Rádio Germinal

RÁDIO GERMINAL, onde a música não é mercadoria; é crítica, qualidade e utopia. Para iniciar clique em seta e para pausar clique em quadrado. Para acessar a Rádio Germinal, clique aqui.

quarta-feira, 25 de março de 2015

NATURALIZAÇÃO E DESNATURALIZAÇÃO: O DILEMA DA NEGAÇÃO PRÁTICO-CRÍTICA


NATURALIZAÇÃO E DESNATURALIZAÇÃO:
O DILEMA DA NEGAÇÃO PRÁTICO-CRÍTICA

Nildo Viana

A sociologia, recentemente, vem desenvolvendo a ideia de que um de seus papéis é a desnaturalização. Isso é algo que pode, aparentemente, soar como “marxista” e, a leitura de Bauman (1977) quando ainda tinha forte influência de Marx, parece confirmar isso. Além da sociologia, diversos marxistas ou críticos da sociedade burguesa resolveram levantar a palavra de ordem: desnaturalização!! Nesse contexto, muitos equívocos vêm sendo cometidos e por isso uma reflexão a respeito do significado da naturalização e desnaturalização se torna fundamental, bem como sua relação com o marxismo e sua proposta de negação prático-crítica da naturalização.
O Problema da Naturalização
Alguns pensam que a naturalização é algo que é puro produto do pensamento. Isso é certo e ao mesmo tempo errado. A naturalização é uma determinada representação, explicação ou entendimento de uma determinada realidade e, portanto, é produto da mente humana, do pensamento. As representações cotidianas ilusórias e as ideologias tendem a produzir continuamente um processo de naturalização (VIANA, 2008).
Contudo, só existe naturalização do que é histórico e social. A metafísica é essencialmente um exercício de naturalização sob a forma de essencialização. Da mesma forma, o biologismo é outra forma de manifestação da naturalização sob a forma de biologização. São explicações da realidade social e histórica que a tomam como natural, imanente, ao invés de processos constituídos social e historicamente.  A desigualdade social entre homens e mulheres, entre classes sociais, entre jovens e adultos, entre outras, são produtos sociais e históricos. A naturalização significa dizer que a desigualdade social entre homens e mulheres, classes sociais, jovens e adultos, é natural, ao invés de ser o que é: social e histórica. Essa desigualdade a que nos referimos é social, pois, se os homens recebem maiores salários do que as mulheres, isso se deve a um processo social e histórico de opressão das mulheres.
No entanto, homens e mulheres, em outro sentido, são naturalmente desiguais. Aqui, “desigual” quer dizer “diferente”, pois não é social[1]. Que homens e mulheres são diferentes fisicamente, basta ter olhos para ver, pois isto está inscrito em seus corpos. Da mesma forma, brancos e negros são diferentes, desiguais, no sentido fenotípico, por exemplo, na cor da pele (VIANA, 2009). Agora a pobreza que acomete proporcionalmente mais os negros que os brancos, é um produto social e histórico. No caso das diferenças físicas e naturais, não pode haver naturalização, pois naturalizar é o ato de pensamento de tornar natural e não se pode fazer isso com o que já é natural. As desigualdades sociais são produtos históricos e, portanto, podem ser naturalizadas. Em síntese, o que é natural não pode ser naturalizado, apenas o que não é natural, ou seja, o que é produzido social e historicamente.
A partir destas reflexões, é possível entender que a naturalização é um processo do pensamento, bastante comum nas representações cotidianas e no mundo da ideologia. Este é um interesse da classe dominante, que quer naturalizar a exploração, a dominação e as formas de opressão. Porém, a naturalização não é um puro produto do pensamento. Eis a questão que muitos se esquecem. Só é possível naturalizar o que existe. Se não existissem classes sociais distintas e desiguais, não seria possível naturalizar sua “diferença” e “desigualdade”. Se as posições sociais de homens e mulheres, negros e brancos, não fossem diferentes e desiguais, então seria impossível naturalizá-las. Nesse sentido, a naturalização é sempre a naturalização de alguma coisa e por isso é preciso que essa “coisa” exista.
