Rádio Germinal

RÁDIO GERMINAL, onde a música não é mercadoria; é crítica, qualidade e utopia. Para iniciar clique em seta e para pausar clique em quadrado. Para acessar a Rádio Germinal, clique aqui.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Educação e Dialética: A contribuição da dialética para a formação intelectual (Minicurso)

Educação e Dialética: A contribuição da dialética para a formação intelectual (Minicurso)



MC02: Educação e Dialética: A contribuição da dialética para a formação intelectual 
Ministrante: Nildo Viana (UFG)

A partir do desenvolvimento realizado por Marx, a dialética se transformou num método fundamental para a compreensão da realidade. Por conseguinte, a dialética deveria ter tido um forte impacto nas concepções pedagógicas e técnicas de ensino. Porém, isso requer uma compreensão mais ampla da dialética como método, com todos os seus pressupostos e recursos, bem como sua adaptação ao processo educacional. Esse processo enfrenta o obstáculo da hegemonia da episteme burguesa, antidialética, e ideologias hegemônicas. Isso torna resgatar o verdadeiro significado da dialética e sua contribuição ao processo de ensino-aprendizagem. Na contemporaneidade, na qual a internet permite uma enorme gama de informações, é fundamental uma formação crítica para trabalhar com elas, através de uma análise dialética e um processo de abordagem genética, analítica e sintética. A compreensão da formação das categorias, conceitos, processo de abstração e concreção, deve ser materializada no processo educacional.

Informações e Inscrições:


Veja também, no mesmo evento:

Mesa Redonda:



GT: Dilemas da Educação na Sociedade Contemporânea:


2º Congresso Internacional e Multidisciplinar de Educação: Educação e Cidadania na Era da Desinformação tem apoio do GPDS - Grupo de Pesquisa Dialética e Sociedade/FCS-UFG.


terça-feira, 27 de maio de 2025

O Marxismo diante da geografia e do anarquismo

 O marxismo diante da geografia e do anarquismo

Live no Youtube



DIA 27 DE MAIO, TERÇA-FEIRA

19 HORAS

Link para acesso: https://www.youtube.com/live/y_7hYvMWVQc 


segunda-feira, 26 de maio de 2025

Os campos mentais de uma episteme - 1a parte

 OS CAMPOS MENTAIS DE UMA EPISTEME (1a PARTE).



O texto abaixo é um trecho do livro "O Modo de Pensar Burguês - Episteme Marxista e Episteme Burguesa" (Curitiba: CRV, 2018). A compreensão mais adequada e profunda do texto pressupõe a leitura da obra em sua totalidade. O trecho abaixo tem a introdução da parte sobre os "campos mentais" e a discussão sobre um dos campos mentais, que é o axiomático. Para compreender melhor o texto, é aconselhável, a leitura da parte anterior, que pode ser acessada clicando aqui.


Os Campos Mentais

Antes de continuar, é preciso esclarecer o significado de um termo que será bastante utilizado aqui, que é o conceito de campo. Iniciaremos explicitando o significado da categoria campo e depois passaremos para o conceito de campo[1]. Um campo é um conjunto coerente que possui uma estrutura, formada por seus elementos básicos e determinantes, e elementos derivados, formando uma totalidade, que pode ser fechada ou aberta, dependendo das características próprias de cada campo. Isso significa dizer que o campo é uma forma de expressar os fenômenos, mostrar suas características, estrutura e fronteiras. Um campo não existe isolado no universo e por isso possui mecanismos de inclusão e exclusão em relação a outros campos e a tudo que é externo[2].

O termo campo aqui é utilizado como um conceito. Trata-se de campos mentais ou campos constitutivos do pensamento. A realidade concreta que abordamos com o conceito de campo é o pensamento e suas partes constitutivas. Os campos constitutivos do pensamento em seu conjunto formam a episteme[3]. Uma episteme, para existir, constitui alguns campos específicos, como o linguístico (que inclui o campo lexical e semântico), o analítico, o axiomático, o perceptivo. A episteme constitui um modo de pensar através de diversos campos que se organizam coerentemente (com possíveis incoerências em suas manifestações concretas), bem como o seu entendimento permite explicar esse processo.

O campo linguístico é a estrutura formal de uma episteme composto pelo campo lexical e pelo campo semântico. A expressão campo lexical significa um conjunto coerente de signos que possuem uma estrutura e constitui uma totalidade que tem características próprias e fronteiras delimitadas. O campo semântico é o conjunto coerente de significados que possuem uma estrutura e constitui uma totalidade com características próprias e fronteiras delimitadas. O campo analítico é o que estabelece relações e processo de formação do pensamento. O campo axiomático é o conjunto de valores que constitui a base valorativa de determinado pensamento. O campo perceptivo é o conjunto dos fenômenos que, a partir dos demais campos mentais, podem ser percebidos e, por conseguinte, podem ser analisados, captados ou gerados.

A episteme é um modo de pensar específico e, portanto, cada episteme gera formas distintas de pensamento. É fundamental entender como a episteme exerce uma determinação formal sobre as formas de consciência. Os mecanismos epistêmicos que realizam esse processo de determinação são o axiomático, o linguístico, o analítico e o perceptual. Esses quatro campos mentais são os elementos constitutivos de uma episteme. Vamos, a partir de agora, abordar cada um destes campos mentais.

O Campo Axiomático

O mecanismo epistêmico mais poderoso é o axiomático. O campo axiomático é uma parte da episteme (e também dos paradigmas, ideologias, etc., como mostraremos adiante) que expressa os seus valores, o que significa que também expressa os seus desvalores, explicitando, assim, os seus interesses. É necessário compreender que “o valor é algo significativo, importante, para um indivíduo ou grupo social. Os valores, por conseguinte, são o conjunto de ‘seres’ (objetos, ações, ideias, pessoas, etc.) que possuem importância para os indivíduos ou grupos sociais” (VIANA, 2007a, p. 13)[4].

