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domingo, 12 de maio de 2019

COMO COMBATER O REACIONARISMO?



COMO COMBATER O REACIONARISMO?

Nildo Viana



Hoje é possível perceber um avanço do reacionarismo que vem ganhando cada vez mais espaço, especialmente na sua forma do conservantismo, inclusive no Brasil. Esse conservantismo (e não fascismo, como querem nos fazer crer o discurso petista)[1] vem se fortalecendo em escala mundial, tendo alguns países que elegeram presidentes conservantistas ou próximos disso. O conservantismo é uma variante do reacionarismo, tal como o fascismo e o nazismo, embora mais moderado em alguns aspectos. Ele se caracteriza por ser um conservadorismo amplo, tanto moral quanto político. Desta forma, ele é estatista, autocrático, tradicionalista, etc. O regime militar, no Brasil, era conservantista. No caso brasileiro, há um avanço do conservantismo e do liberal-conservantismo[2].

A questão que assume importância hoje é: como combater o conservantismo? Esse problema, no entanto, é em si mesmo, problemático e vamos mostrar isso. Em síntese, os nossos objetivos aqui são dois: discutir como combater o conservantismo e mostrar que isso é algo problemático se reduzido a apenas isso.

O que é o reacionarismo?

No interior da sociedade capitalista, emergem inúmeras ideologias, doutrinas, representações, ideias, etc., que são burguesas e próximas (burocráticas, semiburguesas, etc.). Isso cria uma enorme dificuldade de entender suas diferenciações. Num nível mais abstrato, poderíamos simplesmente colocar que são concepções burguesas, o que é correto, mas aí perdemos de vista suas divisões e diferenciações internas, correndo o risco de não compreender as disputas internas no interior do bloco dominante, bem como entre este e o bloco progressista, além de não entender ações e discursos. Podemos realizar divisões e subdivisões e isso não seria apenas um exercício intelectual, mas algo importante para compreender as lutas políticas dentro do bloco dominante e de sua disputa eleitoral e política com o bloco progressista. O pensamento conservador (expressão intelectual do bloco dominante) pode assumir a forma do reacionarismo, do liberalismo, do republicanismo, etc. O pensamento progressista (expressão política do bloco progressista) pode assumir a forma do trabalhismo, social-democracia, bolchevismo, etc.

O reacionarismo é, portanto, uma expressão intelectual de uma ala do bloco dominante, a ala reacionária[3]. Ela conta com uma base social variada, incluindo setores da burguesia, da semiburguesia, da burocracia, etc. Ela é bem diminuta em momentos de estabilidade política e econômica, mas tende a se fortalecer quando emergem processos de desestabilização, diminuição da renda de certas classes sociais, crises, ascensão da luta operária, etc. Ela se torna, em muitos momentos, a tropa de choque da classe dominante. A burguesia, no seu conjunto, não apoia a ala reacionária e até a desdenha. Apenas um restrito setor dessa classe adere ao reacionarismo.

Porém, a desestabilização faz aumentar os adeptos da classe capitalista ao reacionarismo e, em momentos de crise, ameaça de revolução proletária, a maioria da burguesia pode apoiar a ala reacionária do bloco dominante para garantir a sobrevivência do capitalismo. O fascismo e o nazismo encarnam a ala reacionária do bloco dominante em momentos de crise e necessidade de expansão imperialista, enquanto que o conservantismo é mais comum e emerge em diversos países e momentos históricos, assumindo diversas formas, mas mantendo sua essência. Outras formas de reacionarismo, como o liberal-conservantismo e o estatismo, são formas híbridas e mais comuns dentro da sociedade capitalista, mas podem desembocar no conservantismo dependendo da situação nacional e mundial. O reacionarismo, em qualquer de suas formas, pode ganhar popularidade e obter apoio de setores das classes trabalhadoras. A conquista de setores das classes trabalhadoras ocorre, geralmente, pelo apelo ao nacionalismo, ao moralismo conservador, a ideia (geralmente deformada) de raça, aos interesses nacionais, etc.[4]

Em síntese, o reacionarismo é uma ala do bloco dominante e seu combate é muito mais contra os trabalhadores, determinados grupos sociais, do que por algum ideal em si mesmo. Isso mostra o seu caráter pragmático, tal como se vê no nazismo, fascismo, conservantismo, bem como o seu pouco desenvolvimento intelectual, constituindo doutrinas políticas muito mais que ideologias e mostrando fraqueza intelectual e, em alguns casos, desdém pela teoria, pela formação intelectual, etc.[5] O seu objetivo é sempre a retomada da acumulação capitalista e aumento da exploração, bem como intensificação da repressão e controle social. Todas as tendências reacionaristas tem alguns elementos em comum: nacionalismo, estatismo, controle, etc. O reacionarismo pode ser definido com um conjunto de doutrinas e concepções burguesas que sustentam a reação capitalista diante da desestabilização ou crise (do regime de acumulação e/ou do capitalismo), sendo a ala mais extremista do conservadorismo.

A luta contra o reacionarismo é uma luta contra o conservadorismo e o progressismo

Quando, em 1939, Otto Rühle, que participou do processo da revolução alemã, lançou seu texto A Luta contra o Fascismo começa com a Luta contra o Bolchevismo,  ele já coloca alguns elementos fundamentais para compreender a luta proletária contra as tendências fascistas e sua relação com a luta de classes. A grande questão é compreender que a luta contra o reacionarismo a partir da perspectiva de outros setores do conservadorismo (liberalismo, republicanismo, etc.) ou do progressismo (social-democracia, bolchevismo, etc.) é um recuo para o movimento operário e para o conjunto das classes trabalhadoras.

A razão disso se encontra no fato de que a luta, a partir desta perspectiva, é a redução da luta operária a uma luta de partidos (ou alas, blocos, etc.) no qual se luta contra um setor da burguesia e a favor de outro ou a favor da burocracia. Isso gera um desarmamento do proletariado e dos trabalhadores em geral, pois gera despolitização e reboquismo no conjunto das classes trabalhadoras, além de apagar os interesses de classes e seu antagonismo. A despolitização dos trabalhadores é um interesse do capital, pois quanto mais despolitizado for a população, mais fácil dominá-la, explorá-la, e menores serão as reivindicações, mais fracas serão as lutas, etc. A despolitização é interesse também da esquerda, pois por mais que façam discurso sobre educação e outros aspectos, querem que os trabalhadores fiquem num nível elementar de consciência, que é para ser os seus apoiadores (seja eleitoralmente, seja como bucha de canhão, etc.). Aliás, não é sem motivo que a sociedade contemporânea, altamente desenvolvida tecnologicamente, possui um desenvolvimento intelectual tão restrito e surgem fantasmagorias junto com o reacionarismo (religiosidade confusa, pseudoteorias da conspiração, ideias ridículas como a de que a “terra é plana”, simplificações políticas grosseiras, etc.) e os progressistas apostam em outras mistificações (tal como o discurso sobre o “fascismo”, mas também o neopopulismo marcado por promessas irrealizáveis, etc.).