A naturalização é um processo do pensamento que não produz a realidade, tal como a “desigualdade” (de classe, raça, sexo, etc.), mas simplesmente a interpreta como sendo naturais ao invés de produtos sociais e históricos. Em outras palavras, a naturalização é um processo mental interpretativo que não cria a desigualdade ou qualquer outro fenômeno e nem é sua causa, sendo, no máximo, uma ideologia ou representação que a reproduz e reforça. Logo, nesse sentido, a naturalização não é um processo puro do pensamento, pois é preciso que haja determinada relação social concreta para que ela possa ser naturalizada.
A desigualdade (social) existe, quer gostemos ou não, quer queiramos ou não. A diferença entre um marxista e um ideólogo é que o primeiro irá afirmar que ela é constituída social e historicamente e o segundo poderá dizer que ela é natural, eterna, imanente, imutável. As classes sociais existem, mas surgiram em determinado momento histórico e podem e tendem a ser abolidas. Dizer que “sempre existiram e sempre irão existir classes sociais” é naturalizar, produzir uma consciência ilusória, falsa, da realidade, que existe concretamente.
A Questão da Desnaturalização
Assim, após esclarecer que a naturalização é um processo de pensamento, mas que age sobre uma realidade concreta, real, existente, invertendo ela, transformando-a, no plano das ideias, de algo constituído social e historicamente em algo natural, resta analisar o processo de desnaturalização. O mesmo equívoco que existe em relação à naturalização ocorre no que se refere ao caso da desnaturalização. Algumas pessoas, ao entender que as desigualdades sociais entre classes, sexo, raça, idade, etc., são produtos do pensamento, então chegam à conclusão de que basta pensar que elas não existem para se resolver o problema. Se alguém afirma que “as mulheres participam pouco nas instituições políticas”, logo pode ser acusado de “naturalizar” essa realidade. Ora, isso é algo concreto, real. A mera constatação dessa realidade não é naturalização[2]. Seria naturalização se afirmasse que isso ocorre porque é “natural”, porque as mulheres naturalmente não gostam de política, etc. A desigualdade social existe, ela só não é natural. Constatar a sua existência não significa naturalizar, pois para fazer isso é preciso remeter ao seu processo de explicação. Se a explicação for de que isso é natural, então é naturalização, mas se for que é um produto social e histórico, então não é.
Se a naturalização da desigualdade social fosse um puro produto do pensamento, então bastaria fazer de conta que a desigualdade social não existe para ela desaparecer. Assim, a desnaturalização seria simples e fácil. Se a naturalização é realizada a partir da inversão de uma realidade, como no imaginário e na ideologia, então essa realidade invertida existe, só que apresentada, como dizia Marx, “de cabeça para baixo” (MARX e ENGELS, 1982). Daí a necessidade de percepção de que a naturalização não é um produto do puro pensamento e sim um produto de um pensamento, ele mesmo histórico e social, sobre uma realidade histórica e social realmente existente.
A desnaturalização, nesse caso, se torna mais complexa. As desigualdades sociais existem e tanto a teoria quanto algumas ideologias reconhecem isso, o que as diferencia é que a primeira coloca a desigualdade social como sendo constituída histórica e socialmente e as outras afirmam que ela é natural, eterna, imutável, imanente. Como, então, realizar o processo de desnaturalização? Não basta fazer como alguns, que querem negar a filosofia virando-lhe as costas e resmungando “algumas frases mal humoradas e triviais” (MARX, 1968, p. 25-26).
A Negação da Naturalização
