Nildo Viana*
Resumo:
O artigo discute o papel do indivíduo na história, sua autonomia, capacidade de
intervenção nos acontecimentos históricos. Retomando alguns aspectos do debate
da historiografia sobre o indivíduo na história, analisa da perspectiva da
concepção materialista da história o real significado das ações individuais no
processo histórico. Para tanto, discute a formação social do indivíduo, a sua
singularidade e autonomia relativa, a sua participação na história como
expressão de classes sociais e outras forças atuantes na sociedade, concluindo
que, nas sociedades de classes, a autonomia relativa do indivíduo é muito
pequena e ele só exerce uma influência no curso dos acontecimentos históricos
quando expressa necessidades e classes sociais.
Palavras-Chave:
Indivíduo, História, Significado, Papel, Autonomia Relativa, Singularidade.
Abstract: The
article discusses the role of the individual in
history, autonomy, ability to intervene in historical
events. Resuming debate on some aspects of the historiography on
the individual in history, examines the perspective of the
materialist conception of history the real meaning of individual
actions in the historical process. To this end, it discusses
the social formation of the individual, its uniqueness and
relative autonomy, their participation in history as an expression
of social classes and other forces at work in society,
concluding that in class societies, the relative
autonomy of the individual is very small and he only has an
influence on the course of historical events when
expressed needs and social classes.
Keywords:
Individual, History, Meaning, Role, Relative Autonomy,
Singularity.
O papel do
indivíduo na história[1] é uma antiga discussão que
tem como objetivo explicar a influência que o indivíduo exerce no processo
histórico. Para alguns, os indivíduos, especialmente os chamados “grandes
homens”, os “gênios”, os “heróis”, os “rebeldes”, os “inovadores” possuem um
papel determinante na história, enquanto que para outros, possui um papel
relevante, importante. Outros, ao contrário, consideram que o indivíduo é mera
manifestação de forças impessoais, seja a razão, a cultura, a sociedade, etc.
Alguns ainda reconhecem um certo papel de influência do indivíduo no processo
histórico, embora de acordo com as grandes tendências históricas, ficando numa
espécie de posição intermediária.
Para analisar o
papel do indivíduo na história é necessário possuir uma teoria do indivíduo e
um método de análise. O que é o indivíduo? Qual é o método mais adequado para
compreender este ser? O método dialético nos fornece as bases explicativas do
que vem a ser o indivíduo e, portanto, começaremos por um esboço breve de
nossas bases metodológicas e, posteriormente, partiremos para uma análise do
indivíduo e, por fim, de seu papel na história.
O método
dialético é a base de nossa análise. Sem dúvida, não poderemos aqui desenvolver
uma discussão sobre tal método, mas apenas colocar alguns elementos
fundamentais que serão utilizados em nossa análise. O aspecto fundamental aqui
é compreender o fenômeno analisado como concreto. O concreto não é o real, mas
uma forma de concebê-lo, que aponta para entendê-lo como algo histórico, sendo
constituído historicamente, e envolvido num conjunto mais amplo de relações
sociais, ou seja, estando inserido numa totalidade e sendo, ele mesmo, uma
totalidade. Assim, é preciso descobrir o processo de constituição desse
fenômeno, sua determinação fundamental, e assim descobrir sua essência. Da
mesma forma, é necessário compreender sua totalidade e inserção em uma outra
totalidade mais ampla, observando que o concreto, nesse processo, é “síntese de
múltiplas determinações” (Marx, 1983; Viana, 2007a).
Usando o método
dialético para analisar o indivíduo e seu papel na história, temos que
compreendê-lo em sua totalidade, possui corpo, mente, relações com a natureza e
outros seres humanos, etc., e como alguém histórico, que teve um processo
social de formação, na qual seu corpo, relações com a natureza e os demais
seres humanos e mente são as determinações que o constituíram. Logo, não há espaço
para a ilusão de autonomia absoluta dos indivíduos e por isso é necessário
analisar o que é o indivíduo para depois entender suas manifestações concretas
e sua intervenção nos processos históricos. Este será o caminho que vamos
percorrer no presente texto.
O indivíduo é
uma unidade da espécie humana e, por conseguinte, compartilha com todos os
demais indivíduos da espécie algumas características comuns. Ou seja, ele é uma
manifestação da essência ou natureza humana. O primeiro elemento a ser
percebido é que todo ser humano possui necessidades básicas, tal como
alimentação, etc. Para satisfazer estas necessidades, ele se associa com outros
seres humanos e através da cooperação realiza o trabalho, elemento essencial
para a satisfação das suas necessidades. A associação e o trabalho se tornam,
para o ser humano, necessidades[2]. Assim, o indivíduo da
espécie humana é um ser ativo e social que se transforma com as mudanças das
relações sociais, criando novas necessidades.