Assim, a luta contra o reacionarismo, quando este chega ao poder, por parte dos liberais, republicanos, social-democratas, etc., geralmente assume a forma da crítica a indivíduos e governos, a determinadas políticas pontuais e específicas, a uma recusa das ações e políticas governamentais, sem apresentar nenhuma alternativa real (e geralmente fazendo de conta de que não há problema algum, ou seja, o único problema é o governo).

Isso se manifesta hoje na sociedade brasileira, e o fato de ter havido os governos petistas (três mandatos completos e um iniciado e interrompido) não alterou em nada esse quadro. Pelo contrário, reforçou. As políticas educacionais dos governos petistas foram no sentido de diminuir a qualidade do ensino e da educação e a ampliação da hegemonia burguesa e de determinadas ideologias, inclusive irracionalistas[6]. O bolchevismo, na Rússia, também efetivou um processo de despolitização, ao criar a ilusão da abolição das classes e do capitalismo e gerar a simplificação intelectual do pseudomarxismo transformado em ensino obrigatório.

É necessário, portanto, evitar o reboquismo. O reboquismo se manifesta através da adesão acrítica à luta pela democracia burguesa, o que significa apoiar setores da burguesia (a ala moderada do bloco dominante) e da burocracia (progressismo) e abandonar a necessidade de autonomia de classe e a luta por seus interesses. Assim, ao criar um “inimigo comum”, que é apenas a ala reacionária do bloco dominante, se cria uma unidade que é em torno de forças burguesas ou burocráticas visando garantir a conquista do governo ou vitória eleitoral, entre outras possibilidades semelhantes. No plano concreto, é apenas discurso defensivo contra reformas retrógradas, políticas governamentais, ou ataque a partidos e indivíduos. Nesse caso, o proletariado e o conjunto das classes trabalhadoras se tornam apenas uma força auxiliar numa luta interburguesa e/ou entre setores da burguesia contra outros setores da burguesia e da burocracia. Assim, a luta gira em torno de quem deve governar e como deve fazê-lo: quem deve governar é a reacionária do bloco dominante ou uma aliança de sua ala moderada com o bloco progressista? Claro que nessa disputa há também aquela que é quem terá hegemonia na luta contra o governo da ala reacionária, pois isso lhe beneficia nas futuras disputas eleitorais. Daí o discurso da “unidade”, da “frente popular” e outros nomes dependendo do caso concreto.

Ao lado disso, os interesses de classe do proletariado e demais trabalhadores são esquecidos e em seu lugar se opta por um programa liberal, reformista, ou qualquer outro programa burguês que, sem dúvida, não só mantém a exploração e a dominação, como geralmente há a tendência a se impor um processo de deterioração das condições de vida do conjunto dos trabalhadores, pois, para evitar o “fascismo”, é necessário “sacrifícios de todos”, embora nem todos fazem parte do “todos”. As necessidades e reivindicações dos trabalhadores são esquecidas e apenas um fetichismo da democracia permanece e é exigido de todos. O que se pede aos trabalhadores é “apoiem e/ou votem nos democratas para que eles cheguem ao poder e reproduzam o que existe, piorando a sua situação” e assim se escamoteia quem ganha com isso e quem perde. E quem perde, ganhe a ala reacionária ou ganhe os seus adversários, são os trabalhadores.

A percepção da luta de classes é apagada e se reduz a uma luta de partidos ou coalizão de partidos, que pode assumir a aparência de mera “resistência” ao governo. Nesse momento, o proletariado é abandonado pelos progressistas, bem como suas reivindicações, necessidades, interesses (tanto os imediatos quanto os fundamentais e históricos), e assim é possível conquistar o governo sem ter que prometer nada, apenas manter a farsa democrática[7].

É por isso que, a partir da perspectiva do proletariado, a luta contra o reacionarismo é, simultaneamente, uma luta contra o conservadorismo em geral e também contra o progressismo. A autonomização do proletariado é fundamental, para colocar contra as forças políticas do bloco dominante e do bloco progressista, suas reivindicações e assim criar uma força maior no sentido de realizar suas exigências, gerar suas formas organizacionais próprias, desenvolver a autoformação (e consciência de classe, não uma consciência fragmentada e reboquista), etc. Se aliar ao progressismo, ou a setores conservadores que defendem a democracia burguesa, é algo que reforça organizações, indivíduos, concepções antiproletárias e que não se diferenciam radicalmente, da perspectiva de classe, do reacionarismo. Por isso é fundamental um combate simultâneo ao reacionarismo, ao conservadorismo em geral e ao progressismo.

As táticas para combater o reacionarismo

E como se combate o reacionarismo, sob qualquer forma que ele apareça? Podemos dizer que existem elementos comuns nesse combate ao reacionarismo e elementos distintos dependendo da forma como ele aparece e o contexto social e histórico. Historicamente, existiram algumas táticas visando combater algumas manifestações do reacionarismo e vamos apresentá-las para mostrar seus limites e apontar outra forma de realizar tal combate.

Uma tática que se convencionou utilizar para enfrentar o reacionarismo foi a luta armada. Essa é defendida por variadas posições políticas. No entanto, no plano da luta concreta, ela sempre fracassou. Ela também assumiu formas distintas: o combate de rua, a guerrilha, a guerra civil, etc. Alguns defendem tal tática até em momentos em que isso não se faz necessário ou mesmo possível, a partir de análise de casos isolados. No caso da Alemanha e do nazismo, houve combates entre integrantes do KPD (Partido Comunista da Alemanha) e do Partido Nazista. Como todos sabem, isso não evitou a ascensão nazista ao poder. No Brasil, na luta contra o conservantismo, setores da esquerda resolveram realizar a luta armada via guerrilhas e outras ações simultâneas, o fracasso é conhecido, e as consequências também (mortes, torturas, etc.). A luta armada é uma tática equivocada por alguns motivos básicos. No caso do combate de rua, ela transforma a luta em disputa de facções armadas e as forças paramilitares de algumas forças reacionárias possuem vantagem de armamentos e treinamento, bem como muitas vezes podem ser apoiadas pelo aparato repressivo do Estado capitalista ou contar com sua omissão.

