, assim como qualquer outro fenômeno social. O problema está em substituir o procedimento dialético da focalização pelo procedimento ideológico da centralização, pois nesse último caso se abandona a totalidade e as diferenciações existentes. Os movimentos sociais viram apêndices das OMS, IMS e SMS. Como consequência disso, temos outro problema, que é a aplicação do modelo das organizações empresariais a todas as organizações, inclusive as autárquicas[11], o que significa criar uma indistinção ideológica no lugar de uma distinção real. Derivado disso, toma o objetivo das organizações empresariais como os objetivos das demais organizações, pois isso não é algo generalizado[12]. Outra consequência problemática, oriunda de sua base metodológica deficiente, é deixar de lado a totalidade das relações sociais (Estado, cultura, classes sociais, etc.), sendo que certos elementos importantes para explicar as OMS pouco aparecem ou mesmo não aparecem.
O mérito da abordagem institucionalista é ter analisado um elemento importante dos movimentos sociais, as organizações, apesar da forma deficiente como realizou isso. A análise institucionalista contribui para analisar as organizações burocráticas informais e as que se tornam burocráticas e suas relações com os movimentos sociais, apesar dos seus limites nesse processo analítico. De qualquer forma, a abordagem institucionalista contribui para uma análise do processo de mercantilização e burocratização dos movimentos sociais, processo que atinge suas ramificações, e como que as organizações burocráticas (formais e informais) influenciam o conjunto do movimento social. No entanto, essa contribuição é limitada devido sua base ideológica e que se restringe ao caso das organizações burocráticas (informais, que ainda estão dentro do âmbito dos movimentos sociais, e formais, que saem desse âmbito).
Essa abordagem foi recusada e teve pouca influência fora dos Estados Unidos. O motivo disso é que sua centralização nas organizações (e nesse país, com maiores recursos e grau de mercantilização, burocratização, competição e conservadorismo), embora reveladora de aspectos das mesmas, encontrava resistência em lideranças e intelectuais vinculados às suas congêneres na América Latina e outros lugares. No entanto, essa abordagem perdeu espaço no decorrer nos anos 1970 e logo foi substituída por uma outra abordagem que tentava superar seus limites e será nosso foco analítico a partir de agora.
A Abordagem Neoinstitucionalista
A abordagem neoinstitucionalista já recebeu outros nomes, como “teoria das oportunidades políticas”, “teoria do processo político”, “teoria da mobilização política”, “teoria do confronto político”. Aqui optamos por abordagem neoinstitucionalista por causa que ela delimita a política institucional como o seu campo perceptivo, colocando a centralidade nela, e por ser produzida em grande parte por ex-representantes da abordagem institucionalista.
A abordagem neoinstitucionalista surge nos anos 1990, época de consolidação do novo regime de acumulação e quando, decorrente disso, ocorre uma mutação cultural. O regime de acumulação integral trouxe mudanças gerais na sociedade e teve impacto sobre os movimentos sociais. O processo de intensificação da exploração internacional (hiperimperialismo, mais conhecido como “globalização”), o neoliberalismo e as mutações nas relações de trabalho (toyotismo) marcaram uma nova fase do capitalismo e que acabou gerando mudanças sociais gerais, inclusive mutações culturais. Um novo paradigma se tornou hegemônico, o subjetivista e com isso os esquemas interpretativos do paradigma anterior, reprodutivista, perdiam espaço. Isso influenciou os movimentos sociais, as análises dos movimentos sociais e a abordagem institucionalista, que encontrou mais um obstáculo. A abordagem institucionalista entrou em crise, pois não conseguiu ultrapassar as fronteiras dos Estados Unidos e por isso precisava se renovar e ampliar, especialmente com o reinado da ideologia da globalização.
A esfera científica foi atingida por esse processo e novos mecanismos de competição emergiram (tal como a chamada “internacionalização”, uma outra forma de subordinação cultural do capitalismo subordinado ao capitalismo imperialista, com suas subdivisões hierárquicas). A subesfera sociológica e abordagens dos movimentos sociais não ficaram, obviamente, imunes a este processo. No âmbito da produção intelectual sobre os movimentos sociais, a competição se tornou mais acirrada, mesmo porque o tema passou a ganhar maior visibilidade. A abordagem neoinstitucionalista emerge a partir da anterior e tenta ser mais ampla, completa e adequada à realidade. Junto com isso, a percepção da “globalização” por parte dos representantes do neoinstitucionalismo aponta para a criação de uma rede internacional de pesquisa. Os diversos encontros internacionais e publicações de pessoas de várias nacionalidades é um exemplo de como a abordagem neoinstitucionalista queria superar os limites presentes na abordagem anterior e se tornar “palatável” para fora dos Estados Unidos e aumentar sua competitividade na subesfera sociológica a nível internacional. Nesse sentido, houve uma  readaptação da abordagem institucionalista ao novo momento histórico, o que lhe provocou várias mudanças. Nesse contexto, havia também uma competição com as abordagens europeias (abordagem culturalista, da qual trataremos adiante) e a hegemonia do paradigma subjetivista.
A abordagem neoinstitucionalista teve nos antigos representantes do institucionalismo os seus principais defensores, como Zald, etc. e alguns novos nomes, com destaque para Tarrow e, de certa forma, Charles Tilly. As bases ideológicas do neoinstitucionalismo eram, em parte, algumas do institucionalismo, e, em parte, novas fontes. No caso de Sidney Tarrow, o principal representante do neoinstitucionalismo, é visível a fonte ideológica extraída do leninismo (e sua interpretação equivocada de Marx), alguns elementos extraídos de Marx (interpretado de forma limitada, e enfatizando a divisão social, o conflito de classes e “descontentamento”, relacionada com as abordagens do comportamento coletivo), de Charles Tilly, que já produzia antes do surgimento dessa abordagem, Gramsci e outros.