Os valores podem ser autênticos e universais, correspondentes à natureza humana, que assumem a forma de axionomia, ou podem ser históricos, transitórios, particularistas, expressando os interesses de determinadas classes sociais em determinadas formas de sociedade e assumindo a forma de axiologia (VIANA, 2007a). Por conseguinte, um campo axiomático com base axiológica é um obstáculo para o desenvolvimento da consciência e um outro com base axionômica é um incentivo para a ampliação do saber.

Os valores estão intimamente ligados aos interesses. Eles são a forma de manifestação dos interesses. Se alguém valora a música, por exemplo, isso está ligado aos seus interesses, seja de alguém que é um criador musical (e, no caso do capitalismo, isso significa que pode ser não apenas um processo de prazer criativo, mas também um meio de sobrevivência e/ou enriquecimento financeiro) ou apenas de alguém que gosta de ouvir músicas. Qual é o interesse no segundo caso? Nesse caso, o prazer em ouvir música. Pode existir um prazer na produção, bem como pode haver um prazer na audição. Os valores se manifestam, nesse caso, através do gosto pela música e de sua avaliação de músicas, gerando o gosto musical. Quando um indivíduo produz uma música para realizar sua criatividade ou ouve por sentir prazer nessa atividade, então o valor é derivado de necessidades autênticas e isso, ao mesmo tempo, é um interesse do indivíduo. Os valores explicitam os interesses e ambos são produtos das necessidades e desejos dos indivíduos[5].

Os valores e os interesses são os mais fortes mobilizadores dos indivíduos e são derivados da condição social destes. No entanto, esse não é apenas uma questão individual. As classes sociais geram, devido ao seu modo de vida comum, interesses comuns, de acordo com sua posição na divisão social do trabalho e diante das relações de produção dominantes[6]. Esses interesses comuns geram, em muitos casos, valores[7]. Cada classe social vai gerar, tendo por base esses interesses comuns, um conjunto de valores. Assim, esses valores são a base do desenvolvimento do campo axiomático dos intelectuais e ideólogos em geral. Eles formam o campo axiomático da episteme em geral e dos paradigmas e ideologias derivadas, sendo que no primeiro caso são os interesses comuns da classe e nas produções intelectuais derivadas existem variações derivadas das subdivisões das classes sociais (desde as frações de classes até as idiossincrasias). O campo axiomático é mais definido no caso das classes sociais fundamentais, pois os interesses comuns dessas classes são antagônicos e permite um delineamento mais sólido. Porém, as classes exploradas durante a sucessão de sociedades de classes muitas vezes desenvolve, em certos setores, determinada consciência de seus interesses, mas somente no capitalismo foi possível uma consolidação desse processo, bem como a criação de um campo axiomático como base para o desenvolvimento de uma episteme, através do proletariado e seus representantes intelectuais.

Os seus valores assumem a forma de princípios e axiomas, o que gera um processo de censura, autocensura e proscrição. A censura é composta pelos desvalores, aquilo que deve ser condenado. Esse é o caso do que a teologia considera blasfêmia, pois atenta contra seu campo axiomático. A blasfêmia é condenada, censurada, e o nome é apenas a forma de se dizer que a ideia é condenável. Da mesma forma, a autocensura significa o ocultamento de atos (no caso, intelectuais) que não podem ser percebidos pelos outros, por ferirem o campo axiomático no qual se insere[8]. Um teólogo não pode, por exemplo, admitir dúvida sobre a existência de Deus, mesmo que isso ocorra em seu íntimo e fique implícito em determinados momentos em seus escritos e falas. A proscrição é o ato de banir determinadas ideias, afirmações, valores, o que pode gerar o banimento dos indivíduos que materializam essas ideias, afirmações, valores. Novamente a teologia é exemplar: as ideias de Giordano Bruno foram não só censuradas, como também proscritas e ele mesmo foi proscrito, por não ter se autocensurado e/ou retratado[9]. É através da análise do campo axiomático que se torna mais perceptível os vínculos sociais, interesses e valores por detrás de um campo analítico.

Os exemplos acima podem gerar alguns questionamentos. Um deles é o caso de Giordano Bruno. A razão de sua proscrição pode ser apenas uma divergência intelectual. Contudo, a divergência intelectual revela divergências valorativas e, nesse caso, ia além da questão referente ao universo (sua infinitude, etc.), pois remetia também às demais crenças de Bruno, que entravam em confronto com as da Igreja. Contudo, o que é revelador, para nossos propósitos, é que o campo axiomático dissidente de Bruno gera um campo analítico igualmente divergente e que sem o primeiro não haveria o segundo (embora este também possa interferir naquele)[10]. Da mesma forma, a unidade epistêmica, no caso entre campo analítico e axiomático (e também lexical, tal como se pode observar na própria palavra “infinito”, que ganha um significado novo e que gera um impacto na percepção do universo), se revela, pois um não existiria sem o outro.

Os interesses, expressos através dos valores, constituem a determinação fundamental do campo axiomático. Por exemplo, a verdade é um interesse das classes exploradas no decorrer da história e por isso a verdade aparece como um valor quando estas conseguem constituir uma episteme. No entanto, no caso das classes dominantes na história da humanidade, a verdade como totalidade não é de seu interesse. O interesse das classes dominantes é em verdades parciais e por isso produzem ideologias que possuem momentos de verdade, mas que são marcadas por uma essência e totalidade marcada por ilusões. O que é útil, necessário, benéfico, para a classe dominante, será, para esta, um valor. E isso remete à manutenção, reprodução e ampliação da exploração, dominação e tudo que é necessário para que isso ocorra. A verdade em sua totalidade não é interesse da classe dominante, mas ela também não pode dizer isso e por isso deve gerar uma concepção de verdade que expresse a parcialidade. Por detrás dos valores encontramos os interesses.