A guerrilha (urbana ou rural, ou ambas, simultaneamente) é outra tática equivocada na maioria dos contextos. E o que a torna equivocada, assim como o combate de rua, é a falta de apoio popular. O caso brasileiro, onde um punhado de guerrilheiros queriam enfrentar o exército brasileiro num país continental, é algo totalmente desproporcional e mostra como a esquerda perde o senso de realidade por causa de suas crenças, muitas vezes descoladas completamente da realidade.

A luta armada só tem sentido e possibilidade de efetividade quando não é ação partidária e sim um movimento mais amplo e com iniciativa popular, pois, caso contrário, as forças reacionárias (e o aparato estatal, em determinados contextos e dependendo da situação) são muito mais preparadas para tal confronto e o agrupamento combatente tende a ser reduzido. Da mesma forma, trata-se de iniciativa popular, ao lado do bloco revolucionário, e não de “apoio popular”, o que significaria que as classes trabalhadoras estariam apoiando algum partido ou coalização de partidos ou outras forças políticas. Isso significa que a luta armada só tem sentido num momento de guerra civil, ou seja, quando a população está diretamente envolvida na luta e o proletariado se autonomiza colocando sua perspectiva de classe, de forma autônoma e independente. Fora disso significa combater e morrer por forças que não expressam os interesses dos trabalhadores e sim a reprodução do capitalismo. A guerra civil espanhola foi um momento em que era possível a luta armada contra um regime ditatorial, mas isso só tem sentido se houver uma defesa da autonomização do proletariado e não defesa do bloco progressista ou mera disputa política institucional. Da mesma forma, não se deve idealizar a luta armada que se manifesta nesse contexto e transpô-la para qualquer outro contexto como alguns fazem. A luta armada só tem sentido ao lado da iniciativa popular e lutando pelos interesses do proletariado, pois se for para reforçar forças democráticas da burguesia ou da burocracia, significa tão somente apoio popular e reboquismo.

Outra tática é a eleitoral. Essa, por tudo que já dito acima, é totalmente inócua e contrária aos interesses das classes trabalhadoras, pois significa um apoio popular superficial para um determinado setor que quer reproduzir a sociedade burguesa contra outro setor. As eleições não garantem a derrota do reacionarismo e nem impede sua ascensão, que pode ocorrer via eleitoral ou via insurrecional. Mussolini foi convidado pelo rei Victor Emannuele para fazer parte do governo. O presidente da Alemanha, Paul von Hindenburg, nomeou Hitler chanceler em 1933. Eles não ganharam eleições, mas ganharam o poder que foi doado por quem havia vencido o processo eleitoral. Outras formas de reacionarismo tomaram o poder via golpe de estado ou guerra civil. Isso quer dizer que as eleições não são o elemento fundamental para definir quem exercerá o poder estatal e sim a correlação de forças na sociedade e por isso, com ou sem eleição, os reacionários podem conquistar o poder estatal. As eleições como tática para evitar o reacionarismo é uma ingenuidade, pois havendo correlação de forças contrárias a quem ganha a eleição, existem vários subterfúgios para se derrubar o governo e colocar um reacionário em seu lugar.

A tática eleitoral de setores ditos “revolucionários”, que apoiam de bom grado os ditos “reformistas”, é um contrassenso, pois fortalece o bloco progressista que é contrário ao bloco revolucionário e aos interesses da maioria da população, enfraquecendo, assim, sua autonomia, criticidade, iniciativa, etc. E, mais do que isso, o processo eleitoral é marcado pela ausência do proletariado, da luta de classes, etc. E quando se brada o “perigo do reacionarismo”, o que se faz é colocar em disputa qual forma de dominação burguesa se escolherá e se coloca o proletariado para combater do lado de uma das forças pró-burguesas. A tática eleitoral é, além disso, desmobilizadora e despolitizadora. Ela é desmobilizadora por delegar a um terceiro a luta contra o reacionarismo e é despolitizadora por colocar o proletariado a reboque dos progressistas e lutando por questões que não são relacionadas com seus interesses de classe, pois a discussão fica geralmente reduzida a escolher entre ditadura (burguesa) ou democracia (burguesa). Ao apoiar o progressismo, há um processo de desmobilização e despolitização que, por sua vez, havendo a derrota dos progressistas, gera uma situação onde não há um trabalho e uma base para uma iniciativa popular e, portanto, para a autonomização do proletariado. Assim, a disputa entre reacionários e outras forças burguesas e burocráticas serve apenas para facilitar a dominação burguesa e a anulação do proletariado.

Uma terceira tática é a da chamada “frente popular”, ou “frente democrática” ou, ainda, “frente única”. No fundo, essa tática pode estar sendo defendida junto com a da luta armada ou eleitoral. Por isso, padece dos mesmos problemas dessas duas formas já abordadas. A frente democrática é, no fundo, ou uma união de forças burguesas (republicanistas, liberais-democráticos, etc.) e forças burocráticas (social-democracia, trabalhismo, bolchevismo, etc.) contra uma ala do bloco dominante, a ala reacionária vinculada quase exclusivamente à burguesia. Novamente o proletariado e o bloco revolucionário (a não ser seus segmentos mais volúveis e semiproletários que mantém um vínculo psíquico[8] com a social-democracia e/ou bolchevismo e acabam ficando ao reboque da burocracia dessas tendências) ficam ausentes ou servem apenas como apoio, especialmente eleitoral. O problema da frente popular é justamente o mesmo que as demais táticas, o afastamento da luta de classes, do proletariado, da ideia de transformação social, e a tomada de partido por uma das forças que querem governar para reproduzir o capitalismo. Se ela se torna luta armada, reproduz o mesmo problema[9].

O que todas essas táticas possuem em comum é o abandono da perspectiva do proletariado e da transformação social, o que, indiretamente, significa adesão ao capitalismo. Por mais que digam que o voto é crítico, que é um apoio temporário, que é para evitar o pior, que é melhor para desenvolver as lutas, apenas se justifica e legitima um ato covarde e não-proletário. Sem dúvida, que isso vale para aqueles que possuem determinada formação e são aguerridos defensores do apoio aos progressistas e seus aliados burgueses e não para os que acabam cedendo por pressão e sem grande convicção.