O indivíduo da
espécie humana é um indivíduo social. Porém, em sociedades diferentes, os
indivíduos são diferentes. Neste sentido, o indivíduo é determinado
socialmente. Porém, enquanto indivíduo concreto, ele é síntese de múltiplas
determinações. Estas determinações promovem a diferenciação dos indivíduos e de
grupos de indivíduos. O indivíduo da sociedade escravista difere radicalmente
do de uma sociedade feudal. Mas no interior da sociedade feudal, os indivíduos
diferem entre si, dependendo da classe social a qual pertencem, a região em que
habita, etc. Assim, um indivíduo da espécie humana possui também uma
singularidade, devido ao fato de somente ele viver determinadas relações
sociais e ser marcado por todas as consequências derivadas disso.
Porém, estas
considerações, para a questão que nos ocupa, apenas lançam alguns elementos
básicos que não afetam diretamente o nosso objetivo. Reconhecer que o indivíduo
é um ser social já foi mais do que repetido por diversas obras sociológicas (e
de outras ciências humanas) e o reconhecimento da singularidade do indivíduo
apenas explica que, apesar de ser social, os indivíduos não são iguais, ou
melhor, que eles possuem aspectos semelhantes, mas também aspectos diferentes.
Para perceber o papel do indivíduo na história é preciso ir além destes
elementos básicos. Se o indivíduo tem sua singularidade formada socialmente (e
se manifesta em seu universo psíquico), então parece que muito pouco espaço
sobre para sua ação na sociedade e, por conseguinte, na história.
A grande
questão é que o papel do indivíduo na história é mais ou menos influente
dependendo de um conjunto de determinações, entre as quais, a qual classe
pertence o indivíduo e que situação social de conflitos de classes está
estabelecida e qual sua inserção neste contexto, a qual fração da classe
pertence, quais são as forças sociais em ação e como ele se relaciona com elas,
bem como diversas outras determinações. Mas o indivíduo, uma vez formado,
possui uma autonomia relativa. O grau de autonomia relativa do indivíduo,
depende da época, sociedade e posição deste indivíduo no seu interior. Assim,
determinada forma de singularidade individual aumenta ou tende a aumentar a
autonomia relativa do indivíduo, enquanto que outra forma tende a diminuir. Em
determinadas sociedades, a formação social dos indivíduos tende a fazê-los com
muito pouca autonomia. Este é o caso das sociedades indígenas e as
pré-classistas. É por isso que alguns vão até defender a tese de que nessas
sociedades não existiam “indivíduos”:
“Sabemos, por exemplo, que o indivíduo não existe nas
primeiras formas de organização comunitária (hordas, clãs, tribos, etc.).
Nestas formas sociais primitivas, cada homem é apenas um elemento, um membro do
conjunto, sem independência individual, não podendo existir por e para ele próprio.
Mas apenas em função da comunidade que é o verdadeiro ser de todos” (Thomas,
1997, p. 14).
Ainda segundo
este autor:
“A verdade é que o indivíduo tal como o conhecemos
hoje não existe desde o início da história humana, visto que é apenas um
resultado, uma criação de milhares de anos de atividade humana. Por exemplo, na
Europa, só no fim da Idade Média aparece este homem independente, libertado de
um lugar, de obrigações, de ritos, de relações estabelecidas pelos costumes e
pelo nascimento, que se denomina indivíduo e é proclamado livre de ir e vir
conforme lhe apetecer e de estabelecer as suas relações com os outros homens”
(Thomas, 1997, p. 14).
Apesar de ser
uma tentativa de análise marxista, o autor acaba caindo na ideologia que
buscava combater e também apesar de reconhecer que está tomando como modelo o
“indivíduo tal como o conhecemos hoje”, não retirou as devidas consequências
desta percepção. A sua visão de um indivíduo é a do indivíduo burguês, com os
direitos burgueses, tal como o de ir e vir. Sua análise fica limitada e não
consegue ultrapassar a naturalização da época capitalista, tal como fazem as
ideologias e representações ilusórias de nossa sociedade. É claro que se tende
a ter uma concepção equivocada do que é o indivíduo, tomando por tal conceito o
ser social da sociedade capitalista e suas características, não encontradas em
outras sociedades e por isso, no reino da ideologia, seria inexistente nelas. Parte-se
da autonomia individual, bastante ilusória, diga-se de passagem, na sociedade
capitalista e transforma isso em “o indivíduo”.
Quanto maior o
grau de autonomia relativa dos indivíduos, maior é sua influência na história.