Se os interesses estão na gênese do campo axiomático, as relações entre as classes sociais, especialmente as classes fundamentais, é o que explica as suas formas de manifestação. Numa relação de dominação direta, a forma de manifestação do campo axiomático pode ser mais transparente. Em situações nas quais as relações entre as classes são mais conflituosas ou a correlação de forças é mais equilibrada, então a forma de manifestação tende a ser intransparente. Essas formas de manifestação estão intimamente ligadas às formas de autolegitimação. O campo axiomático busca autolegitimar os seus valores e, simultaneamente, deslegitimar os demais valores, tornando-os desvalores, ou procura pelo menos secundarizá-los. E para isso pode lançar mão da universalização (gerando o discurso segundo o qual os seus valores são universais) ou relativização (através do discurso da relatividade de todos os valores) ou, ainda, hierarquização (colocando os seus valores como superiores) e absolutização (tornando seus valores absolutos). Numa sociedade concreta, dependendo das suas divisões internas, pode haver mais de uma forma de legitimação ou mescla entre elas.

O sustentáculo da autolegitimação varia de acordo com a episteme e é um processo racional e que, portanto, remete ao campo analítico e linguístico. O sustentáculo pode ser tanto a superioridade de classe, a vontade divina, a natureza humana, a razão, a raça, a religião, etc. O sustentáculo da autolegitimação, no caso das classes dominantes, visa sublimar (tornar sublime) os seus valores, apagando os seus interesses, que ficam ocultos por detrás deles. Para tanto, criam-se diversas ideologias que buscam enfeitar a prisão das classes exploradas com belas flores.

O campo axiomático é o terreno onde brotam os saberes. Um campo axiomático pouco fértil, como é o das classes dominantes, gera limites intransponíveis[11]. Um campo axiomático muito fértil, incentiva ultrapassar os limites[12]. O saber que brota do campo axiomático das classes dominantes é extremamente limitado devido aos valores e interesses que são seu terreno e o saber que brota do campo axiomático que lhe é antagônico é ilimitado por causa dos valores e interesses que são sua fonte. Desta forma, podemos dizer que determinados campos axiomáticos limitam as condições de possibilidade do saber e o acesso à verdade e outros incentivam sua expansão ultrapassando todos os limites. Essa limitação do campo axiomático fundado na axiologia (determinada configuração dos valores dominantes) é um dos principais obstáculos para o desenvolvimento da consciência correta da realidade. Por outro lado, o campo axiomático fundado na axionomia aponta para um desenvolvimento ilimitado da consciência correta da realidade. Contudo, o campo axiomático não gera automaticamente determinada forma de consciência, pois isso depende de outras determinações, desde as relações sociais concretas até a hegemonia e contra-hegemonia existentes.



[1] A categoria, não custa lembrar, é uma ferramenta intelectual, utilizada para analisar a realidade, não sendo algo existente na realidade concreta, apenas no plano do pensamento como um instrumento de seu trabalho (VIANA, 2007b). O conceito, ao contrário, é expressão da realidade, ou seja, manifesta o que existe efetivamente. As categorias do pensamento são as mais variadas, como espaço, direita, esquerda, lugar, relação, etc. Uma categoria unida a um conceito pode torná-la concreta, como, por exemplo, espaço urbano (VIANA, 2002), no qual o espaço deixa de ser categoria para se tornar conceito ao ganhar concreticidade, ou seja, se tornar urbano e expressão de algo social realmente existente.

[2] É preciso ter em mente que não utilizamos o termo campo no sentido comum e nem no sentido especializado, tal como desenvolvido pela biologia e física, para citar dois exemplos. Aqui o termo “campo” aparece no interior de um determinado campo linguístico (termo que será explicitado adiante), e isso lhe traz um significado específico e distinto dos demais.

[3] E todas as formas de consciência existentes, mas não trataremos disso por não ser nosso foco teórico.

[4] Não é possível aqui abordar a questão dos valores em sua totalidade e complexidade e por isso remetemos a outra obra na qual efetivamos tal abordagem (VIANA, 2007a).

[5] As necessidades podem ou não ser satisfeitas. As necessidades não satisfeitas são potencialidades. As necessidades radicais dos seres humanos são produtos da natureza humana e são diferentes dos desejos, que são produtos sociais e históricos, ligados a processos mais particulares. Se eles forem coerentes com as necessidades radicais, então assumem um caráter positivo, mas se forem incoerentes ou contraditórios, assumem uma forma negativa. O desejo de enriquecimento financeiro é um produto da sociedade capitalista e quando se torna valor fundamental ou principal interesse, ou seja, prioridade para determinado indivíduo, assume a forma negativa. O desejo de produzir uma poesia, em qualquer circunstância, assume a forma positiva (o conteúdo da poesia remete para outra discussão), pois expressa a necessidade humana de criatividade.

[6] Para uma discussão sobre a teoria das classes sociais que serve de base para nossa análise, sugerimos a leitura da obra A Teoria das Classes Sociais em Karl Marx (VIANA, 2018a)

[7] Determinados interesses, no entanto, precisam ficar ocultos e aparecer metamorfoseados em valores nobres, interesses universais, etc. Assim, na ideologia liberal, o individualismo do proprietário aparece como expressão da necessidade universal dos indivíduos, para citar apenas um exemplo.

[8] E, nesse caso, de forma contraditória. As razões da contradição são variadas, desde idiossincrasias até processos sociais mais complexos que atingem determinados indivíduos.

[9] Optamos pelo exemplo do saber teológico por sua comodidade e fácil compreensão e para não ser repetitivo quando tratarmos da episteme burguesa e seus procedimentos, bem como para mostrar que o procedimento teológico que escandaliza as mentes “racionais”, “esclarecidas” e “científicas” de hoje é o mesmo que elas fazem atualmente, sob outra forma e com outros nomes.

[10] No caso de um indivíduo concreto, o desenvolvimento da consciência (ou adoção de uma ideologia, que é seu emperramento em termos substanciais) pode gerar mudança de valores e determinadas descobertas intelectuais podem mudar o indivíduo, bem como em outros indivíduos ocorrem o processo contrário. Determinadas ideias podem incentivar determinados valores e vice-versa (VIANA, 2007a), mas eles estão unificados, mesmo existindo algumas contradições.

[11] Marx percebeu os limites intransponíveis da consciência burguesa (ou “ciência burguesa”) ao analisar o desenvolvimento da economia política: “a ciência burguesa da economia havia, porém, chegado aos seus limites intransponíveis” (MARX, 1988b, p. 135). Quais eram esses “limites intransponíveis”? Era o que poderia ser admitido da perspectiva burguesa, ou seja, a partir dos interesses dessa classe.