Como se deve combater o reacionarismo?

Se todas as táticas anteriores não servem, então resta a pergunta: como combater o reacionarismo? A noção de tática, é ela mesma de origem militarista, o que significa uma disputa entre forças militares e burocráticas e não luta de classes. Ao invés de tática, trata-se de pensar uma estratégia específica numa situação específica. E, enquanto estratégia, pressupõe reflexão e análise, bem como nunca abandonar o objetivo final. Assim, a primeira questão é entender qual forma de reacionarismo se combate e após essa identificação, é preciso entender suas fontes, o que o fortaleceu para se tornar uma possibilidade de chegar ao poder. De posse desses elementos reflexivos, o passo seguinte é elaborar a estratégia específica de combate na perspectiva do proletariado.

Contra qual reacionarismo é a luta? Fascismo, nazismo, conservantismo? Quais são as fontes geradoras desse reacionarismo? E o que o bloco revolucionário, ao lado do proletariado e demais classes trabalhadoras, pode e deve fazer nesse contexto? O primeiro elemento é não se aliar com o bloco progressista e/ou outros setores da burguesia, pois isso seria ajudar um inimigo contra outro e enfraquecer o proletariado e os trabalhadores em geral. Como já dissemos e explicamos anteriormente, a luta contra o reacionarismo é uma luta contra o progressismo, tal como já destacava, sob outra forma, Otto Rühle[10].

A isso se soma as estratégias constantes da luta proletária: a) luta nos locais de trabalho, moradia, estudo; b) luta cultural; c) trabalho junto com as classes trabalhadoras no sentido de reforçar sua autonomização, auto-organização e autoformação (não chamando ela para apoiar forças burguesas ou burocráticas e sim para decretar sua autonomia e efetivar sua própria luta contra ambos os lados em disputa); d) reivindicações e exigências proletárias, ou seja, que atendam aos seus interesses (imediatos e fundamentais). Essas estratégias constantes, no entanto, nem sempre se concretizam, e menos ainda com grande eficácia. Isso ocorre por uma razão bem simples: o bloco revolucionário, por mais desenvolvido que seja teoricamente, depende da ascensão das lutas dos trabalhadores e por mais que incentive essa luta, não pode criá-la artificialmente, pode fortalecê-la, mas não pode gerá-la (pelo menos não em grandes proporções, a não ser que ele esteja extremamente desenvolvido, o que significa que as próprias lutas operárias também estão, pois é sua condição de possibilidade).

Assim, o bloco revolucionário tem como elemento fundamental buscar desenvolver a união, as organizações autárquicas e a formação/autoformação das classes trabalhadoras, num sentido autogestionário. E o avanço do reacionarismo é apenas um sintoma de que algo na sociedade está gerando problemas e estes, a partir de certo contexto, gerando soluções equivocadas. Por isso, para combater o reacionarismo e seus adversários é preciso entender a sua forma e a sua fonte. Nesse momento, a luta cultural passa a ter que abordar outros elementos e realizar uma luta contra a adesão das classes trabalhadoras ao reacionarismo e aos seus adversários.  

Um dos elementos que o reacionarismo utiliza é a manipulação dos sentimentos. Em épocas de crise, de contradições mais agudas, de ascensão da luta proletária, etc., a manipulação dos sentimentos é uma das armas que atinge o proletariado e os demais trabalhadores no sentido de desviá-los da luta de classes e da autonomização. Os nazistas, por exemplo, culpam os judeus do desemprego e assim despolitizam esse fenômeno social e seu vínculo com as classes sociais e seus interesses. Desta forma, criam um inimigo imaginário que se torna responsável pelos males sociais e canaliza o ódio e outros sentimentos contra ele e livra a burguesia da responsabilidade. Um dos elementos que os vários reacionarismos utilizam para combater a esquerda é a questão da família, tradição, nação, etc.
Aqui temos a dificuldade da esquerda em combater o reacionarismo. A esquerda geralmente cede ao racionalismo e iluminismo e assim desconsidera os sentimentos e a questão da moral, ou então tenta impor à população a sua concepção moral (ou faz como os fascistas, buscam manipular os sentimentos). Isso cria um afastamento. Mais contemporaneamente, derivado do novo paradigma hegemônico, o subjetivismo, a esquerda passou, em vários setores, a reproduzir essa concepção e os seus elementos derivados, tal como o moralismo subjetivista, e assim acabou criando novos obstáculos diante da maioria da população. A ideia liberal do “meu corpo, minhas regras”, da defesa do “politicamente correto” e outros processos, geraram um moralismo progressista subjetivista que é oposto ao que a maioria dos indivíduos das classes trabalhadoras defendem. Aliado a isso, parte da esquerda aderiu à política de identidades e abandonou as políticas voltadas para as classes trabalhadoras. No caso brasileiro, que não cabe aqui retomar[11], os governos petistas foram os responsáveis pela geração de um forte antipetismo e o endurecimento do moralismo conservador em vários setores da sociedade como reação ao moralismo progressista subjetivista (e seu subproduto, o imoralismo). Assim, ao não contribuir para o desenvolvimento de uma consciência de classe e ainda gerar um moralismo malvisto pela maioria dos trabalhadores, a esquerda se afasta e perde a influência sobre as classes trabalhadoras. O problema é que o bloco revolucionário, seja pela influência do bloco progressista seja por suas debilidades próprias[12], não conseguiu preencher o vazio, e por isso uma grande parte dos trabalhadores acabam preferindo o conservadorismo ao progressismo.

O bloco revolucionário também comete alguns erros, tal como reproduzir o moralismo progressista ou o imoralismo. É preciso deixar claro que esse é um campo pouco explorado pela teoria e pelos grupos, intelectuais, militantes e por isso é espaço aberto para a reprodução das concepções progressistas. É preciso aprofundar a discussão nesse âmbito e colocar uma perspectiva proletária em relação a tais questões. Algumas tentativas e esboços nesse sentido já foram realizados no passado, mas nada de muito desenvolvido e as interpretações posteriores e influência do paradigma hegemônico, dificultam um avanço nessas questões.

