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segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Os Movimentos Sociais Populares


Os Movimentos Sociais Populares

Nildo Viana

O termo “movimentos sociais” é utilizado frequentemente para abordar distintos fenômenos. Entre os autores e pesquisadores que abordam esse tema, não há consenso conceitual. Os meios de comunicação, por sua vez, denominam como movimentos sociais os mais variados fenômenos, desde manifestações até sindicatos. O nosso tema aqui será os movimentos sociais populares, ou seja, um setor dos movimentos sociais e não ele em sua totalidade. Por isso o esclarecimento conceitual se faz necessário. O nosso objetivo é, além do esclarecimento conceitual e explicitação do que compreendemos por movimentos sociais populares, analisar a composição e dinâmica desses movimentos.

O Conceito de Movimentos Populares

Por questão de espaço, seremos breves nesse esclarecimento conceitual. Os movimentos sociais são mobilizações de grupos sociais e não de classes sociais, apesar da relação existente, tal como apresentaremos adiante. Um movimento social é um movimento de um grupo social (JENSEN, 2016). Os movimentos sociais possuem como base um grupo social que compartilha uma determinada situação social que gera insatisfação e, derivado disso, um senso de pertencimento ao mesmo e determinados objetivos, que constituem reivindicações, projetos, etc. (VIANA, 2016a). Esse conceito se distingue de diversos outros, que não poderemos analisar e mostrar tanto as diferenças como a razão para a divergência[1], mas é suficiente explicitá-lo para podermos definir o conceito de movimentos sociais populares.

O termo movimentos sociais populares (ou simplesmente movimentos populares) é utilizado com frequência, mas sem maior esclarecimento conceitual. Há casos em que eles são confundidos com os movimentos sociais urbanos (VIANA, 2015a). Um dos poucos autores que buscaram definir movimentos populares foi Camacho (1987). Este autor busca diferenciar movimentos sociais e movimentos populares, mas, no fundo, acaba colocando os movimentos populares como uma manifestação dos movimentos sociais, o que é contraditório. Segundo Camacho (1987, p. 218), “os movimentos sociais têm duas grandes manifestações: por um lado, aqueles que expressam os interesses dos grupos hegemônicos, e, por outro lado, os que expressam os interesses dos grupos populares. Os movimentos sociais do segundo tipo são os que conhecemos como movimentos populares”. Excetuando a confusão conceitual, essa concepção é próxima a que defendemos e esclareceremos a seguir.

Os movimentos populares são movimentos sociais, mas a recíproca não é verdadeira. Os movimentos sociais incluem os movimentos populares, mas também incluem diversos outros que não é possível incluir nesse conjunto. Os movimentos populares são mobilizações de grupos sociais como os demais movimentos sociais. A diferença está na sua composição social, o que gera diferenças nos objetivos, no tipo de situação e insatisfação relacionadas com sua existência. O elemento-chave para compreender o que diferencia os movimentos populares dos demais movimentos sociais é, portanto, sua composição social.

A composição social dos movimentos populares é marcada pelo predomínio (na maioria dos casos chega a ser exclusivamente) das classes sociais desprivilegiadas nos grupos sociais que realizam a mobilização. As classes desprivilegiadas são as que estão destituídas de qualquer privilégio e geralmente sofrem processos de dominação, exploração, subordinação e marginalização. Esse é o caso do proletariado, campesinato, lumpemproletariado, serviçariado[2]. Os grupos sociais de base desses movimentos sociais possuem outras razões para insatisfação, pois sua situação social é distinta, bem como os objetivos.

Os movimentos sociais em geral são perpassados por inúmeras diferenças, presentes em suas tendências e ramificações (VIANA, 2016a). As tendências, entendidas aqui como orientações políticas, são determinadas pela composição social do grupo social de base e pela hegemonia no seu interior. Podemos dizer que, nesse sentido, existem três variedades de movimentos sociais: conservadores, progressistas (ou reformistas) e revolucionários (VIANA, 2016a). Os movimentos sociais possuem grupos de base que podem ser monoclassistas ou policlassistas, embora o segundo caso seja predominante[3]. Os grupos sociais de base dos movimentos sociais conservadores são geralmente monoclassistas ou policlassistas, mas, nesse caso, envolvendo apenas ou prioritariamente as classes privilegiadas[4]. Os grupos sociais de base dos movimentos sociais progressistas são policlassistas, com uma grande presença da burocracia e da intelectualidade[5]. Os grupos sociais de base dos movimentos sociais revolucionários podem ser monoclassistas ou policlassistas, sendo que no primeiro caso seriam componentes das classes desprivilegiadas e no segundo teria também a presença de jovens de diversas classes, intelectuais, etc.

A composição social é um elemento importante para mostrar as possibilidades e tendências no seu interior. No entanto, o que define qual é sua posição política é a hegemonia no seu interior. Os movimentos sociais conservadores possuem uma hegemonia burguesa no seu interior, bem como no caso da maioria dos movimentos sociais progressistas. Em algumas ramificações destes últimos, há uma hegemonia burocrática ou proletária (revolucionária). No caso dos movimentos sociais revolucionários, que são praticamente inexistentes nos momentos de estabilidade social e política, a hegemonia revolucionária emerge com a radicalização das lutas sociais ou épocas de revolução proletária (VIANA, 2016a)[6].

