OS OBJETIVOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Os movimentos sociais, assim como todo fenômeno social, são
marcados pela complexidade, não apenas de suas características próprias e
específicas, mas também devido seu entrelaçamento com o conjunto das relações
sociais e sua constituição social numa sociedade complexa. Nesse contexto, uma
teoria dos movimentos sociais requer amplo desenvolvimento e, a cada nova
conquista teórica que amplia a consciência sobre esse fenômeno, novas questões aparecem
e novos problemas devem ser abordados e resolvidos.
Assim, apesar de alguns autores desenvolverem elementos para
uma teoria dos movimentos sociais (JENSEN, 2014; VIANA, 2016), que convive com
outras tentativas de elaboração de análises e abordagens dos movimentos sociais
(GOHN, 1996; ALONSO, 2009), com seus
limites (VIANA, 2016), mas trazendo alguns elementos úteis para análise, ainda
persiste a necessidade de desenvolvimento de diversas questões relativas aos
movimentos sociais.
Uma dessas questões é a dos objetivos dos movimentos
sociais. Alguns sociólogos e outros pesquisadores dos movimentos sociais já
fizeram apontamentos sobre os objetivos dos movimentos sociais. No entanto, isso
é realizado, geralmente, de forma superficial ou descritiva. Há autores que
abordaram mais especificamente a questão dos objetivos dos movimentos sociais,
mas a abordagem é um tanto ingênua e/ou pouco crítica. A compreensão dos
movimentos sociais, assim como de qualquer fenômeno social, só pode se realizar
plenamente a partir de uma abordagem crítica e totalizante. O nosso objetivo,
aqui, é contribuir com uma análise crítica e totalizante da questão dos
objetivos dos movimentos sociais.
Os Objetivos dos Movimentos Sociais
A literatura sobre movimentos sociais aponta para várias
questões e pouco se discute uma das mais importantes, que é a questão dos seus objetivos.
Um movimento social existe para atingir um objetivo. Sem objetivo, não há
movimento. Porém, a maior parte da literatura sobre movimentos sociais ou
apresenta o objetivo como algo “dado” e sem necessidade de problematização e
análise ou então o coloca superficialmente ao lado de outras questões. O mais
comum é apresentar um objetivo “abstrato-metafísico” para os movimentos
sociais. É comum diversos autores colocar que o objetivo dos movimentos sociais
é a “mudança social”. Esse é um caso quase generalizado e perceptível já na
definição dos movimentos sociais. Curiosamente, esse elemento que define os
movimentos sociais não é alvo de reflexões e análises, é preconcebido sob forma
metafísica pelos autores.
Nessa concepção, que é hegemônica, apesar de superficial e
metafísica, os movimentos sociais querem a mudança social. A ideia de mudança
social é equivalente à ideia de transformação social, o que significa uma
substituição de uma forma de sociedade por outra. Nesse sentido, os movimentos
sociais seriam todos “revolucionários”. Claro que isso não corresponde à
realidade e por isso determinadas concepções (BOTTOMORE,
1981; TOURAINE, 1997) que defendem tais teses já foram criticadas
(JENSEN, 2014). Alguns sociólogos mais desavisados entendem “mudança social”
como mera alteração de algum elemento da realidade social. Estes são mais
ideólogos reprodutores do que produtores[1].
Nesse sentido, isso seria mero truísmo. A própria formação de um movimento
social já significa uma alteração na sociedade, por mais insignificante que
seja, pois surge um movimento que não existia. Alguns autores até estampam nos
títulos de seus artigos a questão dos objetivos dos movimentos sociais, mas
curiosamente esse problema pouco aparece na discussão (MELUCCI, 1989) .
Assim, é necessário superar essas concepções e realizar uma
discussão mais profunda sobre os objetivos dos movimentos sociais. Antes disso,
no entanto, é importante entender a importância dos objetivos na análise dos
movimentos sociais. Além do fato já aludido segundo o qual sem objetivo não há
movimento, é preciso especificar o que significa objetivo e como ele ajuda a
entender os movimentos sociais. A importância do objetivo dos movimentos
sociais se revela no conceito que expressa esse fenômeno social. O conceito de
movimentos sociais que adotamos explicita o vínculo necessário entre eles e o
objetivo: “os movimentos sociais são mobilizações (ações
coletivas ou compartilhadas) de determinados grupos sociais derivadas de certas
situações sociais que geram insatisfação social, senso de pertencimento e
determinados objetivos” (VIANA, 2016a) .
Assim, os objetivos estão entre os
elementos definidores de um movimento social e por isso não podem ser relegados
a segundo plano. O termo “objetivo” expressa a meta onde se quer chegar. Um
movimento social surge quando uma determinada situação gera insatisfação para
um grupo social e isso, por sua vez, gera um senso de pertencimento e objetivo
que provoca mobilização. Logo, o objetivo é a meta, a razão de ser do movimento
social e que justifica a mobilização. Ele existe para trabalhar com a situação
geradora de insatisfação visando transformá-la. Logo, o objetivo visa uma
transformação situacional.
Essa transformação situacional pode ser
entendida como defensiva ou ofensiva. A defensiva visa conservar a situação
impedindo que haja mudanças prejudiciais ou volta à situação social anterior,
antes dessas mudanças terem ocorrido. No primeiro caso, pode ser compreendida
como uma conservação ao invés de transformação, mesmo que somente situacional.
Contudo, há um elemento de “transformação” que é agir contra tendências, ações,
concepções, etc., de outros grupos, do aparato estatal, etc. que pode gerar a
alteração que se considera prejudicial. A transformação situacional defensiva
só tem sentido se já houver na sociedade alguma mobilização que ameace a
continuidade e é isso que cria a situação social específica que gera a
insatisfação do seu grupo social de base e o mobiliza, visando mudar/reprimir/abolir
a mobilização que contraria seus objetivos e interesses. A transformação
situacional ofensiva já visa alterar a situação social específica que gera a
insatisfação social no seu grupo social de base. Assim, por exemplo, o
movimento racista pode simplesmente combater o movimento negro e suas
reivindicações, o que é defensivo, mas pode, em outra ocasião ou outro setor do
mesmo, querer a elaboração de leis que sirva aos seus interesses (como aumentar
a discriminação) contra o grupo social oposto.
Aqui precisamos destacar que transformação situacional
difere de transformação social. A transformação situacional é apenas da
situação do grupo social, ou de sua situação ou, ainda, relação com outros
grupos. Sem dúvida, se o grupo social gerador do movimento considera que sua
transformação situacional só pode ocorrer com uma transformação social, o que é
verdadeiro para a maioria dos casos, então o objetivo é simultaneamente a
transformação situacional e social. Mas mesmo quando isso é verdadeiro, essa posição
só se estabelece a partir de determinada consciência e interesses. A
transformação social, tal como colocamos anteriormente, significa uma revolução
que atinge a totalidade da sociedade, significando uma mudança radical, a
passagem de uma forma de sociedade para outra (como foi a passagem do
escravismo para o feudalismo, ou deste para o capitalismo, entre outros
exemplos possíveis).
Em síntese, o objetivo dos movimentos sociais, sua meta, é a
transformação situacional do seu grupo social de base e em alguns casos,
dependendo do contexto social e histórico, isso é identificado com a
necessidade de transformação social, ou seja, de revolução social, gerando uma
sociedade nova em substituição da antiga. Esse último caso, subentendido em
algumas análises e explicitadas em outras, são raras exceções, mais comuns em
ramificações dos movimentos sociais e não hegemônicas no seu interior.
