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sexta-feira, 11 de março de 2016

A Insustentabilidade do Governo Dilma



A Insustentabilidade do Governo Dilma

Nildo Viana

O governo Dilma é insustentável. Isso ocorre por vários motivos. São diversos impasses que apontam para a insustentabilidade do governo Dilma. A lista de impasses e suas consequências estão abaixo:

Em primeiro lugar, a crise financeira que tende a se aprofundar e gerar mais resistência ao governo por parte tanto das classes privilegiadas (diminuição do lucro dos capitalistas e do consumo de suas classes auxiliares) quanto das classes desprivilegiadas (diminuição do consumo – básico – aumento do desemprego, etc.), o que se reflete nas forças mais organizadas e conscientes que as expressam (bloco dominante, bloco progressista e bloco revolucionário).

Em segundo lugar, o governo não tem capacidade de minimizar o impacto da crise financeira. Essa incapacidade ocorre tanto por falta de competência, pois o momento de crise a exige, junto com iniciativa, criatividade e percepção do conjunto dos problemas e das possíveis saídas, quanto por falta de respaldo. A questão da incapacidade poderia ser resolvida com a composição de uma equipe nova, com maior competência, iniciativa e criatividade. Contudo, a equipe governamental não é composta a partir de critério de competência e sim por critério político. Aqui temos o problema da falta de respaldo.

Em terceiro lugar, o governo não tem respaldo para realizar as medidas necessárias. O governo tem duas opções para resolver o problema da crise financeira. Passar de uma linha de neoliberalismo de esquerda para uma linha de neoliberalismo de direita, que são variações no mesmo, mas que mexe com interesses de diversos setores da sociedade. A segunda opção seria tentar uma inovação mantendo elementos do neoliberalismo de esquerda e criando medidas alternativas para a crise (o que exigiria alto grau de competência, criatividade e iniciativa, algo inexistente no PT). A receita neoliberal de direita é a mais fácil e que precisaria menos competência, iniciativa e criatividade e poderia ser aplicada pelo Governo Dilma sem grandes alterações na sua equipe. A receita é simples: redução de gastos, políticas de austeridade, reorganização financeira, etc. No entanto, isso significaria que o governo perderia apoio de aliados, como a maioria do próprio Partido dos Trabalhadores, movimentos sociais cooptados, os setores ainda favoráveis ao partido nas classes desprivilegiadas, etc.

Em quarto lugar, o PT do governo não tem apoio irrestrito do PT das eleições. O primeiro quer garantir a governabilidade e sua conclusão até o final do mandato e o segundo quer garantir popularidade para ganhar as próximas eleições. Esse impasse impede – ou pelo menos dificulta – a primeira solução para a crise financeira, a neoliberal de direita. O Governo Dilma já apontou para a solução neoliberal de direita, mas o PT das eleições se mostrou contrário. Isso significa menos respaldo de bases do partido no governo, menos apoio popular, menos força no interior do parlamento.

Em quinto lugar, o PMDB, partido “aliado” do governo, também não quer o ônus de uma política neoliberal de direita, que se fundamenta em medidas impopulares. Além disso, a crise do governo Dilma e a possibilidade de impeachment gerou ambição pelo poder no interior do mesmo. Esses dois elementos geram uma oposição dentro do PMDB, que tende a se generalizar quanto mais o tempo passa, a crise financeira se aprofunda e a crise político-institucional é prorrogada. Sem o apoio do PMDB, o governo Dilma fica fragilizado e sem respaldo parlamentar.

Em sexto lugar, a força da ala oposicionista do bloco dominante que vai se radicalizando e instituindo uma força antipetista cada vez mais forte. O PSDB é a grande força oficial e parlamentar, ao lado de diversos outros partidos conservadores e mesmo alguns elementos de partidos progressistas. A ala extremista do bloco dominante tem um papel fundamental nesse processo no sentido de realizar um combate mais direto e duro com o governo e o PT. As manifestações de 2013 geraram uma situação crítica, no qual o bloco revolucionário poderia se fortalecer ou o Governo Dilma se colocar à esquerda (junto com o PT), mas ao não fazer isso e preferir aprofundar sua política de cooptação de movimentos sociais[1], quase perdeu as eleições e fortaleceu ainda mais a ala oposicionista do bloco dominante. Esse, a partir desse momento, tomou a decisão de “oposição permanente” (e não apenas em período eleitoral) e com o adversário enfraquecido, atuou para enfraquecê-lo ainda mais.

Em sétimo lugar, as denúncias de corrupção e sua divulgação desgastaram ainda mais o governo e foi usado habilmente pela ala oposicionista do bloco dominante, inclusive pedindo o impeachment de Dilma Roussef. O cerco foi sendo feito e fica cada vez mais difícil fugir da situação de decréscimo de popularidade e respaldo, bem como de conflitos jurídicos e investigações que minam cada vez mais o governo (e sua base partidária). A ala oposicionista do bloco dominante quer a retomada do aparato governamental custe o que custar e assim, mesmo que o governo Dilma tome as medidas impopulares de caráter neoliberal de direita, isso não resultará em apoio.

Em oitavo lugar, os últimos acontecimentos, nos quais se avolumam denúncias (e provas) sobre corrupção, envolvendo inclusive o líder “carismático” do PT, Lula, que também perde popularidade em progressão geométrica crescente, retirando ainda mais respaldo do governo Dilma. A ameaça de radicalização do ex-presidente apenas mostra inabilidade política e fé em seu suposto “carisma”[2], não entendendo que só atinge as bases partidárias e simpatizantes e ainda, ao ir para ofensiva, se distancia ainda mais dos opositores. Ou seja, sem perceber, realiza uma política contrária a que o levou ao governo e suas antigas derrotas eleitorais mostram que esse não é o caminho para quem quer simplesmente as benesses do poder.

Assim, podemos estar vivendo os últimos dias do governo Dilma. O governo Dilma não tem respaldo popular, parlamentar, político e não consegue reagir, nem no plano da crise político-institucional, nem no plano da crise financeira. E assim, como alertou o próprio Ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, quanto mais se protela as decisões e busca efetiva de solução da crise financeira, mais forte terá que ser o remédio adiante. As manifestações de domingo, dia 13, poderão encerrar definitivamente esse período com o fim do governo Dilma, pois se elas tiverem um grande contingente populacional, o impeachment tende a ser concretizado. Caso não, os impasses e crises tendem a continuar. A renúncia seria uma outra opção, mas o apego ao poder parece ser mais forte do que a preocupação com o país, o que todos do bloco dominante vem demonstrando a um bom tempo. Diante destes inúmeros impasses e sem respaldo, o governo Dilma é um zumbi que se recusa a abandonar definitivamente a vida. As vantagens do poder são suficientes para pensar que meia vida vale mais que vida nenhuma.

Cabe a nós, tendo consciência de toda essa situação, abandonar as ilusões. As ilusões de petistas e simpatizantes, tanto de uma impossível “guinada à esquerda” ou de que é tudo armação de um “golpe” (termo inexato e inaplicável) e pelos apelos legalistas de quem antes pensava que “a luta é a lei”. As ilusões da “era de ouro” do consumo, pois isso ocorreu durante os governos petistas numa época de ascensão da acumulação de capital e hoje o governo de tal partido se mostra totalmente incompetente para diminuir o impacto do seu período de descenso sobre o consumo. As ilusões de parte da população que acreditou nas promessas de campanha eleitoral, que já eram perceptíveis na época[3], assim como todos já deveriam ter percebido que elas não passavam de engodo eleitoral.

O abandono das ilusões é o primeiro passo para superar a situação geradora de ilusões. Esse é o momento da população se auto-organizar, refletir, superar as manipulações tanto dos meios de comunicação quanto da suposta “esquerda” que visa apenas os seus interesses próprios. É o momento de incentivar a auto-organização e autoformação da população e que ela tome essa iniciativa, indo para além dos meios de comunicação e da internet (essa pode ser usada como ferramenta, mas é dificultada pela intrusão de interessados em acusar o adversário muito mais do que compreender a realidade), a formação de comitês populares, grupos de estudos, organizações por local de trabalho, estudo e moradia, entre outras, no sentido de analisar a realidade atual na perspectiva das classes desprivilegiadas e agir a partir disso.

Este governo insustentável vai cair ou continuar? Essa não é a questão fundamental e sim o que vai acontecer daqui para frente e, independente disso, a situação financeira tende a continuar insustentável. Seja o governo Dilma ou qualquer outro, o que se anuncia é “políticas de austeridade” e o que pode impedir isso é a luta dos trabalhadores. O governo Dilma é um entrave que pode ser removido e a tendência é mais neoliberalismo. No entanto, se este entrave não for removido, as medidas posteriores tenderão a ser ainda piores. Assim, a tragédia petista é encenada no palco da política institucional brasileira. Essa é a triste situação de um governo de um partido que dizia representar os trabalhadores e gerou uma tragédia: ele mesmo criou a necessidade de sua própria substituição por partidos assumidamente conservadores. Isso é apenas a demonstração que a via eleitoral, governamental ou estatal nada tem a ver com a luta pela transformação social, pela emancipação humana, o projeto autogestionário. A única via para a transformação social e para impedir que as classes desprivilegiadas sejam jogadas numa espiral crescente de empobrecimento é a luta e resistência nos locais de trabalho, moradia e estudo, tanto no plano cultural (no qual os governos petistas geraram um enorme retrocesso com sua política burguesa de despolitização e foco no consumo), quanto no da organização e lutas cotidianas.





[1] Além dos aparelhos do PT e partidos aliados (CUT, UNE, MST, etc.), o governo, através de certas políticas estatais e diversas estratégias, acabou incentivando uma radicalização de certos setores dos movimentos sociais, especialmente o feminino e o negro, gerando conflitos com os setores mais conservadores e os revolucionários, ao abandonar as questões sociais para focar nas questões específicas de tais movimentos sociais). Isso gerou uma polarização entre a ala governista do bloco dominante e o bloco progressista, por um lado, e a ala oposicionista e extremista do bloco dominante, por outro, através do moralismo (no qual, além de ideias, há uma disputa sobre comportamento), o que acabou enfraquecendo o bloco revolucionário por causa de que nos meios intelectualizados se deslocou as questões sociais para os ilusórios problemas de “gênero”, “raça”, ou seja, a chamada “política de identidades”. Isso, além de enfraquecer o bloco revolucionário, gerou uma indisposição maior contra o PT nas classes desprivilegiadas, alheias ou contrárias ao moralismo progressista. Ou seja, o governo Dilma combateu o inimigo expresso no bloco revolucionário e sua possibilidade de influenciar as classes privilegiadas através de uma ação que jogou estas nas mãos da ala oposicionista do bloco dominante. Enfraqueceu a oposição à esquerda e fortaleceu a oposição à direita. Essa é mais uma tragédia petista.

[2] E curiosamente, o apelo ao sentimentalismo, o choro do ex-presidente, são apenas sinal de decadência ética do PT e das esquerdas brasileiras. A manipulação dos sentimentos é uma característica do fascismo e o conservadorismo o usa em muitas situações. As esquerdas (do capital, ou seja, oficial) sempre relegaram os sentimentos à segundo plano apostando na racionalidade. Mas elas são engolidas pela renovação hegemônica do capital e a nova hegemonia burguesa traz o subjetivismo e o sentimentalismo para o primeiro plano, promovendo uma intensa manipulação sentimental da população. O governo Dilma, o PT, e até outras “esquerdas” mais radicais, agora usam e abusam do sentimentalismo e nesse contexto está virando comum supostos líderes chorarem em público com o objetivo de ganhar popularidade e apoio, num claro sinal de abandono de qualquer projeto verdadeiro de emancipação humana. Quem tem vínculo com tal projeto reconhece os sentimentos, mas não realiza a sua manipulação e nem faz o elogio do irracionalismo.

6 comentários:

  1. Excelente analise Nildo!Infelizmente no geral as redes sociais cairam no jogo disputado entre os "camisas vermelhas" X camisas amarelas. Nesse sentido é essencial uma analise da totalidade social que tras a tona a tragedia petista. Excelente artigo Nildão!

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    1. Grato, Juversino. Sim, é de interesse dos dois lados polarizar, pois assim não apenas reproduzem apenas duas opções, como podem exorcizar o bloco revolucionário e o proletariado da discussão e como alternativa. abs.

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  2. Tenho lido os últimos textos e considero suas análises muito pertinentes, prof. Nildo. A propósito, o que tem sido feito no sentido de politizar e oferecer à população em geral uma formação crítica, conforme o sr pontuou e que seja do seu conhecimento?

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    1. Leonardo, na verdade ese processo é bastante difícil. Pois quem poderia e deveria fazer isso, o conjunto de grupos, indivíduos, que poderiam fazer isso são poucos e alguns com ambiguidades e problemas que dificultam. Existem além de diversos trabalhos indivíduais e o de alguns grupos políticos, uma certa produção intelectual (tal como este texto no blog e outros de diversas pessoas que avançam numa concepção crítica e autogestionária), tanto num nível mais compplexo (teorias, através de livros e artigos), mas que não é tão acessível para a maioria da população, como outras mais simples no nível de artigos curtos, textos em blogs, panfletagens, e iniciativas organizativas, como a Associação Nacional dos Trabalhadores, Movaut e uma diversidade de grupos e organizações, com os limites já apontados, que não só existem, mas como tentam se aproximar da população realizando esse trabalho. Isso varia com cidade, estado, etc. Além disso, nas próprias lutas e a partir das necessidades há um desenvolvimento da consciência, tal como nas ocupações de escolas em São Paulo, a luta contra aumento das passagens, etc. Claro que, com a ascensão das lutas, ese processo tende a se desenvolver e ampliar, o que depende também da formação dos indivíduos militantes, que é bem precária e é preciso trabalhar nesse sentido também e o que ocorre de forma irregular em alguns momentos e lugares nas universidades, grupos de estudos, etc.

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