A abordagem neoinstitucionalista mantém, portanto, elementos do paradigma hegemônico anterior, o reprodutivismo, e isso aparece com seu apelo ao leninismo (a ideia de elites divididas cuja inspiração é leninista, segundo a qual a revolução depende de três condições: crise, divisão da classe dominante e partido revolucionário que se aproveita disso) e elementos do institucionalismo, mas trazendo elementos do novo paradigma hegemônico. Esse aspecto se observa através de elementos retirados do interacionismo simbólico e congêneres, bem como Gramsci, ao discutir questões como “frame”, “cultura”, “repertório”, etc. No entanto, isso era feito simultaneamente com a permanência de elementos típicos do paradigma hegemônico anterior (o “macro”, estado e oportunidades políticas).
A abordagem neoinstitucionalista é mais ampla do que a anterior e traz um conjunto de construtos novos para a interpretação dos movimentos sociais. Poderíamos citar aqui, além da definição de movimentos sociais, alguns dos seus principais construtos: “oportunidades políticas”, “estruturas de mobilização”, “quadros interpretativos” (ou “frames”), “repertório”, “ciclos de protesto ou confronto”.
O primeiro ponto a destacar é que essa abordagem apresentou distintas definições de movimentos sociais. Vejamos algumas definições:
“Um movimento social é uma interação sustentada entre pessoas poderosas e outras que não têm poder: um desafio contínuo aos detentores de poder em nome da população cujos interlocutores afirmam estar ela sendo injustamente prejudicada ou ameaçada por isso” (McADAM, TARROW, TILLY, 2009).
O complexo político combinado de três elementos: “1) campanhas de reivindicações coletivas dirigidas a autoridades-alvo; 2) um conjunto de empreendimentos reivindicativos, incluindo associações com finalidades específicas, reuniões públicas, declarações à imprensa e demonstrações; 3) representações públicas de valor, unidade, números e comprometimento referentes à causa. A esse complexo historicamente específico denomino movimento social” (TILLY, 2010).

Uma terceira definição, de Charles Tilly, é a de que um movimento social deve ser entendido como uma “interação contenciosa”, que “envolve demandas mútuas entre desafiantes e detentores do poder”, em nome de uma população sob litígio (ALONSO, 2009).
As definições de movimentos sociais da abordagem neoinstitucionalista são problemáticas. O problema está em sua amplitude, que abarca fenômenos sociais amplos, cuja origem é antiga na sociedade moderna. A ideia de movimento social não é clara, aparece como “interação e desafio dos detentores do poder”, “processos reivindicativos em relação aos governos” ou “interação contenciosa” entre “desafiantes e detentores do poder”. Isso pode ser confundido com classes sociais, partidos políticos, organizações, etc. Por isso, a abordagem neoinstitucionalista é limitada e trata mais de conflitos políticos em geral do que movimentos sociais, mais especificamente.
Os neoinstitucionalistas abordam os movimentos sociais a partir de alguns construtos fundamentais, tais como “estruturas de oportunidades políticas”, “oportunidades políticas”, “estruturas de mobilização”, “quadros interpretativos”, “repertórios”, etc. Esse conjunto de construtos, no entanto, não são organizados sistematicamente num processo explicativo da realidade. Por isso é algo semissistemático e limitado, embora mais avançado e desenvolvido do que a abordagem institucionalista. A estrutura de oportunidades políticas aponta para “o grau de probabilidade dos grupos de terem acesso ao poder e influírem no sistema político” (LIPSKY, apud. GOHN, 2002). As oportunidades políticas ganham uma centralidade na análise neoinstitucionalista e podem ser compreendidas como conjunto de oportunidades (variáveis) que são abertas no âmbito da política institucional (especialmente Estado) para a emergência ou fortalecimento dos movimentos sociais.
As oportunidades políticas possuem determinados componentes, a saber: a) o grau de abertura relativa do sistema político institucionalizado; b) a estabilidade ou desestabilização dos alinhamentos entre elites, alinhamentos que exercem uma grande influência no âmbito do político; c) a presença ou ausência de aliados entre as elites; d) capacidade e propensão do estado para repressão (McADAM, 1999). Isso pode ser exemplificado pelos casos das elites divididas, tal como citado por Tarrow (2009), que aponta o caso russo de Gorbatchev e os reformistas, que abriram oportunidades políticas, com a Glasnost e Perestroika. As oportunidades políticas podem ocorrer para certos grupos e não para outros (McADAM, 1999; TARROW, 2009). Da mesma forma, as oportunidades políticas podem não estar visíveis para todos os desafiantes (TARROW, 2009).
Outro construto importante usado pelos neoinstitucionalistas é o de estruturas de mobilização. Esse é o elemento da abordagem institucionalista que é preservado e absorvido pela abordagem neoinstitucionalista. A compreensão dessas estruturas podem ser mais ou menos amplas, dependendo do autor (alguns incluem os quadros interpretativos, etc.). Elas incluem, tal como para Kriesi (1999), organizações informais (família, vizinhos, etc.) e organizações formais (“movimentos sociais organizados”, organizações de apoio, associações de movimentos, partidos/grupos de interesses). Essas estruturas são importantes para compreender o aproveitamento ou não, ou as suas formas, das oportunidades políticas.