A transformação situacional pode ser tanto no sentido
conservador, quanto reformista ou, ainda, revolucionário. A transformação
situacional conservadora, para um movimento racista, significa retomar uma
situação na qual a superioridade racial antes existente em determinadas
relações sociais se torne novamente uma realidade ou impedir a manutenção de
reivindicações do grupo social que combate se realize ou seus objetivos se
concretize. A transformação situacional reformista aponta para reformas que
mudam a situação do grupo social, o que se pode perceber nos movimentos que
solicitam bens coletivos (moradia, educação, etc.). A transformação situacional
revolucionária é simultaneamente uma transformação social, pois entende que a
mudança radical da situação só ocorre quando emerge uma nova sociedade em
substituição da atual, sendo um processo que concretiza a resolução do problema
do grupo social, o que pode ser visto nas tendências revolucionárias dos
movimentos negro e feminino, entre outros.
Esses elementos ajudam a compreender os objetivos dos
movimentos sociais. No entanto, várias questões precisam ser respondidas: como
os objetivos são constituídos? Como eles podem ser identificados pelos
pesquisadores? Como eles se transformam? Como esses objetivos se manifestam
concretamente? Estas e outras questões são importantes para superar a concepção
ingênua e simplista dos objetivos dos movimentos sociais, bem como as
abordagens metafísicas a seu respeito.
A Constituição dos Objetivos dos Movimentos
Sociais
Determinados indivíduos de um grupo social se encontram
insatisfeitos com determinada situação social e identificam que esse problema
não é individual e sim coletivo. É um problema de um grupo social inteiro. O
racismo é sentido sob forma individual pelos indivíduos negros, mas quando eles
percebem que esse problema não é individual e sim coletivo (do grupo social),
se desenvolve o senso de pertencimento. Por isso ele não só percebe uma
situação social específica como indesejável e sente uma insatisfação diante
dela, como também percebe que é um problema coletivo. Isso gera o objetivo
individual que, ao desenvolver o senso de pertencimento ao grupo social, é
compartilhado e se torna objetivo coletivo. Desde que isso produza mobilização,
temos um movimento social (VIANA, 2016a) .
Isso, aparentemente, é algo simples e responde à questão dos
objetivos dos movimentos sociais. No entanto, a realidade não é simples, é
complexa. Os indivíduos não são seres totalmente racionais, bem informados, bem
intencionados, livres de desequilíbrios psíquicos, livres de valores
contraditórios, livres de pressões sociais e culturais, etc. Os grupos sociais
que são as bases dos movimentos sociais são compostos por estes indivíduos e
por isso a definição dos objetivos é algo muito mais complexo e possui muitas
outras determinações. Assim como não basta ser negro para lutar contra o
racismo, ser mulher para lutar contra o sexismo, ser atingido pela degradação
ambiental para lutar contra ela, entre milhares de outros exemplos, existem
aqueles que aderem aos movimentos sociais, mas a partir de sua situação
concreta individual, com seu pertencimento de classe social, sua formação
intelectual, seus interesses pessoais, seu grau de informação sobre a
realidade, sua personalidade (com ou sem desequilíbrios psíquicos), numa
determinada época e contexto cultural, entre diversas outras determinações.
A constituição dos objetivos dos movimentos sociais remete a
um conjunto de determinações. No entanto, existe uma determinação fundamental
que ao lado das demais determinações geram sua concreticidade. Os objetivos dos
movimentos sociais possuem como determinação fundamental os interesses. Por
isso é fundamental discutir quais interesses perpassam os movimentos sociais.
Os interesses são derivados das necessidades e desejos dos
seres humanos. As necessidades são impulsos que devem ser satisfeitos sob pena
de, caso não seja, promover transtornos físicos ou psíquicos. A alimentação é
uma necessidade humana e sua não concretização significa, em certo período de
tempo, a morte. A sua satisfação inadequada gera desnutrição e doenças. Além
das necessidades corporais, que são necessidades básicas, existem as
necessidades que são simultaneamente potencialidades dos seres humanos. Elas
são especificamente humanas, são necessidades psíquicas (ou “existenciais”),
como a práxis e a socialidade. O ser humano necessita desenvolver tais
potencialidades, tanto quanto suas necessidades corporais, sendo que seu não
desenvolvimento pode gerar doenças, desequilíbrios psíquicos, etc. (RUCK, 2015).
Além dessas necessidades, as sociedades humanas geraram,
historicamente, um conjunto de desejos. Esses desejos podem ser coerentes ou
não com as necessidades humanas e, no primeiro caso, são autênticos e colaboram
com o desenvolvimento do ser humano e, no segundo caso, são inautênticos e são
fontes de contradições e insatisfações, geradores de conflitos, desequilíbrios
psíquicos, evasão, etc. As necessidades são reais e insuperáveis e os desejos incompatíveis
com elas são artificiais, constituídos social e historicamente numa sociedade
cujo objetivo não é a satisfação humana (RUCK, 2015) .
No caso do capitalismo, há um processo de constituição
social dos desejos e esse possui caráter fetichista. A fabricação mercantil dos
desejos (RUCK, 2015)
significa uma ampla constituição de desejos inautênticos. As necessidades e
desejos formam os interesses individuais, bem como os coletivos (de grupos,
classes, etc.). As necessidades de alimentação e habitação fazem delas interesses
dos indivíduos, independente deles manifestarem isso ou não. Os interesses são
necessidades e desejos não explicitados (RUCK, 2015) .
Quando essas necessidades e desejos são explicitados, tornam-se valores (VIANA, 2007) .
Esses elementos são fundamentais para entender os objetivos
dos movimentos sociais. Um grupo social só gera um movimento social quando há
uma situação social específica que gera insatisfação social. A insatisfação
social, por sua vez, não é algo que surge automaticamente e nem é sempre
derivado de necessidades. A insatisfação social pode ser derivada de desejos
(inclusive dos inautênticos) e está relacionada com os valores, sentimentos, consciência,
informações, entre diversas outras manifestações culturais. A relação social
concreta que constitui uma situação social específica é interpretada e pode
gerar insatisfação ou não. Tal insatisfação, por sua vez, pode ser justa ou
injusta.
Uma parte da população pode ser constrangida a não ter sua
necessidade de habitação satisfeita, o que gera moradores de rua, ou pode ter
essa necessidade satisfeita precariamente, morando em favelas, cortiços,
barracas, etc. Essa necessidade constitui uma situação social específica que
produz insatisfação social. No entanto, se o conformismo e a resignação reinam,
se o individualismo aponta para busca de solução meramente individual ou se o
medo da repressão estatal impede a ação, então temos uma situação social que
gera insatisfação social, mas não um movimento social.
A insatisfação social gera um movimento social quando um conjunto
de indivíduos pertencentes ao grupo social que se encontra nessa situação
desenvolve uma consciência que gera senso de pertencimento e objetivos. A
consciência é elemento necessário para que o senso de pertencimento apareça e o
problema seja visto como coletivo e não meramente individual e os objetivos são
possíveis a partir da decisão consciente do que fazer diante da situação indesejável.
E por quais motivos os indivíduos e grupos ficam
insatisfeitos? Quando suas necessidades ou desejos não são atendidos, ou seja,
quando seus interesses são contrariados e fundamentalmente quando isso se torna
consciente. Essa “tomada de consciência”, para usar expressão bastante
utilizada por certos setores, ocorre com a formação de valores e objetivos. O
interesse por habitação pode gerar valores, ideias, concepções, discursos, tais
como o “direito à habitação”, “ocupação”, “reforma urbana”, “financiamento
estatal (“público”) de habitação popular”, “revolução urbana”; “revolução
social”, entre diversas outras possíveis soluções. Uma vez que existem a
insatisfação social e a consciência dela e de seu caráter coletivo (gerando
senso de pertencimento), se constitui os objetivos para concretizar a solução
do problema.
