O DILEMA DA
NEGAÇÃO PRÁTICO-CRÍTICA
Nildo
Viana
A sociologia,
recentemente, vem desenvolvendo a ideia de que um de seus papéis é a
desnaturalização. Isso é algo que pode, aparentemente, soar como “marxista” e,
a leitura de Bauman (1977) quando ainda tinha forte influência de Marx, parece
confirmar isso. Além da sociologia, diversos marxistas ou críticos da sociedade
burguesa resolveram levantar a palavra de ordem: desnaturalização!! Nesse
contexto, muitos equívocos vêm sendo cometidos e por isso uma reflexão a
respeito do significado da naturalização e desnaturalização se torna
fundamental, bem como sua relação com o marxismo e sua proposta de negação
prático-crítica da naturalização.
O
Problema da Naturalização
Alguns pensam que a
naturalização é algo que é puro produto do pensamento. Isso é certo e ao mesmo
tempo errado. A naturalização é uma determinada representação, explicação ou
entendimento de uma determinada realidade e, portanto, é produto da mente
humana, do pensamento. As representações cotidianas ilusórias e as ideologias
tendem a produzir continuamente um processo de naturalização (VIANA, 2008).
Contudo, só existe
naturalização do que é histórico e social. A metafísica é essencialmente um
exercício de naturalização sob a forma de essencialização. Da mesma forma, o
biologismo é outra forma de manifestação da naturalização sob a forma de
biologização. São explicações da realidade social e histórica que a tomam como
natural, imanente, ao invés de processos constituídos social e
historicamente. A desigualdade social
entre homens e mulheres, entre classes sociais, entre jovens e adultos, entre
outras, são produtos sociais e históricos. A naturalização significa dizer que
a desigualdade social entre homens e mulheres, classes sociais, jovens e
adultos, é natural, ao invés de ser o que é: social e histórica. Essa
desigualdade a que nos referimos é social, pois, se os homens recebem maiores
salários do que as mulheres, isso se deve a um processo social e histórico de
opressão das mulheres.
No entanto, homens e
mulheres, em outro sentido, são naturalmente desiguais. Aqui, “desigual” quer
dizer “diferente”, pois não é social[1].
Que homens e mulheres são diferentes fisicamente, basta ter olhos para ver,
pois isto está inscrito em seus corpos. Da mesma forma, brancos e negros são
diferentes, desiguais, no sentido fenotípico, por exemplo, na cor da pele
(VIANA, 2009). Agora a pobreza que acomete proporcionalmente mais os negros que
os brancos, é um produto social e histórico. No caso das diferenças físicas e
naturais, não pode haver naturalização, pois naturalizar é o ato de pensamento
de tornar natural e não se pode fazer isso com o que já é natural. As
desigualdades sociais são produtos históricos e, portanto, podem ser
naturalizadas. Em síntese, o que é natural não pode ser naturalizado, apenas o
que não é natural, ou seja, o que é produzido social e historicamente.
A partir destas
reflexões, é possível entender que a naturalização é um processo do pensamento,
bastante comum nas representações cotidianas e no mundo da ideologia. Este é um
interesse da classe dominante, que quer naturalizar a exploração, a dominação e
as formas de opressão. Porém, a naturalização não é um puro produto do
pensamento. Eis a questão que muitos se esquecem. Só é possível naturalizar o
que existe. Se não existissem classes sociais distintas e desiguais, não seria
possível naturalizar sua “diferença” e “desigualdade”. Se as posições sociais
de homens e mulheres, negros e brancos, não fossem diferentes e desiguais,
então seria impossível naturalizá-las. Nesse sentido, a naturalização é sempre
a naturalização de alguma coisa e por isso é preciso que essa “coisa” exista.
A naturalização é um
processo do pensamento que não produz a realidade, tal como a “desigualdade”
(de classe, raça, sexo, etc.), mas simplesmente a interpreta como sendo
naturais ao invés de produtos sociais e históricos. Em outras palavras, a
naturalização é um processo mental interpretativo que não cria a desigualdade
ou qualquer outro fenômeno e nem é sua causa, sendo, no máximo, uma ideologia
ou representação que a reproduz e reforça. Logo, nesse sentido, a naturalização
não é um processo puro do pensamento, pois é preciso que haja determinada
relação social concreta para que ela possa ser naturalizada.