Os quadros interpretativos, também chamados de “frames”, e também traduzidos como “marcos interpretativos” (McADAM, GAMSON e MEYER, 1999); “marcos referenciais significativos” (GOHN, 2002), trazem a discussão sobre questões culturais, cuja fonte foram as críticas à abordagem institucionalista e a emergência do paradigma subjetivista. É nesse contexto que aparece discussões sobre símbolos e significados e também elementos do processo de construção, bem como certos elementos de construtivismo. Não há apenas uma definição de quadros interpretativos na abordagem neoinstitucionalista. É possível ver as seguintes definições dos quadros interpretativos: “é um processo em que os atores sociais, a mídia e os membros de uma sociedade interpretam, definem e redefinem a situação conjuntamente” (Klandermans, apud TARROW, 2009); é um “esquema interpretativo que simplifica e condensa o ‘mundo lá fora’, salientando e codificando seletivamente objetos, situações, eventos, experiências e sequências de ações num ambiente presente ou passado” (SNOW e BENFORD, apud. TARROW, 2009); “são dispositivos enfatizadores que ressaltam e adornam a gravidade e a injustiça de uma condição social ou redefinem como injusto ou imoral o que era visto anteriormente como desastroso, mas talvez tolerável” (TARROW, 2009). Eles trazem um enriquecimento em relação ao que era abordado antes pelos institucionalistas, pois incluem na análise novos elementos, como emoções, injustiça, “solidariedade”, elemento cognitivo e identidade coletiva.
Um último termo importante para a abordagem neoinstitucionalista é o de repertório. Este é compreendido pelo seu criador como “um conjunto limitado de rotinas que são aprendidas, compartilhadas e postas em ação por meio de um processo relativamente deliberado de escolha” (TILLY, apud. ALONSO, 2009), que complementa que “o repertório do movimento social se justapõe aos repertórios de outros fenômenos políticos, tais como a atividade sindical e as campanhas eleitorais” (TILLY, 2010). Tilly foi alterando sua concepção e terminologia com o passar do tempo e desta forma também alterou a denominação complementar do repertório (1970: repertórios de ação coletiva; 1990: repertórios de confronto; 2000: repertórios e performance) (ALONSO, 2012). O termo tem sua utilidade, apesar de ser limitado pela forma como é trabalhado e pela ênfase que é oferecido a algo que não tem significado tão decisivo assim. Mas ajuda a compreender a dinâmica dos movimentos sociais.
Um dos termos mais importantes e de maior alcance da abordagem neoinstitucionalista é o “ciclo de protesto”, que depois foi mudado para “ciclo de confronto”. Segundo Tarrow:
Entendo ‘ciclos de confronto’ como uma fase de conflito acentuado que atravessa um sistema social: com uma rápida difusão da ação coletivo de setores mais mobilizados para outros menos mobilizados; com um ritmo rápido de inovação nas formas de confronto; com a criação de quadros interpretativos de ação coletiva, novos ou transformados; com uma combinação de participação organizada e não-organizada; e, com sequencias de fluxos intensificados de informação e de interação entre os desafiantes e as autoridades (TARROW, 2009).
Os ciclos de protestos reforçam os desafiantes, exige resposta do estado e se difere dos ciclos revolucionários. São processos nos quais os desafiantes do poder entram em conflito com os seus detentores, gerando a necessidade de resposta do estado. Não se trata de ciclos revolucionários[13], pois seus elementos apontam para reivindicações, luta pelo poder, etc., e não a solução revolucionária.
A abordagem neoinstitucionalista padece dos mesmos problemas analíticos que a abordagem institucionalista, embora avance em alguns aspectos e recue em alguns outros. Entre os principais problemas dessa abordagem, podemos destacar as definições de movimentos sociais que são demasiadas amplas e imprecisas, além de suas diferenças e mutações constantes. A imprecisão e a constante alteração mostram a fragilidade e falta de maior sistematização dessa abordagem. No fundo, ao invés dos movimentos sociais, na maioria do caso (o que corresponde aos construtos trabalhados pelos neoinstitucionalistas), os fenômenos abordados são lutas políticas gerais e não movimentos sociais (protestos, confrontos, lutas políticas, etc. movimentos sociais aparecem apenas como exemplos). Assim, a imprecisão conceitual e constantes reformulações mostram as fragilidades dessa abordagem. Todo saber noosférico (complexo) possui alterações com o seu desenvolvimento, mas a imprecisão é algo problemático em qualquer caso. As alterações produzidas por desenvolvimento e aprofundamento ocorrem naturalmente, mas é preciso que isso não seja constante e que seja um real aprofundamento. Esse não é o caso da abordagem institucionalista, pois as mudanças terminológicas não significam aprofundamento, mas alterações formais e superficiais, devido seus limites ideológicos e metodológicos, bem como no desafio do confronto com a realidade, mostrando que as definições anteriores eram problemáticas (embora nem sempre, pois tem também as influências ideológicas e idiossincrasias de alguns institucionalistas).
Outro problema da abordagem neoinstitucionalista e o peso exagerado na política institucional. A centralidade conferida ao aparato estatal acaba transformando o construto de movimentos sociais em outra coisa, que são os grupos políticos, setores dos movimentos sociais, partidos e organizações, que vivem em função do Estado. Nessa abordagem, os movimentos sociais giram em torno do Estado. Isso entra em contradição com os movimentos sociais reais. Muitos setores de movimentos sociais são próximos do aparato estatal, mas muitos são de orientação civilista, se mantendo distante dele, o que inclui inclusive aqueles que são antiestatistas (VIANA, 2017b; VIANA, 2016a).