Os movimentos populares são uma parte dos movimentos sociais progressistas. É a parte que, como já colocamos, os seus grupos de base são compostos pelas classes desprivilegiadas. No entanto, a hegemonia no seu interior pode ser burguesa, burocrática ou proletária. Isso depende de múltiplas determinações. Os grupos sociais de base tendem, por sua situação de classe, a gerar uma hegemonia semiproletária[7] ou, em casos mais raros e momentos de radicalização das lutas de classes, proletária. A hegemonia na sociedade como um todo é burguesa por isso tende a influenciar os movimentos populares no sentido da hegemonia burguesa ou, secundariamente, burocrática. Assim, há uma contradição entre os interesses de classe e tudo que é derivado da situação de classe (desprivilegiada) e a hegemonia na sociedade civil, além do aparato estatal, meios oligopolistas de comunicação, necessidades imediatas, etc. É por isso que há uma forte contradição no interior dos movimentos populares no plano da consciência e da hegemonia. Tal contradição se manifesta sob várias formas, entre os quais através da submissão a valores atrelados ao consumismo convivendo com a incapacidade de consumo, o que provoca uma contradição valorativa ou, então, a percepção do caráter conservador da política institucional ao lado da dificuldade de romper totalmente com ela.

Esses aspectos (grupos sociais de base e consciência contraditória) devem ter motivado a utilização do termo “movimentos sociais populares” ou apenas “movimentos populares”. A base social desses movimentos populares são trabalhadores manuais, moradores de periferia, desempregados, desabrigados, etc. É isso que explica suas reivindicações (educação, saúde, estrutura urbana, moradia, terra, etc.), ou seja, bens materiais e coletivos. Desta forma, podemos definir os movimentos populares como movimentos sociais cuja base social é de grupos compostos majoritariamente ou totalmente pelas classes desprivilegiadas. Entre suas características, podemos destacar a consciência contraditória, uma hegemonia mais frágil no seu interior, reivindicações voltadas para bens materiais e/ou coletivos[8]. A sua dinâmica interna é mais diretamente afetada pela luta de classes, pelo regime de acumulação, pelas políticas estatais. Esses aspectos precisam ser mais desenvolvidos e é o que faremos a partir de agora.

A Dinâmica dos Movimentos Populares

Os movimentos populares realizam suas reivindicações e ações geralmente direcionadas ao aparato estatal e isso muitas vez provoca confronto com ele. Não será possível discutir aqui a relação dos movimentos sociais em geral com o Estado[9] e por isso nos limitaremos ao caso dos movimentos sociais populares. Entre os diversos modos de conexão entre aparato estatal e movimentos sociais, temos aquelas que são mais comuns no caso dos movimentos populares. O modo de conexão estatal com os movimentos sociais, ou seja, quando o aparato estatal toma a iniciativa, é através da cooptação, burocratização, repressão ou omissão (VIANA, 2016a). No caso dos movimentos populares a repressão seletiva é a forma mais comum. Essa ocorre especialmente quando ramificações dos movimentos populares realizam manifestações, ocupações, etc. A repressão é legitimada geralmente por discursos jurídicos, como reintegração de posse, não autorização do governo, supostas agressões a policiais, etc. A cooptação é em grau menor (sendo que sua incidência é maior nos demais movimentos sociais), bem como a burocratização[10]. A omissão geralmente ocorre quando os movimentos sociais não interferem diretamente nos interesses do Estado ou do capital, especialmente atividades culturais.

Por outro lado, os movimentos sociais também tomam iniciativa em relação ao aparato estatal. Os movimentos sociais progressistas assumem, hegemonicamente, uma orientação estatista, tornando o aparato estatal o centro de suas reivindicações ou principal regularizador das mesmas. Algumas de suas ramificações acabam girando ao seu redor e vivendo em função do Estado. No entanto, algumas ramificações dos movimentos sociais (setores, tendências, organizações) apresentam uma orientação civilista, ou seja, o seu foco não é o aparato estatal e sim a sociedade civil. Não há, no entanto, homogeneidade na orientação civilista, que pode ser externalista, independente ou antiestatista[11].

A orientação civilista é defendida por setores e tendências dos movimentos sociais que não se vinculam ao aparato estatal, sendo que alguns são antiestatistas. A orientação civilista pode assumir três formas distintas: a externalista, a independente e a antiestatista. A propensão externalista é marcada por caracterizar um certo distanciamento em relação ao aparato estatal, ficando nas margens e sem grandes contatos. A propensão independente é aquela cujo contato e acesso ao estado não cria vínculos e a ramificação do movimento social se mantém numa posição independente. A propensão antiestatista é defendida por certas tendências revolucionárias, que pregam a abolição do aparato estatal.

A composição social dos movimentos populares gera uma diferenciação com os demais movimentos sociais progressistas, gerando não somente reivindicações distintas, mas também um modo de conexão diferenciado com o Estado. Os movimentos populares tendem a ter uma orientação externalista. Isso decorre, principalmente, da base social de tais movimentos, pois estão concretamente mais distantes do aparato estatal[12]. Os usuários do transporte coletivo, por exemplo, possuem dificuldades de acesso ao aparato estatal. No entanto, os movimentos populares não são homogêneos. São compostos por distintos movimentos sociais. As classes desprivilegiadas que estão em sua base possuem demandas e prioridades diferentes, pois, além da diferença de classes, elas dependem de suas condições de vida, que inclui local de moradia, renda, cultura, etc. Isso ocorre no interior de uma mesma classe social, como no caso do proletariado, pois alguns setores deste moram em regiões urbanizadas e sem problemas mais graves no que se refere à moradia, enquanto que indivíduos de outros setores podem viver em lugares perigosos e condições precárias. As reivindicações envolvem questões de educação, saúde, segurança, moradia, etc. Um setor dos movimentos populares, os movimentos sociais urbanos, atuam sobre questões urbanas como moradia, transporte, estrutura urbana, etc. Os movimentos sociais rurais atuam principalmente sobre questões ambientais ou contra políticas estatais ou desenvolvimento capitalista que atinge setores da população rural.