A desigualdade (social)
existe, quer gostemos ou não, quer queiramos ou não. A diferença entre um
marxista e um ideólogo é que o primeiro irá afirmar que ela é constituída
social e historicamente e o segundo poderá dizer que ela é natural, eterna,
imanente, imutável. As classes sociais existem, mas surgiram em determinado
momento histórico e podem e tendem a ser abolidas. Dizer que “sempre existiram
e sempre irão existir classes sociais” é naturalizar, produzir uma consciência
ilusória, falsa, da realidade, que existe concretamente.
A
Questão da Desnaturalização
Assim, após esclarecer
que a naturalização é um processo de pensamento, mas que age sobre uma realidade
concreta, real, existente, invertendo ela, transformando-a, no plano das
ideias, de algo constituído social e historicamente em algo natural, resta
analisar o processo de desnaturalização. O mesmo equívoco que existe em relação
à naturalização ocorre no que se refere ao caso da desnaturalização. Algumas
pessoas, ao entender que as desigualdades sociais entre classes, sexo, raça,
idade, etc., são produtos do pensamento, então chegam à conclusão de que basta
pensar que elas não existem para se resolver o problema. Se alguém afirma que
“as mulheres participam pouco nas instituições políticas”, logo pode ser
acusado de “naturalizar” essa realidade. Ora, isso é algo concreto, real. A
mera constatação dessa realidade não é naturalização[2].
Seria naturalização se afirmasse que isso ocorre porque é “natural”, porque as
mulheres naturalmente não gostam de política, etc. A desigualdade social
existe, ela só não é natural. Constatar a sua existência não significa
naturalizar, pois para fazer isso é preciso remeter ao seu processo de
explicação. Se a explicação for de que isso é natural, então é naturalização,
mas se for que é um produto social e histórico, então não é.
Se a naturalização da
desigualdade social fosse um puro produto do pensamento, então bastaria fazer
de conta que a desigualdade social não existe para ela desaparecer. Assim, a
desnaturalização seria simples e fácil. Se a naturalização é realizada a partir
da inversão de uma realidade, como no imaginário e na ideologia, então essa
realidade invertida existe, só que apresentada, como dizia Marx, “de cabeça
para baixo” (MARX e ENGELS, 1982). Daí a necessidade de percepção de que a
naturalização não é um produto do puro pensamento e sim um produto de um
pensamento, ele mesmo histórico e social, sobre uma realidade histórica e
social realmente existente.
A desnaturalização,
nesse caso, se torna mais complexa. As desigualdades sociais existem e tanto a
teoria quanto algumas ideologias reconhecem isso, o que as diferencia é que a primeira
coloca a desigualdade social como sendo constituída histórica e socialmente e as
outras afirmam que ela é natural, eterna, imutável, imanente. Como, então,
realizar o processo de desnaturalização? Não basta fazer como alguns, que
querem negar a filosofia virando-lhe as costas e resmungando “algumas frases
mal humoradas e triviais” (MARX, 1968, p. 25-26).
A
Negação da Naturalização
A desnaturalização pode
ocorrer sob duas formas de negação. A negação teórica e a prática. A negação
teórica consiste em efetivar uma crítica radical ao processo de constituição
das chamadas “desigualdades sociais”[3],
mostrando e fundamentando o seu caráter de produto histórico e social. Essa
negação é fundamental, mas insuficiente. Ela é fundamental por revelar o que
estava oculto, colocar que a exploração de uma classe sobre outra não é eterna,
imutável, imanente, e sim algo que surgiu e pode deixar de existir, algo
histórico, social. Ao fazer isso, permite o avanço da consciência e da
necessidade de superação dessa realidade existente. Sem dúvida, isso faz parte
da luta cultural e a teoria precisa se generalizar, mesmo que sob formas mais
simples para que todos tenham acesso, sob a forma de teorema[4]. A
negação teórica não significa a superação dessa realidade, mas tão-somente a
sua compreensão. A importância da negação teórica reside no fato de que ela só
é realizada tendo por objetivo a transformação radical dessas relações sociais
naturalizadas e que uma vez existindo, reforça a tendência de sua negação
prática.
A negação prática é
quando há a superação das relações sociais naturalizadas pelas ideologias e
representações cotidianas ilusórias, no caso, das chamadas “desigualdades
sociais”. Quando ocorre uma revolução proletária e, consequentemente, a
abolição do capital, do Estado, etc., concretizasse a negação prática, a
superação, das classes sociais. A prática confirma e realiza a teoria. As bases
reais da exploração e dominação de classes desabam, e, junto com elas, de todas
as formas derivadas de opressão. A negação teórica da naturalização é a sua
crítica e a negação prática é sua superação concreta, real. A negação teórica
da filosofia, por exemplo, significa que ela é criticada e mostrada em seus
limites, inclusive históricos, de existência. Mas a crítica da filosofia não a faz
deixar de existir. A negação prática da filosofia, por sua vez, significa que
ela deixa de existir, que ela é superada concretamente.
Contudo, há um outro
problema aqui. A negação prática também pode ser mal compreendida. É comum
pensar a negação prática de forma voluntarista, ou seja, que basta querer e
agir diferente para que as relações sociais sejam transformadas. O primeiro
problema está em pensar que alguns aspectos podem mudar, mas para que haja a
superação prática da desigualdade (classe, raça, sexo, etc.) é necessário mudar
o conjunto das relações sociais, ou seja, uma transformação social radical. A abolição
das classes sociais pressupõe que todo o modo de produção, formas de
sociabilidade, processos culturais, etc., sejam transformados. Da mesma forma,
a opressão feminina e o racismo só podem ser efetivamente superados com a
abolição daquilo que lhe gera tais formas de opressão.
Logo, com a preservação
da sociedade capitalista e, por conseguinte, o processo de exploração e
dominação de classe, a existência da mercantilização e burocratização das
relações sociais, a competição social e a cultura que reproduz e reforça isso,
uma suposta superação do racismo e do sexismo é ilusória. No máximo, consiste
em paliativos que se forem apresentados como superação, torna-se apenas
ideologia que reforça a reprodução dessas formas de opressão ao invés de sua
superação efetiva, podendo inclusive ser fonte de apoio a governos ou formas de
cooptação de setores da sociedade. Da mesma forma, usar @ no lugar da letra “a”
ou “o”, entre outras formas de tentativas de superar o sexismo na linguagem,
não alteram as relações sociais reais e concretas, e o sexismo continua
existindo com nova linguagem e aparentemente sob forma não sexista[5].
A transformação
linguística pressupõe transformação social concreta e radical, e assim como os
eufemismos surgem para ofuscar as relações sociais reais e a percepção da
opressão, tais procedimentos supostamente avançados querem mudar a linguagem
sem mudar a realidade que a gerou e a reproduz. É como no caso do uso do
eufemismo “secretária” para substituir “empregada doméstica”, como se bastasse mudar
as palavras para as relações sociais reais mudar e o processo de relação entre
empregadores e empregados deixasse de ser marcados pela subordinação, conflito,
interesses opostos, etc. graças ao eufemismo. Sem dúvida, algumas mutações na
linguagem podem ocorrer e diminuir o sexismo e outros processos que se
manifestam em sua estrutura, mas a maior parte não tem efeito nenhum e muitas
têm efeito contrário ao desejado. Nesse sentido, a reflexão sobre estes
processos é algo necessário em cada caso concreto.
Interlúdio:
A Questão da Culturalização
Também pode haver o
procedimento contrário: assim como a ideologia e as representações cotidianas
produzem naturalização do que é social, ou seja, transforma o social em
natural, o caminho inverso é possível, ou seja, transformação do natural em
social ou cultural. Não existe expressão para manifestar isso, mesmo porque é
um fenômeno recente, oriundo da emergência das ideologias pós-estruturalistas e
seus derivados culturalistas, mas o mais comum, do ponto de vista formal, seria
falar em “socialização”. Contudo, este termo já tem uma longa tradição de uso
na sociologia e psicologia social se referindo ao processo de educação e
formação dos indivíduos (DURKHEIM, 1978; BERGER, 1986; LAMBERT e LAMBERT, 1975)
e por isso a criação de um novo termo é mais adequado a este caso. Como esse
processo ideológico se caracteriza por transformar o que é natural em cultural,
e pela existência da oposição entre “natureza e cultura” em diversas discussões
das ciências humanas, especialmente no campo da antropologia, a melhor opção é usar
o termo culturalização.