Da mesma forma que os representantes da abordagem institucionalista, os institucionalistas descartam a totalidade, deixando de lado elementos fundamentais para explicar a realidade social que envolve os confrontos políticos, tais como a luta de classes, acumulação de capital, etc. A abordagem neoinstitucionalista realiza uma análise limitada e não consegue explicitar, por exemplo, o que gera as oportunidades políticas, pois fica preso em generalidades e não possui uma explicação mais profunda do aparato estatal. Ao não entender o vínculo entre aparato estatal e acumulação de capital, os neoinstitucionalistas não conseguem ultrapassar uma percepção superficial da relação entre estado e conflitos políticos, e, mais ainda, dos movimentos sociais, não compreendidos por eles devido seu enfoque temático e analítico.
Isso não quer dizer que a abordagem neoinstitucionalista não tenha nenhum momento de verdade. Há alguns méritos nessa abordagem, tal como incluir o estado/política institucional na análise, trazer a questão dos quadros interpretativos e repertórios para a discussão, apresentar uma visão histórica, embora superficial, dos movimentos sociais (mais dos “confrontos políticos” do que dos movimentos sociais mais exatamente). Os méritos da abordagem neoinstitucionalista, no entanto, ainda são limitados, pela superficialidade e falta de maior sistematicidade, além da centralidade no aparato estatal e compreensão limitada das lutas políticas e significado do Estado e dos quadros interpretativos e repertórios.
A Abordagem Culturalista
A abordagem culturalista é geralmente denominada “teoria dos novos movimentos sociais”. Essa denominação é problemática por vários motivos. Um deles é o caráter equivocado da discussão sobre supostos “novos” movimentos sociais e o erro que é um pesquisador utilizar a linguagem dos pesquisados, compartilhando seus equívocos e ilusões. A abordagem culturalista surge na mesma época que a abordagem institucionalista, embora em seu período de surgimento e tendo vários desdobramentos posteriores.
Ela surge num contexto histórico específico, bem como noutro continente, na Europa. Isso traz diferenças mais amplas em relação às duas abordagens anteriores. A abordagem culturalista começa a emergir no final dos anos 1960 e vai se desenvolvendo nos anos 1970. A crise do regime de acumulação conjugado no final dos anos 1960 e as lutas radicalizadas, bem como o “retorno à normalidade”, formam um contexto histórico específico. Esse processo se desenvolve em 1970 e marca a transição do regime de acumulação conjugado para regime de acumulação integral.
Nesse contexto ocorre também uma mutação ideológica. A partir do final da década de 1960, após a derrota das lutas operárias e estudantis e das tendências revolucionárias dos movimentos sociais, ocorre uma crise do paradigma hegemônico, o reprodutivismo, e das ideologias associadas. Durante os anos 1970 se forja o novo paradigma, o subjetivismo (VIANA, 2018). Embora o paradigma subjetivista surja nos anos 1970, ele só consegue se tornar hegemônico a partir dos anos 1980 na Europa e Estados Unidos, e, posteriormente, no resto do mundo (anos 1990). O paradigma subjetivista emerge através de diversas ideologias: pós-estruturalismo, neoliberalismo, multiculturalismo, fenomenologia, weberianismo, etc. Os ideólogos pioneiros do subjetivismo foram Foucault, Guattari, Deleuze, Lyotard, entre outros, e foram surgindo novas ideologias filiadas a tal paradigma. Para tanto, o estado capitalista e instituições burguesas desenvolveram uma ampla política cultural que serviu para garantir a nova hegemonia. Políticas estatais, fundações internacionais, institutos, organismos internacionais, capital comunicacional, etc. foram mobilizados para garantir a hegemonia subjetivista.
O novo paradigma e as ideologias filiadas é que forma as bases ideológicas da abordagem culturalista. As mutações do capitalismo, a passagem do regime de acumulação conjugado para o regime de acumulação integral, interpretada pelas novas ideologias, formam o pretexto ideológico que legitima as novas ideologias. É nesse momento histórico que ganha força ou novas versões a ideia de uma “sociedade pós-moderna”, “sociedade pós-industrial”, etc. Essa ideia de que a sociedade capitalista (“moderna”, “industrial”) foi substituída por outra, foi defendida por vários Ideólogos (Daniel Bell, Touraine, Claus Offe, Habermas). O novo paradigma subjetivista é a fonte da renovação linguística e dos termos que se tornaram hegemônicos: “sujeito”, “novos sujeitos”, “subjetividade”, “atores”, “pluralismo”, “fragmentação”, etc.
No entanto, a abordagem culturalista não possui a homogeneidade das duas abordagens anteriores. Ela não é produzida por intelectuais associados como no caso anterior, não tendo o mesmo caráter coletivo. A sua base ideológica, subjetivista, também aponta para um maior individualismo, bem como a própria tradição europeia é distinta da norte-americana. Esses elementos explicam a razão da abordagem culturalista poder ser subdividida em diversas outras abordagens e ligadas geralmente a apenas um intelectual (e seus reprodutores). A diversidade de concepções é muito maior, e, consequentemente, a diversidade terminológica. No entanto, é possível identificar algumas ideias gerais comuns e concepções divergentes em aspectos secundários. O que é singular em cada manifestação particular da abordagem culturalista pode ser visto na produção intelectual dos seus representantes, sendo que se destacam Touraine, Melucci, Offe, entre outros.
São os elementos comuns que permitem analisar o que pode ser denominado “abordagem culturalista”. Algumas autoras tentaram apontar quais são esses elementos comuns, como foi o caso de Alonso (2009) e Gohn (2002). Alonso coloca que os elementos comuns são os seguintes: a) crítica da ortodoxia marxista; b) manutenção de um quadro analítico macrohistórico e associação entre mudança social e formas de conflito; c) se diferenciam das outras duas abordagens por partir de um enfoque cultural; d) pensam a partir da concepção de que houve uma mudança social e de que essa significou a formação de uma sociedade pós-industrial (ALONSO, 2009).