Porém, isto é no nível geral da análise, pois é necessário analisar os
indivíduos concretos em sociedades concretas, que pode, inclusive, sobreviver
com indivíduos com alto grau de autonomia relativa convivendo com indivíduos
com baixa autonomia relativa, ou simplesmente inexistente. Na sociedade
capitalista, por exemplo, o indivíduo burguês possui mais autonomia relativa
que um indivíduo lumpemproletário, pois o primeiro terá liberdade de locomoção
– ou seja, o direito de ir e vir para ele não é mera ficção –, terá uma
consciência mais ampla das relações sociais e poderá intervir com maior
eficácia nelas, terá o prosaico poder financeiro, que pode fazer ele ter
condições, inclusive, de burlar a lei em seu benefício, além do status social que possui e o faz com
mais condições de fazer sua vontade prevalecer; o segundo, estará numa situação
de quase inexistente autonomia individual, pois mau terá onde morar e o que
comer, influenciando assim muito pouco nas relações sociais e no seu próprio
destino. Esta situação só se altera quando ocorrem grandes movimentos sociais,
no qual se subverte as relações estabelecidas e o poder financeiro, status, etc., diminuem sua força,
enquanto que a ação individual e a agressão física, disponível para os
despossuídos, aumentam a sua força. Em outras palavras, quando estes indivíduos
se associam essa posição pode mudar. No caso de um indivíduo proletário, ele
possui menos autonomia que um burguês, mas um pouco mais do que um
lumpemproletário. Enquanto indivíduo, não terá grande papel no desenvolvimento
histórico, mas como integrante de uma classe, suas ações ganham maior
relevância e quando ele se associa e age conjuntamente com outros da mesma
classe, ele ganha maior autonomia e interfere com mais força no processo
histórico.
Assim, a
autonomia relativa do indivíduo assume mais importância dependendo do contexto
no qual este indivíduo se encontra em cada acontecimento histórico. Porém,
mesmo uma pessoa sem muita autonomia pode possuir um papel influente na
história. Este é o caso de alguém que, por acaso ou por ser o vice-presidente,
assume a chefia do governo executivo. O papel de Napoleão foi decisivo e, caso
não fosse ele, seria diferente. O outro indivíduo em seu lugar poderia ter
agido um pouco diferente, ter sido mais eficaz em algum ponto e menos em outro,
etc. Porém, no geral, com maior ou menor autonomia, o indivíduo só influencia a
história num grau muito restrito. A sua ação quando é bastante influente ocorre
devido ao fato de esta influência manifesta interesses e valores coletivos,
expressa determinadas forças sociais, classes sociais, frações de classes,
grupos sociais.
Sabemos agora que os indivíduos exercem frequentemente
grande influência sobre o destino da sociedade. Mas, esta influência é
determinada pela estrutura interna daquela e por sua relação com outras
sociedades” (Plekhanov, 1978, p. 99).
Graças às particularidades de sua inteligência e de
seu caráter, as personalidades influentes podem fazer variar o aspecto
individual dos acontecimentos e algumas de suas consequências parciais, mas não
podem fazer variar sua orientação geral, que é determinada por outras forças
(Plekhanov, 1978, p. 103).
O problema de
Plekhanov é pensar tal força determinante da história é o “estado das forças
produtivas”. O fetichismo das forças produtivas, que passa a ter um
desenvolvimento metafísico, não determinado pelas relações de produção (na
inversão de Plekhanov, elas que são determinadas pelas forças produtivas),
acaba colocando um grave problema na contribuição de Plekhanov. Mas ele
acrescenta um elemento importante, o que ele chama a “ilusão de ótica” sobre o
papel atribuído aos grandes homens na história:
Desempenhando seu papel de ‘boa espada’ salvadora da
ordem social, Napoleão impediu que desempenhassem esta função outros generais,
alguns dos quais talvez a tivessem desempenhado tão bem ou quase tão bem quanto
ele. Uma vez satisfeita a necessidade social de ter um ditador militar
enérgico, a organização social fechou o caminho da ditadura a todos os outros
talentos militares. Sua força se transformou em uma força desfavorável para a
revelação de outros talentos do mesmo gênero. Daí a ilusão de ótica a que nos
referimos. A força pessoal de Napoleão se nos apresenta sob uma forma
extremamente exagerada, posto que lhe atribuímos toda a força social que a
elevou a primeiro plano e que a apoiava. Esta força pessoal parece-nos algo
completamente excepcional, porque as demais forças idênticas a ela não se
transformaram de potenciais em reais. E quando nos perguntam o que teria
ocorrido se Napoleão não tivesse existido, nossa imaginação confunde-se e
parece-nos que todo o movimento social sobre que se baseava sua força e sua
influência não teria podido produzir-se sem ele (Plekhanov, 1978, p. 103).