[12] Isso pode ocorrer tanto sob formas mais simples quanto mais complexas. As formas mais simples acabam desenvolvendo algumas ideias básicas verdadeiras, mas sua simplicidade (e muitas vezes esquematização exagerada) causa obstáculos e limites. A forma mais complexa não é apenas mais “complicada” e “difícil”, embora também o seja. Ela é mais ampla e profunda, já que é um desenvolvimento mais totalizante, profundo e coerente do saber e por isso também é mais complicada e difícil. O campo axiomático é fundamental, mas não suficiente, no plano do desenvolvimento da consciência, pois é necessário também o desenvolvimento do campo analítico e linguístico coerente com ele e permitindo sua realização mais ampla e total. O campo axiomático se desenvolve de forma limitada se não ocorrer simultaneamente um desenvolvimento do campo analítico, perceptual e linguístico.


quinta-feira, 17 de abril de 2025

O MAL-ESTAR PSÍQUICO NA CONTEMPORANEIDADE

 O MAL-ESTAR PSÍQUICO NA CONTEMPORANEIDADE



Mais informações e inscrições:

CURSO: O MAL-ESTAR PSÍQUICO NA CONTEMPORANEIDADE

Palestrante: Dr. Nildo Viana/FCS-UFG

Data: 17 de Maio de 2025

Horário: 08:00 - 12:00

Local: Ruptura – Espaço Cultural.

Promoção: NUPAC

Apoio: GPDS/UFG; NPM/UEG; NECSSO/UFPR; NEMOS/UFG; LAS/UFG.


Objetivos: O curso tem como objetivo proporcionar um debate sobre a questão do mal-estar psíquico na contemporaneidade. Para tanto, precisa discutir sobre a questão da modernidade e mal-estar psíquico em nível mais geral para, posteriormente, tratar de sua manifestação e intensificação na contemporaneidade, o que pressupõe discutir, mesmo que brevemente, a questão do capitalismo contemporâneo, e os seus efeitos psíquicos negativos, bem como formas de combater sua reprodução e ampliação.

 

Justificativa: Na época do chamado “Estado de Bem-Estar Social” já se trata de vários “problemas psicológicos” e vária outras situações que geravam desconforto psíquico. Na contemporaneidade, a partir da ascensão do regime de acumulação integral, a situação psíquica da população piorou drasticamente. Além dos problemas já comuns, emergem novas formas de sofrimento psíquico e outras, já existentes, se intensificam e/ou passam a atingir um maior percentual da população: ansiedade, neurose, psicose, stress, burnout, a depressão, entre diversas outras. Assim, essa se torna uma das questões fundamentais da nossa época e possui efeitos sociais e políticos importantes para a dinâmica histórica da nossa sociedade. Dessa forma, se torna essencial discutir, analisar e refletir sobre o seu significado, suas determinações, suas consequências e as ações possíveis diante dessa realidade de crescente sofrimento psíquico.

 

Metodologia: O curso se realizará em encontro único, com quatro horas de duração (08:00-12:00). O encontro será dividido em uma parte mais extensa para exposição e outra, no final, para depoimentos e debates.


Inscrições: https://www.even3.com.br/o-mal-estar-psiquico-na-contemporaneidade-549202/

Valor: R$ 10,00

* Haverá emissão de certificado.

** Vagas limitadas (35 pessoas).


quarta-feira, 12 de março de 2025

Curso de Extensão (presencial): A Contemporaneidade através do pensamento Crítico

 Curso de Extensão (presencial): A Contemporaneidade através do pensamento Crítico



Informações, datas e inscrições:

Use o QR Code cima ou clique em:

https://www.even3.com.br/a-contemporaneidade-atraves-do-pensamento-critico-535612/ 

CURSO DE EXTENSÃO PRESENCIAL

A CONTEMPORANEIDADE ATRAVÉS DO PENSAMENTO CRÍTICO


INTRODUÇÃO: O curso tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre a contemporaneidade a partir da contribuição de alguns pensadores críticos. Entendemos por contemporaneidade a sociedade moderna em seu atual estágio, marcado pelo regime de acumulação integral, dominado pelo neoliberalismo, toyotismo e hiperimperialismo. Para entender a atual fase do capitalismo, alguns autores críticos, que produziram suas obras em outro momento histórico, trazem elementos importantes para compreender e analisar a contemporaneidade. Assim, a partir das contribuições de Karl Marx, Ernst Bloch, Erich Fromm, Wright Mills, Maurício Tragtenberg e Russel Jacoby, realizaremos reflexões sobre a contemporaneidade. O curso será ministrado por Cleito Pereira dos Santos, Lucas Maia e Nildo Viana.

 

JUSTIFICATIVA: A contemporaneidade emerge como uma complexa gama de mutações e processos sociais e culturais que continuam trazendo novidades. Assim ela desafia os pensadores sociais, cientistas sociais e todos que refletem ao seu respeito a tentar compreendê-la, como se fosse um enigma: “decifra-me ou te devoro”. Alguns autores escreveram obras sobre aspectos da realidade contemporânea e alguns até tentaram apresentar uma percepção mais global sobre ela. Porém, com raríssimas exceções, não conseguiram dar respostas satisfatórias, pois suas bases teóricas e metódicas eram limitadas. Nesse sentido, um exercício importante seria retomar pensadores fundamentais e críticos para trazer elementos teóricos para repensar a contemporaneidade. Marx e sua teoria do capitalismo traz uma instigante contribuição que ajuda a entender a dinâmica contemporânea; Ernst Bloch traz elementos importantes para pensar a chamada “crise das utopias”; Erich Fromm traz elementos interessantes para uma psicanálise da contemporaneidade e com suas teses permite análises dos processos psíquicos na atualidade; Wright Mills contribui com reflexão crítica da sociologia e com sua análise do caráter relacionado com a estrutura social; Maurício Tragtenberg apresenta uma reflexão fundamental sobre burocracia e autogestão que ajudam a entender as lutas políticas contemporâneas; por fim, Russel Jacoby traz elementos para se pensar a intelectualidade e suas mutações, bem como a chamada “política de subjetividade”, aspecto basilar do atual paradigma hegemônico. Em síntese, esses pensadores trazem não apenas um pensamento crítico, mas também concepções que são úteis para o processo analítico da contemporaneidade e o curso visa trazer suas contribuições para pensar o contemporâneo e assim enriquecer a autoconsciência da realidade presente.