Gohn (2002) já elenca um conjunto maior de elementos comuns. Ela afirma que os representantes da “teoria dos novos movimentos sociais” recusam a concepção funcionalista da cultura (predeterminada por valores e normas do passado) e se inspiram na concepção marxista de ideologia, deixando de lado o seu caráter de falsa consciência[14]. Eles também recusam o marxismo “clássico”, que subjuga a cultura e a política ao “econômico”[15] e não permite ver a inovação, a recriação do ator, etc.; b) eliminam a centralidade de um sujeito e pensa em torno de um sujeito coletivo difuso, não-hierarquizado; c) a política ganha centralidade, mas é redefinida, ao estilo foucaultiano; d) os atores são analisados por suas ações coletivas e pela identidade coletiva gestada no processo; e) coloca um papel central da identidade coletiva; f) concebem o “novo” (dos movimentos sociais) no fato de os movimentos sociais recentes não tem base classista, por se contrapor ao antigo movimento operário, por romper com os movimentos sociais americanos ligados ao populismo (ou deixam a questão aberta)[16]; consideram que os novos movimentos sociais recusam a política de cooperação entre agências estatais e sindicatos e sua preocupação é assegurar direitos sociais; pensam que os novos movimentos sociais negam o utilitarismo e enfatizam a cultura; abordam como nova característica a “liderança democrática”, etc.
A interpretação de Gohn (2002) da abordagem culturalista é problemática, pois não há consenso nas várias concepções de novos movimentos sociais e por isso há contradições. Da mesma forma, alguns dos elementos acima não se encontra em certos culturalistas e por isso não é “comum” a todos dessa referida abordagem. Nesse sentido, a interpretação de Alonso (2009) é mais adequada do que a de Gohn (2002), embora bem mais sintética, mesmo porque se trata de um artigo.
O que é há de comum em todos os representantes da abordagem culturalista? Alguns elementos apontados por Alonso (2009) e Gohn (2002) são aceitáveis, outros não. Vamos então apresentar o que consideramos que é comum em todos os representantes da abordagem culturalista. O primeiro elemento comum é a concepção de que estamos numa sociedade nova, apontada com diferentes nomes (“pós-moderna”, “pós-industrial”, “sociedade complexa”, etc.). Esse aspecto foi notado por Alonso, mas não por Gohn. O segundo elemento, relacionado com o anterior, é a crítica ao que eles entendem como “marxismo”. Tanto Alonso quanto Gohn perceberam essa tentativa de refutar o “marxismo” (chamado pela primeira de “ortodoxo” e pela segunda como “clássico”, apesar de não ser característica do marxismo original – Marx e Engels – e nem daqueles que mantiveram a sua perspectiva). Um terceiro elemento é a crítica às ideologias ligadas ao paradigma reprodutivista (funcionalismo, teoria dos sistemas, etc.). Isso foi percebido por Gohn, mas não por Alonso. O quarto elemento é o resgate de ideologias não-hegemônicas durante a hegemonia reprodutivista (fenomenologia, interacionismo simbólico, etc.), o que as duas autoras colocam sem maior reflexão. O quinto elemento é a politização da vida cotidiana (a discussão sobre público/privado; Habermas e a questão da esfera pública e mundo da vida; Melucci, etc.). Isso não é apresentado por Alonso como comum, mas ela apresenta isso em sua descrição das concepções, enquanto que Gohn aponta isso ao colocar a inspiração foucaultiana de política. O sexto elemento, é a ideia de “novos” movimentos sociais, o que é percebido por Gohn, mas não por Alonso, e que deu o nome com o qual essas duas autoras (e diversos outros, criando-se uma tradição em torno disso) denominaram essa abordagem: “teoria dos novos movimentos sociais”. O sétimo elemento é o culturalismo, que é a base de todos os outros, ao enfatizar a cultura, o discurso, a identidade coletiva, entre outros termos que mostram a primazia do cultural sobre o social. Esse elemento é percebido por Gohn e Alonso, embora nem sempre com clareza.
Uma crítica da abordagem culturalista seria algo extremamente difícil, pois sua diversidade dificulta uma crítica única e geral. Nesse sentido, o que realizaremos aqui é uma crítica geral dos elementos comuns e explicitar que cada autor em particular deve receber um tratamento separado. Assim, a abordagem culturalista alguns elementos comuns que criticaremos: a) a ideia do surgimento de uma nova sociedade; b) a suposta “novidade” dos movimentos sociais recentes; c) a crítica ao “marxismo”; d) a crítica ao reprodutivismo e resgate de ideologias anteriores; e) a imprecisão e falta de clareza nas definições e nos construtos; d) a politização da vida cotidiana; e) f) o culturalismo.
A ideia do surgimento de uma nova sociedade (pós-moderna, pós-industrial, complexa, etc.) não passa de uma ideologia sem fundamentação real. Os poucos que se atreveram a tentar apresentar uma fundamentação dessa ideologia não conseguiram apresentar nenhum argumento convincente. A fragilidade das teses de Claus Offe (1989), por exemplo, que tenta sustentar sua tese do fim da sociedade do trabalho apelando para o declínio das teses acadêmicas sobre trabalho e aumento do setor terciário (comércio e serviços) e diminuição do setor secundário (indústria) é visível. A primeira fundamentação, sobre teses acadêmicas sobre trabalho, é risível, e a da alteração dos setores da economia é apenas uma mutação quantitativa e não qualitativa e uma repetição do que Daniel Bell (1969) já havia dito décadas antes[17]. Nenhum ideólogo da “nova sociedade” conseguiu provar sua existência ou o fim da modernidade, do capitalismo, ou dos construtos que eles usavam anteriormente.