Existe também outro tipo de reivindicação que entra em oposição direta ao aparato estatal ou contra setores do capital ou das classes privilegiadas. Se uma ocupação urbana significa confronto com os proprietários, o mediador é o aparato estatal. Existem casos em que a mobilização é contra ações estatais ou capitalistas. É quando algum projeto urbanístico ou mesmo alteração no espaço urbano, seja realizado pelo Estado ou pela iniciativa privada, atinge setores da população (BORJA, 1975). Esse processo ocorre não apenas no caso dos movimentos sociais urbanos, mas também no caso dos movimentos sociais rurais. As mobilizações contra as barragens demonstram isso (GRZYBOWSKI, 1990). Assim, dependendo do caso, o aparato estatal é o alvo direto ou indireto da mobilização dos movimentos populares. Quando se trata de luta por bens coletivos, o aparato estatal é o alvo direto e quando se trata de luta por bens materiais, ele é o alvo indireto, aquele que deveria ser o “mediador” da contenda, o que ele faz, mas sempre a serviço do capital.

A dinâmica dos movimentos populares depende do desenvolvimento capitalista, expresso através da sucessão de regimes de acumulação[13], ou seja, das lutas de classes ordinárias, bem como das extraordinárias, que é momento de ascensão da luta operária. Esse processo envolve a questão da hegemonia burguesa e como ela é renovada e alterada de acordo com a luta de classes. A dinâmica dos movimentos populares, que envolve sua relação com o aparato estatal, hegemonia, grau de radicalização, etc., depende da dinâmica geral da luta de classes, especialmente do regime de acumulação. Outro elemento a se destacar aqui é o ciclo dos regimes de acumulação, que geram momentos de ascensão, estabilidade e crise (VIANA, 2015c), o que atinge diretamente os movimentos sociais, especialmente os movimentos populares.

Assim, a relação entre aparato estatal e movimentos populares é marcada pelo conflito, mais ou menos intenso, mesmo em períodos de relativa estabilidade[14]. Contudo, em momentos de ofensiva capitalista (formação de um novo regime de acumulação, quando este exige aumento da exploração) ou de desestabilização e crise do regime de acumulação (que pode passar por diversas fases e avanços e recuos) a tendência é de acirramento dos conflitos. O aparato estatal depende da renda estatal para atender as reivindicações dos movimentos populares, bem como enfrenta a oposição no interior do bloco dominante[15]. A exigência de bens coletivos (serviços, educação, saúde, etc.) pode atingir apenas o aparato estatal, mas o seu atendimento depende da renda estatal.

Em termos técnicos, a renda estatal é repassada para pagar suas diversas despesas e o aparato estatal usa o cálculo mercantil para buscar o equilíbrio orçamentário entre renda estatal e despesas estatais, bem como evitar a dívida pública (VIANA, 2016b). O aparato estatal, especialmente a burocracia governamental, define qual sua prioridade e determina, de acordo com uma determinada correlação de forças no bloco dominante e a dinâmica da acumulação capitalista, a modalidade da política estatal de assistência social adequada ao momento. Em épocas de ascensão da acumulação capitalista (que corresponde ao período de consolidação e estabilidade de um regime de acumulação), a arrecadação de impostos é maior e as demandas sociais menores (os níveis de emprego e renda aumentam, o que, por sua vez, gera menos demandas para o aparato estatal) e isso atinge a oferta de bens coletivos no sentido positivo. Nesse momento, o conflito é menor, mas não deixa de existir, pois depende de múltiplas determinações, entre as quais as condições do país em questão, a situação anterior de infraestrutura urbana, a modalidade de política estatal adotada no regime de acumulação, etc.

Há uma tendência geral determinada pela modalidade de política estatal adotada em determinado regime de acumulação (liberal, integracionista ou do “bem estar social”, neoliberal, etc.) e sua concretização depende de outras determinações, com especial destaque para a correlação de forças na sociedade e no bloco dominante. O aparato estatal, para atender a demanda por bens coletivos (tanto sua existência ou oferecimento pelo Estado ou sua quantidade e qualidade), precisa investir parte da renda estatal e isso, mesmo em época de estabilidade e ascensão da acumulação de capital, é palco de lutas e de enorme complexidade (inclusive considerando não apenas o governo federal, mas os locais). O bloco dominante tem um papel fundamental, especialmente sua ala governista, na definição dos gastos estatais. Isso, no entanto, é realizado no interior de uma modalidade de política estatal pré-determinada e coerente com o regime de acumulação, bem como com os interesses da classe capitalista e de suas frações e setores que pressionam em benefício próprio.