Mas um elemento fundamental seria romper com o moralismo, seja o conservador, seja o progressista, e em todas as suas formas. O moralismo se fundamenta em uma moral, e esta pode ser compreendida como “um conjunto de normas produzidas de forma exterior aos indivíduos, é imposta pela sociedade ao indivíduo. Por isso, ela é pouco praticada embora seja muito propagandeada, gerando quase sempre uma contradição entre discurso e prática”[13]. Se temos, por um lado, a moral religiosa como uma das manifestações da moral conservadora, temos, por outro, o politicamente correto como uma das manifestações da moral progressista. Ambas são imposições de normas de conduta sobre os indivíduos e isso gera, geralmente, uma contradição entre discurso e prática. O bloco revolucionário deve expandir a ética revolucionária e não ceder aos moralismos (e nem ao “imoralismo”, subproduto do moralismo progressista que quer romper com “todas as regras”, num hiperindividualismo, muitas vezes hedonista). Não cabe a quem se considera revolucionário partir dos indivíduos da sociedade atual, com seus valores (constituídos socialmente), concepções, desequilíbrios psíquicos, falta de autonomia e reflexão, submetidos ao modo de pensar burguês (reducionista, anistórico e antinômico), para formar “normas de conduta” para os demais ou para a futura sociedade autogerida. Uma sociedade de seres humanos livres é a mais adequada para instaurar uma ética generalizada na sociedade e não a projeção de seres humanos de uma sociedade desumanizada sobre um projeto de futuro[14].

Assim, o combate ao reacionarismo deve se fundamentar na estratégia revolucionária constante (luta nos locais de trabalho, moradia, estudo; luta cultural; trabalho junto com as classes trabalhadoras no sentido de reforçar sua autonomização, auto-organização e autoformação, reivindicações proletárias). Porém, a debilidade do bloco revolucionário é um obstáculo para tal. Essa debilidade é expressa no aspecto quantitativo (quantidade de militantes, e que é menor ainda se levarmos em conta apenas aqueles que atuam mais frequentemente), nas divisões internas, nas ambiguidades de vários indivíduos e grupos, entre outros processos, alguns já aludidos anteriormente, na dificuldade de vínculo mais efetivo com as classes trabalhadoras em certos momentos históricos (especialmente nas épocas de estabilidade ou no qual a classe dominante consegue impor polarização entre setores do bloco dominante ou entre este e o bloco progressista), a falta de estratégia de vários setores, etc.[15] Independentemente dessa debilidade, é preciso elaborar estratégia específica para combater o reacionarismo. No entanto, em primeiro lugar é preciso deixar claro que não se trata apenas de combater o reacionarismo e sim lutar contra a sociedade capitalista. O combate ao reacionarismo só tem sentido se for uma luta contra o capital, o estado e todas as concepções, organizações, etc., que visam sua reprodução. O combate ao reacionarismo é um combate ao capitalismo num contexto de fortalecimento da ala reacionária do bloco dominante ou então sob um governo comandado por ela. Não se trata de lutar apenas contra o reacionarismo, pois isso fortalece os liberais, os republicanos, os progressistas nas suas várias tendências.

Isso significa que o primeiro ponto é entender e ter clareza de qual é o combate e que não se trata de limitar a luta a uma recusa do reacionarismo, pois isso seria perder autonomia, ser não estratégico (pois não contribui com a realização do objetivo final) e fortalecer outros setores da burguesia ou da burocracia. Este esclarecimento, ausente em vários setores do bloco revolucionário, é o que permite e gera o reboquismo. Isso é reforçado pelo clima social e cultural que pode ser criado, bem como pressão social, envolvimento com processos de manifestações e outras ações, além de interesses pessoais. Um professor universitário, por exemplo, pode ficar preocupado excessivamente com os cortes de verbas e outros ataques dos reacionários contra as universidades, em grande parte dos casos por temer por seu futuro, pelo impacto que isso tem diretamente, etc. Agora, um professor universitário que se considera revolucionário, deveria fazer uma autoanálise e ser mais crítico em relação à situação e não cair no desespero e dramas que se efetiva em muitos casos. Um revolucionário é uma pessoa que deve estar disposta a ir, em muitos casos, contra os seus interesses pessoais, pois é o interesse de classe, do proletariado, é que deve ser priorizado. Então ele não deve fazer coro com os progressistas e sim defender uma ação autônoma e independente e de caráter estratégico.

Tendo essa clareza e superando estes obstáculos, o que resta é efetivar o combate ao reacionarismo e isso é realizado através da estratégia revolucionária constante e que assume alguns elementos específicos nesse contexto, que é mais na forma como se efetiva do que no seu conteúdo. É preciso combater o reacionarismo em suas fontes, o que significa “atacar o mal pela raiz”. É necessário identificar e demonstrar o caráter de classe do reacionarismo, o que significa ultrapassar o discurso progressista que focaliza em indivíduos (os ataques, muitas vezes infantis, ao líder e principais representantes da ala reacionária, por exemplo)[16], partidos, governos, pois em que pese possam ser nomeados e ter seus problemas revelados, esse não deve ser o foco, pois isso não gera politização e não serve para a autonomização do proletariado. Atacar apenas o partido X só tem sentido se ele é um suposto representante e tem força no interior do proletariado e das classes trabalhadoras. Porém, atacar um partido conservador ou reacionário, ou seus líderes e representantes, é se limitar a luta partidária e sair da luta de classes. A crítica aos partidos progressistas pode ser necessária em momentos em que estes são obstáculos para a autonomização do proletariado, o que não ocorre com os partidos conservadores, já que estes não possuem raízes no interior das classes trabalhadoras.

Qual é a raiz do reacionarismo? Quais são seus objetivos? Isso depende do país (há uma diferença enorme entre o reacionarismo que emerge no bloco imperialista e o que emerge no bloco subordinado, pois no primeiro caso o nacionalismo pode ser autêntico e no segundo é mero discurso sem base real, a começar pela burguesia subordinada que não tem força política, e nem vontade e interesse, para combater o imperialismo), da época, do contexto, da hegemonia cultural, etc. Uma análise do golpe militar[17] da década de 1960 é suficiente para mostrar que a luta contra a “república sindicalista” e o “comunismo” foi mero pretexto para efetivar políticas voltadas para o aumento da exploração[18]. O reacionarismo existe no interior da sociedade capitalista, mas somente se torna forte e influente em certas situações, nas quais uma parte da classe dominante passa a apoiá-lo. Isso ocorre geralmente em momentos de declínio da taxa de lucro ou em momentos de desestabilização ou crise (e essas coisas estão, geralmente, inter-relacionadas). A burguesia, em sua maioria, prefere os liberais, os republicanos, e até mesmo trabalhistas e social-democratas, do que os reacionários. Mas, nesses momentos históricos, uma parte considerável dela passa a apoiar os reacionários, pelo simples motivo de que eles não titubeiam em expressar os seus interesses e tomar medidas impopulares e de forma mais drástica, rápida e direta[19]. Assim, uma luta cultural ampla e geral que explicite as bases do reacionarismo, bem como dos seus opositores institucionais, é um dos pilares desse combate.