A suposta “novidade” dos movimentos sociais recentes (justificada e fundamentada sob formas distintas, dependendo de quem é o autor) não se sustenta. Nem no plano concreto, que é pensar que surgiram “novos movimentos sociais”[18], pois alguns realmente surgiram, mas o termo é aplicado indistintamente a todos os movimentos sociais, com exceção do movimento operário (confundindo-o com movimento social). No sentido de que sua “novidade” é não ter “base classista”, é algo sem sentido, pois todo movimento social tem vínculo com o movimento operário e outras classes sociais. O que ocorreu foi o deslocamento da hegemonia para uma concepção que nega o significado revolucionário do proletariado no interior dos movimentos sociais, o que é apenas uma mutação cultural e que não se manifesta na totalidade dos movimentos sociais. A ideia de que a “novidade” seria derivada da “nova sociedade” é tão frágil quanto a fundamentação dessa última. Melucci (2001), que justifica a “novidade” como fundamentalmente uma “categoria analítica” e não realidade empírica, é algo metodologicamente problemático, pois remete mais para o “tipo ideal” do que para a realidade concreta.
A crítica ao marxismo é extremamente pobre e limitada. A derrota do maio de 1968 gerou a tentativa de refutar o marxismo e enfraquecer sua força cultural. No fundo, o que eles criticam é uma caricatura do marxismo ou o pseudomarxismo (social-democracia e leninismo, principalmente). Os culturalistas demonstram possuir uma incompreensão do marxismo original, realizando uma simplificação e deformação do mesmo e fundamentando isso através da confusão com o pseudomarxismo. Os elementos de crítica que se aplicam realmente ao marxismo é a recusa da totalidade e do caráter revolucionário do proletariado. A recusa da totalidade é justamente o maior problema da abordagem culturalista, como mostraremos adiante. A recusa do significado revolucionário da luta proletária pode parecer um problema menor em épocas de estabilidade do capitalismo, mas junto com isso vem a desconsideração do movimento operário, o que empobrece qualquer análise dos movimentos sociais.
A crítica ao reprodutivismo é relativamente correta, mas o ponto de partida da crítica fica aquém do paradigma reprodutivista. O subjetivismo, a fragmentação, entre outros aspectos, mostram a fragilidade dos críticos, pois se conseguem enxergar alguns aspectos da realidade que os reprodutivistas não conseguiam perceber, fazem isso em detrimento da percepção de diversos fenômenos. O apelo às ideologias como a fenomenologia, interacionismo simbólico e outros, por mais que tenham uma ou outra ideia proveitosa, diminui a capacidade explicativa e reforça o subjetivismo, obliterando a compreensão dos movimentos sociais. Desconhecer, por exemplo, a mercantilização das relações sociais, reconhecida sob forma problemática pela abordagem institucionalista, significa cair no subjetivismo e criar uma muito mais uma ficção sociológica do que análise das relações sociais. Desconhecer a importância do aparato estatal para a explicação dos movimentos sociais, o que é feito sob forma limitada pela abordagem neoinstitucionalista, é o mesmo que renunciar a tratar desse fenômeno.
A abordagem culturalista mantém um problema que é comum nas demais abordagens, que é no plano terminológico. As diversas definições de movimentos sociais dos diversos representantes do culturalismo e termos correlatos é imprecisa, pobre, sem maior fundamentação e coerência. Apesar das variações, os construtos produzidos são frágeis e confusos. Alguns autores, como Touraine[19], mudaram de concepção durante as últimas décadas, mas se tornaram cada vez mais imprecisos e distantes da realidade.
A politização da vida cotidiana realizada pela abordagem culturalista é, no fundo, uma despolitização. Ao tratar da “micropolítica”, abandona a totalidade e assim despolitiza, não mostrando os nexos entre a vida privada e a vida política, desde a luta de classes até a relação com o aparato estatal. É um reducionismo que só resta o subjetivismo para explicar as demandas e os processos, gerando interpretações equivocadas e simplistas das relações sociais.
O último elemento característico da abordagem culturalista é, justamente, o culturalismo. O culturalismo é um subproduto do paradigma subjetivista. Ele oferece primazia para a cultura e secundariza o social. Assim, a prioridade para o discurso, a identidade, a “subjetividade”, entre outras formas de culturalismo, é muito mais um problema do que uma solução. Em primeiro lugar, assim se perde a percepção da historicidade dos movimentos sociais. A mutação cultural que ocorreu no interior de alguns movimentos sociais só pode ser compreendida com as mudanças históricas. O passeio superficial que alguns sociólogos realizam sobre a contemporaneidade não dá conta de explicar esse processo de mutação e muitos nem sequer se aventuram nisso. Inclusive seria necessário apontar para mudanças no interior de tal mutação, mas os ideólogos não pensam de forma histórica e sim de forma evolucionista, como se sempre se caminhasse rumo ao aperfeiçoamento, sem enxergar as mudanças, suas determinações, suas contradições e seus vínculos com o processo de reprodução do capitalismo. Em segundo lugar, a generalização que os culturalistas fazem acabam mostrando seus limites e sua pouca utilidade para analisar os movimentos sociais populares, tanto os urbanos quanto os rurais. Em terceiro lugar, a ânsia culturalista de substituir a análise marxista é parte do processo de contrarrevolução cultural preventiva (VIANA, 2009) e significa, intelectualmente, produzir ideologias em detrimento da teoria, e, no plano político, passar de mala e cuia para o lado da classe dominante, mesmo vociferando contra o “poder”, “a razão”, etc. Em quarto lugar, a ênfase subjetivista impede a percepção das raízes profundas das ações e lutas sociais contemporâneas, onde se mistura atribuição de significados por parte dos sociólogos absorvidos pelo subjetivismo e crença na veracidade do discurso de determinados ativistas. Em quinto lugar, o problema metodológico, pois ao abandonar a categoria da totalidade e aderir a um reducionismo culturalista, não conseguem compreender nem os movimentos sociais e nem suas próprias raízes históricas e sociais. Outros problemas adicionais poderiam ser elencados, além de problemas específicos de autores específicos, mas consideramos que estes são os principais e suficientes para mostrar a fragilidade da abordagem culturalista.