 

METODOLOGIA: O curso se realizará através de seis encontros/palestras. Num primeiro momento, haverá a exposição do professor convidado das 14:00 às 15:50. Após um breve intervalo de 20 minutos, o grupo se reunirá para debater e discutir a exposição, o autor, o tema e sua relação com a contemporaneidade. Num primeiro momento, o expositor responderá as questões apresentadas pelos participantes. Num segundo momento, o grupo presente funcionará como um grupo de estudos que debaterá a temática do dia. Sob forma complementar, será criado um grupo de estudos virtual no WhatsApp, que ficará ativo enquanto o curso durar, visando debates e conversas posteriores aos encontros presenciais, bem como para facilitar o processo de informação. Para a conclusão do curso é solicitado um relatório que sintetize as discussões realizadas nos seis encontros ou, se o participante quiser contribuir com o livro-coletânea, um artigo que será avaliado e posteriormente, caso aprovado, publicado.

 

CARGA HORÁRIA: A carga horária total do curso será de 60 horas. Ela será dividida em horas de palestras e debates; participação em grupo de estudos virtual e relatório/artigo final.  

 

PERÍODO DE REALIZAÇÃO: De 24 de Abril a 30 de novembro.

 

PROGRAMAÇÃO:

 

01. 24 de abril: O Pensamento Crítico de Marx e a Contemporaneidade, com Prof. Dr. Cleito Pereira dos Santos (FCS/UFG).

 

02. 29 de maio: O Pensamento Crítico de Ernst Bloch e a Contemporaneidade, com Prof. Dr. Lucas Maia dos Santos (IFG).

 

03. 26 de junho: O Pensamento Crítico de Erich Fromm e a Contemporaneidade, com Prof. Dr. Nildo Viana (FCS/UFG).

 

04. 04 de setembro: O Pensamento Crítico de Wright Mills e a Contemporaneidade, com Prof. Dr. Nildo Viana (FCS/UFG).

 

05. 02 de outubro: O Pensamento Crítico de Maurício Tragtenberg e a Contemporaneidade, com Prof. Dr. Cleito Pereira dos Santos (FCS/UFG).

 

06. 06 de novembro: O Pensamento Crítico de Russel Jacoby e a contemporaneidade, com Prof. Dr. Nildo Viana (FCS/UFG).

 

Do dia 24 de abril até 30 de novembro: Grupos de Estudos Virtual.

 

Do dia 06 ao dia 30 de novembro: Elaboração de relatório ou artigo.

 

Observação: as datas exatas das exposições poderão sofrer alterações derivadas de elementos imprevistos inicialmente.

 

EXIGÊNCIAS PARA CERTIFICAÇÃO: O certificado será concedido para todos que participarem de pelo menos quatro encontros (66%), entrar no grupo de estudos virtual e entregar o relatório ou artigo. A opção de artigo é para quem quiser participar da publicação de um livro-coletânea sobre Pensamento Crítico e Contemporaneidade (dependendo do número de artigos publicados, poderá ser mais de um volume) a ser publicado pela Ragnatela Editora (https://editoraragnatela.com). O envio do artigo garante a certificação, mas a publicação vai depender de avaliação do Conselho Editorial da editora e do organizador da coletânea e do pagamento de uma taxa adicional para cobrir custos de edição, no valor de R$125,00. Atenção: não haverá reembolso da quantia apresentada para publicação, mesmo que o participante não entregue o artigo/capítulo ou desista do curso, ou o texto seja reprovado [os artigos com problemas serão reenviados para os autores para correções e revisões, em, no mínimo, duas vezes]. A opção pelo relatório (de 400 a 1.000 palavras) garante a certificação, sem processo de avaliação, valendo como exercício de reflexão sobre as leituras, aulas e debates realizados durante o curso. O modelo de relatório pode ser acessado no seguinte link: [https://docs.google.com/document/d/16n8J4mEzEBr1gIF9XiK1DpMxncQU2IUe/edit?usp=sharing&ouid=115288496161643876392&rtpof=true&sd=true]. As normas para envio de artigos estão disponíveis no link de "Submissões" e no link: [https://drive.google.com/file/d/1Spnj5vNNPF56XaWgKKkL9Kfl3Ms2ofkO/view?usp=sharing] . Caso os participantes que optarem pelo artigo necessitem do certificado antes do prazo final de submissão, poderão submeter um resumo para garantir a emissão antecipada do mesmo. Casos excepcionais serão avaliados pela comissão organizadora.

terça-feira, 11 de março de 2025

O CONCEITO DE EPISTEME (TRECHO DO LIVRO "O MODO DE PENSAR BURGUÊS")

 O CONCEITO DE EPISTEME 

(TRECHO DO LIVRO "O MODO DE PENSAR BURGUÊS")*



O Conceito de Episteme

O conceito de episteme é relativamente simples[1]. A episteme é um modo de constituição de ideias (ideologias, teorias, representações, concepções, crenças, doutrinas, etc.), um modo de pensar. Em outras palavras, é um modo de produzir ideias, uma forma de criação cultural. Essa forma de produção cultural tem efeito sobre o conteúdo do pensamento. O modo de pensar influência o resultado do pensamento[2]. O modo de pensar é uma forma e por isso se distingue do conteúdo do pensamento. O conteúdo do pensamento determina a sua forma e essa, uma vez existente e consolidada, determina os demais conteúdos de pensamento. A episteme é uma infraestrutura de pensamento, ou seja, um modo de pensar (ou modo de constituição do pensamento/saber/consciência) que se fundamenta em determinada mentalidade e gera um campo linguístico (composto por um campo lexical e um campo semântico), um campo axiomático e um campo analítico (epistêmicos) que, por sua vez, assume a forma de paradigmas (que geram campos analíticos, axiomáticos e linguísticos paradigmáticos) que criam superestruturas de pensamento, ideologias, doutrinas, métodos, etc., que constituem seus próprios campos linguísticos, axiomáticos e analíticos[3].