Assim, cabe ao bloco revolucionário ampliar suas ações, de forma autônoma e independente, e se aproximar mais das classes trabalhadoras, que tem que ser precavida da necessidade de não se aliar nem com os reacionários nem com os seus opositores. Isso, em momentos marcados pela existência de um governo reacionário, que tende a gerar um aumento progressivo da insatisfação dos trabalhadores, abre maior espaço para o bloco revolucionário e a possibilidade de sua ampliação, tanto no sentido de maior força quanto quantitativo, tendo novas adesões de desiludidos com o bloco progressista ou trabalhadores e jovens que buscam alternativas.

Por isso, o combate ao reacionarismo se inicia com uma ampla luta cultural no sentido de mostrar o seu vínculo com os interesses da classe dominante. Isso requer análises de suas políticas estatais concretas, bem como apresentação de alternativas. Isso significa não reproduzir o discurso progressista (muitas vezes vazio e apenas uma recusa das políticas estatais implementadas, sem nenhuma análise mais profunda e sem nenhuma alternativa real e exequível). Essa luta cultural é, portanto, teórica (uma explicação mais profunda da gênese e significado do reacionarismo, uma análise desenvolvida dos seus representantes e de suas ações, entre outros aspectos), propagandística (esclarecer e combater ele e seus semelhantes, incluindo o progressismo), artística (voltada para o esclarecimento e crítica social), etc.

Por outro lado, tendo em vista que existe uma possibilidade de maior receptividade do bloco revolucionário por parte da população, ampliar as ações para fortalecer a luta pela auto-organização, autoformação e união das classes trabalhadoras, bem como nos locais de trabalho, estudo e moradia. Isso deve ser acompanhado por reivindicações que atendam aos interesses do proletariado e do conjunto das classes trabalhadoras. Ou seja, ao invés de apenas questionar ações e políticas dos reacionários, e defender interesses de diversas classes e grupos, é preciso colocar em evidência interesses próprios e específicos do proletariado e dos trabalhadores em geral, como a questão do salário mínimo (no caso dos interesses imediatos) e da auto-organização e autoformação (no caso dos interesses fundamentais). O bloco revolucionário deve, portanto, ao invés de fazer como seus setores reboquistas fazem, devem ao invés de atuar nas manifestações, reivindicações e ações com o bloco progressista, deve se esforçar para agir diretamente com as classes trabalhadoras (e sem reproduzir os receituários e discursos progressistas).

Em síntese, é isso que pode e dever ser feito no combate ao reacionarismo, que é, um combate à sociedade capitalistas e todas as suas manifestações, tal como o bloco dominante e o bloco progressista. A capacidade e a força nesse processo depende de diversas determinações e uma delas é a disposição e luta do bloco revolucionário, que, pode antecipar grandes explosões de insatisfações e assim ajudar a elas serem orientadas para a transformação radical e total das relações sociais, ao invés de serem desviadas e canalizadas para interesses da classe dominante ou da burocracia (especialmente a partidária, ou seja, o bloco progressista). Em cada caso concreto, com sua especificidade, requer análise e pensar as formas de luta e como concretizar essa estratégia.

Enfim, não existe uma fórmula infalível. O que existe é uma estratégia geral, da qual fizemos uma síntese, que depende muito mais do que sua mera existência para se concretizar e gerar resultados satisfatórios ou não, e não há muito o que inventar. Um elemento fundamental nesse processo é a insatisfação das classes trabalhadoras e do proletariado, que é o rastro de pólvora que poderá explodir a sociedade capitalista, mas ela tem que ser acompanhada com um projeto, bem como com a união e autonomização do proletariado, o que só pode ocorrer com auto-organização e autoformação. E o bloco revolucionário tem um significado importante em contribuir com essa passagem da insatisfação para a luta radicalizada e possibilidade de revolução proletária. Agora, se a maioria do bloco revolucionário fica a reboque do bloco progressista, não só se autossabota como fortalece um inimigo que é fundamental para a reprodução do capitalismo e das situações que ele cria, incluindo o reacionarismo.