Por isso, qualquer tentativa da burocracia governamental em aumentar o montante da renda estatal para atender a demanda de bens coletivos, tende a entrar em confronto com os interesses do capital, que se manifesta via bloco dominante[16]. Isso ocorre em momentos de estabilidade. Esse processo ganha novos contornos em épocas de desestabilização ou crise do regime de acumulação. O descenso relativo da acumulação de capital gera menos recursos para o aparato estatal e mais demandas (e por vários setores, inclusive do capital, visando maior apoio para sua sobrevivência ou manutenção de um certo padrão de acumulação) e isso atinge negativamente a oferta de bens coletivos. Nesse contexto, os movimentos populares tendem a entrar em confronto mais constante e radical com o aparato estatal.

Esse processo também interfere na hegemonia burguesa no conjunto da sociedade civil e também no interior dos movimentos populares. A hegemonia burguesa manifesta uma materialização da mentalidade burguesa[17], mas sob forma específica, visando às necessidades atuais do regime de acumulação e da acumulação de capital e as tarefas políticas para garantir sua realização. É por isso que a cada regime de acumulação ocorre uma renovação hegemônica, uma complexa rede de mudanças, que são paradigmáticas, linguísticas, ideológicas, etc. e esse processo cria as bases para a constituição de uma nova hegemonia que se espalha pela sociedade, através de instituições de ensino, intelectuais, meios oligopolistas de comunicação, o que é reproduzido por diversos outros meios (internet, estudantes, ativistas, etc.) (VIANA, 2015e)[18].

Esse é um processo de inculcação da nova hegemonia que vai se espalhando pela sociedade e, como não poderia deixar de ser, acaba atingindo os movimentos populares. Contudo, nesse campo há uma maior dificuldade nesse processo de inculcação. Essa dificuldade no processo de inculcação ocorre por dois motivos básicos. O primeiro é pelo menor acesso às ideologias e doutrinas por parte dos grupos sociais de base de tais movimentos, devido sua situação de classe, sendo que aparecem sob a forma mais simplificada quando repassada pelos meios de comunicação e escolas em seu grau mais elementar. O segundo é por entrar, muitas vezes, em contradição com as experiências, necessidades e saberes anteriores existentes no interior das classes desprivilegiadas. As condições de vida desfavoráveis dessas classes e a tradição e rigidez de sua forma de pensar, características das representações cotidianas (VIANA, 2008b; VIANA, 2015f), marca a existência de uma maior oposição ao processo de renovação hegemônica. A força da renovação hegemônica é, portanto, menor nas classes desprivilegiadas e quando ela ocorre é através de um amálgama, que expressa uma mistura incoerente de diversos elementos, tanto os que expressam a nova hegemonia, quanto outras ideias e concepções existentes anteriormente. Um senso crítico espontâneo derivado da contradição entre interesses de classes (inclusive os imediatos) e ideias dominantes é um obstáculo para que esse processo de inculcação seja aceito sem contradições.

Por outro lado, essa dificuldade é reforçada, embora em pequeno grau, pela ação do bloco revolucionário. Este atua precariamente no interior da sociedade civil e junto às classes desprivilegiadas, embora não deixe de fazê-lo, inclusive muitas vezes indiretamente, através de ideias, teorias e utopias que reforçam a contradição e recusa das concepções hegemônicas em certos setores dos movimentos populares. Em certos momentos, o vínculo entre bloco revolucionário e classes desprivilegiadas se torna mais forte, especialmente em épocas de ascensão das lutas proletárias, crises, etc.[19]

Essa dinâmica dos movimentos populares é a mais comum nas épocas de estabilidade de um regime de acumulação, ou seja, em períodos de ascensão da acumulação de capital. Em épocas de descenso, a situação se altera. O processo de desestabilização de um regime de acumulação não atinge apenas a classe capitalista, como alguns supõem, mas principalmente as classes desprivilegiadas, a começar pelo proletariado. Isso ocorre pelo motivo de que o descenso relativo da acumulação de capital promove a necessidade de aumento de exploração, ou seja, de extração de mais-valor. Além disso, o aparato estatal deve repassar uma maior fatia da renda estatal para o grande capital e em detrimento do atendimento da necessidade de bens coletivos pelas classes desprivilegiadas. Nesse processo, geralmente ocorrem crises financeiras, crises de legitimidade do aparato estatal, entre outros processos derivados ou simultâneos (aumento do desemprego, inflação, deterioração dos bens coletivos, etc.).

Esse processo gera lutas espontâneas cada vez mais frequentes e intensas, principalmente se ocorrer seu prolongamento e aprofundamento. Os movimentos populares tendem a ter mais adesões, as reivindicações tendem a se fortalecer, as ideias revolucionárias ganham mais espaço, etc. Nesse momento, em que as lutas de classes cotidianas, ordinárias, vão sendo substituídas por lutas extraordinárias, lutas autônomas e em certos casos autogestionárias[20]. O bloco revolucionário se fortalece nesse contexto, as correntes marginais de opinião passam a rivalizar com as correntes vigentes e predominantes, as ramificações revolucionárias dos demais movimentos sociais aumentam sua força e presença, a luta operária avança no sentido de um amplo movimento grevista, formação de conselhos e outras formas de auto-organização. Essa possibilidade histórica já se efetivou em diversos momentos históricos, em diversos países, tal como no caso das revoluções proletárias inacabadas na Rússia (1917), Alemanha (1918-1921), Espanha (1934-1939), etc. Isso também ocorreu em outros lugares e épocas, com menor força e radicalidade, mas que ameaçaram desembocar em processos semelhantes.

No entanto, os movimentos populares, que se distinguem do movimento operário e outros movimentos de classes, são uma forma de luta cotidiana que surge historicamente após a Segunda Guerra Mundial. É no regime de acumulação conjugado que surgem os movimentos populares. Eles incluem os chamados “movimentos sociais urbanos” (LOJKINE, 1981; CASTELLS, 1988; BORJA, 1975; SANTOS, 2008) que vão ganhar destaque nessa época e se manter até a atualidade, ao lado de “movimentos sociais rurais”.

As chamadas lutas urbanas são um dos principais aspectos das lutas populares. Uma de suas principais reivindicações gira em torno da reprodução da força de trabalho (CASTELLS, 1988; CASTELLS, 1989) ou a luta de classes e sua relação com as políticas estatais (LOJKINE, 1981). Na verdade, todos estes processos envolvem a luta de classes, tanto a luta por condições adequadas para reprodução da força de trabalho (transporte, educação, saúde), ou seja, por bens coletivos, quanto à exigência endereçada ao aparato estatal no sentido de sua função de regularizá-las. Os limites acima colocados se reproduzem no caso mais específico dos movimentos sociais urbanos (parte dos movimentos populares).

Os movimentos populares possuem dificuldades de organização, luta, etc., por causa de suas condições precárias de vida, bem como suas condições financeiras, culturais, etc. Isso, no entanto, não impede a existência da luta, que avança e recua, dependendo de outras determinações. Um dos elementos mais interessantes nesse processo é que a forma organizacional dos movimentos populares muitas vezes revela um processo de auto-organização, ou seja, a constituição de organizações autárquicas[21], e de defesa da autonomia, mesmo em períodos de estabilidade.

A auto-organização inclui todas as ações um tanto informais, especialmente as que apresentam reivindicações diretamente ao Estado. Os grupos auto-organizados surgem como reação às medidas estatais que ameaçam a existência da população, ou como resposta à negligência dos deveres estatais em especial no campo da política social ou de planificação da infraestrutura (GROHMANN, 1996, p. 22).

Isso é ainda mais intenso em momentos de avanço das lutas operárias. No caso brasileiro, por exemplo, isso é perceptível no processo de auto-organização que se manifestou através do que alguns denominaram “novos movimentos de bairro”, as comissões de luta por saúde, bem como outras iniciativas e lutas, no final dos anos 1970 (SADER, 1995). Esse processo ocorreu justamente na época de ascensão da luta operária com as greves e ações do período, especialmente a greve de maio de 1978, que geraram os conselhos de fábrica, entre outras formas de auto-organização (MARONI, 1982). Esse processo teve inúmeras manifestações e sua característica principal era a auto-organização:

Os indicadores da novidade que os movimentos dos moradores de periferia pareciam revela eram dados por práticas reivindicatórias que escapavam dos esquemas tradicionais do clientelismo político: por práticas associativas em que pareciam ausentes a ação diretiva e hegemônica de grupos organizados de esquerda; por formas de organização articuladas a partir de interesses imediatos referentes às condições de vida e moradia e desvinculadas de instituições do Estado e partidos oficiais (TELLES, 1987, p. 56).

Esse processo ocorreu nos anos 1970 no Brasil. Nesse período, o regime de acumulação existente no Brasil era o conjugado-subordinado (VIANA, 2016d). Os países capitalistas subordinados são caracterizados por uma acumulação subordinada e pela reprodução, sob forma de reprodução da subordinação, do regime de acumulação dos países capitalistas imperialistas. Esse processo revela uma superexploração da força de trabalho no capitalismo subordinado, que necessita garantir não somente a continuidade do processo de acumulação em termos nacionais, como também garantir a transferência de mais-valor para o bloco imperialista. O regime de acumulação conjugado-subordinado no Brasil teve sua formação em torno dos anos 1950 e já na segunda metade da década de 1960 teve as primeiras rachaduras do seu edifício (VIANA, 2016d). Esse processo culminou com a instauração do regime militar como forma para garantir o aumento da exploração e retomada da ascensão da acumulação de capital.

É neste contexto que emergem as determinações desse processo de intensificação das lutas populares. Por um lado, uma deterioração das condições de vida das classes desprivilegiadas, por outro, um estado ditatorial que não realizava políticas estatais que minimizassem os problemas. Isso tendia a fortalecer a reação das classes desprivilegiadas e os movimentos populares avançam justamente nesse contexto. Outra determinação que contribuiu com esse processo foi o próprio regime militar e sua falta de legitimidade. Durante a ditadura militar haviam apenas dois partidos e ambos com presença das classes privilegiadas no seu interior. A disputa eleitoral era entre a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), a situação, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), a oposição consentida. As lutas espontâneas, nesse contexto, se tornam lutas autônomas e geralmente desligadas dos dois partidos legalizados.

Movimentos Populares e Autogestão

Esse caso concreto apenas demonstra o que ocorre em diversos contextos e momentos históricos. As lutas espontâneas, cotidianas, passam para lutas autônomas e cria a possibilidade de sua evolução para lutas autogestionárias. Ou seja, o processo de luta proletária, que é reproduzido pelos movimentos populares, culmina com a autogestão das lutas (TRAGTENBERG, 1989; VIANA, 2008c) e, em alguns casos, a defesa explícita do projeto autogestionário.