É preciso abrir um parêntesis para explicar o conceito de mentalidade. O conceito de mentalidade expressa os elementos mais determinantes na mente humana (valores fundamentais, sentimentos mais arraigados, concepções mais profundas), que, por sua vez, são uma introjeção da sociabilidade dominante a partir de determinados interesses, que, nas sociedades classistas, são interesses de classe (VIANA, 2008a). Sem dúvida, os interesses da classe dominante são distintos dos das demais classes, mas acaba predominando por força de sua correspondência com a sociabilidade, com os interesses imediatos das demais classes, a força das ideias e ideologias dessa classe, com todo o seu poder de imposição. A mentalidade dominante é a mentalidade da classe dominante.

A mentalidade é uma das determinações mais poderosas das formas de consciência e da episteme. A mentalidade é o conteúdo, a episteme é a forma. A mentalidade constitui a episteme e essa, uma vez constituída, a reproduz e reforça. Forma e conteúdo, episteme e mentalidade, formam uma unidade. No caso da episteme burguesa, ela é fruto da mentalidade burguesa e, uma vez existindo, reproduz e reforça tal mentalidade, sendo sua expressão formal e determinação do pensamento, ou seja, de conteúdos derivados desenvolvidos através das diversas formas de consciência. A episteme é uma das determinações da consciência concreta dos indivíduos, do seu saber específico e de sua forma específica de produzir saber.

Aqui é importante uma discussão sobre a relação entre episteme e saber. Não se trata do saber comum, ou seja, das representações cotidianas e sim da noosfera, ou seja, o saber complexo, que emerge em sua forma desenvolvida com o pensamento científico. Em sua forma elementar, apareceu na sociedade escravista com a filosofia e na sociedade feudal com a teologia. O saber noosférico, ou complexo, especialmente a ciência (que, na sociedade moderna, exerce uma grande influência sobre as demais formas de saber), possui uma forma de estruturação específica e que se torna uma camisa de força do pensamento. A episteme é a infraestrutura do saber noosférico[4], exercendo uma determinação formal sobre o mesmo, que é, ao mesmo tempo, substancial, pois a forma impõe limites ao desenvolvimento do conteúdo. E não apenas impõe limites, pois também determina o seu processo criativo e renovador. Ela é um processo mental subjacente e por isso não é facilmente perceptível, já que ela gera milhares de conteúdos de pensamento, ideologias, doutrinas, representações, ou seja, formas de existência que ofuscam a essência. E sua percepção fica ainda mais difícil ao ver a diversidade e oposições entre estes conteúdos de pensamento.

A episteme tem sua origem no saber noosférico, mas tende a se impor, com o passar do tempo, no âmbito das representações cotidianas, embora através de um processo de simplificação e outras mutações que ocorrem no processo de passagem de um para outro (VIANA, 2015a; VIANA, 2008b). Marx já havia colocado que as representações cotidianas eram sistematizadas pela economia política (MARX, 1988), ou, em casos mais gerais, segundo nossa concepção, pelo saber noosférico (incluindo todas as formas de saber complexo e não apenas o científico). Desta forma, as representações cotidianas e o saber noosférico se reforçam reciprocamente. Contudo, a gênese histórica desse processo é diferente do que ocorre na época em que isso já se estabeleceu. A razão disso é que após o estabelecimento de uma determinada hegemonia, uma episteme hegemônica no saber noosférico tende a se generalizar pela sociedade, e quando isso ocorre e as próprias representações cotidianas reproduzem aspectos dessa episteme, o que cria uma unidade e reforço mútuo no processo de desenvolvimento histórico.

Isso parece entrar em contradição com o materialismo histórico. No entanto, não há nenhuma incoerência nessa concepção. Desde Marx é perceptível que as formas de consciência (ciência, religião, representações cotidianas, etc.) são produtos sociais e históricos. Há uma afirmação clássica de Karl Marx sobre isso:

A produção de ideias, de representações, da consciência, está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material. O mesmo ocorre com a produção espiritual, tal como aparece na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc., de um povo. Os homens são os produtores de suas representações, de suas ideias, etc., mas os homens reais e ativos, tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde até chegar às suas formações mais amplas. A consciência jamais pode ser outra coisa que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real. E se, em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem invertidos como numa câmara escura, tal fenômeno decorre de seu processo histórico de vida, do mesmo modo por que a inversão dos objetos na retina decorre de seu processo de vida diretamente físico (MARX e ENGELS, 1982).

Isso quer dizer que é na vida real, a partir das relações sociais concretas, que emergem as formas de consciência, as ideias, as representações. Esse processo remete ao modo de produção e o modo de vida que ele constitui, que, nas sociedades classistas, são distintos, gerando distintas formas de consciência, apesar da hegemonia da classe dominante, pois “as ideias dominantes são as ideias da classe dominante” (MARX e ENGELS, 1988). O saber noosférico não surge do nada. Ele surge do processo real, social. Ele está intimamente ligado ao processo de produção e reprodução da vida material, bem como do conjunto das relações sociais, e dos interesses, valores, etc., gestados a partir disso. Um dos elementos fundamentais é entender que o modo de produção capitalista gera uma sociabilidade burguesa e essa, introjetada pelos indivíduos, engendra uma mentalidade igualmente burguesa (VIANA, 2008a). Essa mentalidade se cristaliza e solidifica, bem como as formas de consciência elaboradas a partir dela. Ela acaba gerando um modo de pensar burguês. É justamente esse modo de pensar burguês que denominamos episteme burguesa.