Plekhanov
afirma que isto também ocorre, embora seja mais raro, no plano do
desenvolvimento intelectual. A mesma ilusão de ótica ocorre no caso do
desenvolvimento artístico e intelectual. Os representantes intelectuais das
forças sociais se colocam problemas semelhantes e buscam resolvê-lo, mas isto
depende das condições sociais e o aspecto individual tem um papel um tanto quanto
restrito em sua direção geral.
Há tempos que se fez a observação de que os talentos
aparecem, sempre e em toda a parte, onde existem condições sociais favoráveis
para seu desenvolvimento. Isto significa que todo talento que se manifestou
efetivamente, isto é, todo talento convertido numa força social é fruto das
relações sociais. Mas, se isto é assim, compreende-se porque os homens de
talento, como dissemos, só podem fazer variar o aspecto individual e não a
orientação geral dos acontecimentos: eles próprios só existem graças a esta
orientação; não fosse por isso nunca teriam podido cruzar o umbral que separa o
potencial do real (Plekhanov, 1978, p. 105).
Desta forma, o
“grande homem” não é grande devido suas particularidades individuais que
determinariam as mudanças históricas e sim por que elas o tornam mais capaz de satisfazer
as necessidades sociais da época. Assim, Plekhanov oferece uma contribuição
para se pensar o papel do indivíduo na história, apesar de suas limitações,
principalmente o fetichismo das forças produtivas. Porém, seus méritos são
inquestionáveis.
O indivíduo
exerce uma maior influência na história quando é manifestação de forças
sociais, especialmente as classes sociais, e assim realiza uma ação que vai de
encontro com necessidades sociais existentes e que reproduz e reforça sua
tendência. Porém, falta em Plekhanov a percepção das classes sociais e de suas
lutas no processo histórico, o que é outra limitação.
A inserção das
classes sociais na análise enriquece a concreticidade da percepção do papel do
indivíduo na história. Os filósofos iluministas, por exemplo, só produziram
novas teses e criticaram o clericalismo, e defenderam o individualismo, devido
estarem expressando o movimento ascendente da classe burguesa. O caso de Rousseau,
um “estranho no ninho”, é expressão de uma singularidade e um alto grau de
autonomia relativa do indivíduo, provocado por seu processo histórico de vida,
que, apesar de em muitos pontos ser manifestação da mesma tendência que os
demais, acabava se diferenciando deles e, justamente por isto, conseguindo uma
maior profundidade intelectual e longevidade na influência na história da
filosofia e do pensamento ocidental.
Assim, a singularidade
e a autonomia relativa do indivíduo[3] só têm um peso histórico relevante
quando estão de acordo com uma das classes sociais ou forças sociais em luta,
expressando seus interesses, valores, sentimentos, manifestando determinadas
necessidades sociais. A singularidade e autonomia relativa de um indivíduo como
Nietzsche, em parte derivada de seu desequilíbrio psíquico, não oferecia
nenhuma condição para uma verdadeira influência seja na história do pensamento
ou em qualquer outra instância da vida social e ele mesmo percebia isso[4].
Sendo assim, o
indivíduo exerce uma influência muito restrita no processo histórico. Por isso
se torna interessante discutir por qual motivo se criou, principalmente na
historiografia, toda uma ideologia que coloca o indivíduo como determinante ou
fortemente influente no curso dos acontecimentos históricos, desde a
tradicional história dos grandes homens até as versões individualistas mais
recentes (Plekhanov, 1978; Carr, 1982). Em primeiro lugar, é necessário refutar
a posição que supervalora o papel do indivíduo na história.
O culto do indivíduo é um dos mais penetrantes mitos
da história moderna. De acordo com Burckhardt, na sua conhecida obra A cultura do Renascimento na Itália,
cuja segunda parte tem como subtítulo ‘O Desenvolvimento do Indivíduo’, o culto
do indivíduo começou com o Renascimento, quando o homem, que até então fora
‘consciente de si mesmo apenas como membro de uma raça, de um povo,
destacamento, família ou nação’, afinal, ‘tornou-se um indivíduo espiritual e
reconheceu-se como tal’. Mais tarde, o culto foi relacionado com a ascensão do
capitalismo e do protestantismo, com as origens da revolução industrial e comas
doutrinas do laissez-faire. Os
direitos do homem e do cidadão proclamados pela Revolução Francesa eram os
direitos do indivíduo. O individualismo foi a base da grande filosofia do
século 19, o utilitarismo (Carr, 1982, p. 33).