[1] Trata-se, geralmente, de um discurso oportunista e eleitoral e que tem como um dos elementos não definir o que é fascismo ou apresentar uma pseudodefinição tão ampla que pode se aplicar até aos aliados dos petistas. Ao definir fascismo como violência ou qualquer autoritarismo acabam banalizando o termo e nem percebem que essa suposta definição se aplica ao stalinismo e aos países capitalistas estatais (falsamente chamados de “socialismo real”, como URSS, China, Cuba, etc.) e que o PCdoB é stalinista. Logo, a vice de Haddad poderia ter sido chamada de fascista durante o último processo eleitora, pois isto se torna possível quando se usa essas pseudodefinições amplas ou não se define. Sobre fascismo, cf: O que é fascismo?
[2] Inclusive, no caso brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro, era originalmente um conservantista, ou seja, um estatista, mas, por causa de objetivos eleitorais, avançou para o liberal-conservantismo, tal como expresso na sua escolha do Ministro da Economia, o liberal Paulo Guedes, o que significa a manutenção do moralismo conservador misturado com um liberalismo econômico.
[3] A ala reacionária é uma subdivisão da ala oposicionista no interior do bloco dominante. O bloco dominante possui a ala governista, composta por quem está no governo, e uma ala oposicionista, na qual há setores da burguesia que são oposição. A ala reacionária é uma das subdivisões da ala oposicionista e somente em algumas situações históricas ela se torna a ala governista e, a antiga ala governista se torna oposicionista (e, em certas situações, acaba se aliando ou se tornando omissa, especialmente em regimes ditatoriais, com poucos setores assumindo realmente que é oposição).
[4] O liberal-conservantismo, uma mistura híbrida de conservantismo e liberalismo (um acordo entre setores da ala moderada e da ala extremista do bloco dominante), é algo mais excepcional, pois emerge em pleno momento de hegemonia neoliberal e subjetivista e por isso mantém aspectos do conservantismo e os une com elementos de liberalismo. Se não fosse isso, o governo brasileiro atual seria puramente conservantista, mas a força da burguesia e do liberalismo constrange a essa concessão, que pode ser superada com a dinâmica das lutas de classes e mudança na situação do país.
[5] A respeito do pragmatismo do nazifascismo, cf. Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas (ainda a ser publicado).
[6] O subjetivismo, o irracionalismo, etc., são algumas das formas ideológicas que dão suporte ao anti-intelectualismo reinante até os dias de hoje e foi reforçado pelas políticas educacionais de um governo denominado de esquerda. A hegemonia subjetivista atacou, pela esquerda e pela direita, a formação política e intelectual e as políticas governamentais, no caso brasileiro, reforçaram essa hegemonia e precarizaram a educação no país.
[7] Não existe nada mais ridículo que anarquistas, autonomistas e outros se aproximarem dos trabalhadores e da população para pedir votos para os progressistas para evitar o reacionarismo. Ao invés de contribuírem com a politização (luta cultural) e autonomização (a formação de organizações autárquicas), com a formação de conselhos de bairros, conselhos de trabalhadores, entre outras formas, apontam para solicitar o apoio aos burocratas partidários para que esses façam o trabalho sujo para a burguesia no sentido de reproduzir o capitalismo e determinadas políticas estatais necessárias no momento para essa classe.
[8] Isso pode ser explicado pelo sentimento de unidade que se cria entre os indivíduos do bloco revolucionário pela proximidade de linguagem, discurso, símbolos, referências intelectuais, com parte do bloco progressista, bem como pela convivência, pressão social, locais de atuação que muitas vezes são semelhantes. Esse sentimento de unidade pode se tornar um obstáculo para a percepção do real significado do progressismo e do seu caráter burguês ou semiburguês e de adesão de muitos às táticas do bloco progressista.
[9] Há aqueles que recusam tais alianças, mas acabam reproduzindo elas ao ir ao reboque intelectual das interpretações e posições de outros setores, especialmente do bloco progressista. Isso é derivado de falta de autonomia intelectual (o que remete ao problema da formação intelectual e política), da proximidade sentimental com o bloco progressista (derivado da proximidade de linguagem, símbolos, autores de referência – tal como Marx, que é usado de forma deformada pelos progressistas, alguns valores – como o humanismo de alguns progressistas, embora distinto do humanismo radical, da não percepção do populismo e hipocrisia vinculados a esta posição, etc.).
[12] Esses elementos não estão separados, pois são as suas debilidades próprias (na verdade, a da maioria dos seus componentes) que o faz ficar a reboque do bloco progressista e gerar um divisionismo interno que o enfraquece.
[13] VIANA, Nildo. Crítica ao Moralismo. Revista Posição, vol. 2, num. 7, 2015, p. 10.
[14] Um exemplo disso se encontra no debate de Erich Fromm e Herbert Marcuse. Fromm avança mais por se manter numa posição humanista, enquanto que Marcuse cai em erros grosseiros. Assim, se Marcuse defende a liberação das perversões sexuais (como, por exemplo, a coprofilia), Fromm é um crítico disso. A questão que se coloca é: a coprofilia é uma necessidade humana ou produto de um desequilíbrio psíquico gerado por uma sociedade repressiva e desumanizadora? Para os moralistas a solução seria defender uma ou outra posição. Para a posição revolucionária, trata-se de ser prudente e não criar modelos de sociedade (e, como Fromm coloca, gerados por pessoas problemáticas constituídas por essa sociedade) e de comportamento. Trata-se, na verdade, de defender uma ética que aponte para a liberdade e não criar normas de comportamento, pois elas são constituídas por pessoas dessa sociedade e para essa sociedade, partindo da percepção de indivíduos dessa sociedade com os problemas gerados por ela.
[15] No caso de certos indivíduos e grupos, essa debilidade também se manifesta através falta de teoria, estratégia, ou, ainda, incompreensão da conjuntura. Isso é mais forte no caso de grupos de jovens quando inexperientes e sem maior formação intelectual, bem como no caso do anarquismo e é mais forte contemporaneamente devido a hegemonia subjetivista.
[16] Isso é visível contemporaneamente, no qual a infantilidade da esquerda brasileira se manifesta de forma tão explícita quando nos apelidos dados ao atual presidente da república, Jair Bolsonaro, o que inclusive faz perder a seriedade e para os não-iniciados (trabalhadores não ligados ao progressismo) e fica parecendo “torcida organizada” ao invés de debate sério sobre questões políticas e sociais.
[17] Aqueles que querem reformular o nome e chamar o golpe da década de 1960 como “civil-militar” ou “empresarial-militar” apenas dizem a obviedade de que ele não é algo meramente ou apenas militar. No fundo, nunca existiu golpe apenas militar. Mas por detrás dessa terminologia, que tem como única vantagem expressar que existem interesses na sociedade civil no sentido de realizar o golpe, há uma incompreensão do significado das forças militares e seu vínculo indissolúvel com a classe capitalista. Todos os golpes militares, assim como todos os regimes ditatoriais, expressam os interesses da burguesia em determinado contexto histórico e por isso não tem sentido colocar o termo “civil-militar”, pois nunca houve uma autonomização das forças armadas, mesmo quando elas implantam tais regimes. O caso mais extremo de autonomização, tal como o nazismo, foi efetivado de acordo e com o apoio da classe capitalista alemã. Isso é suficiente para explicar a razão da não adoção da “nova terminologia”, que aponta para um esclarecimento e gera um obscurecimento, simultaneamente.
[18] VIANA, Nildo. Acumulação Capitalista e Golpe de 1964. Revista História & Luta de Classes, Rio de Janeiro, v. 01, n.01, p. 19-27, 2005. Disponível em: https://informecritica.blogspot.com/2019/05/acumulacao-capitalista-e-golpe-de-1964.html
[19] Embora possa haver exceções, especialmente quando um governo reacionário tem forte oposição ou legitimidade e apoio popular muito limitado.

3 comentários:

  1. Opa, excelente análise Nildo.

    Se entendi bem, o combate ao liberal-conservantismo (por ser reacionário) deve ocorrer da mesma forma que qualquer reacionarismo (nazismo, fascismo, etc). Assim não interessa se estamos tratando desse ou daquele reacionarismo, isto é, o combate será o mesmo.

    Contudo, mesmo que do ponto de vista teórico cada tipo de reacionarismo possuem distinções entre si além das semelhanças, do ponto de vista político não necessariamente se considera essas distinções e se combate de igual forma. Certo? Caso contrário, teríamos que analisar também do ponto de vista político as possibilidades e riscos que um tipo de reacionarismo mais moderado podem desembocar em um reacionarismo extremado.

    Por exemplo, o discurso (na campanha e também enquanto oposição) do PT sobre o governo Bolsonaro acaba atingindo um setor da população que tem preocupações sérias desse governo reacionário se transformar em um reacionarismo extremado, os petistas antecipam essa possibilidade e oportunamente se adiantam acusando o governo de fascista. Essa sua análise desconstrói facilmente esse oportunismo petista, porém como fica as preocupações de setores da população com a possível "radicalização" desse governo reacionário? Isso implicaria em reanálises na forma como o reacionarismo deve ser combatido? Ou mesmo com a "radicalização" do reacionarismo o combate deve ser o mesmo?

    Muito obrigado pelo seu excelente trabalho. Saudações autogestionárias!!!

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  2. lá, anônimo!

    O combate ao reacionarismo é o mesmo, independentemente de sua forma. Porém, o que muda é a forma. Por exemplo, para combater o fascismo é preciso entender o fascismo, seu discurso, suas táticas, suas bases sociais, etc. É por isso que no meu texto sobre o fascismo fica explícito a impossibilidade de um fascismo autêntico no capitalismo subordinado (cf. http://informecritica.blogspot.com/2018/10/o-que-e-o-fascismo.html).

    No plano da análise e da teoria, realizamos a distinção, pois assim podemos também distinguir praticamente e isso tem efeitos políticos. Um deles é perceber a semalhança, mas também as diferenças. Contudo, além das características de cada tendência reacionária, com suas semelhanças e diferenças, há também outros elementos para se analisar nesse processo, como sua força política real, sua base de apoio, a sua relação com as classes trabalhadoras, etc. Isso não promove mudança na estratégia específica do bloco revolucionário, apenas gera especificaidades (discursivas, de explicação, de ações pontuais, etc.).

    A dinâmica do reacionarismo precisa ser compreendida e dificilmente se passa de um reacionarismo a outro, pois o hegemônico alglutina e dificilmente o apoio de setores da burguesia e da população passa de um para outro. Ele cria raízes sociais e por isso não é fácil passar de um para outro. Além disso, da perspectiva do proletariado, ou seja, para o bloco revolucionário, a questão de ser mais ou menos extremista muda muito pouca coisa, pois continuam sendo expressão da classe dominante e a serviço dela. O mesmo poderia ser dito em relação à oposição entre democracia e ditadura. Se fóssemos escolher o menos ruim, escolheríamos a democracia burguesa ao invés da ditadura (a autocracia burguesa), mas ambas tem vantagens e desvantagens para a luta proletária. A democracia traz a vantagem de uma pequena liberdade de organização e expressão (bem pequena, não apenas pelos limites legais, mas, fundamentalmente, pelos limites impostos pela mercantilização e burocratização de tudo) e como desvantagem a corrupção, a cooptação, o aparelhamento, de setores da população, das classes trabalhadoras, dos movimentos sociais, etc. A ditadura, por sua vez, tem desvantagens, tais como a censura, a repressão explícita e ampliada, a diminuição da liberdade de organização e expressão, etc. E tem como vantagens o menor grau de corrupção, cooptação e aparelhamento. Os exemplos históricos mostram isso. Por isso, essa questão de "reacionarismo mais moderado" e "reacionarismo mais extremado" acaba não ultrapassando a discussão que já havíamos ultrapassado no artigo acima: as divisões e subdivisões da burguesia e de suas classes auxiliares (mais especificamente, do bloco progressista) não são fundamentais, e se posicionar do lado de uma elas contra outra, é cair no reboquismo e abrir mão de uma política autônoma e independente do proletariado, o que significa, por sua vez, sua despolitização e enfraquecimento, fortalecendo, inclusive, essas forças que podem se tornar atrativas para setores das próprias classes trabalhadoras.

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    1. (Continuação da resposta):

      Quanto aos petistas, trata-se, realmente, de oportunismo. O fascismo é apenas um espantalho - e lendo o artigo indicado acima isso fica claro. O que poderia ocorrer, no caso brasileiro, é a passagem para um regime ditatorial, conservantista. Os setores da população preocupados por isso estão hegemonizados pela concepção burguesa, pois se preocupam com a defesa da democracia (burguesa) ao temer a autocracia (burguesa), ou seja, opta por uma de duas possibilidades de dominação burguesa expressa por duas forças burguesas. Logo, o discurso petista apenas faz, de forma oportunista, apontar para uma coisa que é impossível (e se fosse algo mais "provável", que seria a passagem para um regime ditatorial, teria que ver as condições e possibilidades disso, pois mesmo setores da burguesia são contra isso, alguns por interesse próprio e outros por concepção, etc., que são mais propensos a mudar de lado).Assim, eu lhe diria que a preocupação desses setores da população é equivocada e mesmo que passe a ser possível, isso não vai impedir as mudanças concretas a não ser que se passe da preocupação para a ação. A ação, no entanto, seria apoiar o PT ou alguma "frente democrática", o que é um equívoco e problema, pois reforça um lado e em momentos de radicalização, isso fortalece o lado oposto e nenhum dos dois lados é proletário, o que significa promover uma despolitização e afastamento de possibilidade de autonomização do proletariado. Em síntese, o bloco revolucionário não deve tomar partido de nenhum dos lados da disputa burguesa, seja entre setores do bloco dominante ou entre este e o bloco progressista. Se houver um endurecimento do governo ou então a passagem para um regime ditatorial, a luta é a mesma: autonomização do proletariado e luta por hegemonia proletária no interior das classes trabalhadoras. Logo, a resposta para sua pergunta é que as análises são as mesmas, só que englobando as mudanças e novas tendências e acontecimentos e que a efetivação de uma passagem para um mais forte autoritarismo ou mesmo regime ditatorial não muda o combate, que continua o mesmo, pois muda apenas a forma de dominação e quem é o agente principal disso, mas a dominação continua e o seu combate efetivo tem como elemento fundamental a autonomização do proletariado e dos trabalhadores em geral, sem essa autonomia e independência de classe, o que se faz é lutar (e até morrer) por um setor da burguesia ou de suas classes auxiliares contra outro, e dificultar ainda mais a possibilidade e tendência de real transformação social.

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