A abordagem culturalista traz alguma contribuição para a discussão sobre os movimentos sociais? O reconhecimento da importância da cultura para compreender os movimentos sociais é uma contribuição da abordagem culturalista, mas a forma como isso é feito acaba sendo mais prejudicial do que benéfico. O único mérito nisso está em enfatizar aquilo que as duas abordagens anteriores desconsideraram ou secundarizaram. Uma contribuição é que o fenômeno abordado pelos representantes da abordagem culturalista é realmente os movimentos sociais (feminino, estudantil, etc.), apesar das ambiguidades e problemas no caso de alguns sociólogos específicos. As principais contribuições se encontram muito mais em autores isolados e elementos de sua produção do que no que é comum na abordagem culturalista.
Considerações Finais
O nosso objetivo foi apresentar uma síntese de três das principais abordagens sociológicas dos movimentos sociais. Sem dúvida, outras poderiam e deveriam ser trabalhadas, mas isso demandaria mais espaço e pesquisa. Da mesma forma, seria necessário um aprofundamento da análise das três abordagens selecionadas, o que não foi possível aqui por questão de espaço e que demandaria um artigo específico ou obra mais extensa para cada uma delas. O objetivo de apresentar sinteticamente as três abordagens, no entanto, foi efetivado.
Outro elemento que devemos destacar aqui é a ausência da concepção marxista dos movimentos sociais. Sem dúvida, o marxismo é a teoria que melhor consegue abordar o fenômeno dos movimentos sociais, mas não seria possível apresentá-la aqui, pois o foco aqui foi em determinadas abordagens, ideológicas ou semi-ideológicas, o que gera sua exclusão.
Por último, é possível analisar as abordagens dos movimentos sociais buscando elencar suas contribuições ou seus limites. O trabalho aqui realizado buscou realizar uma apresentação sintética geral e levantar de forma breve e mais sintética ainda, seus limites e possíveis contribuições. O resultado final é uma síntese geral de três das principais abordagens sociológicas dos movimentos sociais, servindo como uma introdução geral. Toda introdução e síntese é apenas um convite para a reflexão e que necessita de aprofundamentos e desdobramentos. Enquanto análise introdutória, o presente trabalho cumpre com seu objetivo.
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Resumo: O artigo analisa três das principais abordagens sociológicas dos movimentos sociais: a abordagem institucionalista, a abordagem neoinstitucionalista, a abordagem culturalista, mais conhecidas como "teoria da mobilização de recursos", "teoria do processo político", "teoria dos novos movimentos sociais". A partir de uma breve exposição do contexto histórico e das principais teses apresentadas por estas três abordagens, há uma breve análise crítica e das contribuições de cada uma.
Palavras-chave: abordagem institucionalista, abordagem neoinstitucionalista, abordagem culturalista,  mobilização de recursos, processo político, novos movimentos sociais

Abstract: The article analyzes three of the main sociological approaches of social movements: the institutionalist approach, the neoinstitutionalist approach, the culturalist approach, better known as "resource mobilization theory", "political process theory", " "theory of new social movements". From a brief exposition of the historical context and the main theses presented by these three approaches, there is a brief critical analysis and the contributions of each one.
Keywords: institutionalist approach, neoinstitutionalist approach, culturalist approach, resource mobilization, political process, new social movements

Resumen: El artículo analiza tres de los principales abordajes sociológicos de los movimientos sociales: el enfoque institucionalista, el enfoque neoinstitucionalista, el enfoque culturalista, más conocido como "teoría de la movilización de recursos", "teoría del proceso político", "teoría de los nuevos movimientos sociales ". A partir de una breve exposición del contexto histórico y de las principales tesis presentadas por estos tres enfoques, hay un breve análisis crítico y las contribuciones de cada una.
Palabras clave: enfoque institucionalista, enfoque neoinstitucionalista, enfoque cultural, movilización de recursos, proceso político, nuevos movimientos sociales.




[1] Serge Moscovici depois tentou fornecer embasamento ideológico para sua concepção, produzindo obra sobre “sociedade”, mas isso foi posterior e requer análise para ver se conseguiu efetivar tal projeto.
[2] Uma discussão sobre o conceito de movimentos sociais mais aprofundada pode ser vista em Os Movimentos Sociais (VIANA, 2016a).
[3] Essa é apenas uma definição, que remete para se explicar o que se entende por grupos sociais, senso de pertencimento, objetivos, mobilização, etc., e diversos outros elementos relacionados (cf. VIANA, 2016). No entanto, é preciso esclarecer aqui que essa definição exclui o movimento operário e outros movimentos de classes sociais do fenômeno dos movimentos sociais (VIANA, 2016a; VIANA, 2016b). Assim, movimentos sociais e movimentos de classes são distintos e, por conseguinte, as produções intelectuais sobre movimento operário, muito anteriores às relacionadas com os movimentos sociais, não serão abordadas aqui.