O exemplo acima é apenas uma possibilidade. Para o movimento
racista (branco), a insatisfação pode ser o “excesso” de espaço e direitos dos
negros e a solução pode ser mudanças legislativas, ação estatal, violência
direta contra os negros, etc. No caso do movimento feminino, o objetivo pode
ser “igualdade entre os sexos”, “reformas legais”, “espaços institucionais”,
“mudanças culturais”, “revolução social”, “extermínio dos homens”, entre
outros.
Isso significa que os movimentos sociais constituem seus
objetivos a partir da tomada de consciência e geração de valores, concepções,
sentimentos, etc. Isto, no entanto, não explica por qual motivo se escolhe um
ou outro objetivo. A constituição dos objetivos, como se pode notar acima,
ocorre no interior de uma quantidade variada de opções. Aqueles que lutam por
moradia ou contra o racismo, para citar apenas dois exemplos, podem definir
distintos objetivos. Esses objetivos distintos, por sua vez, podem gerar
divergências e conflitos internos e distintas tendências, organizações, ações,
posições, alianças, etc.
É preciso compreender que nos movimentos sociais, assim como
em qualquer grupo ou ação coletiva, surgem dois tipos de interesses: os
pessoais e os coletivos. No caso dos movimentos sociais, são interesses pessoais
e grupais (que é a forma que assume o interesse coletivo, que é do grupo social
de base). Os interesses pessoais são os do indivíduo e podem ser ou não
coerentes com os interesses grupais. Quanto mais o indivíduo for influenciado
pela mentalidade dominante, maior é a tendência de discrepância entre seus
interesses e o do grupo social de base do movimento social. O seu interesse
será resolver o seu problema de forma individual ou usar o movimento para tal.
No primeiro caso, ele tende a se afastar do movimento e buscar a solução
individualista. No segundo caso, ele tende a atuar no movimento visando retorno
pessoal e pode até se unir com outros e formar uma tendência ou subgrupo
visando lutar por benefícios pessoais ao invés de solução do problema do grupo
social. Esse é o caso quando o ativismo vira profissão ou fonte de renda,
gerando interesses discrepantes com os do grupo social de base do movimento.
O processo de mercantilização e burocratização das relações
sociais tende a reforçar isso, pois os indivíduos acabam se submetendo aos
valores dominantes e passam a lutar por dinheiro e poder, entre outros valores
burgueses, o que muitos reproduzem dentro dos movimentos sociais. Isso ocorre
com setores inteiros de determinados movimentos sociais, o que gera
determinadas organizações, grupos, etc. Nesse caso, é a hegemonia burguesa na
sociedade civil que gera o conjunto de valores, ideias, concepções, ideologias,
doutrinas, etc., que servem de sustentação para tais setores e
reproduzem/reforçam a sociabilidade capitalista (competitiva, mercantil,
burocrática).
Assim, determinadas insatisfações são apenas fachada para a
busca de realização de interesses pessoais ou são criações para obter vantagens
competitivas dentro do capitalismo. Nesse contexto, causas justas são
deformadas e causas nada justas são constituídas. A atual fase do
desenvolvimento capitalista, caracterizada pelo regime de acumulação integral,
marca uma nova hegemonia burguesa, marcada pelo subjetivismo, que gera desde um
microrreformismo voltado para processo de conquista de vantagens competitivas, até
sentimentos antipáticos, como o ódio e o ressentimento, que geram novos
conflitos e processos destrutivos. Esses setores formam as tendências
conservadoras no interior dos movimentos sociais reformistas.
Em contextos anteriores e em certas situações, o que ocorre
é a luta por reformas sociais e mudanças no interior do capitalismo, seja acompanhado
por discursos de direita ou de esquerda[2],
embora predomine o último caso. Aqui os valores são menos explicitamente
burgueses, embora a luta pelo poder esteja presente em todo o momento. Os
interesses pessoais ainda estão presentes, mas muito mais camuflados e tendo
indivíduos que não os priorizam. Os setores que assumem essa posição formam a
tendência reformista/progressista dentro dos movimentos sociais.
Por outro lado, quando os indivíduos conseguem escapar da
hegemonia burguesa e dos valores dominantes, apontam para outros objetivos, que
vão desde reivindicações imediatas até a proposta de revolução. Nesse caso,
existe uma maior unidade entre interesses pessoais e interesses grupais. Este é
o caso dos setores mais contestadores dos movimentos sociais ou daqueles que
formam sua tendência revolucionária.
Os interesses pessoais são a principal fonte de corrupção,
cooptação, adesão à hegemonia burguesa ou burocrática. Obviamente que todos, na
sociedade capitalista, possuem interesses pessoais. Da mesma forma, os
interesses pessoais expressam, em muitos casos, necessidades e desejos
individuais. Contudo, a força da hegemonia e mentalidade burguesas, transformam
os interesses pessoais cada vez mais uma forma de integração do indivíduo na
sociedade capitalista. É por isso que o individualismo extremado, o hedonismo, as
identidades, entre outras manifestações contemporâneas, não são
contraproducentes para o capitalismo, pois elas integram os indivíduos no seu
interior e assim reforçam sua reprodução.
Qual é o interesse pessoal dos indivíduos numa sociedade
capitalista? Para os mais ambiciosos, logo, mais adaptados à mentalidade
burguesa, é ganhar a competição social e a ascensão social, via riqueza, poder,
fama, sucesso. Esses são os principais itens de sua escala de valores. Um
político profissional tem o interesse pessoal em ganhar as eleições, adquirir
poder e todo o resto que isto acompanha, a começar pelo dinheiro. Um
profissional quer o sucesso em sua profissão e assim conseguir espaços,
reconhecimento, fama. Um homem faminto necessita de alimentos. Esses são os
interesses e estes geram objetivos. Como conseguir ganhar uma eleição? Como
conquistar o sucesso profissional? Como conseguir alimentos sem possuir
dinheiro? Não é possível ganhar eleição dizendo a verdade, pois esta é
impopular, criadora de inimigos, fonte para perda de votos. Não é possível
conquistar o sucesso profissional com solidariedade, pois a competição é sua
mola propulsora. É possível conseguir alimentos pedindo para os outros, mas nem
sempre isso ocorre. É por isso que o discurso eleitoral é um discurso
mentiroso, a prática profissional é competitiva e o faminto precisa da caridade
alheia e a necessidade é tão primordial que lhe possibilita se vender em troca
de alimentos.
Esses processos, no plano dos movimentos sociais, geram a
mentira e hipocrisia daqueles que querem se utilizar deles para trampolim
político ou ganhar votos. Da mesma forma, aqueles que não conseguem sucesso
profissional em certas profissões, pode transformar o ativismo social em
profissão, imitando o político profissional, se atrelando a organizações que
cada vez mais se afastam do grupo social de base e do movimento social que ele
gera, embora isso nem sempre seja perceptível. O faminto pode se vender por
migalhas para satisfazer seus interesses pessoais e assim servir aos grupos
paramilitares repressivos do aparato estatal ou organizações partidárias, como
aconteceu em várias oportunidades na história[3].
Esses exemplos querem dizer que o interesse pessoal é
inseparável da sociedade em que ele existe e que, na sociedade capitalista, a busca
por satisfação dos interesses pessoais leva, fatalmente, ao conformismo, ao
conservadorismo, ao narcisismo, ao hedonismo, etc.[4]
Claro está que esse conformismo é diante da sociedade e não de sua situação
individual. É por isso que o interesse pessoal geralmente entra em confronto
com os interesses grupais, quando o grupo social de base de um movimento social
é das classes desprivilegiadas. No caso dos movimentos sociais conservadores,
não há contradição, pois o interesse pessoal coincide com o interesse grupal.