Antes de tratar da episteme burguesa é necessário abordar como a episteme acaba sendo uma das determinações das produções intelectuais subsequentes. A explicação desse processo não entra em contradição com o materialismo histórico, como já colocamos. Uma episteme é um modo de pensar subjacente (geralmente não-consciente) que é constituído social e historicamente, mas, uma vez existindo, se cristaliza e autonomiza e, por conseguinte, torna-se uma determinação formal do pensamento que interfere diretamente na constituição de seus conteúdos, ou seja, das ideias, das formas de consciência. Ela, de acordo com o materialismo histórico, tem uma base real (modo de produção dominante, sociabilidade, mentalidade, interesses de classe, etc.) que a constitui. Uma episteme, ao ser constituída, torna-se algo real, existente concretamente, e, por conseguinte, é não só algo determinado, como também exerce determinação. Assim, ela determina conteúdos de pensamento e ações derivadas deles. As epistemes antes do capitalismo, tais como a escravista e a feudal, eram processos elementares e seu desenvolvimento ocorre na sociedade moderna, que é onde emergem as duas epistemes mais desenvolvidas, a burguesa e a marxista[5]. A episteme burguesa é um modo de pensar conservador, presentista, fechado, reprodutor do capitalismo. A episteme marxista é um modo de pensar futurista, aberto, crítico do capitalismo e uma consciência antecipadora de uma nova sociedade, fundada na liberdade humana. É por isso que vamos, aqui, nos remeter, para explicar o conceito de episteme, às suas formas mais desenvolvidas, especialmente a burguesa, pois não só facilita a compreensão por sua contemporaneidade, mas também por seu caráter mais desenvolvido e acabado.

O modo de produção capitalista gera uma sociabilidade e uma mentalidade que é correspondente a ele. A mentalidade burguesa se cristaliza, bem como a episteme dela derivada. Elas se tornam sólidas e passam a determinar a constituição do saber noosférico (complexo) e mesmo as representações cotidianas. A cristalização do modo de pensar burguês explica esse processo. É preciso recordar, no entanto, que tal cristalização é produto social e histórico, significa a reprodução não apenas da mentalidade burguesa, mas também da sociabilidade capitalista e os interesses derivados dela[6]. Ou seja, a episteme burguesa tem sua origem na mentalidade burguesa e na sociabilidade capitalista. A sociabilidade capitalista, por sua vez, também é a base da mentalidade burguesa. Em outras palavras, a sociabilidade capitalista atua duplamente sobre a episteme burguesa: diretamente, através da força das relações sociais que a constitui, e indiretamente, através da mentalidade burguesa.

O modo de pensar burguês se cristaliza e autonomiza, sendo uma determinação formal sobre as formas de consciência, mas só faz isso por não entrar em contradição com os interesses, valores, etc., predominantes e nem com o modo de produção capitalista e sociabilidade burguesa. O modo de pensar burguês, ou a episteme burguesa, reproduz a base real, que é a sociedade capitalista, e os interesses, necessidades, valores, bem como a mentalidade que corresponde a ela e é a mais adequada para quem não quer superá-la, para quem quer se mover e se dar bem no seu interior. Isso quer dizer que a episteme burguesa, ou o modo de pensar burguês, corresponde aos interesses da classe capitalista e, por conseguinte, reproduz e reforça a mentalidade burguesa e a sociabilidade capitalista. Ela é uma das formas sociais de reprodução do capitalismo. A episteme burguesa, uma vez existindo, se cristaliza, se generaliza, se autonomiza. Ao invés de ser mero derivado, passa a ser elemento ativo e reprodutor do mundo existente, ou seja, da sociedade capitalista. Através do modo de pensar burguês, não é possível romper com a sociedade capitalista.

A força das ideias e da mentalidade não pode ser desconsiderada[7]. A mentalidade e as ideias são determinações da ação humana e, portanto, parte e determinação da realidade. As ideias determinam a realidade? Não foi essa a afirmação que fizemos e sim que elas também determinam a realidade, sendo parte de suas múltiplas determinações. O que Marx sempre recusou foi a formulação segundo a qual “as ideias constituem ou determinam a realidade”, sob forma unilateral, tal como faz o modo de pensar burguês (GOMES, 2017). Na parte dedicada ao pensamento desse autor retomaremos isso.

É preciso reconhecer o caráter ativo das ideias, das representações, das ideologias, teoria, utopias, etc. E, mais ainda, a força das ideias dominantes, tanto das ideologias quanto das demais formações do pensamento burguês. E é por isso que a análise da episteme burguesa e das renovações hegemônicas se torna fundamental. Há um reforço recíproco entre sociabilidade capitalista e mentalidade burguesa, bem como entre sociedade capitalista e episteme burguesa. A percepção disso é uma conquista do materialismo histórico e por isso há uma coerência epistêmica em nossa análise.

Esclarecido esse aspecto da questão, podemos voltar para a discussão sobre episteme. Afirmamos anteriormente que a episteme exerce uma determinação formal sobre o pensamento. Essa afirmação precisa ser aprofundada, pois essa determinação formal não é apenas na forma e também da forma sobre o conteúdo. Esse processo pode ser visto e exemplificado na vida cotidiana. Um indivíduo religioso, ou seja, portador de uma consciência religiosa do mundo (o que exclui aqueles cuja religião é apenas um apêndice secundário em seu pensamento) vai perceber determinado fenômeno sob forma distinta de um indivíduo racionalista, portador de uma concepção cientificista. O aborto, a prostituição, a homossexualidade, a existência de Deus, o comunismo, serão percebidos sob formas distintas, pois trata-se de formas distintas de pensar. O indivíduo religioso se fundamenta na revelação e o cientificista na razão ou no “empírico”. Para o primeiro, a existência de Deus é inquestionável e para o outro é improvável. Isso exemplifica o fato de que determinados conteúdos da consciência humana são determinados pelo modo de pensar[8].