Assim, são estabelecidas
as origens sociais do individualismo, do culto ao indivíduo. Isto se reflete na
historiografia. Por isso, é interessante notar que o historiador, enquanto
indivíduo, é também um ser social. E como ser social, ele é constituído
histórica e socialmente. O processo de formação social do indivíduo não é
diferente no historiador e por isso ele é, também, produto de sua época e
condições sociais particulares de existência. Assim, desde sua infância ele vai
desenvolvendo sua consciência, valores, sentimentos e o seu processo de
formação como historiador está ligado a qual instituição realizou seus estudos,
quais fontes inspiradoras (orientadas por sua história pessoal anterior, que gerou
determinados valores, sentimentos, etc.), quais outros indivíduos (com sua
singularidade) teve acesso, qual a ideologia dominante da época (em geral e na
historiografia em particular), quais alternativas e forças concorrentes
existiam (e qual sua predisposição de adesão), entre inúmeras outras
determinações.
A maioria
sucumbe ao que é hegemônico e dominante, não só pela força das ideias
dominantes – que é considerável, e a pressão social que emerge junto com ela –
mas também pelos interesses individuais (inclusive de carreira) associados a
elas e as disputas internas dentro da esfera social de atuação do historiador
(a esfera científica e sua subesfera historiográfica), pois as instituições,
agências de financiamento, etc., apontam para uma convergência de interesses:
os do indivíduo que quer ascensão social[5] e a da instituição que
busca a reprodução da sociedade existente (relações de produção capitalistas e
o conjunto das relações sociais) e de seus interesses no seu interior.
O individualismo
e a supervaloração dos indivíduos é produto da sociedade capitalista, como já
foi colocado, e o historiador, em geral, está submetido à força persuasiva das
ideias dominantes e isto está de acordo com a mentalidade de muitos deles
(assim como todos os cientistas de todas as outras áreas, mas aqui o tema do
papel do indivíduo na história remete ao historiador, pois para sua área de
atuação essa discussão é mais relevante). Isso reforça a tendência de alguns
historiadores de valorar o indivíduo e atribuir-lhe um papel histórico mais
influente do que ele realmente possui. As raízes sociais disso também estão
presentes nos valores e escolha de métodos, teorias, leituras, etc. incluindo
os modismos acadêmicos.
Por outro lado,
o determinismo e outras posições também estão ligados a este processo, mas
expressam outras ideologias burguesas, tal como a do Estado, nação, raça, povo,
etc. No fundo, são abstrações metafísicas que, no entanto, revelam forças
sociais e seus interesses. O individualismo mantém um vínculo muito forte com o
liberalismo (em sua forma clássica e em todos os seus derivados) e o holismo
tem sua ligação com o estatismo (indo desde o nazismo e fascismo até chegar à
socialdemocracia).
Assim, é
preciso compreender a existência de forças “impessoais”, no sentido que não são
indivíduos livres que agem na história, e sim, fundamentalmente, classes
sociais (e, com menor peso, outros grupos sociais, frações de classes, etc.)
como os grandes agentes da história. Isso, no entanto, não anula a chamada para
a ação política e transformadora dos indivíduos. Tal como colocava Plekhanov, o
fatalismo só leva ao quietismo se o indivíduo ou grupo não for um elo
necessário na cadeia dos eventos. O indivíduo é parte do processo e se se
coloca como expressão das classes em luta, terá papel mais relevante, e isso
mais ainda dependendo de sua singularidade psíquica e situação concreta no
interior da sociedade. O indivíduo pode ser compreendido como parte da
necessidade histórica e social, pois seu processo de formação é para reproduzir
a sociedade existente, mas alguns, devido pertencimento de classe (classes
desprivilegiadas e principalmente o proletariado no caso do capitalismo) ou
convergência perspectival com elas, rompem com isso e podem, assim, ter um
papel antecipador e expressar as forças revolucionárias ao invés das forças
conservadoras.