A culturalização é um
fenômeno contemporâneo que consiste em transformar o natural em social,
processo que vem sendo realizado principalmente pelas ideologias
pós-estruturalistas, ou, segundo sua autoimagem ideológica, “pós-modernas”
(VIANA, 2009). O procedimento de culturalização consiste em retirar elementos
da natureza ou da constituição biológica e torná-los sociais ou culturais. É o
caso, por exemplo, de diferenças entre homens e mulheres, sendo que algumas são
constituídas socialmente e outras biologicamente, e, na ideologia
culturalizante, o último aspecto é apagado, tornando todas as diferenças como
sendo geradas pela cultura e/ou sociedade (GIFFIN, 1991).
As origens desse
procedimento ideológico já são antigas. Porém, o processo era o contrário: se
retirava aspectos das relações sociais ou da cultura e os atribuía aos seres ou
fenômenos naturais. Esse é o caso do antropomorfismo existente nos mitos
antigos (VIANA, 2011), procedimento que teve outras versões e que se ampliou
com a sociedade moderna e a produção científica. Um exemplo disso é Darwin
(VIANA, 2001), que extraiu da sociedade de sua época aspectos que atribuiu à
natureza e, posteriormente, após transferir da sociedade para a natureza,
realiza o processo inverso, no qual essa natureza culturalizada, mas na ideologia
algo natural (uma naturalização do social, no caso, da competição) retorna ao
social, naturalizando-o, apesar das origens sociais da ideia inicial.
Uma outra forma de
manifestação dessa culturalização do natural é a forma da sociologia durkheimiana
e, de certa forma, weberiana. O procedimento, nesse caso, é dotar a sociedade
de características idênticas à da natureza, negando essa, mas substituindo-a
por uma “segunda natureza”, de caráter objetivo e semelhante à anterior. Nesse
caso, Durkheim concebe a sociedade como “segunda natureza”, realizando a
deificação do social e colocando, com sua ideologia da dualidade da natureza
humana (DURKHEIM, 1975), uma escolha “entre duas espécies de não-liberdade: a
não-liberdade animal ou a humana” (BAUMAN, 1977, p. 35), aspecto presente
também em Weber com sua concepção segundo a qual a sociedade moderna é àquela
“na qual os homens estão cada dia mais dispostos a atuar de acordo com as
regras da racionalidade instrumental” (BAUMAN, 1977, p. 63).
No momento atual, o
procedimento ideológico contemporâneo da culturalização expressa não uma
projeção do social no natural (antropomorfismo) e sim uma transmutação
ideológica do natural em social. Esse processo de culturalização tende a
transformar tudo em cultura e faz parte de uma longa história, na qual o ser
humano busca se separar e afastar da natureza (MOSCOVICI, 1977) e pode ser
visto desde o mito bíblico da expulsão do ser humano do paraíso, no qual sua
submersão no mundo natural é rompida e a partir daí sua relação com a natureza
passa a ocorrer via trabalho, pois “comerás o pão com o suor do teu rosto”.
No entanto, essa busca
de separação entre ser humano e natureza atinge uma intensidade cada vez mais
ampla e ganha um caráter ideológico cada vez mais forte. Por isso se torna tão
ideológico, axiológico e prejudicial quanto o fenômeno da naturalização, não
apenas por dificultar a compreensão da realidade, mas também pelo seu caráter
político e seus efeitos práticos.
Essa separação entre
ser humano e natureza foi reforçada após a emergência das ciências humanas, que
contribuíram para elucidar o processo de constituição social dos seres humanos,
mas, em algumas de suas tendências, negaram o corpo e o aspecto biológico do
ser humano, o que atinge grau elevado com as ideologias pós-estruturalistas.
Essas ideologias, ao culturalizar o natural (e o social, conceito distinto, que
remete às relações sociais concretas, realmente existentes e não as
representações que se produzem a respeito delas), acabam criando uma nova forma
de essencialismo cultural (YOUNG, 2002), de caráter abstrato-metafísico. Assim,
tais ideologias invertem a realidade num sentido oposto ao processo de
naturalização, mas que, sub-repticiamente, reproduz as suas características e
contribuem, da mesma forma, para a reprodução da sociedade capitalista através
da culturalização como a outra face da naturalização. A ideia de “segunda
natureza”, já criticada por Bauman, reaparece aqui sob a forma de essencialismo
cultural:
As várias
culturas são vistas como possuidoras de naturezas essenciais, historicamente
formadas. O mundo inclusivista era, é claro, essencialista: nosso mundo era a
essência e a falta dela nos outros. Mas aqui nós temos o essencialismo, um
mundo de essências diferentes e separadas. Cada cultura tem suas próprias
normas ‘culturais’, como espécies diferentes na natureza – exatamente como nos
desenhos animados infantis, em que cada espécie de animal tem uma propensão
diferente juntamente com um sotaque regional diferente (YOUNG, 2002, p. 151).
A culturalização é uma
ideologia e, por conseguinte, devido a isto, não só inverte a realidade como
contribui para a reprodução da sociedade existente e, por isso, também deve ser
superada.
A
Superação das Ilusões
A ideologia, como
sistema de pensamento ilusório, bem como o imaginário, representações
cotidianas ilusórias, são formas de consciência falsa da realidade, produzidas
socialmente e que reproduzem e reforçam as relações sociais fundadas na
exploração, dominação e opressão. Elas reproduzem as relações de produção
capitalistas e tudo que deriva daí. Logo, a crítica das ilusões é necessária, o
que pressupõe a superação das ideologias e imaginários da sociedade moderna.
Mas sua superação total pressupõe a transformação social. De acordo com Marx,
“a exigência de superar as ilusões sobre sua situação é a exigência de superar
uma situação que necessita de ilusões” (1968, p. 10).
A crítica faz parte
dessa luta para superar as ilusões, mas a crítica não é um fim em si mesma, é
apenas um meio (MARX, 1968) e por isso é necessário criticar as ilusões, sejam
elas quais forem, e, ao lado disso, mostrar suas raízes sociais e interesses,
seu fundamento material. Esse processo, no entanto, não irá abolir as ilusões
em geral, mas faz parte da luta e contribui com tal superação. Também não
supera a situação que gera tais ilusões. A superação total das ilusões
pressupõe superar a sociedade que é produtora dessas ilusões, a transformação
social radical do conjunto das relações sociais e, nesse sentido, a negação
prática é fundamental. No entanto, para ser práxis
revolucionária, a negação prática não pode ser apenas prática, pois seria
cega e pode se transformar em trágica e a negação crítica, teórica e cultural,
só tem sentido aliando-se com a prática.
É justamente essa
unidade entre negação crítica, cultural e teórica, com a negação prática, que
constitui a práxis revolucionária e é
essa que é a chave para a superação do mundo de ilusões e da sociedade criadora
de ilusões. A maior ou menor unidade entre negação crítica e negação prática se
dá nas lutas concretas e em momentos de ascensão do movimento revolucionário
tende a uma maior unificação e eficácia, ambas avançam e se tornam uma
possibilidade concreta no próprio processo de luta que gera as bases sociais
para a continuidade de transformação radical. Por conseguinte, a recusa da
naturalização e da culturalização é parte da luta e seus limites são os limites
da luta. Da mesma forma, as práticas concretas dos indivíduos fazem parte da
luta e seus limites são, igualmente, os limites da luta. A unificação que
significa um avanço no sentido da práxis
revolucionária é obstaculizada pela sociedade e suas relações sociais
concretas e facilitada pelo processo de luta contra ela, principalmente quando
há um processo de radicalização, prenúncio da revolução social.
Referências
BAUMAN,
Zygmut. Por uma Sociologia Critica. Um
Ensaio sobre Senso Comum e Emancipação. Rio de Janeiro, Zahar, 1977.
BERGER,
Peter. Perspectivas Sociológicas. 7a
edição, Petrópolis, Vozes, 1986.
DURKHEIM,
Emile. A Ciência Social e a Ação. São Paulo,
Difel, 1975.
DURKHEIM,
Émile. Educação e Sociologia. 11a
edição, São Paulo, Melhoramentos, 1978.
GIFFIN,
Karen. Nosso Corpo nos Pertence: A Dialética do Biológico e do Social. Cadernos
de Saúde Pública. Vol. 2, num. 17, abr./jun. 1991. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csp/v7n2/v7n2a05.pdf acessado em:
01/09/2013.
LABERT, William e LAMBERT, Wallace. Psicologia Social. 4ª
edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
MARX, Karl e ENGELS, F. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São Paulo, Ciências Humanas,
1982.
MARX,
Karl. Contribucion a la Crítica de la Filosofia del Derecho de Hegel.
Notas Aclaratorias de Rodolfo Mondolfo. Buenos Aires, Ediciones Nuevas, 1968.
MOSCOVICI, Serge. A
Sociedade Contra Natura. Lisboa: Edições 70, 1977.
VIANA, Nildo.
Darwinismo e Ideologia. Pós – Revista
Brasiliense de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UnB, Brasília, v. 2, num.
5, 2001.
VIANA, Nildo.
Mito e Ideologia. Revista Cronos –
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UFRN, v. 12, num. 01, 2011.
VIANA,
Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação
Integral. São Paulo: Ideias e Letras, 2009.
VIANA,
Nildo. Senso Comum, Representações
Sociais e Representações Cotidianas. Bauru: Edusc, 2008.
YOUNG, Jock. A Sociedade Excludente. Exclusão Social,
Criminalidade e Diferença na Modernidade Recente. Rio de Janeiro: Revan,
2002.
[1] A palavra desigual quer dizer
que não são iguais, bem como diferença quer dizer que são diferentes. Não há
uma relação de exploração, dominação, opressão, necessariamente, quando se usa
as expressões “desigualdade” e “diferença”. Certas formas de desigualdade e
diferença podem expressar formas de hierarquia, opressão, etc., mas isso não é
algo expresso imediatamente pelo uso de tais palavras. As ideologias
contemporâneas preferem estes termos justamente por serem eufemismos ou
legitimarem determinadas relações ou interpretações da realidade, além de criar
confusão. Ser contra a “desigualdade” não significa muita coisa e por isso é
possível colocar a questão de que é possível “diminuir a desigualdade”, como se
fosse apenas uma questão de grau ou de quantidade, ao invés de ser uma relação
social que gera antagonismos em alguns casos e oposições em outros.
[2] Aliás, seria outro processo
ideológico, pois afirmaria que não existe opressão, dominação, exploração,
invertendo a realidade. O efeito desse pensamento seria ou deixar as coisas
como estão, pois se não existem classes e exploração, então não é preciso
transformação social, ou pensar que basta a boa vontade individual para
resolver as questões sociais existentes (menos a questão fundamental que está
na raiz de todas as outras, a de classe social, pois esta ninguém está disposto
a alterar individualmente, deixando, por exemplo, de ser pertencente à uma
classe privilegiada, mas pedir “comportamento individual” diferente em outras
instâncias é mais fácil e cômodo, além de parecer “revolucionário”).
[3] Aqui, novamente, fazemos um
alerta em relação ao uso de palavras. O termo “desigualdade social” é
problemático e só o utilizamos devido a objetivos didáticos e a facilidade de
compreensão usando uma linguagem mais acessível. O elemento problemático reside
no fato de que o uso do termo “desigualdade”, mesmo acrescentando-se o social,
ofusca as relações sociais reais, pois o problema entre as classes não é que
elas são “desiguais” e sim que há um processo de exploração e dominação que
gera uma forma específica de desigualdade e também o seu caráter antagônico. Da
mesma forma, dizer que existe desigualdade em diversos outros casos apenas
ofusca a existência de relações de dominação e opressão. O mesmo ocorre com o
uso do termo “diferença”. Por
conseguinte, deixamos claro que quando utilizamos estes termos é com fim
didático e com o objetivo de tornar mais acessível a discussão, o que,
infelizmente, promove concessões linguísticas, mas que precisam, no mínimo, ser
alertadas.
[4] Resumidamente, teorema é um
fragmento de uma teoria, ou seja, um aspecto da mesma, o que significa que não
é uma teoria em sua totalidade e complexidade.
[5] E alguns indivíduos ainda podem
se vangloriar de não serem sexistas por usar @ ao invés de “o” ou “a”, embora
reproduzam em suas práticas cotidianas e seus valores, interesses, posições
políticas, elementos que reforçam essa sociedade que produz e reproduz o
sexismo. Ou seja, o indivíduo se torna “politicamente correto” no que é
superficial e nada muda, na linguagem, mas na vida real e nas suas posições
diante da sociedade, reforça o que gera o sexismo, aparentando ser o contrário
do que realmente é.
Artigo publicado originalmente em: Revista Espaço Livre, vol. 08, num. 15, jan./jun. 2013.
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