Todo ser humano age sobre o mundo a partir de sua percepção dele e sua percepção é formada pela consciência. Se Antônio Conselheiro realizou a luta pela terra falando de monarquia, messias, entre outros elementos religiosos, isso se deve ao seu referencial. Ele expressava necessidades e interesses reais, mas a forma do pensamento que ele tinha acesso, que era o seu referencial, não era a marxista, a científica, etc. Era a forma religiosa (e rústica) de pensar e foi ela que esteve na base da luta efetivada naquele contexto. Em poucas palavras, as necessidades e interesses não geram, automaticamente, ação e não determinam, imediatamente, a forma de luta. Existe, nesse processo, uma mediação, que é da consciência. Essa, por sua vez, trabalha com referenciais, modos de pensar, epistemes, conteúdos de pensamento, que geram interpretações e ações determinadas. Isso deveria ser tão cristalino para aqueles que se dizem marxistas[9], pois é ela é uma das determinações da não concretização da revolução proletária e instauração da sociedade autogerida.



[1] É possível se questionar sobre a razão do uso do termo “episteme” ao invés de “epistemologia”. O campo linguístico marxista geralmente reserva ao sufixo “logia” um caráter ideológico e axiológico (como em “ideologia”, “axiologia”, etc.) e prefere usar outros sufixos, como “nomia”, por exemplo. Além disso, o termo “epistemologia” é de uso comum e com sentidos distintos do que atribuímos a episteme (tais como um “ramo da filosofia”, uma “ciência particular”, etc.), um termo raramente usado e que por isso tem menos possibilidade de confusão terminológica. Foucault, em As Palavras e as Coisas, usou o termo episteme e há uma semelhança entre o significado que ele atribui a esta palavra e o que nós atribuímos. Ele coloca que a episteme está no âmbito da discussão epistemológica e seria como “códigos fundamentais de uma cultura”, vista sob forma abstratificada. A semelhança entre a abordagem foucaultina e a aqui explicitada se limita ao uso da palavra “episteme” e uma percepção, sob formas diferentes, de que se trata de um processo mental subjacente. As principais diferenças são derivadas da episteme burguesa e paradigma estruturalista de Foucault, que é uma concepção metafísica, e seu antagonismo com a episteme marxista, base de nossa concepção. Assim, os elementos constitutivos das epistemes, sua durabilidade, entre outros aspectos, são bem distintos, além da diferença fundamental que é que a concepção marxista aponta para a percepção das raízes sociais das epistemes, seus vínculos históricos e de classe social.

[2] Marx já havia demonstrado, quando discutiu o trabalho alienado, que o controle de atividade gera um controle do produto da atividade, ou seja, o não-trabalhador ao controlar a atividade do trabalhador, controla também o seu resultado. A ideia de Marx era mostrar que o trabalho é que cria a propriedade através da dominação ou controle (MARX, 1983) e que, portanto, era uma relação de classes fundada na exploração (embora esse termo só seja utilizado em suas obras posteriores). Sem dúvida, no caso do trabalho alienado, o controle é direto, do proprietário sobre o trabalhador. No caso da atividade mental o controle é indireto. Os adeptos do paradigma hegemônico atual discordariam disso, afirmando que não há controle, que o indivíduo é “livre” na sua produção de pensamento. Isso é totalmente falso, pois os indivíduos não escolhem o idioma do seu país e que é constrangido a utilizar, assim como não escolhem o campo lexical, etc. e, fundamentalmente, não escolhem o seu modo de pensar, a sua episteme, a não ser após um certo desenvolvimento intelectual que permite a sua autonomização. Isso será desenvolvido adiante, mas o que interessa aqui é colocar que a atividade mental é indiretamente controlada e uma das formas de controle (além das diversas formas sociais) é através da episteme.

[3] Adiante vamos esclarecer os conceitos de campo, campo linguístico, campo axiomático e campo analítico.

[4] Antes do capitalismo, podemos dizer que existiu uma noosfera elementar, bem como uma episteme elementar. Essa episteme elementar existiu até mesmo nas sociedades simples, sendo que sua forma elementar determinava seu caráter igualmente elementar.

[5] A episteme marxista é uma episteme proletária, mas como não está imediatamente encarnada no proletariado, pois apenas realiza isso em momentos revolucionários, quando o proletariado se torna classe autodeterminada, e se caracteriza por ser uma consciência antecipadora expressa no marxismo, então esse é o nome mais adequado. Isso evita, por exemplo, as confusões de obreiristas, autonomistas e outros, que fazem apologia do proletariado como classe determinada pelo capital. O encontro do proletariado como classe concreta, com a episteme marxista (enquanto modo de pensar e não no sentido de toda sua complexa e ampla produção teórica) ocorre com a fusão revolucionária no momento da revolução proletária. Uma das diferenças da episteme marxista para a episteme burguesa é que a primeira é autoconsciente, enquanto que a segunda é predominantemente não consciente (em seu caráter epistêmico, mas no caso das ideologias e paradigmas e seus vínculos com interesses de classe e valores, geralmente é consciente, embora muitas vezes possa não perceber ou recusar intencionalmente sua existência).

[6] E, não custa recordar, o mesmo processo atinge a mentalidade burguesa.

[7] A esse respeito, o pseudomarxismo, do qual trataremos adiante, acaba reproduzindo a episteme burguesa. Num antinomismo destituído de concreticidade, típico do modo de pensar burguês considera que as ideias são meros epifenômenos e que, segundo esta ideologia pseudomarxista, postular qualquer aspecto ativo ao pensamento é “idealismo”. Muitos nem sequer percebem que o seu “materialismo” é burguês. Korsch (1977), nos anos 1920, já havia refutado isso ao colocar que as ideias fazem parte da realidade e por isso atuam sobre ela. A confusão pseudomarxista sobre a questão das ideias revela a força do modo de pensar burguês que consegue deformar um modo de pensar antagônico em seu semelhante (GOMES, 2017). Adiante, quando abordarmos a revolução epistêmica de Marx, retomaremos essas questões.

[8] E isso mostra também que cada modo de pensar vai gerando formas de se expressar, ou seja, uma linguagem própria.

[9] E isso deveria ser mais evidente ainda se percebessem que o seu marxismo, ou o que é mais comum, o seu pseudomarxismo, é a fonte de suas interpretações e ações, mesmo quando é uma mera concepção materialista vulgar (no caso das concepções pseudomarxistas).

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

Acompanham este blog: