Educação e Dialética: A contribuição da dialética para a formação intelectual (Minicurso)
Rádio Germinal
quinta-feira, 29 de maio de 2025
Educação e Dialética: A contribuição da dialética para a formação intelectual (Minicurso)
terça-feira, 27 de maio de 2025
O Marxismo diante da geografia e do anarquismo
O marxismo diante da geografia e do anarquismo
Live no Youtube
DIA 27 DE MAIO, TERÇA-FEIRA
19 HORAS
Link para acesso: https://www.youtube.com/live/y_7hYvMWVQc
segunda-feira, 26 de maio de 2025
Os campos mentais de uma episteme - 1a parte
OS CAMPOS MENTAIS DE UMA EPISTEME (1a PARTE).
O texto abaixo é um trecho do livro "O Modo de Pensar Burguês - Episteme Marxista e Episteme Burguesa" (Curitiba: CRV, 2018). A compreensão mais adequada e profunda do texto pressupõe a leitura da obra em sua totalidade. O trecho abaixo tem a introdução da parte sobre os "campos mentais" e a discussão sobre um dos campos mentais, que é o axiomático. Para compreender melhor o texto, é aconselhável, a leitura da parte anterior, que pode ser acessada clicando aqui.
Os Campos Mentais
Antes de continuar, é preciso esclarecer o significado de um
termo que será bastante utilizado aqui, que é o conceito de campo. Iniciaremos explicitando
o significado da categoria campo e depois passaremos para o conceito de campo[1]. Um campo é um conjunto coerente
que possui uma estrutura, formada por seus elementos básicos e determinantes, e
elementos derivados, formando uma totalidade, que pode ser fechada ou aberta,
dependendo das características próprias de cada campo. Isso significa dizer que
o campo é uma forma de expressar os fenômenos, mostrar suas características,
estrutura e fronteiras. Um campo não existe isolado no universo e por isso
possui mecanismos de inclusão e exclusão em relação a outros campos e a tudo
que é externo[2].
O termo campo aqui é utilizado como um conceito. Trata-se de
campos mentais ou campos constitutivos do pensamento. A realidade concreta que
abordamos com o conceito de campo é o pensamento e suas partes constitutivas. Os
campos constitutivos do pensamento em seu conjunto formam a episteme[3]. Uma episteme, para
existir, constitui alguns campos específicos, como o linguístico (que inclui o
campo lexical e semântico), o analítico, o axiomático, o perceptivo. A episteme
constitui um modo de pensar através de diversos campos que se organizam
coerentemente (com possíveis incoerências em suas manifestações concretas), bem
como o seu entendimento permite explicar esse processo.
O campo linguístico é a estrutura formal de uma episteme
composto pelo campo lexical e pelo campo semântico. A expressão campo lexical
significa um conjunto coerente de signos que possuem uma estrutura e constitui
uma totalidade que tem características próprias e fronteiras delimitadas. O
campo semântico é o conjunto coerente de significados que possuem uma estrutura
e constitui uma totalidade com características próprias e fronteiras
delimitadas. O campo analítico é o que estabelece relações e processo de formação
do pensamento. O campo axiomático é o conjunto de valores que constitui a base
valorativa de determinado pensamento. O campo perceptivo é o conjunto dos
fenômenos que, a partir dos demais campos mentais, podem ser percebidos e, por
conseguinte, podem ser analisados, captados ou gerados.
A episteme é um modo de pensar específico e, portanto, cada
episteme gera formas distintas de pensamento. É fundamental entender como a
episteme exerce uma determinação formal sobre as formas de consciência. Os
mecanismos epistêmicos que realizam esse processo de determinação são o axiomático,
o linguístico, o analítico e o perceptual. Esses quatro campos mentais são os
elementos constitutivos de uma episteme. Vamos, a partir de agora, abordar cada
um destes campos mentais.
O
Campo Axiomático
O mecanismo epistêmico mais poderoso é o axiomático. O campo
axiomático é uma parte da episteme (e também dos paradigmas, ideologias, etc.,
como mostraremos adiante) que expressa os seus valores, o que significa que
também expressa os seus desvalores, explicitando, assim, os seus interesses. É
necessário compreender que “o valor é algo significativo, importante, para um
indivíduo ou grupo social. Os valores, por conseguinte, são o conjunto de
‘seres’ (objetos, ações, ideias, pessoas, etc.) que possuem importância para os
indivíduos ou grupos sociais” (VIANA, 2007a, p. 13)[4].
Os valores podem ser autênticos e universais,
correspondentes à natureza humana, que assumem a forma de axionomia, ou podem
ser históricos, transitórios, particularistas, expressando os interesses de
determinadas classes sociais em determinadas formas de sociedade e assumindo a
forma de axiologia (VIANA, 2007a). Por conseguinte, um campo axiomático com
base axiológica é um obstáculo para o desenvolvimento da consciência e um outro
com base axionômica é um incentivo para a ampliação do saber.
Os valores estão intimamente ligados aos interesses. Eles
são a forma de manifestação dos interesses. Se alguém valora a música, por
exemplo, isso está ligado aos seus interesses, seja de alguém que é um criador
musical (e, no caso do capitalismo, isso significa que pode ser não apenas um
processo de prazer criativo, mas também um meio de sobrevivência e/ou
enriquecimento financeiro) ou apenas de alguém que gosta de ouvir músicas. Qual
é o interesse no segundo caso? Nesse caso, o prazer em ouvir música. Pode
existir um prazer na produção, bem como pode haver um prazer na audição. Os
valores se manifestam, nesse caso, através do gosto pela música e de sua
avaliação de músicas, gerando o gosto musical. Quando um indivíduo produz uma
música para realizar sua criatividade ou ouve por sentir prazer nessa
atividade, então o valor é derivado de necessidades autênticas e isso, ao mesmo
tempo, é um interesse do indivíduo. Os valores explicitam os interesses e ambos
são produtos das necessidades e desejos dos indivíduos[5].
Os valores e os interesses são os mais fortes mobilizadores
dos indivíduos e são derivados da condição social destes. No entanto, esse não
é apenas uma questão individual. As classes sociais geram, devido ao seu modo
de vida comum, interesses comuns, de acordo com sua posição na divisão social
do trabalho e diante das relações de produção dominantes[6]. Esses interesses comuns
geram, em muitos casos, valores[7]. Cada classe social vai
gerar, tendo por base esses interesses comuns, um conjunto de valores. Assim,
esses valores são a base do desenvolvimento do campo axiomático dos
intelectuais e ideólogos em geral. Eles formam o campo axiomático da episteme
em geral e dos paradigmas e ideologias derivadas, sendo que no primeiro caso
são os interesses comuns da classe e nas produções intelectuais derivadas
existem variações derivadas das subdivisões das classes sociais (desde as frações
de classes até as idiossincrasias). O campo axiomático é mais definido no caso
das classes sociais fundamentais, pois os interesses comuns dessas classes são
antagônicos e permite um delineamento mais sólido. Porém, as classes exploradas
durante a sucessão de sociedades de classes muitas vezes desenvolve, em certos
setores, determinada consciência de seus interesses, mas somente no capitalismo
foi possível uma consolidação desse processo, bem como a criação de um campo
axiomático como base para o desenvolvimento de uma episteme, através do
proletariado e seus representantes intelectuais.
Os seus valores assumem a forma de princípios e axiomas, o
que gera um processo de censura, autocensura e proscrição. A censura é composta
pelos desvalores, aquilo que deve ser condenado. Esse é o caso do que a
teologia considera blasfêmia, pois atenta contra seu campo axiomático. A
blasfêmia é condenada, censurada, e o nome é apenas a forma de se dizer que a
ideia é condenável. Da mesma forma, a autocensura significa o ocultamento de
atos (no caso, intelectuais) que não podem ser percebidos pelos outros, por
ferirem o campo axiomático no qual se insere[8]. Um teólogo não pode, por
exemplo, admitir dúvida sobre a existência de Deus, mesmo que isso ocorra em
seu íntimo e fique implícito em determinados momentos em seus escritos e falas.
A proscrição é o ato de banir determinadas ideias, afirmações, valores, o que
pode gerar o banimento dos indivíduos que materializam essas ideias,
afirmações, valores. Novamente a teologia é exemplar: as ideias de Giordano
Bruno foram não só censuradas, como também proscritas e ele mesmo foi
proscrito, por não ter se autocensurado e/ou retratado[9]. É através da análise do
campo axiomático que se torna mais perceptível os vínculos sociais, interesses
e valores por detrás de um campo analítico.
Os exemplos acima podem gerar alguns questionamentos. Um
deles é o caso de Giordano Bruno. A razão de sua proscrição pode ser apenas uma
divergência intelectual. Contudo, a divergência intelectual revela divergências
valorativas e, nesse caso, ia além da questão referente ao universo (sua
infinitude, etc.), pois remetia também às demais crenças de Bruno, que entravam
em confronto com as da Igreja. Contudo, o que é revelador, para nossos
propósitos, é que o campo axiomático dissidente de Bruno gera um campo analítico
igualmente divergente e que sem o primeiro não haveria o segundo (embora este
também possa interferir naquele)[10]. Da mesma forma, a
unidade epistêmica, no caso entre campo analítico e axiomático (e também
lexical, tal como se pode observar na própria palavra “infinito”, que ganha um
significado novo e que gera um impacto na percepção do universo), se revela,
pois um não existiria sem o outro.
Os interesses, expressos através dos valores, constituem a
determinação fundamental do campo axiomático. Por exemplo, a verdade é um
interesse das classes exploradas no decorrer da história e por isso a verdade
aparece como um valor quando estas conseguem constituir uma episteme. No
entanto, no caso das classes dominantes na história da humanidade, a verdade
como totalidade não é de seu interesse. O interesse das classes dominantes é em
verdades parciais e por isso produzem ideologias que possuem momentos de
verdade, mas que são marcadas por uma essência e totalidade marcada por
ilusões. O que é útil, necessário, benéfico, para a classe dominante, será,
para esta, um valor. E isso remete à manutenção, reprodução e ampliação da
exploração, dominação e tudo que é necessário para que isso ocorra. A verdade
em sua totalidade não é interesse da classe dominante, mas ela também não pode
dizer isso e por isso deve gerar uma concepção de verdade que expresse a
parcialidade. Por detrás dos valores encontramos os interesses.
Se os interesses estão na gênese do campo axiomático, as
relações entre as classes sociais, especialmente as classes fundamentais, é o
que explica as suas formas de manifestação. Numa relação de dominação direta, a
forma de manifestação do campo axiomático pode ser mais transparente. Em
situações nas quais as relações entre as classes são mais conflituosas ou a
correlação de forças é mais equilibrada, então a forma de manifestação tende a
ser intransparente. Essas formas de manifestação estão intimamente ligadas às
formas de autolegitimação. O campo axiomático busca autolegitimar os seus
valores e, simultaneamente, deslegitimar os demais valores, tornando-os
desvalores, ou procura pelo menos secundarizá-los. E para isso pode lançar mão
da universalização (gerando o discurso segundo o qual os seus valores são
universais) ou relativização (através do discurso da relatividade de todos os
valores) ou, ainda, hierarquização (colocando os seus valores como superiores)
e absolutização (tornando seus valores absolutos). Numa sociedade concreta,
dependendo das suas divisões internas, pode haver mais de uma forma de
legitimação ou mescla entre elas.
O sustentáculo da autolegitimação varia de acordo com a
episteme e é um processo racional e que, portanto, remete ao campo analítico e
linguístico. O sustentáculo pode ser tanto a superioridade de classe, a vontade
divina, a natureza humana, a razão, a raça, a religião, etc. O sustentáculo da
autolegitimação, no caso das classes dominantes, visa sublimar (tornar sublime)
os seus valores, apagando os seus interesses, que ficam ocultos por detrás
deles. Para tanto, criam-se diversas ideologias que buscam enfeitar a prisão
das classes exploradas com belas flores.
O campo axiomático é o terreno onde brotam os saberes. Um
campo axiomático pouco fértil, como é o das classes dominantes, gera limites
intransponíveis[11].
Um campo axiomático muito fértil, incentiva ultrapassar os limites[12]. O saber que brota do
campo axiomático das classes dominantes é extremamente limitado devido aos
valores e interesses que são seu terreno e o saber que brota do campo
axiomático que lhe é antagônico é ilimitado por causa dos valores e interesses
que são sua fonte. Desta forma, podemos dizer que determinados campos
axiomáticos limitam as condições de possibilidade do saber e o acesso à verdade
e outros incentivam sua expansão ultrapassando todos os limites. Essa limitação
do campo axiomático fundado na axiologia (determinada configuração dos valores
dominantes) é um dos principais obstáculos para o desenvolvimento da
consciência correta da realidade. Por outro lado, o campo axiomático fundado na
axionomia aponta para um desenvolvimento ilimitado da consciência correta da
realidade. Contudo, o campo axiomático não gera automaticamente determinada
forma de consciência, pois isso depende de outras determinações, desde as
relações sociais concretas até a hegemonia e contra-hegemonia existentes.
[1] A categoria, não custa
lembrar, é uma ferramenta intelectual, utilizada para analisar a realidade, não
sendo algo existente na realidade concreta, apenas no plano do pensamento como
um instrumento de seu trabalho (VIANA, 2007b). O conceito, ao contrário, é
expressão da realidade, ou seja, manifesta o que existe efetivamente. As
categorias do pensamento são as mais variadas, como espaço, direita, esquerda,
lugar, relação, etc. Uma categoria unida a um conceito pode torná-la concreta,
como, por exemplo, espaço urbano (VIANA, 2002), no qual o espaço deixa de ser
categoria para se tornar conceito ao ganhar concreticidade, ou seja, se tornar
urbano e expressão de algo social realmente existente.
[2] É preciso ter em mente que
não utilizamos o termo campo no sentido comum e nem no sentido especializado,
tal como desenvolvido pela biologia e física, para citar dois exemplos. Aqui o
termo “campo” aparece no interior de um determinado campo linguístico (termo
que será explicitado adiante), e isso lhe traz um significado específico e
distinto dos demais.
[3] E todas as formas de
consciência existentes, mas não trataremos disso por não ser nosso foco
teórico.
[4] Não é possível aqui
abordar a questão dos valores em sua totalidade e complexidade e por isso
remetemos a outra obra na qual efetivamos tal abordagem (VIANA, 2007a).
[5] As necessidades podem ou
não ser satisfeitas. As necessidades não satisfeitas são potencialidades. As
necessidades radicais dos seres humanos são produtos da natureza humana e são
diferentes dos desejos, que são produtos sociais e históricos, ligados a processos
mais particulares. Se eles forem coerentes com as necessidades radicais, então
assumem um caráter positivo, mas se forem incoerentes ou contraditórios,
assumem uma forma negativa. O desejo de enriquecimento financeiro é um produto
da sociedade capitalista e quando se torna valor fundamental ou principal
interesse, ou seja, prioridade para determinado indivíduo, assume a forma
negativa. O desejo de produzir uma poesia, em qualquer circunstância, assume a
forma positiva (o conteúdo da poesia remete para outra discussão), pois
expressa a necessidade humana de criatividade.
[6] Para uma discussão sobre a
teoria das classes sociais que serve de base para nossa análise, sugerimos a
leitura da obra A Teoria das Classes
Sociais em Karl Marx (VIANA, 2018a)
[7] Determinados interesses,
no entanto, precisam ficar ocultos e aparecer metamorfoseados em valores
nobres, interesses universais, etc. Assim, na ideologia liberal, o
individualismo do proprietário aparece como expressão da necessidade universal
dos indivíduos, para citar apenas um exemplo.
[8] E, nesse caso, de forma
contraditória. As razões da contradição são variadas, desde idiossincrasias até
processos sociais mais complexos que atingem determinados indivíduos.
[9] Optamos pelo exemplo do
saber teológico por sua comodidade e fácil compreensão e para não ser
repetitivo quando tratarmos da episteme burguesa e seus procedimentos, bem como
para mostrar que o procedimento teológico que escandaliza as mentes “racionais”,
“esclarecidas” e “científicas” de hoje é o mesmo que elas fazem atualmente, sob
outra forma e com outros nomes.
[10] No caso de um indivíduo
concreto, o desenvolvimento da consciência (ou adoção de uma ideologia, que é
seu emperramento em termos substanciais) pode gerar mudança de valores e
determinadas descobertas intelectuais podem mudar o indivíduo, bem como em outros
indivíduos ocorrem o processo contrário. Determinadas ideias podem incentivar
determinados valores e vice-versa (VIANA, 2007a), mas eles estão unificados,
mesmo existindo algumas contradições.
[11] Marx percebeu os limites
intransponíveis da consciência burguesa (ou “ciência burguesa”) ao analisar o
desenvolvimento da economia política: “a ciência burguesa da economia havia,
porém, chegado aos seus limites intransponíveis” (MARX, 1988b, p. 135). Quais
eram esses “limites intransponíveis”? Era o que poderia ser admitido da
perspectiva burguesa, ou seja, a partir dos interesses dessa classe.
[12] Isso pode ocorrer tanto
sob formas mais simples quanto mais complexas. As formas mais simples acabam
desenvolvendo algumas ideias básicas verdadeiras, mas sua simplicidade (e
muitas vezes esquematização exagerada) causa obstáculos e limites. A forma mais
complexa não é apenas mais “complicada” e “difícil”, embora também o seja. Ela
é mais ampla e profunda, já que é um desenvolvimento mais totalizante, profundo
e coerente do saber e por isso também é mais complicada e difícil. O campo
axiomático é fundamental, mas não suficiente, no plano do desenvolvimento da
consciência, pois é necessário também o desenvolvimento do campo analítico e
linguístico coerente com ele e permitindo sua realização mais ampla e total. O
campo axiomático se desenvolve de forma limitada se não ocorrer simultaneamente
um desenvolvimento do campo analítico, perceptual e linguístico.
quinta-feira, 17 de abril de 2025
O MAL-ESTAR PSÍQUICO NA CONTEMPORANEIDADE
O MAL-ESTAR PSÍQUICO NA CONTEMPORANEIDADE
Mais informações e inscrições:
CURSO: O MAL-ESTAR PSÍQUICO NA CONTEMPORANEIDADE
Palestrante: Dr. Nildo Viana/FCS-UFG
Data: 17 de Maio de 2025
Horário: 08:00 - 12:00
Local: Ruptura – Espaço Cultural.
Promoção: NUPAC
Apoio: GPDS/UFG; NPM/UEG; NECSSO/UFPR; NEMOS/UFG; LAS/UFG.
Objetivos: O curso tem como objetivo proporcionar um debate sobre a questão do mal-estar psíquico na contemporaneidade. Para tanto, precisa discutir sobre a questão da modernidade e mal-estar psíquico em nível mais geral para, posteriormente, tratar de sua manifestação e intensificação na contemporaneidade, o que pressupõe discutir, mesmo que brevemente, a questão do capitalismo contemporâneo, e os seus efeitos psíquicos negativos, bem como formas de combater sua reprodução e ampliação.
Justificativa: Na época do chamado “Estado de Bem-Estar Social” já se trata de vários “problemas psicológicos” e vária outras situações que geravam desconforto psíquico. Na contemporaneidade, a partir da ascensão do regime de acumulação integral, a situação psíquica da população piorou drasticamente. Além dos problemas já comuns, emergem novas formas de sofrimento psíquico e outras, já existentes, se intensificam e/ou passam a atingir um maior percentual da população: ansiedade, neurose, psicose, stress, burnout, a depressão, entre diversas outras. Assim, essa se torna uma das questões fundamentais da nossa época e possui efeitos sociais e políticos importantes para a dinâmica histórica da nossa sociedade. Dessa forma, se torna essencial discutir, analisar e refletir sobre o seu significado, suas determinações, suas consequências e as ações possíveis diante dessa realidade de crescente sofrimento psíquico.
Metodologia: O curso se realizará em encontro único, com quatro horas de duração (08:00-12:00). O encontro será dividido em uma parte mais extensa para exposição e outra, no final, para depoimentos e debates.
Inscrições: https://www.even3.com.br/o-mal-estar-psiquico-na-contemporaneidade-549202/
Valor: R$ 10,00
* Haverá emissão de certificado.
** Vagas limitadas (35 pessoas).
quarta-feira, 12 de março de 2025
Curso de Extensão (presencial): A Contemporaneidade através do pensamento Crítico
Curso de Extensão (presencial): A Contemporaneidade através do pensamento Crítico
Informações, datas e inscrições:
Use o QR Code cima ou clique em:
https://www.even3.com.br/a-contemporaneidade-atraves-do-pensamento-critico-535612/
CURSO DE EXTENSÃO PRESENCIAL
A CONTEMPORANEIDADE ATRAVÉS DO PENSAMENTO CRÍTICO
INTRODUÇÃO: O curso tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre a contemporaneidade a partir da contribuição de alguns pensadores críticos. Entendemos por contemporaneidade a sociedade moderna em seu atual estágio, marcado pelo regime de acumulação integral, dominado pelo neoliberalismo, toyotismo e hiperimperialismo. Para entender a atual fase do capitalismo, alguns autores críticos, que produziram suas obras em outro momento histórico, trazem elementos importantes para compreender e analisar a contemporaneidade. Assim, a partir das contribuições de Karl Marx, Ernst Bloch, Erich Fromm, Wright Mills, Maurício Tragtenberg e Russel Jacoby, realizaremos reflexões sobre a contemporaneidade. O curso será ministrado por Cleito Pereira dos Santos, Lucas Maia e Nildo Viana.
JUSTIFICATIVA: A contemporaneidade emerge como uma complexa gama de mutações e processos sociais e culturais que continuam trazendo novidades. Assim ela desafia os pensadores sociais, cientistas sociais e todos que refletem ao seu respeito a tentar compreendê-la, como se fosse um enigma: “decifra-me ou te devoro”. Alguns autores escreveram obras sobre aspectos da realidade contemporânea e alguns até tentaram apresentar uma percepção mais global sobre ela. Porém, com raríssimas exceções, não conseguiram dar respostas satisfatórias, pois suas bases teóricas e metódicas eram limitadas. Nesse sentido, um exercício importante seria retomar pensadores fundamentais e críticos para trazer elementos teóricos para repensar a contemporaneidade. Marx e sua teoria do capitalismo traz uma instigante contribuição que ajuda a entender a dinâmica contemporânea; Ernst Bloch traz elementos importantes para pensar a chamada “crise das utopias”; Erich Fromm traz elementos interessantes para uma psicanálise da contemporaneidade e com suas teses permite análises dos processos psíquicos na atualidade; Wright Mills contribui com reflexão crítica da sociologia e com sua análise do caráter relacionado com a estrutura social; Maurício Tragtenberg apresenta uma reflexão fundamental sobre burocracia e autogestão que ajudam a entender as lutas políticas contemporâneas; por fim, Russel Jacoby traz elementos para se pensar a intelectualidade e suas mutações, bem como a chamada “política de subjetividade”, aspecto basilar do atual paradigma hegemônico. Em síntese, esses pensadores trazem não apenas um pensamento crítico, mas também concepções que são úteis para o processo analítico da contemporaneidade e o curso visa trazer suas contribuições para pensar o contemporâneo e assim enriquecer a autoconsciência da realidade presente.
METODOLOGIA: O curso se realizará através de seis encontros/palestras. Num primeiro momento, haverá a exposição do professor convidado das 14:00 às 15:50. Após um breve intervalo de 20 minutos, o grupo se reunirá para debater e discutir a exposição, o autor, o tema e sua relação com a contemporaneidade. Num primeiro momento, o expositor responderá as questões apresentadas pelos participantes. Num segundo momento, o grupo presente funcionará como um grupo de estudos que debaterá a temática do dia. Sob forma complementar, será criado um grupo de estudos virtual no WhatsApp, que ficará ativo enquanto o curso durar, visando debates e conversas posteriores aos encontros presenciais, bem como para facilitar o processo de informação. Para a conclusão do curso é solicitado um relatório que sintetize as discussões realizadas nos seis encontros ou, se o participante quiser contribuir com o livro-coletânea, um artigo que será avaliado e posteriormente, caso aprovado, publicado.
CARGA HORÁRIA: A carga horária total do curso será de 60 horas. Ela será dividida em horas de palestras e debates; participação em grupo de estudos virtual e relatório/artigo final.
PERÍODO DE REALIZAÇÃO: De 24 de Abril a 30 de novembro.
PROGRAMAÇÃO:
01. 24 de abril: O Pensamento Crítico de Marx e a Contemporaneidade, com Prof. Dr. Cleito Pereira dos Santos (FCS/UFG).
02. 29 de maio: O Pensamento Crítico de Ernst Bloch e a Contemporaneidade, com Prof. Dr. Lucas Maia dos Santos (IFG).
03. 26 de junho: O Pensamento Crítico de Erich Fromm e a Contemporaneidade, com Prof. Dr. Nildo Viana (FCS/UFG).
04. 04 de setembro: O Pensamento Crítico de Wright Mills e a Contemporaneidade, com Prof. Dr. Nildo Viana (FCS/UFG).
05. 02 de outubro: O Pensamento Crítico de Maurício Tragtenberg e a Contemporaneidade, com Prof. Dr. Cleito Pereira dos Santos (FCS/UFG).
06. 06 de novembro: O Pensamento Crítico de Russel Jacoby e a contemporaneidade, com Prof. Dr. Nildo Viana (FCS/UFG).
Do dia 24 de abril até 30 de novembro: Grupos de Estudos Virtual.
Do dia 06 ao dia 30 de novembro: Elaboração de relatório ou artigo.
Observação: as datas exatas das exposições poderão sofrer alterações derivadas de elementos imprevistos inicialmente.
EXIGÊNCIAS PARA CERTIFICAÇÃO: O certificado será concedido para todos que participarem de pelo menos quatro encontros (66%), entrar no grupo de estudos virtual e entregar o relatório ou artigo. A opção de artigo é para quem quiser participar da publicação de um livro-coletânea sobre Pensamento Crítico e Contemporaneidade (dependendo do número de artigos publicados, poderá ser mais de um volume) a ser publicado pela Ragnatela Editora (https://editoraragnatela.com). O envio do artigo garante a certificação, mas a publicação vai depender de avaliação do Conselho Editorial da editora e do organizador da coletânea e do pagamento de uma taxa adicional para cobrir custos de edição, no valor de R$125,00. Atenção: não haverá reembolso da quantia apresentada para publicação, mesmo que o participante não entregue o artigo/capítulo ou desista do curso, ou o texto seja reprovado [os artigos com problemas serão reenviados para os autores para correções e revisões, em, no mínimo, duas vezes]. A opção pelo relatório (de 400 a 1.000 palavras) garante a certificação, sem processo de avaliação, valendo como exercício de reflexão sobre as leituras, aulas e debates realizados durante o curso. O modelo de relatório pode ser acessado no seguinte link: [https://docs.google.com/document/d/16n8J4mEzEBr1gIF9XiK1DpMxncQU2IUe/edit?usp=sharing&ouid=115288496161643876392&rtpof=true&sd=true]. As normas para envio de artigos estão disponíveis no link de "Submissões" e no link: [https://drive.google.com/file/d/1Spnj5vNNPF56XaWgKKkL9Kfl3Ms2ofkO/view?usp=sharing] . Caso os participantes que optarem pelo artigo necessitem do certificado antes do prazo final de submissão, poderão submeter um resumo para garantir a emissão antecipada do mesmo. Casos excepcionais serão avaliados pela comissão organizadora.
terça-feira, 11 de março de 2025
O CONCEITO DE EPISTEME (TRECHO DO LIVRO "O MODO DE PENSAR BURGUÊS")
O CONCEITO DE EPISTEME
(TRECHO DO LIVRO "O MODO DE PENSAR BURGUÊS")*
O Conceito de Episteme
O conceito de episteme é relativamente simples[1]. A episteme é um modo de
constituição de ideias (ideologias, teorias, representações, concepções,
crenças, doutrinas, etc.), um modo de pensar. Em outras palavras, é um modo de
produzir ideias, uma forma de criação cultural. Essa forma de produção cultural
tem efeito sobre o conteúdo do pensamento. O modo de pensar influência o
resultado do pensamento[2]. O modo de pensar é uma
forma e por isso se distingue do conteúdo do pensamento. O conteúdo do
pensamento determina a sua forma e essa, uma vez existente e consolidada,
determina os demais conteúdos de pensamento. A episteme é uma infraestrutura de
pensamento, ou seja, um modo de pensar (ou modo de constituição do
pensamento/saber/consciência) que se fundamenta em determinada mentalidade e
gera um campo linguístico (composto por um campo lexical e um campo semântico),
um campo axiomático e um campo analítico (epistêmicos) que, por sua vez, assume
a forma de paradigmas (que geram campos analíticos, axiomáticos e linguísticos paradigmáticos)
que criam superestruturas de pensamento, ideologias, doutrinas, métodos, etc.,
que constituem seus próprios campos linguísticos, axiomáticos e analíticos[3].
É preciso abrir um parêntesis para explicar o conceito de
mentalidade. O conceito de mentalidade expressa os elementos mais determinantes
na mente humana (valores fundamentais, sentimentos mais arraigados, concepções
mais profundas), que, por sua vez, são uma introjeção da sociabilidade
dominante a partir de determinados interesses, que, nas sociedades classistas,
são interesses de classe (VIANA, 2008a). Sem dúvida, os interesses da classe
dominante são distintos dos das demais classes, mas acaba predominando por
força de sua correspondência com a sociabilidade, com os interesses imediatos
das demais classes, a força das ideias e ideologias dessa classe, com todo o
seu poder de imposição. A mentalidade dominante é a mentalidade da classe
dominante.
A mentalidade é uma das determinações mais poderosas das
formas de consciência e da episteme. A mentalidade é o conteúdo, a episteme é a
forma. A mentalidade constitui a episteme e essa, uma vez constituída, a
reproduz e reforça. Forma e conteúdo, episteme e mentalidade, formam uma
unidade. No caso da episteme burguesa, ela é fruto da mentalidade burguesa e,
uma vez existindo, reproduz e reforça tal mentalidade, sendo sua expressão
formal e determinação do pensamento, ou seja, de conteúdos derivados desenvolvidos
através das diversas formas de consciência. A episteme é uma das determinações
da consciência concreta dos indivíduos, do seu saber específico e de sua forma
específica de produzir saber.
Aqui é importante uma discussão sobre a relação entre
episteme e saber. Não se trata do saber comum, ou seja, das representações
cotidianas e sim da noosfera, ou seja, o saber complexo, que emerge em sua
forma desenvolvida com o pensamento científico. Em sua forma elementar,
apareceu na sociedade escravista com a filosofia e na sociedade feudal com a
teologia. O saber noosférico, ou complexo, especialmente a ciência (que, na
sociedade moderna, exerce uma grande influência sobre as demais formas de
saber), possui uma forma de estruturação específica e que se torna uma camisa
de força do pensamento. A episteme é a infraestrutura do saber noosférico[4], exercendo uma
determinação formal sobre o mesmo, que é, ao mesmo tempo, substancial, pois a
forma impõe limites ao desenvolvimento do conteúdo. E não apenas impõe limites,
pois também determina o seu processo criativo e renovador. Ela é um processo
mental subjacente e por isso não é facilmente perceptível, já que ela gera
milhares de conteúdos de pensamento, ideologias, doutrinas, representações, ou
seja, formas de existência que ofuscam a essência. E sua percepção fica ainda
mais difícil ao ver a diversidade e oposições entre estes conteúdos de
pensamento.
A episteme tem sua origem no saber noosférico, mas tende a
se impor, com o passar do tempo, no âmbito das representações cotidianas,
embora através de um processo de simplificação e outras mutações que ocorrem no
processo de passagem de um para outro (VIANA, 2015a; VIANA, 2008b). Marx já
havia colocado que as representações cotidianas eram sistematizadas pela
economia política (MARX, 1988), ou, em casos mais gerais, segundo nossa
concepção, pelo saber noosférico (incluindo todas as formas de saber complexo e
não apenas o científico). Desta forma, as representações cotidianas e o saber
noosférico se reforçam reciprocamente. Contudo, a gênese histórica desse
processo é diferente do que ocorre na época em que isso já se estabeleceu. A
razão disso é que após o estabelecimento de uma determinada hegemonia, uma
episteme hegemônica no saber noosférico tende a se generalizar pela sociedade,
e quando isso ocorre e as próprias representações cotidianas reproduzem
aspectos dessa episteme, o que cria uma unidade e reforço mútuo no processo de
desenvolvimento histórico.
Isso parece entrar em contradição com o materialismo
histórico. No entanto, não há nenhuma incoerência nessa concepção. Desde Marx é
perceptível que as formas de consciência (ciência, religião, representações
cotidianas, etc.) são produtos sociais e históricos. Há uma afirmação clássica
de Karl Marx sobre isso:
A produção de ideias, de representações, da consciência, está, de
início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio
material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o
intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu
comportamento material. O mesmo ocorre com a produção espiritual, tal como
aparece na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da
metafísica, etc., de um povo. Os homens são os produtores de suas representações,
de suas ideias, etc., mas os homens reais e ativos, tal como se acham
condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e
pelo intercâmbio que a ele corresponde até chegar às suas formações mais
amplas. A consciência jamais pode ser
outra coisa que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida
real. E se, em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem
invertidos como numa câmara escura, tal fenômeno decorre de seu processo
histórico de vida, do mesmo modo por que a inversão dos objetos na retina
decorre de seu processo de vida diretamente físico (MARX e ENGELS, 1982).
Isso quer dizer que é na vida real, a partir das relações
sociais concretas, que emergem as formas de consciência, as ideias, as
representações. Esse processo remete ao modo de produção e o modo de vida que
ele constitui, que, nas sociedades classistas, são distintos, gerando distintas
formas de consciência, apesar da hegemonia da classe dominante, pois “as ideias
dominantes são as ideias da classe dominante” (MARX e ENGELS, 1988). O saber
noosférico não surge do nada. Ele surge do processo real, social. Ele está
intimamente ligado ao processo de produção e reprodução da vida material, bem
como do conjunto das relações sociais, e dos interesses, valores, etc.,
gestados a partir disso. Um dos elementos fundamentais é entender que o modo de
produção capitalista gera uma sociabilidade burguesa e essa, introjetada pelos
indivíduos, engendra uma mentalidade igualmente burguesa (VIANA, 2008a). Essa
mentalidade se cristaliza e solidifica, bem como as formas de consciência
elaboradas a partir dela. Ela acaba gerando um modo de pensar burguês. É
justamente esse modo de pensar burguês que denominamos episteme burguesa.
Antes de tratar da episteme burguesa é necessário abordar
como a episteme acaba sendo uma das determinações das produções intelectuais
subsequentes. A explicação desse processo não entra em contradição com o
materialismo histórico, como já colocamos. Uma episteme é um modo de pensar subjacente
(geralmente não-consciente) que é constituído social e historicamente, mas, uma
vez existindo, se cristaliza e autonomiza e, por conseguinte, torna-se uma
determinação formal do pensamento que interfere diretamente na constituição de
seus conteúdos, ou seja, das ideias, das formas de consciência. Ela, de acordo
com o materialismo histórico, tem uma base real (modo de produção dominante,
sociabilidade, mentalidade, interesses de classe, etc.) que a constitui. Uma
episteme, ao ser constituída, torna-se algo real, existente concretamente, e,
por conseguinte, é não só algo determinado, como também exerce determinação.
Assim, ela determina conteúdos de pensamento e ações derivadas deles. As
epistemes antes do capitalismo, tais como a escravista e a feudal, eram
processos elementares e seu desenvolvimento ocorre na sociedade moderna, que é
onde emergem as duas epistemes mais desenvolvidas, a burguesa e a marxista[5]. A episteme burguesa é um
modo de pensar conservador, presentista, fechado, reprodutor do capitalismo. A
episteme marxista é um modo de pensar futurista, aberto, crítico do capitalismo
e uma consciência antecipadora de uma nova sociedade, fundada na liberdade
humana. É por isso que vamos, aqui, nos remeter, para explicar o conceito de
episteme, às suas formas mais desenvolvidas, especialmente a burguesa, pois não
só facilita a compreensão por sua contemporaneidade, mas também por seu caráter
mais desenvolvido e acabado.
O modo de produção capitalista gera uma sociabilidade e uma
mentalidade que é correspondente a ele. A mentalidade burguesa se cristaliza,
bem como a episteme dela derivada. Elas se tornam sólidas e passam a determinar
a constituição do saber noosférico (complexo) e mesmo as representações
cotidianas. A cristalização do modo de pensar burguês explica esse processo. É
preciso recordar, no entanto, que tal cristalização é produto social e
histórico, significa a reprodução não apenas da mentalidade burguesa, mas
também da sociabilidade capitalista e os interesses derivados dela[6]. Ou seja, a episteme
burguesa tem sua origem na mentalidade burguesa e na sociabilidade capitalista.
A sociabilidade capitalista, por sua vez, também é a base da mentalidade
burguesa. Em outras palavras, a sociabilidade capitalista atua duplamente sobre
a episteme burguesa: diretamente, através da força das relações sociais que a
constitui, e indiretamente, através da mentalidade burguesa.
O modo de pensar burguês se cristaliza e autonomiza, sendo
uma determinação formal sobre as formas de consciência, mas só faz isso por não
entrar em contradição com os interesses, valores, etc., predominantes e nem com
o modo de produção capitalista e sociabilidade burguesa. O modo de pensar
burguês, ou a episteme burguesa, reproduz a base real, que é a sociedade
capitalista, e os interesses, necessidades, valores, bem como a mentalidade que
corresponde a ela e é a mais adequada para quem não quer superá-la, para quem
quer se mover e se dar bem no seu interior. Isso quer dizer que a episteme burguesa, ou o modo de pensar
burguês, corresponde aos interesses da classe capitalista e, por
conseguinte, reproduz e reforça a
mentalidade burguesa e a sociabilidade capitalista. Ela é uma das formas
sociais de reprodução do capitalismo. A episteme burguesa, uma vez existindo,
se cristaliza, se generaliza, se autonomiza. Ao invés de ser mero derivado,
passa a ser elemento ativo e reprodutor do mundo existente, ou seja, da
sociedade capitalista. Através do modo de
pensar burguês, não é possível romper com a sociedade capitalista.
A força das ideias e da mentalidade não pode ser
desconsiderada[7].
A mentalidade e as ideias são determinações da ação humana e, portanto, parte e
determinação da realidade. As ideias determinam a realidade? Não foi essa a
afirmação que fizemos e sim que elas também determinam a realidade, sendo parte
de suas múltiplas determinações. O que Marx sempre recusou foi a formulação
segundo a qual “as ideias constituem ou determinam a realidade”, sob forma
unilateral, tal como faz o modo de pensar burguês (GOMES, 2017). Na parte
dedicada ao pensamento desse autor retomaremos isso.
É preciso reconhecer o caráter ativo das ideias, das
representações, das ideologias, teoria, utopias, etc. E, mais ainda, a força
das ideias dominantes, tanto das ideologias quanto das demais formações do
pensamento burguês. E é por isso que a análise da episteme burguesa e das
renovações hegemônicas se torna fundamental. Há um reforço recíproco entre
sociabilidade capitalista e mentalidade burguesa, bem como entre sociedade
capitalista e episteme burguesa. A percepção disso é uma conquista do
materialismo histórico e por isso há uma coerência epistêmica em nossa análise.
Esclarecido esse aspecto da questão, podemos voltar para a
discussão sobre episteme. Afirmamos anteriormente que a episteme exerce uma
determinação formal sobre o pensamento. Essa afirmação precisa ser aprofundada,
pois essa determinação formal não é apenas na
forma e também da forma sobre o
conteúdo. Esse processo pode ser visto e exemplificado na vida cotidiana.
Um indivíduo religioso, ou seja, portador de uma consciência religiosa do mundo
(o que exclui aqueles cuja religião é apenas um apêndice secundário em seu
pensamento) vai perceber determinado fenômeno sob forma distinta de um
indivíduo racionalista, portador de uma concepção cientificista. O aborto, a
prostituição, a homossexualidade, a existência de Deus, o comunismo, serão
percebidos sob formas distintas, pois trata-se de formas distintas de pensar. O
indivíduo religioso se fundamenta na revelação e o cientificista na razão ou no
“empírico”. Para o primeiro, a existência de Deus é inquestionável e para o
outro é improvável. Isso exemplifica o fato de que determinados conteúdos da
consciência humana são determinados pelo modo de pensar[8].
Todo ser humano age sobre o mundo a partir de sua percepção
dele e sua percepção é formada pela consciência. Se Antônio Conselheiro
realizou a luta pela terra falando de monarquia, messias, entre outros
elementos religiosos, isso se deve ao seu referencial. Ele expressava
necessidades e interesses reais, mas a forma do pensamento que ele tinha
acesso, que era o seu referencial, não era a marxista, a científica, etc. Era a
forma religiosa (e rústica) de pensar e foi ela que esteve na base da luta
efetivada naquele contexto. Em poucas palavras, as necessidades e interesses
não geram, automaticamente, ação e não determinam, imediatamente, a forma de
luta. Existe, nesse processo, uma mediação, que é da consciência. Essa, por sua
vez, trabalha com referenciais, modos de pensar, epistemes, conteúdos de
pensamento, que geram interpretações e ações determinadas. Isso deveria ser tão
cristalino para aqueles que se dizem marxistas[9], pois é ela é uma das determinações
da não concretização da revolução proletária e instauração da sociedade
autogerida.
[1] É possível se questionar
sobre a razão do uso do termo “episteme” ao invés de “epistemologia”. O campo
linguístico marxista geralmente reserva ao sufixo “logia” um caráter ideológico
e axiológico (como em “ideologia”, “axiologia”, etc.) e prefere usar outros
sufixos, como “nomia”, por exemplo. Além disso, o termo “epistemologia” é de
uso comum e com sentidos distintos do que atribuímos a episteme (tais como um
“ramo da filosofia”, uma “ciência particular”, etc.), um termo raramente usado
e que por isso tem menos possibilidade de confusão terminológica. Foucault, em As Palavras e as Coisas, usou o termo
episteme e há uma semelhança entre o significado que ele atribui a esta palavra
e o que nós atribuímos. Ele coloca que a episteme está no âmbito da discussão
epistemológica e seria como “códigos fundamentais de uma cultura”, vista sob
forma abstratificada. A semelhança entre a abordagem foucaultina e a aqui
explicitada se limita ao uso da palavra “episteme” e uma percepção, sob formas
diferentes, de que se trata de um processo mental subjacente. As principais
diferenças são derivadas da episteme burguesa e paradigma estruturalista de
Foucault, que é uma concepção metafísica, e seu antagonismo com a episteme
marxista, base de nossa concepção. Assim, os elementos constitutivos das
epistemes, sua durabilidade, entre outros aspectos, são bem distintos, além da
diferença fundamental que é que a concepção marxista aponta para a percepção
das raízes sociais das epistemes, seus vínculos históricos e de classe social.
[2] Marx já havia demonstrado,
quando discutiu o trabalho alienado, que o controle de atividade gera um
controle do produto da atividade, ou seja, o não-trabalhador ao controlar a
atividade do trabalhador, controla também o seu resultado. A ideia de Marx era
mostrar que o trabalho é que cria a propriedade através da dominação ou
controle (MARX, 1983) e que, portanto, era uma relação de classes fundada na
exploração (embora esse termo só seja utilizado em suas obras posteriores). Sem
dúvida, no caso do trabalho alienado, o controle é direto, do proprietário
sobre o trabalhador. No caso da atividade mental o controle é indireto. Os
adeptos do paradigma hegemônico atual discordariam disso, afirmando que não há
controle, que o indivíduo é “livre” na sua produção de pensamento. Isso é
totalmente falso, pois os indivíduos não escolhem o idioma do seu país e que é
constrangido a utilizar, assim como não escolhem o campo lexical, etc. e,
fundamentalmente, não escolhem o seu modo de pensar, a sua episteme, a não ser após
um certo desenvolvimento intelectual que permite a sua autonomização. Isso será
desenvolvido adiante, mas o que interessa aqui é colocar que a atividade mental
é indiretamente controlada e uma das formas de controle (além das diversas
formas sociais) é através da episteme.
[3] Adiante vamos esclarecer
os conceitos de campo, campo linguístico, campo axiomático e campo analítico.
[4] Antes do capitalismo,
podemos dizer que existiu uma noosfera elementar, bem como uma episteme
elementar. Essa episteme elementar existiu até mesmo nas sociedades simples,
sendo que sua forma elementar determinava seu caráter igualmente elementar.
[5] A episteme marxista é uma
episteme proletária, mas como não está imediatamente encarnada no proletariado,
pois apenas realiza isso em momentos revolucionários, quando o proletariado se
torna classe autodeterminada, e se caracteriza por ser uma consciência
antecipadora expressa no marxismo, então esse é o nome mais adequado. Isso
evita, por exemplo, as confusões de obreiristas, autonomistas e outros, que
fazem apologia do proletariado como classe determinada pelo capital. O encontro
do proletariado como classe concreta, com a episteme marxista (enquanto modo de
pensar e não no sentido de toda sua complexa e ampla produção teórica) ocorre
com a fusão revolucionária no momento da revolução proletária. Uma das
diferenças da episteme marxista para a episteme burguesa é que a primeira é
autoconsciente, enquanto que a segunda é predominantemente não consciente (em
seu caráter epistêmico, mas no caso das ideologias e paradigmas e seus vínculos
com interesses de classe e valores, geralmente é consciente, embora muitas
vezes possa não perceber ou recusar intencionalmente sua existência).
[6] E, não custa recordar, o
mesmo processo atinge a mentalidade burguesa.
[7] A esse respeito, o
pseudomarxismo, do qual trataremos adiante, acaba reproduzindo a episteme
burguesa. Num antinomismo destituído de concreticidade, típico do modo de
pensar burguês considera que as ideias são meros epifenômenos e que, segundo
esta ideologia pseudomarxista, postular qualquer aspecto ativo ao pensamento é
“idealismo”. Muitos nem sequer percebem que o seu “materialismo” é burguês.
Korsch (1977), nos anos 1920, já havia refutado isso ao colocar que as ideias
fazem parte da realidade e por isso atuam sobre ela. A confusão pseudomarxista
sobre a questão das ideias revela a força do modo de pensar burguês que
consegue deformar um modo de pensar antagônico em seu semelhante (GOMES, 2017).
Adiante, quando abordarmos a revolução epistêmica de Marx, retomaremos essas
questões.
[8] E isso mostra também que
cada modo de pensar vai gerando formas de se expressar, ou seja, uma linguagem
própria.
[9] E isso deveria ser mais
evidente ainda se percebessem que o seu marxismo, ou o que é mais comum, o seu
pseudomarxismo, é a fonte de suas interpretações e ações, mesmo quando é uma
mera concepção materialista vulgar (no caso das concepções pseudomarxistas).