No caso das tendências conservadoras e reformistas dos movimentos sociais
reformistas, geralmente há contradição, mas esta é ofuscada pelas ideologias,
doutrinas, etc. No caso das tendências revolucionárias, o interesse pessoal
pode entrar em contradição com o interesse grupal, pois mesmo a satisfação de
necessidades corporais (básicas) exigem uma certa integração na sociedade
capitalista, pois, além da venda da força de trabalho, que pode gerar pouco
tempo e cansaço, por exemplo, pode gerar o desejo de estabilidade financeira,
vida confortável, etc. e isso pode gerar abandono da luta ou sua substituição
por formas oportunistas (partidos, etc.).
No entanto, nem todos os interesses pessoais seguem esta
dinâmica de integração. Existem alguns interesses pessoais que são
anticapitalistas e, portanto, são motivo para conflito e radicalidade. Isso
ocorre especialmente com as necessidades psíquicas, especificamente humanas,
como a socialidade e a práxis. A socialidade é dificultada numa sociedade
marcada pela luta de classes, por um lado, e pela competição social, por outro.
A luta de classes geram conflitos sociais e o combate entre indivíduos na vida
cotidiana, na qual os valores, sentimentos, concepções, interesses, entram em
confronto. No entanto, mais forte e destruidora é a competição social, que se
generaliza nas relações sociais, em todos os lugares (empresas, escolas,
instituições, locais de lazer, etc.), em todas as atividades e relações sociais
(amorosas, laborais, familiares, lúdicas, etc.). Esse processo estabelece
conflitos, derrotas da maioria, tristeza, fracasso, sentimentos antipáticos,
infelicidade geral. O trabalho alienado é o maior exemplo desse processo de
negação da essência humana.
Num mundo cada vez mais mercantilizado, burocratizado e
competitivo, a práxis, a criatividade, o trabalho como autorrealização, é cada
vez mais raro e marginal, bem como a socialidade se torna cada vez mais
degradada. Nesse sentido, a consciência desse processo gera outro tipo de
interesse pessoal, o da autorrealização humana, que não é possível no interior
do capitalismo (a não ser de forma muito parcial e marginal e para poucos
indivíduos que conseguem resgatar algo de uma socialidade livre desses
processos degradantes e um trabalho que permita alguma realização pessoal).
Assim, podemos dizer que os indivíduos possuem duplo
interesse: os interesses pessoais imediatos e os interesses pessoais
fundamentais. Esses interesses podem entrar em conflito no próprio universo
mental do indivíduo, tanto de forma consciente como semiconsciente. Na maioria
dos casos individuais predominam os interesses pessoais imediatos, o que pode
gerar afastamento dos movimentos sociais ou participação oportunista. Quando
predominam os interesses pessoais fundamentais, a relação dos indivíduos com os
movimentos sociais tende a ser de maior envolvimento e voltada para os
interesses grupais fundamentais. Nos casos em que há certo equilíbrio entre
interesses pessoais imediatos e fundamentais, tende haver maior ambiguidade e
conflitos interiores nos indivíduos e uma presença igualmente ambígua nos
movimentos sociais. Desta forma, o duplo interesse pessoal se reproduz no movimento
social. O conjunto de indivíduos voltados para os interesses pessoais tendem a
reforçar o oportunismo nos movimentos sociais e os voltados para os interesses
fundamentais tendem a reforçar os interesses grupais fundamentais. Voltaremos a
isso adiante.
Os interesses pessoais podem gerar valores e estes podem ser
apresentados como sendo interesses grupais e se tornarem objetivos dos mesmos,
competidno, assim, no interior de um movimento social, com outros objetivos.
Isso é mais comum e numeroso nos movimentos sociais policlassistas, pois os
interesses pessoais e as oportunidades de sua realização são distintos em
classes sociais distintas. O capitalismo é fértil em fabricar desejos
inautênticos, o que é fonte de geração de interesses pessoais discrepantes dos
interesses grupais, especialmente na juventude. Os valores manifestam, indistintamente,
necessidades e desejos (autênticos e inautênticos), o que complexifica a
questão. No entanto, os valores são necessidades e desejos explicitados que
revelam interesses e estes formam os objetivos dos movimentos sociais.
A análise da constituição de objetivos, bem como de suas
mudanças, remete a casos concretos e situação social e histórica específica.
Uma vez constituídos os objetivos de um movimento social, eles geram pautas,
reivindicações, processo de consolidação e até reificação. É nesse contexto que
um objetivo se torna hegemonicamente estabelecido em um movimento social. No
interior dos movimentos sociais há uma disputa em torno dos objetivos e esse é
o próximo ponto que abordaremos.
Duplo Interesse e Objetivos dos Movimentos
Sociais
O duplo interesse pessoal dos indivíduos não são criações
destes e sim da realidade concreta da sociedade capitalista. É a divisão social
do trabalho e a constituição das classes sociais que faz emergir o dualismo
entre “interesse particular” e “interesse coletivo” (MARX e ENGELS, 1982). Esse
duplo interesse se manifesta através dos indivíduos e também nos grupos e
classes sociais. Os grupos sociais possuem interesses imediatos e interesses
fundamentais. Os interesses imediatos são relativos à sua sobrevivência e
reprodução na sociedade capitalista e os interesses fundamentais são aqueles
voltados para a resolução definitiva e total da situação que gera insatisfação
e permite a autorrealização dos indivíduos que são integrantes do grupo social.
Assim, os interesses grupais imediatos são voltados para a reprodução na
sociedade capitalista e isso podem ser tanto as necessidades orgânicas
(alimentação, habitação, etc.) quanto os desejos produzidos socialmente,
incluindo os inautênticos[5].
Esse processo produz conflitos internos nos movimentos
sociais (e destes com outros indivíduos, grupos, etc.). Ao se limitar ou
priorizar os interesses grupais imediatos, acaba gerando oportunismo, imediatismo,
etc. O grande problema é que essa opção acaba gerando uma contradição com os
interesses grupais fundamentais, pois as reivindicações imediatas e imediatistas
apontam para a realização de alianças, compromissos, moderação, etc. e, em
última instância, abandono dos interesses fundamentais. Certos interesses
grupais imediatos, por sua vez, são antagônicos aos interesses fundamentais,
gerando obstáculos para o mesmo.
Assim, podemos compreender que quando os interesses pessoais
imediatistas se manifestam nos movimentos sociais, eles tendem a gerar uma
confusão entre eles e os interesses grupais imediatistas. Esse processo, por
sua vez, pode gerar um confronto com os setores que priorizam os interesses
grupais fundamentais. Em menor medida, também pode gerar confronto com aqueles
que não abandonam os interesses grupais fundamentais apesar de priorizar os
interesses imediatistas. Isso também pode ocorrer no nível discursivo com
aqueles que abordam os interesses fundamentais apenas no discurso sem ter
relevância alguma para a mobilização que efetivam.
É por isso que ocorre no interior dos movimentos sociais um fenômeno
que já foi chamado de “racionalização”, mas preferimos o termo
“razoabilização”, para evitar confusão. No processo de análise dos movimentos
sociais, é necessário entender como existem diversos interesses e como eles são
propulsores de ações e justificativas destas, mesmo se ocultando atrás de ideologias
e “racionalizações”. Nesse sentido, a psicanálise contribui no sentido de
explicitar o processo de “racionalização”, no qual os indivíduos buscam dar
explicações racionais para suas ações, motivações, sentimentos e emoções. O
termo racionalização, foi criado pelo psicanalista Ernest Jones e depois
adotado por Sigmund Freud e desenvolvido por Anna Freud (RUCK, 2016) . Ruck sugere a
alteração do termo para razoabilização, pois é mais adequada, já que o processo
é tornar aceitável e razoável as ações, motivações, sentimentos e emoções dos
indivíduos.
Assim, a análise dos movimentos sociais ganha maior
complexidade, pois não se trata apenas entender os discursos, justificativas e
declarações dos agentes dos movimentos sociais e sim observar quais são suas
necessidades, interesses, valores e o processo de justificativa e razoabilização
por detrás deles. Isso, sem dúvida, aponta para retomar tanto as discussões
sobre a manifestação do “irracional” quanto as concepções das “escolhas
racionais”, pois, no fundo, na dinâmica dos movimentos sociais, tanto elementos
inconscientes, sentimentais ou “não-racionais”, quanto elementos considerados
“racionais”, tal como projetos políticos, ideologias, cálculo mercantil e
valores culturais, estão presentes.
A razoabilização ocorre, muitas vezes, para os indivíduos
justificarem a preponderância dos seus interesses pessoais imediatistas no
interior do movimento social. Assim, se uma pessoa do movimento feminino tem o
interesse pessoal em um cargo no aparato estatal, pode fazer tal interesse se
metamorfosear em interesse grupal, gerando o discurso da necessidade de
“igualdade entre os sexos”. Aqui trata-se de uma suposta “igualdade” dentro do
capitalismo e abstraindo o conjunto das relações sociais, que expressa
interesses pessoais imediatistas e que é a de vários indivíduos deste grupo
social gerando um interesse grupal imediatista. Caso ele se torne hegemônico no
movimento social, o interesse fundamental do grupo social é relegado a segundo
plano ou abandonado. Assim, o objetivo deste movimento social passa a ser o
interesse grupal imediato.
Uma vez constituído esse objetivo, se estabelece, dentro do
movimento social, um conflito com outros objetivos. Isso pode gerar, para os
defensores dos interesses grupais imediatos, alguns fenômenos culturais:
razoabilização (agora a nível grupal), imaginário conveniente, doutrinas,
ideologias. A razoabilização grupal é geralmente a mesma que é pessoal, só que
agora se expressando como algo grupal, sem base individual. A suposta
“igualdade dos sexos” dentro do capitalismo e nos termos capitalistas
(conquistar espaços competitivos, poder, cargos, etc.) torna-se uma
“necessidade” do grupo social como um todo e os indivíduos do grupo (no caso do
exemplo, as mulheres) devem lutar e concretizar isso. Isso cria um imaginário
(representações cotidianas ilusórias) conveniente e que é usado nos embates com
os demais grupos e no interior do próprio grupo. Esse processo se fortalece com
a criação de doutrinas e ideologias que apontam para isso de forma mais
organizada ou sistematizada. Assim, vão surgir as intelectuais produtoras[6] de
tais doutrinas e ideologias e as reprodutoras e divulgadoras, gerando adesão
interna no movimento social.
O exemplo não deve provocar a falsa impressão de que isso
ocorre apenas no movimento feminino. É algo generalizado e que ocorre em todos
os movimentos sociais. O vínculo entre causa (objetivo) dos movimentos sociais
e interesses grupais imediatos e os interesses pessoais igualmente imediatos é
generalizado e ocorre também no caso de todos os movimentos sociais. O exemplo poderia
ser o movimento pacifista ou o movimento negro, ou qualquer outro (ecológico,
estudantil, habitacional, etc.). Isso, aliás, ocorre em toda a sociedade e no
caso das classes sociais e nos movimentos políticos (a cooptação e corrupção no
movimento chamado “socialista” é clássico a este respeito), bem como nos
movimentos de classes sociais, como o operário e camponês.
A raiz desse processo se encontra na competição social e na
produção capitalista de desejos, que reforçam o imediatismo e enfraquece a luta
pela transformação social. O foco, nesse contexto, é a transformação
situacional, que gera uma competição social e a busca de vantagens
competitivas, um forte elemento de reforço do microrreformismo, no caso do
capitalismo contemporâneo.
A proeminência desse processo de razoabilização e prioridade
aos interesses grupais imediatistas é mais forte nos setores mais próximos da
burocratização e mercantilização e dos indivíduos pertencentes às classes
privilegiadas. É hegemônico em organizações e coletivos mais próximos ou
ligados a governos, poder, partidos políticos. Isso é reforçado pela força da
hegemonia e das organizações burocráticas, que muitas vezes se confundem ou são
confundidos com os movimentos sociais[7].
O duplo interesse pessoal desemboca, na sociedade
capitalista, na proeminência dos interesses pessoais imediatistas e estes realizam
um impacto nos movimentos sociais reforçando a hegemonia dos interesses grupais
imediatos. Isso tem efeito sobre os objetivos dos movimentos sociais, em sua
substituição e a diferença entre discurso e realidade. Voltaremos a isso
adiante, pois é preciso realizar mais um esclarecimento antes de continuar.
O duplo interesse dos grupos sociais se relaciona com outros
interesses. Esses outros interesses são os específicos e os gerais (que, em
certos casos, são universais). Os interesses específicos são os que oferecem a
especificidade de um movimento social, explicitando sua relação com a
totalidade da sociedade e suas necessidades específicas. Eles constituem as
demandas e reivindicações específicas do grupo social de base do movimento
social em questão. Os interesses específicos são geralmente interesses
imediatos e os interesses gerais podem ser fundamentais ou conjunturais. Quando
se cai no especifismo e imediatismo, ou seja, quando se abandona os interesses
fundamentais, os interesses gerais se reduzem a questões conjunturais em sua
relação como os interesses específicos e imediatos. Esse é o caso, por exemplo,
de setores do movimento estudantil que considera que o apoio eleitoral aos
candidatos progressistas é importante para que suas reinvindicações em matéria
de política educacional sejam atendidas.
Isso é diferente quando não se abandona os interesses
fundamentais, pois estes são universais. Isso pode ser compreendido aos
percebermos que a emancipação de determinados grupos sociais (mulheres, negros,
etc.) ou de realização de uma causa (ecológica, paz, etc.) só pode ocorrer com
a transformação social (no sentido positivo, ou seja, constituindo uma
sociedade humanizada). Por isso, os interesses fundamentais são universais, não
só por pressupor a libertação de todos os outros grupos e realização de todas
as causas justas, mas, principalmente, por que sua concretização no capitalismo
é impossível. Isso significa que os interesses fundamentais de um grupo social expressam
não somente a resolução dos seus problemas específicos, mas dos problemas
sociais em geral, sendo universais[8].
Por outro lado, os interesses grupais imediatos são,
simultaneamente, específicos. Os interesses imediatos, desde a mera
sobrevivência até as melhores condições de vida possíveis ou situação do grupo
na sociedade, são interesses específicos, pois apontam para transformação
situacional e não social. Desta forma, podemos sintetizar que os interesses
imediatos são equivalentes a interesses específicos e se voltam para
transformação situacional e os interesses fundamentais são equivalentes aos
interesses universais que se voltam para a transformação social.
Os interesses grupais imediatos e específicos podem gerar
oportunismo, reformismo, microrreformismo, competição social, etc. Daí a
crítica que se faz ao “especifismo” (TARDIEU, 2014) . O grande problema é
o isolamento dos interesses específicos e seu desligamento dos interesses
fundamentais e universais. Esse processo significa a limitação das lutas dos
movimentos sociais ao caso da transformação situacional, o que significa o
abandono da transformação social, única possibilidade de concretização dos
interesses fundamentais dos grupos sociais que geram movimentos sociais que não
são conservadores[9].
Na base desse duplo interesse e objetivos dos movimentos
sociais reencontramos uma diferenciação existente na variedade de movimentos
sociais. Os movimentos sociais conservadores possui um interesse específico que
é particularista, expressão das classes privilegiadas, e por isso os seus
interesses fundamentais são a conservação social e assim há uma unidade entre interesses
específicos e imediatos e interesses gerais e fundamentais. A unidade do duplo
interesse dos movimentos sociais conservadores contrasta com a contradição que
ocorre no caso dos movimentos sociais reformistas. No caso destes, os
interesses imediatos e específicos podem ser obstáculos para a concretização
dos interesses fundamentais e universais. No caso dos movimentos sociais
revolucionários, há uma unidade entre os interesses e o foco cai sobre os
interesses fundamentais e universais, sendo que os interesses específicos e
imediatos que são contraditórios com estes são descartados e apenas aqueles que
são coerentes com o objetivo final é que são mantidos como objetivos do
movimento.
Hegemonia e a Luta em Torno dos Objetivos
Desta forma, a questão dos objetivos é algo problemático nos
movimentos sociais reformistas e não nos movimentos sociais conservadores e
revolucionários. Como os movimentos sociais reformistas são predominantemente
policlassistas, isto é compreensível. É nesse caso que a questão do duplo
interesse acaba gerando problemas e contradições. A partir da base
policlassista e das lutas de classes na sociedade civil, que se manifesta
também como luta cultural, há um processo de disputa em torno de quais são os
objetivos dos movimentos sociais.
A luta em torno dos objetivos apontam para três posições que
revelam uma disputa entre as três tendências dos movimentos sociais
progressistas. A tendência conservadora tende a priorizar os interesses
específicos e imediatos ou se limitar a ele, gerando uma autoctonia e aloctonia[10]. Este
é o caso de setores do movimento negro que focalizam apenas o que denominam
“dominação branca” e conflito racial. A tendência reformista mantém a tendência
de priorizar os interesses específicos e imediatos, mesmo considerando, discursivamente
ou efetivamente, os interesses gerais. No caso do movimento negro, é composto
pelos setores que defendem reformas e para isso apoiam partidos e governos. A
tendência revolucionária tende a priorizar os interesses fundamentais e
universais, mas um forte setor acaba priorizando, por causa do ativismo ou das
influências das ideologias hegemônicas, os interesses específicos e imediatos.
Aqui o exemplo são os setores que vinculam racismo e capitalismo, apontando
este último com a causa e, por conseguinte, o alvo principal.
É nesse contexto que há uma luta cultural pela hegemonia no
interior dos movimentos sociais reformistas. Nesta luta podemos distinguir as
três tendências acima delimitadas e ainda alguns setores (subdivisões no
interior dessas tendências, embora muitas vezes sem vínculos com elas). Um
setor é composto por aqueles que defendem os interesses grupais imediatos e
específicos apenas como meio para satisfazer interesses pessoais, que é o que
pode ser chamado de oportunista. Um outro setor é composto por aqueles que se
limitam aos interesses específicos e imediatos, que pode ser chamado
especifista. Ainda haveria um setor generalista, aparentemente revolucionário
por priorizar os interesses gerais, mas no fundo é reformista e submete os
interesses específicos e imediatos aos interesses de organizações burocráticas
e governos. O outro setor, expressão da tendência revolucionária, é o
universalista, pois prioriza os interesses fundamentais e universais. Há também
um setor versatilista, que muda de posição ou que tenta, em determinados
momentos, unir as distintas posições e tende a ser bastante volúvel, mudando de
acordo com a conjuntura, hegemonia, etc. É nesse setor que se agrupa, também,
os menos politizados e os que menos entendem as disputas, tendências,
concepções, no interior do movimento. Assim, todos esses setores entram em
confronto pela hegemonia e definição dos objetivos dos movimentos sociais.
Aqui entramos para a questão da identificação de quais são
os objetivos dos movimentos sociais. No fundo, no interior dos movimentos
sociais reformistas existem diversos setores e cada um segue a luta pelos
objetivos que estabelece. É por isso que podemos analisar a partir da percepção
do movimento social como um todo, ou seja, o que é hegemônico no movimento, ou
avaliar as suas tendências, setores, organizações, etc., ou seja, suas
ramificações. Voltaremos a isso quando formos tratar da questão da
identificação de objetivos. É por isso que durante o capitalismo oligopolista
transnacional, comandado pelo regime de acumulação conjugado, o objetivo
predominante era o generalista e no capitalismo neoliberal, submetido ao regime
de acumulação integral, o objetivo predominante é o especifista. A época das
políticas estruturais de assistência social e do Estado integracionista era
compatível com objetivos generalistas, enquanto que a época de políticas
paliativas e segmentares do Estado neoliberal, é compatível com o especifismo.
A definição de quais são os objetivos predominantes num
movimento social depende da hegemonia no seu interior essa possui múltiplas
determinações, embora a hegemonia burguesa reine absoluta. A hegemonia
burguesa, no entanto, muda de forma com o desenvolvimento do processo histórico
para se adequar às necessidades da classe dominante no interior de um
determinado regime de acumulação. Nesse sentido podemos dizer que o objetivo
hegemônico num determinado movimento social é o compatível com a hegemonia
burguesa na sociedade em determinado momento. Isso também significa dizer que
em momentos de crise de hegemonia, ele se enfraquece e abre espaço para os
demais objetivos disputarem o posto hegemônico, o que envolve tendências e
setores envolvidos na dinâmica da luta de classes. Isso, por conseguinte, faz
com que o objetivo hegemônico no movimento social também tenda a ser hegemônico
na maioria das organizações mobilizadoras, bem como nas demais ramificações do
mesmo.
A identificação do objetivo hegemônico nos movimentos
sociais em sua totalidade remete, portanto, para a análise da sociedade como um
todo e especialmente para o regime de acumulação e a hegemonia burguesa no
momento analisado. Esse processo se mistura com as questões mais específicas
dos movimentos sociais, suas disputas internas, a ação das organizações
burocráticas (partidos, igrejas, sindicatos, universidades, etc.), que formam
um todo complexo, mas que predomina o que é mais correspondente à hegemonia
burguesa.
A hegemonia nas ramificações, por sua vez, é variada, pois,
além das tendências e suas subdivisões, são diversas as organizações mobilizadoras
e setores no interior de cada um dos movimentos sociais. Para realizar a
identificação do objetivo de uma organização mobilizadora ou outra ramificação
de um movimento social a formulação de Etzioni é a mais adequada (ETZIONI,
1976) .
A distinção entre objetivos reais e objetivos declarados é importante para
descobrir a diferença entre os objetivos que estão nos discursos e os que são
efetivos e alertar para uma possível dicotomia entre ambos. Se uma organização
mobilizadora diz que seu objetivo é defender o meio ambiente e buscar garantir
sua preservação, então descobrimos o seu objetivo declarado. No entanto, é
preciso saber se tal objetivo é real, ou seja, é o objetivo verdadeiro e
efetivo de tal organização. Etzioni indica a análise dos gastos e dispêndio de
recursos e energia da organização, pois se ela gasta mais com suas próprias
despesas (salários, estrutura, etc.) do que com a mobilização para defesa do
ambiente, então revela-se uma dicotomia entre objetivo real e declarado. Se os
gastos são inferiores e as energias e recursos são voltados para a preservação
ambiental, então há unidade entre objetivos reais e declarados. Obviamente que
é preciso levar em consideração outras determinações, mas a partir desse
processo comparativo já se tem um forte indício para entender se há unidade ou
dicotomia entre discurso e ação efetiva.
Um outro elemento importante na identificação dos objetivos
é analisar o desenvolvimento histórico da movimento social e suas ramificações.
No caso das ramificações, o desenvolvimento histórico geral e a hegemonia no
movimento social é fundamental para entender qual objetivo predomina no seu
interior. Uma organização mobilizadora tende a reproduzir o objetivo hegemônico
do movimento social. Contudo, essa tendência não anula o fato de que as
ramificações ligadas às tendências não hegemônicas, bem como diversos setores e
organizações mobilizadoras podem desenvolver outros objetivos como hegemônicos
no seu interior. E isso não é estático, pois uma organização mobilizadora pode
surgir com um objetivo e depois alterá-lo e isso pode ocorrer devido mudança de
hegemonia na sociedade civil, alteração dos integrantes da organização,
desestabilização do regime de acumulação, burocratização e mercantilização da
organização, etc.
Etzioni é, novamente, importante para explicar esse
processo, que ele denomina “substituição de objetivos” (ETZIONI,
1976) .
A substituição de objetivos mais comum é a entre meios e fins. Uma organização
mobilizadora é apenas um meio para se atingir o fim, que é o objetivo do
movimento social do qual se faz parte. No entanto, com o processo de
burocratização, a organização se torna seu próprio fim. Esse processo acaba
gerando um duplo objetivo na organização, a autossustentação organizacional e a
causa social que era a sua única razão de ser. Quando a autossustentação se
torna hegemônica, a organização mobilizadora já se transformou em organização
burocrática que não é mais mobilizadora, já que a mobilização torna-se apenas
um objetivo secundário e legitimador de sua existência. Há uma outra forma de
substituição de objetivos além da autossustentação se tornar o objetivo
hegemônico. É o caso quando o objetivo que é a causa do movimento social é substituído
por outros objetivos, como, por exemplo, a vitória eleitoral de um determinado
partido, o que consiste numa substituição de objetivos via aparelhamento (VIANA, 2016a) .
Uma outra forma de identificar os objetivos de um movimento
social é através de suas reivindicações. As reivindicações são a forma concreta
na qual os objetivos dos movimentos sociais são explicitados. Os objetivos
declarados em manifestos, documentos, etc., não são nada e estão em oposição
aos objetivos reais se não estiverem presentes nas reivindicações dos
movimentos sociais (o que vale para suas ramificações). A este respeito é
possível analisar a existência de reivindicações que são específicas e
reinvindicações gerais, expressando os interesses específicos e gerais[11].
Essa dualidade reivindicatória é comum nos movimentos sociais, pois existem
interesses imediatos e específicos convivendo com interesses fundamentais e
universais (ou gerais). Essa dualidade reivindicatória está presente inclusive
nos setores especifistas e universalistas, para citar as duas concepções
antagônicas.
Os setores especifistas precisam para se legitimar e
justificar diante do grupo social de base do movimento social que fazem parte
criar um reducionismo para que os interesses fundamentais aparentemente possam
ser solucionados na realização dos interesses específicos. Se para um setor do
movimento feminino o extermínio dos homens resolve o problema, então isso é
algo específico e que é também “fundamental” e realização da razão de ser do
movimento social. Se outro setor afirma que o problema é cultural, então uma
reforma cultural resolve o problema. O específico, nesse caso, acaba aparecendo
discursivamente (e muitas vezes ideologicamente, ou seja, justificada e
legitimada por ideologias, pensamento sistematizado) como sendo geral e a
solução do problema.
Os setores universalistas, por sua vez, apontam para a
transformação da totalidade das relações sociais como solução para o problema e
o objetivo do movimento social. No entanto, os interesses específicos e
imediatos se tornam presentes por vários motivos. Um deles é o seu caráter
mobilizador. A proposta de solução definitiva e total da questão da mulher, por
exemplo, é considerado belo e desejável, mas a maioria das mulheres (assim como
integrantes de outros movimentos sociais) não querem esperar a realização da
utopia para ver algo concretizado e por isso algumas reivindicações imediatas,
mesmo que sejam meros paliativos e nada resolvam, são incluídos nas
reivindicações, desde que não entrem em contradição com os interesses
fundamentais e universais (em casos concretos, às vezes ocorre tal contradição,
especialmente nos setores com menor formação política, por não enxergarem as
contradições e que certas reivindicações são mais obstáculos do que solução).
Outro motivo é que para a efetivação da luta (incluindo a cultural) e sua
sedimentação, é necessário constituir espaços de contrapoder, corroer a
hegemonia no movimento e sociedade, etc., que estão ligadas a reivindicações
específicas. Alguns exemplos podem ajudar a entender isso: um setor do
movimento social pode necessitar local de reunião para se organizar ou então
estudantes das classes desprivilegiadas necessitam de restaurantes
universitários para poderem sobreviver e continuarem na luta.
Essa dualidade reivindicatória aparece também nos outros
setores, sob formas distintas. Para os setores generalistas aparelhados por
partidos políticos, por exemplo, as reivindicações específicas são formas de
conseguirem espaço e legitimidade para apontar para as reivindicações gerais,
interpretadas e avaliadas especialmente em termos de governo e eleições (e, no
caso dos reformistas extremistas, tomada do poder estatal). Para os setores
versatilistas, onde na maioria dos casos reina a confusão, todas as
reinvindicações são aceitáveis, mas como existem divisões internas, alguns são
mais pragmatistas e só pensam nas reivindicações imediatas.
A dualidade reivindicatória pode, portanto, aparecer sob
forma mais ou menos equilibrada, como também pode aparecer através da ênfase
nas reivindicações específicas (ligadas aos interesses imediatos e específicos)
ou nas reivindicações gerais (ligadas aos interesses gerais ou universais/fundamentais).
Essas reivindicações aparecem nos discursos, falas, panfletos, documentos,
manifestações, cartazes, campanhas, etc. Através da análise desses materiais é
possível entender como se manifesta a dualidade reivindicatória e a partir
disso descobrir qual é o objetivo de determinada ramificação ou o objetivo
hegemônico num determinado movimento social.
Nesse sentido, as reivindicações dos movimentos sociais ou
de suas ramificações são reveladoras dos reais objetivos dos mesmos. É nesse
contexto que a análise da dualidade reivindicatória ajuda a compreender o
objetivo real e o objetivo declarado dos movimentos sociais e suas
ramificações.
Considerações Finais
A análise dos movimentos sociais é algo bastante complexo e
que envolve múltiplas determinações e relações, bem como remete para uma enorme
diversidade de questões. Um dos elementos mais importantes na análise dos
movimentos sociais é o seu objetivo. Esse foi o nosso foco aqui.
A compreensão dos objetivos nos movimentos sociais é
fundamental para uma um entendimento mais adequado dos mesmos. Apesar disso,
como colocamos anteriormente, há poucos estudos que aprofundam o processo
analítico a este respeito. O nosso percurso, após realizar essa problematização
e trazer uma definição de objetivos, apontou para a análise do processo de
constituição dos objetivos e diversas questões correlacionadas, como a
identificação dos objetivos, o seu processo de substituição e os diferentes
objetivos gerados pelos movimentos sociais ou suas ramificações.
Nesse contexto, a conclusão geral é a de que os objetivos
dos movimentos sociais são expressões dos interesses dos seus grupos sociais de
base e estão ligados ao contexto social e histórico mais amplo, o que remete
para a questão da hegemonia e regime de acumulação num determinado momento
histórico. Da mesma forma, outra conclusão é que a compreensão dos objetivos
estabelecidos nas ramificações dos movimentos sociais depende da análise
concreta dos mesmos. Assim, é perceptível que análises sobre casos concretos
podem ajudar a fazer avançar a discussão sobre a questão dos objetivos dos
movimentos sociais, No entanto, reflexão teórica inicial é fundamental,
inclusive para que isso seja tematizado em pesquisas futuras e para que essa
questão fundamental não fique ausente nas análises dos movimentos sociais.
Referências
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ETZIONI, A., 1976. As Organizações Modernas. 5ª
edição ed. São Paulo: Pioneira.
GOHN, M. d. G., 1996. Teorias dos Movimentos
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MARX, K. e ENGELS, F., 1982. A Ideologia Alemã
(Feuerbach). São Paulo: Ciências Humanas.
MEDEIROS, R., 2016. Práxis Política e Movimentos
Sociais. In: VIANA, Nildo (org.). Movimentos Sociais: Questões Conceituais
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SÁNCHEZ, J. M. A., 2000. El Movimiento Estudiantil y
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TARDIEU, S., 2014. Crítica ao Especifismo. Marxismo
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TOURAINE, A., 1997. Os Movimentos Sociais. In:: J.
d. S. e. F. M. MARTINS, ed. Sociologia e Sociedade. Rio de Janeiro:
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VIANA, N., 2007. Os Valores na Sociedade Moderna.
Brasília: Thesaurus.
VIANA, N., 2016a. Os Movimentos Sociais. Curitiba:
Prismas.
VIANA, N., 2016b. A Mercantilização das Relações
Sociais. Rio de Janeiro: AR editora.
Resumo: A análise dos movimentos sociais é algo
complexo e que envolve enorme diversidade de questões. Um dos elementos mais
importantes na análise dos movimentos sociais é o seu objetivo. A compreensão
dos objetivos nos movimentos sociais é fundamental para uma um entendimento
mais adequado dos mesmos. O nosso percurso consistiu em problematizar a questão
dos objetivos e trazer uma definição dos mesmos e analisar o processo de
constituição dos objetivos e as questões relacionadas, tais como a
identificação dos objetivos, o seu processo de substituição e os diferentes
objetivos gerados pelos movimentos sociais ou suas ramificações. A conclusão
geral é a de que os objetivos dos movimentos sociais estão ligados ao contexto
social e histórico mais amplo, o que remete para a questão da hegemonia e
regime de acumulação num determinado momento histórico e aos os interesses dos
grupos sociais de base. Outra conclusão é que a compreensão dos objetivos
estabelecidos nas ramificações dos movimentos sociais depende da análise
concreta dos mesmos e de suas manifestações mais concretas, tal como a
dualidade reivindicatória.
Palavras-Chave: Movimentos Sociais, Grupos Sociais,
Ramificações, Objetivos, Interesses.
Abstract: The analysis of social movements is complex
and involves enormous diversity issues. One of the most important elements in
the analysis of social movements is their goal. Understanding the goals in
social movements is key to a better understanding of them. Our route was to
discuss the issue of goals and bring a definition of them and analyze the
process of constitution of the goals and related issues such as the
identification of goals, the process of substitution and different goals
generated by social movements or its ramifications. The general conclusion is
that the goals of social movements are linked to the social context and broader
historical, which refers to the question of hegemony and accumulation regime in
a given historical moment and the interests of social groups base. Another
conclusion is that the understanding of the objectives established in the
branches of social movements depends on the concrete analysis of the data and
its more concrete manifestations, such as vindicatory duality.
Keywords: Social Movements, Social Groups,
Ramifications, Goals, Interests.
[1]
Marx distingue entre “ideólogos ativos” e “ideólogos passivos” (MARX e ENGELS, 1982). Os primeiros são
produtores de ideologias, os demais são reprodutores. Isso cria uma divisão do
trabalho no interior da intelectualidade.
[2]
Direita e esquerda se tornaram termos abstratos que não significam mais nada,
não só pela deformação que vem sofrendo por parte dos setores mais
conservadores e das organizações burocráticas que se dizem de esquerda, mas por
sua imprecisão que gera a possibilidade de permitir a deformação. Direita e
esquerda podem ser consideradas duas posições no interior do capitalismo (e em
casos mais restritos, dentro da democracia representativa). Nesse sentido, a
direita é expressão do bloco dominante, conservador, e a esquerda é expressão
do bloco progressista, reformista ou microrreformista, ou, ainda, meramente
“democrático”.
[3]
Sem dúvida, há uma diferença entre o faminto e os demais exemplos, pois ele
luta por sua sobrevivência e pela satisfação de uma necessidade básica e
ineludível, além de não ter opções como os demais.
[4] É
preciso esclarecer, também, que todos os indivíduos no capitalismo estão
submetidos ao cálculo mercantil. A percepção disso e de suas consequências
também precisam ser levadas em conta. O cálculo mercantil constrange os
indivíduos a buscarem a satisfação de suas necessidades e/ou desejos levando em
conta que tudo é mercantilizado no capitalismo e gera a necessidade de dinheiro
e os custos de sua realização (VIANA, 2016b) .
[5] Os
seres humanos, após conseguirem garantir a satisfação de suas necessidades
corporais (básicas) passam a priorizar as necessidades psíquicas ou os desejos
inautênticos gerados pela sociedade capitalista. A primeira opção é
obstaculizada por essa sociedade que degrada o trabalho (transformando-o em
alienado) e as relações sociais (através da competição e outros processos
sociais, incluindo a luta de classes, gerando uma desumanização) e se realiza
marginalmente, seja na criatividade e liberdade existente na própria luta
política (fora das organizações burocráticas, que reproduzem a sociabilidade
capitalista), seja nas iniciativas individuais em determinados contextos que
permitem isso. A segunda opção gera a evasão, no qual os indivíduos se envolvem
com os desejos inautênticos e muitas vezes realiza sua valoração, tal como
televisão, jogos, internet, bebidas, esportes, profissão, etc. A primeira opção
é mais satisfatória, mas é limitada e geram conflitos e outros problemas e a
segunda opção é mais fácil, mas insatisfatória, o que gera o vazio e a perda de
sentido. A ida ao shopping center fazer compras ou passar horas jogando algo é
mera evasão que podem trazer um prazer momentâneo que logo é substituído pela
depressão, insatisfação, etc.
[6]
Geralmente são as mulheres da classe intelectual as responsáveis pela
organização ou sistematização dessas ideias, embora alguns homens reproduzam
isso, seja por interesses escusos ou por boa fé. As demais mulheres apenas
adotam ou reproduzem tais concepções, umas por se adequar aos interesses
pessoais, outras por causa da força da pressão do movimento social e hegemonia
em certos setores da sociedade. Sem dúvida, esse processo de produção e
reprodução ou adesão é mais comum nas mulheres das classes privilegiadas, mais
envolvidas na competição social e por isso mais atentas para esse tipo de
reivindicação.
[7]
Sobre o processo de burocratização e mercantilização, bem como sobre a
fronteira entre organizações mobilizadoras e movimentos sociais e organizações
burocráticas, pode ser vista em Viana (2016a).
[8]
Aqui a contribuição de Berger sobre projeto e futuro se torna fundamental. Como
não poderemos discutir as questões apontadas por Berger (2015)
aqui, tal como a questão do passadismo, presentismo, futurismo no âmbito dos
objetivos dos movimentos sociais. o que é retomado por Medeiros (2016) .
[9] Os
movimentos sociais conservadores (e suas ramificações) não podem ultrapassar o
nível da transformação situacional, pois não é desejo dos grupos sociais de
base dos mesmos em realizar transformação social, já que sua dinâmica não é
direcionada pela luta pela transformação social e sim pela luta pela
conservação social.
[10]
Autoctonia é a predisposição mental de considerar o grupo ao qual se pertence é
superior, gerando um senso de pertencimento maniqueísta, pois gera a aloctonia,
que é a predisposição mental que considera os demais grupos ou o grupo oposto
como inferior (VIANA, 2016a) . A superioridade e inferioridade aqui
pode ser entendida sob diversas formas, tais como genética, cultural, política,
moral, histórica, etc.
[11]
Sánchez buscou explicitar isso no que se refere ao movimento estudantil: “as
petições do movimento estudantil se caracterizam por incluir dois tipos de
reivindicações: as de caráter gremial, relativas a sua situação de estudantes,
tal como a gratuidade da educação, os sistemas de ensino, restaurantes
estudantis e outros; e aqueles que caráter político, tal como o debate sobre a
situação da universidade, ou as possibilidades de participação na condução
geral da sociedade, a política universitária e a geral” (SÁNCHEZ, 2000, p. 246) .
-------------------------------------------
Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Os Objetivos dos Movimentos Sociais. Revista Movimentos Sociais. Ano 01, num. 01, 2016. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rms/article/view/453/pdf_2
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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Os Objetivos dos Movimentos Sociais. Revista Movimentos Sociais. Ano 01, num. 01, 2016. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rms/article/view/453/pdf_2
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