Alguns apelam
para a ideia de carisma em Max Weber para sustentar um papel relevante do
indivíduo na história. Contudo, além de um problema interpretativo do
pensamento de Weber[6],
o suposto “carisma”[7]
é, ele mesmo, um produto social e histórico. O carisma como liberdade é uma
ilusão e como noção utilizada para análise histórica é mais um problema do que
uma solução. Assim, quando se tenta explicar o caso de Antônio Conselheiro com
o construto de carisma o que se faz é apenas partir de um princípio abstrato
para explicar a realidade e, no fundo, acaba invertendo-a. Antonio Conselheiro
foi um produto social e histórico (como outros semelhantes na mesma época) e só
conseguiu adeptos e um papel mais destacado por manifestar interesses de
determinada classe social. O conflito de Canudos não foi derivado do carisma de
Antônio Conselheiro e sim da luta pela terra num contexto de expropriação
histórica e a forma que assumiu está ligada ao contexto cultural no qual tal
luta emergiu, marcada por uma cultura rústica e religiosa. Sem isso, não teria
existido o conflito de Canudos e ninguém teria ouvido falar de um tal Antonio
Conselheiro. Ou, se este tivesse morrido quando criança, outro indivíduo
tenderia a assumir o mesmo, sob formas diferentes, de maneira mais ou menos
destacada, etc. Neste sentido, um indivíduo sozinho não pode mudar a realidade
social e se estiver contra as tendências existentes não terá influência alguma
no curso dos acontecimentos.
A posição de
Marx é diferente e aponta para uma concepção correta do significado do
indivíduo na história. Apesar das deformações do seu pensamento por adversários
e epígonos, ele não é um determinista (e muito menos um "determinista
econômico" ou "tecnológico”, como alguns interpretam
equivocadamente). Marx parte do método dialético, tal como colocamos, e mostra
que um fenômeno é algo concreto, resultado de múltiplas determinações (e não
apenas uma e tais determinações, no caso de fenômenos sociais e históricos, são
as ações humanas sob diversas formas, especialmente a luta de classes). A sua
concepção de história é aberta, na qual ele observa as tendências e
possibilidades e assim nada tem de determinista e metafísico. Segundo Marx, os
seres humanos fazem sua própria história: “Os homens fazem sua própria história, mas não
a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob
aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”
(Marx, 1986, p. 17).
Nesse processo
de fazer a história, os indivíduos atuam, agem, e quando manifestam
necessidades sociais e classes sociais, ganham exercem maior influência no
curso dos acontecimentos. Assim, é totalmente equivocada e despropositada a
interpretação de um Marx mecanicista (o que significa não só desconhecer o
pensamento de Marx e seus escritos, mas também a tradição hegeliana). É isso
que alguns ideólogos buscam refutar Marx (e aí não sabemos se é mera má fé ou
incompetência e incapacidade de compreensão do que lê):
“Marx [...] afirma ser capaz de predizer a forma
específica da fase seguinte de todo o processo graças a uma integração
semelhantemente organicista de todos os dados significativos da história
social. Mas pretende justificar essa operação profética graças à redução
mecanicista desses dados ao status de
funções de leis gerais de causa e efeito, que são universalmente operantes do
começo ao fim da história” (White, 1994, p. 84).
Este autor
apenas demonstra que não conhece minimamente o pensamento de Marx. Obviamente
que o autor não cita a passagem na qual Marx teria afirmado ser capaz de
predizer a forma específica da fase seguinte do processo, pois ele nunca fez
tal afirmação. Da mesma forma, ele nunca defendeu tal postulado, mesmo sem
afirmá-lo explicitamente, como deu a entender White. Também é sem nenhum
sentido em colocar que Marx realizaria uma integração organicista dos dados da
história e que ele realiza uma redução mecanicista dos dados a leis gerais de
causa e efeito, que seriam também universais (“do começo ao fim da história”).
White não
fundamentou nenhuma destas afirmações e, portanto, não é necessário refutá-lo,
porquanto são meras afirmações infundadas. Ele poderia ter feito isso mostrando
as afirmações de Marx ou o procedimento dele para fundamentar, mas não fez nada
disso, simplesmente por ser impossível. Marx criticava os socialistas utópicos
por seus planos para o futuro (Marx e Engels, 1988), usa o método dialético,
que é antagônico ao mecanicista, além de vir da tradição hegeliana, e nunca
defendeu a existência de “leis gerais da história”. Aliás, basta ver sua
crítica a Malthus com sua lei da população, considerada por Marx como abstrata
e metafísica (Marx, 1985; Viana, 2006), e suas considerações sobre isso, ou
então quando, em O Capital, coloca
que para ele leis são tendências (Marx, 1988; Viana, 2007a), que isso é o
oposto do seu pensamento. Atribuir a Marx a ideia de causa e efeito é risível,
pois este pensador trabalhava com a categoria de determinação (incluindo as
múltiplas determinações) e não com a ideia de causalidade (Viana, 2001). No
fundo, White não compreende o pensamento de Marx e lhe atribui características
que são muito mais do funcionalismo.
Mas, voltando à
concepção materialista da história, a ação individual, assim como as ideias,
possui o caráter de ser uma das múltiplas determinações de qualquer
acontecimento histórico ou fenômeno social. Segundo Engels:
“A história se faz ela mesma de tal maneira que o
resultado final é sempre oriundo de conflitos de muitas vontades individuais,
cada uma das quais, por sua vez, é moldada por um conjunto de condições
particulares de existência. Existem inumeráveis forças que se entrecruzam, uma
série infinita de paralelogramas de forças que dão origem a uma resultante: o
fato histórico” (Engels, 1987, p. 40).
Sem dúvida,
deixando de lado os equívocos e linguagem problemática de Engels no restante da
carta, isso mostra a posição do materialismo histórico diante do processo
histórico. O modo de produção (que expressa luta de classes)[8] é a determinação
fundamental dos processos históricos, mas
“... os diversos elementos da superestrutura – as
formas políticas das lutas de classes e seus resultados, a saber, as
constituições estabelecidas uma vez ganha a batalha pela classe vitoriosa; as
formas jurídicas e mesmo os reflexos de todas essas lutas reais no cérebro dos
participantes, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as concepções
religiosas e seu desenvolvimento ulterior em sistemas dogmáticos – exercem
igualmente sua ação sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos,
determinam de maneira preponderante sua forma” (Engels, 1987, p. 39).
Assim, tanto as
ideias quanto os indivíduos são agente do processo histórico. No caso das
ideias, Korsch (1977) e outros já haviam destacado que fazem parte da realidade
e atuam sobre ela, e, portanto, não são mero epifenômeno. As vontades
individuais atuam, mas o indivíduo sozinho sem estar inserido no movimento de
uma classe social ou de outras forças sociais acaba tendo um papel bastante
restrito (claro que isso varia, pois depende de qual indivíduo é esse, pois se
for o presidente de um país, por exemplo, suas atitudes podem gerar uma crise e
ter consequências inesperadas ou um pensador que pode, mesmo estando na
contracorrente das tendências, pode fortalecer determinadas posições que, no
futuro, poderão ser reforçadas, entre outros casos).
Em síntese, o
significado do indivíduo na concepção materialista da história pode ser
sintetizado da seguinte forma: a) o indivíduo é formado socialmente, é um ser
social e determinado socialmente; b) este indivíduo possui uma autonomia
relativa e esta varia dependendo da época, sociedade, pertencimento de classe,
idiossincrasias derivadas de seu processo histórico de vida particular, e a
consciência mais desenvolvida aumenta sua autonomia, porquanto amplia seu saber
sobre suas determinações e pode inclusive ir contra algumas delas a partir
disso; c) o significado do indivíduo na história aponta para uma posição de
agente da história, mas que só tem um peso considerável quando expressa classes
sociais e, em menor grau, outros grupos ou frações de classes, pois não
expresssando nenhuma das tendências existentes, sua ação e eficácia é praticamente nula, a não ser que
as tendências mudem, o que significa, nesse caso, que ele apenas antecipava uma
possibilidade menos evidente e forte que em certo momento se fortalece e assim
ele ganha uma posição mais influente no curso dos acontecimentos; d) a ação
individual no processo histórico também varia de acordo com a singularidade
psíquica do indivíduo, suas habilidades, posição na sociedade, etc., sendo que
determinados indivíduos podem exercer uma maior influência no curso dos
acontecimentos do que outros, mas não fugindo da necessidade de sua ligação com
as tendências, pois caso contrário, pode apenas criar situação de crise
localizada da qual ele é mais um sintoma ou mesmo que, em casos raros, não o
seja, não poderá definir qual tendência se realizará, isso será decidido por
outros, expressando classes e forças sociais existentes e que podem reorganizar
as relações no sentido de superar a crise, seja voltando à estabilidade seja
realizando a transformação radical.
Assim, o papel
do indivíduo na história segundo a concepção materialista da história aponta
para romper com as ideologias historiográficas dos “grandes homens”[9], dos “líderes”, na qual os
indivíduos aparecem como principais agentes da história. Da mesma forma, rompe
com as ideologias metafísicas que pensam que a história é produto de abstrações
como “desenvolvimento das forças produtivas”, “sistema”, etc., pois são os
indivíduos, unidos pelo pertencimento de classe, que fazem a história, sob
condições herdadas do passado que eles podem e, muitas vezes, transformam.
Assim, o significado do indivíduo na história é compreendido pela teoria da
luta de classes.
Referências
Anderson, Perry. A Crise da Crise do
Marxismo. São Paulo, Brasiliense, 1984.
Carr,
Edward. H. Que é História? 4ª Edição,
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
Engels,
Friedrich. Engels a Joseph Bloch. In:
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* Professor
da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás; Doutor em
Sociologia pela Universidade de Brasília.
[1]
Sem dúvida, a expressão “papel” pode dar margem a equívocos, tal como na
ideologia dos “papéis sociais”. Aqui trata-se mais do termo como expressando o
seu significado no processo histórico, visando discutir sua capacidade de
intervenção e alteração dos acontecimentos sociais e históricos.
[2] As
bases dessas considerações são a teoria da natureza humana de Karl Marx (Marx,
1983; Marx e Engels, 1991; Marx, 1988).
[3] A
singularidade psíquica do indivíduo não é algo inato e sim constituído
socialmente devido às experiências e relações sociais que somente uma pessoa
pode viver no decorrer de seu processo histórico de vida e que dá forma à sua
mente de uma forma particular (Viana, 2011).
[4]
“Monarcas e rebeldes da mesma forma são o produto de condições específicas de
sua época e de seu país. (...). Ora, vejamos um rebelde proeminente e
individualista num nível mais sofisticado. Poucas pessoas reagiram mais
violentamente e mais radicalmente contra a sociedade de seu tempo e país do que
Nietzsche. No entanto, Nietzsche foi um produto direto da sociedade europeia,
mais especificamente da sociedade alemã – um fenômeno que não poderia ter
ocorrido na China ou no Peru. Uma geração após a morte de Nietzsche, tornou-se
mais claro do que havia sido para seus contemporâneos o quanto as forças
sociais europeias eram fortes, sobretudo as alemãs, de que ele fora a
expressão: Nietzsche tornou-se uma figura mais importante para a posteridade do
que para sua própria geração” (Carr, 1985, p. 47-48). O próprio Nietzsche
percebia isso e manifestou em algumas ocasiões, dizendo que seu pensamento era
incompreensível para seus contemporâneos, era para o futuro. Claro que essa
percepção não era devido ao caráter social da aceitação e reprodução de ideias
e sim de sua singularidade psíquica marcada por uma ideia de genialidade, que,
no entanto, tinha que se defrontar com a crua realidade social que não lhe
permitia um grande reconhecimento social, tal como ele esperava. Contudo, esse
reconhecimento foi realizado posteriormente, tanto pelo nazismo quanto pelo
pós-estruturalismo. Isso, no entanto, não confirmou sua ideia de genialidade
pessoal e sim que em outros momentos históricos suas concepções se tornaram
adequadas para novas necessidades sociais de determinadas classes e grupos
sociais.
[5] A
busca de status, riqueza, poder, ascensão social, são elementos fundamentais e
característicos da sociabilidade capitalista derivados da competição social,
mercantilização e burocratização da vida, e que produz uma mentalidade
burguesa, igualmente competitiva, mercantil e burocrática (Viana, 2008).
[6]
Segundo Weber, o carisma é predominante em sociedades pré-capitalistas e o
processo de racionalização aponta para uma burocratização crescente da
sociedade, o que reforça a impessoalidade.
[7] Esse termo é problemático e pouco acrescenta
a uma compreensão da sociedade, sendo um construto, ou seja, parte de um
discurso ideológico, tal como colocamos em outra oportunidade (Viana, 2007b).
[8] O
modo de produção é constituído por relações de produção, que são relações no
processo de produção entre seres humanos, marcados por uma relação de
exploração, relação de classes, luta de classes, aspectos inseparáveis (Viana,
2007b). É por isso que Marx afirmou que a “história é a história das lutas de
classes” (Marx e Engels, 1988) a partir da emergência das sociedades de classes
e em outras oportunidades colocou o papel proeminente do modo de produção.
Korsch (1983) explica isso como uma questão de ênfase no momento subjetivo
(luta de classes) e em outro caso no momento objetivo (contradição entre forças
produtivas e relações de produção), o que é problemático (Viana, 2012). Claro
que entendendo o conceito de relações de produção e modo de produção, tais
colocações são desnecessárias – e mais ainda a solução oferecida por Stavenhagen
(1978), segundo a qual as forças produtivas seriam representadas pela classe
revolucionária e as relações de produção pela classe dominante, entre outras,
bem como a tese da ambiguidade de Marx apresentada por Perry Anderson (1984) e
Agnes Heller (1982).
[9]
Isso não significa recusar a autonomia relativa e capacidade relativa de
intervenção dos indivíduos e daqueles que possuem melhor situação na hierarquia
burocrática estatal, por exemplo, mas que isso não é uma determinação de grande
importância, a não ser em casos que expresse necessidades sociais, classes
sociais e, tal como já colocamos, devido sua singularidade psíquica. É por isso
que alguns políticos profissionais um tanto quanto imprevisível ou com
determinada personalidade (singularidade psíquica) não são aceitos para
determinados cargos de direção.
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