[4] Veja: Frank e Fuentes (1989).
[5] A produção intelectual sobre a questão da mulher vai sendo realizada por mulheres e homens desde o desenvolvimento do capitalismo que apontamos anteriormente. Porém, trata-se de reflexões sobre a questão da mulher e não sobre o movimento feminino. No caso do marxismo, o movimento social que ganhou maior atenção foi o movimento feminino, não só devido seu vínculo com o movimento operário, como também por causa da questão da mulher. Desde Fourier e depois Marx e Engels (e posteriormente August Bebel), até as militantes marxistas do final do século 19 e início do século 20, a questão da mulher era discutida. O movimento das mulheres, no entanto, terá em Rosa Luxemburgo e outras militantes social-democratas algumas discussões, bem como posteriormente, de forma mais desenvolvida, Alexandra Kollontai e Sylvia Pankhurst. Alexandra Kollontai criticava o feminismo (entendida como uma tendência burguesa no interior do movimento feminino) e a Sylvia Pankhurst rompeu com a mãe e irmã sufragistas e fundou a Federação das Mulheres Socialistas e aderiu ao antiparlamentarismo.
[6] O estado integracionista, “do bem estar social” e a nova política pecuniária (salarial, monetária, etc.) apontavam para mutações na renda e acesso aos bens coletivos, o que, ao lado da hegemonia do discurso democrático, cria condições de possibilidade para o avanço dos movimentos sociais. As burocracias sindicais ficavam cada vez mais atreladas ao aparato estatal e ao capital, e a desmobilização do proletariado nesse novo contexto supostamente “democrático” e com melhor nível de renda e consumo, permitiram um deslocamento da mobilização para outros setores da sociedade, promovendo, assim, a consolidação dos movimentos sociais. É preciso, no entanto, enfatizar que isso ocorreu no capitalismo imperialista (o conjunto de países capitalistas imperialistas) e não no capitalismo subordinado, sendo que a transferência de mais-valor do capitalismo subordinado para o imperialista era o principal sustentáculo da estabilidade pecuniária e política desses países (VIANA, 2009; VIANA, 2015a).
[7] Abordaremos isso em outra oportunidade.
[8] A este respeito pode se consultar a obra de Wright Mills (1982) e Russel Jacoby (1990).
[9] Os institucionalistas usam determinadas siglas para expressar os termos que trabalham: MS (movimentos sociais), OMS (organização de movimento social), IMS (indústria de movimento social).
[10] O cálculo racional aponta para a avaliação do custo-benefício. No fundo, a fonte de inspiração da abordagem institucionalista (economia marginalista e Weber) dificultam uma percepção mais profunda desse processo e que é melhor entendida através da teoria do cálculo mercantil (VIANA, 2016c).
[11] As organizações autárquicas são formas de auto-organização (VIANA, 2015b) e que se distinguem das organizações burocráticas, sendo que a diferença fundamental entre uma e outra é que no primeiro caso não existe quadro dirigente e no segundo este não só existe como é o elemento fundamental.
[12] A abordagem institucionalista falha ao não realizar uma análise mais profunda da relação entre movimentos sociais e organizações, bem como as formas assumidas por estas e o seu caráter de organizações mobilizadoras, o que foi abordado na perspectiva dialética (VIANA, 2017a).
[13] Essa é a posição de Tarrow e que nem sempre é a mesma dos demais neoinstitucionalistas.
[14] Essa é uma afirmação totalmente ilógica, pois se inspiram na concepção marxista de ideologia, então esta deveria significar o que significa nessa concepção, mas deixam de lado o que lhe define, o seu caráter, então não se inspiram nela. O livro de Gohn (2002) é recheado de equívocos, contradições e problemas interpretativos, dos quais não pretendemos tratar aqui.
[15] Isso na interpretação pobre e equivocada de alguns culturalistas.
[16] O que significa “novo” nos movimentos sociais abordados pelos culturalistas não é consenso entre seus representantes. Para Melucci (2001), por exemplo, o “novo” é produto da “categoria analítica” utilizada, pois se mesclam elementos antigos e novos na realidade empírica. A própria Gohn (2002) cita outro culturalista, Mouffe, para quem a novidade dos movimentos sociais deriva de sua subordinação ao capitalismo “tardio”, expansão das relações capitalistas na cultura, no lazer e na sexualidade; burocratização, massificação e homogeneização, poderosa invasão dos meios de comunicação.
[17] Não poderemos realizar uma crítica mais ampla aqui das teses da “nova sociedade” de Offe, Habermas, Negri, entre outros, mas isso pode ser visto em obras que abordam a atual fase do capitalismo (VIANA, 2009).
[18] Alguns movimentos sociais são antigos, como o feminino e o estudantil, outros são um pouco posteriores, sendo que alguns surgiram na década de 1960, como o pacifista, e outros surgiram posteriormente.
[19] Touraine iniciou sua carreira, na década de 1960, próximo do marxismo e vai, posteriormente, trocando a ideia de classes sociais por movimentos sociais, realizando uma confusão conceitual (TOURAINE, 1977) e, depois, se afasta mais ainda ao discutir a “sociedade pós-industrial” (TOURAINE, 1970), chegando a aprofundar seus equívocos, até que em suas últimas obras decreta o fim das sociedades e a soberania do “sujeito” (TOURAINE, 1998).
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Artigo publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. As Abordagens Sociológicas dos Movimentos Sociais. Movimentos Sociais, Goiânia, v.1, n. 2, 2017. 

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