O projeto autogestionário é o que foi constituído na história do movimento operário e teve como primeira formulação teórica a obra de Marx, que denomina a nova sociedade como “livre associação dos produtores”, “autogoverno dos produtores” ou, simplesmente, comunismo (MARX, 1986; MARX, 1988; VIANA, 2015g). O projeto autogestionário emerge, geralmente, em momentos revolucionários. Trata-se da ideia de revolução, transformação simultaneamente total, constituindo uma nova sociedade, e radical, alterando radicalmente as bases e raízes da sociedade anterior. Isso significa que o projeto autogestionário, o projeto revolucionário de nossa época, é simultaneamente totalizante e marcado pela ruptura histórica: “Totalidade e historicidade específica estão intimamente ligadas ao projeto revolucionário e permitem assim atribuir à revolução uma fisionomia individual na espessa massa dos processos coletivos de transformações sociais e mentais” (DECOUFLÉ, 1970, p. 35).

A autogestão assim, ao contrário do seu uso equivocado e comum inclusive por diversos sociólogos que abordam os movimentos populares[22], não está presente nos movimentos populares, a não ser em momentos revolucionários, quando sua concretização é esboçada e o projeto autogestionário começa a ser defendido por setores cada vez mais amplos da sociedade.

Em épocas de ascensão da luta operária, a ideia de uma sociedade fundada na autogestão social tende a se consolidar, especialmente no caso das revoluções proletárias (TRAGTENBERG, 1989; VIANA, 2008c). A autogestão é uma forma de sociedade marcada pelo fim da exploração e dominação, na qual o trabalho deixa de ser alienado e passa a ser autogerido coletivamente, gerando relações de produção fundadas na associação do conjunto dos produtores que decidem coletiva e livremente o processo de produção e reprodução da sociedade. Assim, a autogestão é um processo no qual um coletivo se autogoverna, o que pressupõe decisão coletiva, relações igualitárias, que se generalizam para o conjunto das relações sociais, tendo sua fonte no modo de produção.

Isso significa que a autogestão só é possível com a abolição do capital e do Estado e criação de uma sociedade radicalmente diferente, ou seja, num processo que envolve a totalidade da sociedade. A ideia de que cooperativas, grupos, fábricas ocupadas, sejam autogeridas é um equívoco, pois desconsideram que estão envolvidas na divisão social do trabalho do capitalismo, mantém relações de subordinação com o capital, mercado (relações de distribuição capitalistas), Estado capitalista. Nesse sentido, o que a maioria coloca como “autogestão” quando se trata de analisar os movimentos populares são outros fenômenos (cooperativas, auto-organização, etc.).

A radicalização das lutas de classes é que tornam possível que o projeto autogestionário, que pode ser defendido em determinados lugares e contextos antes disso, ser defendido pelos movimentos populares. No caso da Revolução Húngara de 1956, foi nesse contexto que se criou os conselhos operários, bem como “comitês urbanos, conselhos de bairros e conselhos profissionais”. No entanto, nesse momento já não se trata mais de movimentos populares e sim de movimento operário, pois a luta localizada se torna geral e pela transformação social, ganhando um nítido caráter de classe[23].

Desta forma, o projeto autogestionário raramente existe em momentos de lutas ordinárias, cotidianas, mas em momento de radicalização tendem a aparecer e em momentos revolucionários, nos seus primeiros momentos, a se fortalecer, até que a força do movimento revolucionário crie a fusão que significa a superação dos movimentos populares e dos movimentos sociais em geral no processo de constituição da nova sociedade. É nesse contexto de radicalização das lutas sociais que emergem formas de auto-organização que reforçam a possibilidade do projeto autogestionário estar presente nos movimentos populares, pelo menos em alguns deles e em certas ramificações. Esse foi o caso, por exemplo, o caso das Comissões de Ocupações de Casas no bojo da Revolução dos Cravos, em Portugal. As lutas dessas comissões passaram por duas fases. A primeira fase vai de 25 de abril de 1974 até janeiro de 1975, quando começa a sua segunda fase, apontando para o projeto autogestionário:

Se nessa primeira fase o movimento foi progressivamente assumindo, ainda que de forma extremamente pontual, um caráter anti-propriedade privada, será sobretudo a partir de janeiro de 1975 e, muito em especial, no clima político pós-11 de março, que a natureza desse movimento apresentará abertamente características anticapitalistas (FERREIRA, 1975, p. 62).

O caráter inacabado da Revolução dos Cravos não permitiu um maior desdobramento dessa experiência e do projeto autogestionário, pelos próprios limites do movimento operário nesse contexto, apesar dos avanços e do início de uma via autogestionária. O recuo do movimento operário português impediu que o projeto autogestionário se generalizasse e realizasse a fusão de reivindicações parciais com as universais. Esse exemplo apenas mostra as tendências dos movimentos populares, que vão desde as lutas espontâneas passando para as lutas autônomas até chegar, quando isso ocorre, nas lutas autogestionárias.

Considerações Finais

Por fim, essa breve síntese das características e dinâmica dos movimentos populares é apenas uma introdução que aponta para a compreensão de sua especificidade e diferenciação em relação a outros movimentos sociais. Vários aspectos necessitam desenvolvimento e ampliação, o que pretendemos realizar em outra oportunidade. Dentre esses aspectos há a questão da necessidade de uma análise dos diferentes movimentos populares e suas subdivisões. No entanto, para o propósito que nos colocamos no presente artigo, julgamos que conseguimos realizar uma síntese que fornece algumas indicações úteis para novas pesquisas e aprofundamentos.


Referências

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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Os Movimentos Sociais Populares. VIANA, Nildo (org.). Movimentos Sociais: Questões Teóricas e Conceituais. Goiânia: Edições Redelp, 2016.





[1] Uma breve crítica a diversos conceitos de movimentos sociais pode ser vista em Viana (2016a).
[2] Entenda-se por serviçariado (ou subalternidade) a classe subalterna, ou seja, aqueles que Marx denominou “classe dos serviçais” (MARX, 1988). O termo em Marx é mais restrito, já que ele cita mordomos e outros trabalhadores domésticos. Consideramos que estes são apenas uma fração da classe subalterna e que esta engloba outras frações e incluem todos os funcionários subalternos do aparato estatal e instituições (estatais ou privadas), como trabalhadores de limpeza, e todos que exercem os chamados “serviços” (como bancários, comerciários), entre outros. Os subalternos (ou “serviçais”) são aqueles que são trabalhadores assalariados improdutivos que não exercem controle sobre os demais, mas, ao contrário, são controlados por outros (capitalistas, burocratas, empregadores).
[3] Os grupos de base monoclassistas são aqueles compostos por apenas uma classe social, como, por exemplo, o movimento piqueteiro na Argentina, cujo grupo de base é o lumpemproletariado (BRAGA, 2013a), embora o monoclassismo seja mais comum em ramificações dos movimentos sociais. Os grupos de base policlassistas são aqueles que possuem indivíduos de diversas classes, sendo o caso da maioria dos movimentos sociais. Uma análise mais ampla da composição social dos movimentos sociais pode ser vista em Viana (2016a).
[4] As classes sociais privilegiadas incluem a classe dominante (a burguesia, em suas diversas frações), a burocracia, a intelectualidade e, dependendo do lugar e época, latifundiários, entre outras. O movimento racista é o exemplo mais cristalino dessa variedade de movimentos sociais.
[5] Esse é o caso do movimento feminino e negro, entre outros. Eles são policlassistas por que os seus grupos sociais de base aglutinam indivíduos de todas as classes sociais. Claro que isso difere em cada caso específico. No caso do movimento feminino participam mulheres de todas as classes e no movimento negro, devido às condições sociais e históricas dos mesmos no Brasil, também, mas com maior peso para os oriundos das classes desprivilegiadas.
[6] Alguns autores, mesmo que superficialmente, também observaram a existência de tais tendências nos movimentos sociais (cf. GUNDER FRANK e FUENTES, 1989).
[7] Semiproletário, aqui, significa que cai no processo de amálgama cultural que mescla influências de ideologias, doutrinas e representações cotidianas burguesas com proletárias (VIANA, 2016a).
[8] A consciência contraditória é uma ideia desenvolvida por Reich (1976) e Gramsci (1987). Ela é uma forma de consciência que se reproduz no interior do proletariado (VIANA, 2008a) e das demais classes desprivilegiadas. Essa consciência contraditória e a formação intelectual menos sólida, com predomínio das representações cotidianas, torna a hegemonia no seu interior mais fraca e passível de alterações com maior facilidade do que em outros casos.
[9] Sobre isso, cf. Viana, 2016a. Os estudos da chamada Teoria da Mobilização Política (ALONSO, 2009; GOHN, 2002) aborda essa relação, mas sob forma distinta da que realizamos aqui.
[10] A burocratização incentivada pelo aparato estatal ocorre em menor grau, mas pode assumir diversas formas e intensidades em casos concretos específicos. Esse é o caso da burocratização das associações de moradores de favelas no Rio de Janeiro (DINIZ, 1983).
[11] Esses modos de conexão entre Estado e movimentos sociais não poderiam ser abordados aqui de forma aprofundada e por isso remetemos a análise mais completa e profunda realizada em outra obra (VIANA, 2016a) Da mesma forma, a questão da orientação dos movimentos sociais em relação ao aparato estatal é bastante complexa (VIANA, 2016a) e no âmbito mais geral não poderemos abordar aqui. Resta apenas recordar que a terminologia “orientação estatista” e “orientação civilista” tem como fonte de inspiração a abordagem de um autor que usou os termos “deriva estatista” e “deriva civilista” (CARRION, 1985).
[12] Esse distanciamento é espacial (os movimentos populares existem, geralmente, nas zonas rurais, periferias, etc., enquanto que o aparato estatal geralmente está aquartelado nos centros urbanos, que são também centros administrativos), cultural (o aparato estatal dificulta a comunicação com os movimentos populares devido ao seu discurso jurídico, burocrático, além do pertencimento de classe da maioria dos seus componentes com poder de decisão), social (os interesses distintos), etc.
[13] Por regime de acumulação se entende uma forma cristalizada da luta de classes manifesta numa determinada forma assumida pelo processo de valorização (organização do trabalho, como taylorismo, fordismo, toyotismo), pelo aparato estatal (integracionista, neoliberal, etc.), exploração internacional (do colonialismo até o hiperimperialismo contemporâneo). Esse conceito de regime de acumulação (VIANA, 2015b; VIANA, 2009) aponta para uma explicação do desenvolvimento capitalista pela sucessão desses regimes, sendo que, historicamente, após a acumulação primitiva de capital, tivemos os regimes de acumulação extensivo, intensivo, conjugado e atualmente o integral, caracterizado pela hegemonia do toyotismo, neoliberalismo e hiperimperialismo. Outros autores trabalham com o termo “regime de acumulação”, mas com definições e concepções distintas (HARVEY, 1992; LIPIETZ, 1988; BENAKOUCHE, 1980), sendo que um dos principais defeitos é o caráter economicista da maioria deles. A compreensão dos movimentos populares na atualidade remete para uma compreensão mais profunda do atual regime de acumulação, o integral (VIANA, 2009; VIANA, 2015b, BRAGA, 2013b; ORIO, 2014).
[14] “A auto-organização dos pobres nas cidades é um assunto extremamente conflitivo e se direciona principalmente ao Estado como adversário direto no âmbito da reprodução” (GROHMANN, 1996, p. 18).
[15] Entenda-se por “bloco dominante” as forças organizadas e conscientes (partidos, associações, ideologias, doutrinas, etc.) que expressam os interesses de classe da burguesia (VIANA, 2015d).
[16] Isso significa associações patronais, meios oligopolistas de comunicação, forças parlamentares, coalizão de partidos políticos, etc. Ou seja, o bloco dominante pressiona não apenas diretamente (parlamento, pressão direta, etc.) para ganhar a partida, como busca criar correntes de opinião a seu favor, através dos intelectuais, meios oligopolistas de comunicação, partidos políticos, etc., forçando a burocracia governamental, nas raras vezes que tenta atender algumas das demandas que exigiria mais do que o permitido pela modalidade de política estatal vigente, a voltar ao parâmetro determinado, jogando parte da população contra tais investimentos.
[17] A mentalidade é constituída pelos valores fundamentais, sentimentos mais profundos e concepções mais arraigadas (VIANA, 2008b) e é uma das principais forças mobilizadoras individuais e coletivas. Na sociedade capitalista, a mentalidade dominante é a burguesa, sendo produzida e reproduzida não apenas pela burguesia, mas pela maioria da população. Nas classes desprivilegiadas isso ocorre com maior contradição. A hegemonia burguesa é uma manifestação concreta dessa mentalidade, instituindo paradigmas, cânones estéticos, ideologias, adequadas ao momento histórico, especialmente às necessidades da acumulação de capital e tarefas políticas (manifestas numa forma estatal e modalidade de políticas estatais) para sua estabilidade. Um elemento importante nesse processo é a constituição de um paradigma, que se torna a matriz da produção de ideologias que passam a ter uma grande variedade no interior de um conjunto de preceitos, inclusive gerando o que Morin denominou “cegueiras paradigmáticas”. “O paradigma efetua a seleção e a determinação da conceptualização e das operações lógicas. Designa as categorias fundamentais da inteligibilidade e opera o controle de seu emprego. Assim, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles” (MORIN, 2001, p. 25). Aliás, o próprio Morin não escapa do paradigma dominante e a afirmação acima é um raro clarão no meio da escuridão de sua ideologia.
[18] Por questão de espaço não poderemos desenvolver esse processo aqui mais detalhadamente, tanto em seus aspectos mais gerais como suas manifestações concretas. Apenas destacamos dois exemplos. Após a Segunda Guerra Mundial houve uma renovação hegemônica que constituiu um novo paradigma, que denominamos reprodutivista e foi expresso num conjunto de ideologias, entre as quais o estruturalismo, funcionalismo, teoria dos sistemas, keynesianismo, etc. Essa nova hegemonia durou até a crise do final dos anos 1960 e a partir de 1969 começou a emergir uma contrarrevolução cultural preventiva (visando combater o pensamento revolucionário emergente no maio de 1968) que gera novo paradigma, que só posteriormente, com o novo regime de acumulação, o integral, consegue se tornar hegemônico, o subjetivismo. As ideologias neoliberais, pós-estruturalistas, multiculturalismo, entre outras, acabam se desenvolvendo, multiplicando, bem como se tornando hegemônicas.
[19] Os blocos sociais são as formas conscientes e organizadas que expressam os interesses das classes sociais (VIANA, 2015d). Uma análise mais profunda dos blocos sociais pode ser vista em Viana (2015d) e sobre sua relação com os movimentos sociais em Viana (2016a).
[20] Sobre a passagem de lutas espontâneas para autônomas e autogestionárias, cf. Jensen (2016) e Viana (2008).
[21] As organizações autárquicas são formas de auto-organização que se distinguem das organizações burocráticas, caracterizadas pelas relações entre dirigentes e dirigidos (VIANA, 2016c).
[22] Um grande número de sociólogos e outros pesquisadores da área de ciências humanas, usam equivocadamente o termo “autogestão”, confundindo essa seja com “auto-organização” (GROHMANN, 1996), seja com democracia chamada “participativa” ou “direta”. Existe uma assimilação ideológica do termo autogestão (VIANA, 2014) que consiste em esvaziá-lo do seu caráter revolucionário. É fundamental entender o caráter totalizante da autogestão e que, portanto, ela não pode existir dentro do capitalismo, a não ser por um breve período de tempo e em confronto direto com a sociedade burguesa.
[23] Tal caráter já existe, mas no sentido de classe determinada pelo capital (“classe em-si”) e não como classe autodeterminada (“para-si”), segundo teoria do desenvolvimento do movimento operário de Marx (1985). Os movimentos populares avançam e podem até defender um projeto autogestionário, mas no processo revolucionário há uma fusão da classe em sua totalidade e as reivindicações no interior do capitalismo perdem sentido e o que se passa a fazer é constituir a nova sociedade, cujo objetivo é abolir a situação que faz necessárias reivindicações e paliativos, pois uma solução definitiva substitui as propostas de  pequenas melhorias.

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