A desnaturalização pode ocorrer sob duas formas de negação. A negação teórica e a prática. A negação teórica consiste em efetivar uma crítica radical ao processo de constituição das chamadas “desigualdades sociais”[3], mostrando e fundamentando o seu caráter de produto histórico e social. Essa negação é fundamental, mas insuficiente. Ela é fundamental por revelar o que estava oculto, colocar que a exploração de uma classe sobre outra não é eterna, imutável, imanente, e sim algo que surgiu e pode deixar de existir, algo histórico, social. Ao fazer isso, permite o avanço da consciência e da necessidade de superação dessa realidade existente. Sem dúvida, isso faz parte da luta cultural e a teoria precisa se generalizar, mesmo que sob formas mais simples para que todos tenham acesso, sob a forma de teorema[4]. A negação teórica não significa a superação dessa realidade, mas tão-somente a sua compreensão. A importância da negação teórica reside no fato de que ela só é realizada tendo por objetivo a transformação radical dessas relações sociais naturalizadas e que uma vez existindo, reforça a tendência de sua negação prática.
A negação prática é quando há a superação das relações sociais naturalizadas pelas ideologias e representações cotidianas ilusórias, no caso, das chamadas “desigualdades sociais”. Quando ocorre uma revolução proletária e, consequentemente, a abolição do capital, do Estado, etc., concretizasse a negação prática, a superação, das classes sociais. A prática confirma e realiza a teoria. As bases reais da exploração e dominação de classes desabam, e, junto com elas, de todas as formas derivadas de opressão. A negação teórica da naturalização é a sua crítica e a negação prática é sua superação concreta, real. A negação teórica da filosofia, por exemplo, significa que ela é criticada e mostrada em seus limites, inclusive históricos, de existência. Mas a crítica da filosofia não a faz deixar de existir. A negação prática da filosofia, por sua vez, significa que ela deixa de existir, que ela é superada concretamente.
Contudo, há um outro problema aqui. A negação prática também pode ser mal compreendida. É comum pensar a negação prática de forma voluntarista, ou seja, que basta querer e agir diferente para que as relações sociais sejam transformadas. O primeiro problema está em pensar que alguns aspectos podem mudar, mas para que haja a superação prática da desigualdade (classe, raça, sexo, etc.) é necessário mudar o conjunto das relações sociais, ou seja, uma transformação social radical. A abolição das classes sociais pressupõe que todo o modo de produção, formas de sociabilidade, processos culturais, etc., sejam transformados. Da mesma forma, a opressão feminina e o racismo só podem ser efetivamente superados com a abolição daquilo que lhe gera tais formas de opressão.
Logo, com a preservação da sociedade capitalista e, por conseguinte, o processo de exploração e dominação de classe, a existência da mercantilização e burocratização das relações sociais, a competição social e a cultura que reproduz e reforça isso, uma suposta superação do racismo e do sexismo é ilusória. No máximo, consiste em paliativos que se forem apresentados como superação, torna-se apenas ideologia que reforça a reprodução dessas formas de opressão ao invés de sua superação efetiva, podendo inclusive ser fonte de apoio a governos ou formas de cooptação de setores da sociedade. Da mesma forma, usar @ no lugar da letra “a” ou “o”, entre outras formas de tentativas de superar o sexismo na linguagem, não alteram as relações sociais reais e concretas, e o sexismo continua existindo com nova linguagem e aparentemente sob forma não sexista[5].
A transformação linguística pressupõe transformação social concreta e radical, e assim como os eufemismos surgem para ofuscar as relações sociais reais e a percepção da opressão, tais procedimentos supostamente avançados querem mudar a linguagem sem mudar a realidade que a gerou e a reproduz. É como no caso do uso do eufemismo “secretária” para substituir “empregada doméstica”, como se bastasse mudar as palavras para as relações sociais reais mudar e o processo de relação entre empregadores e empregados deixasse de ser marcados pela subordinação, conflito, interesses opostos, etc. graças ao eufemismo. Sem dúvida, algumas mutações na linguagem podem ocorrer e diminuir o sexismo e outros processos que se manifestam em sua estrutura, mas a maior parte não tem efeito nenhum e muitas têm efeito contrário ao desejado. Nesse sentido, a reflexão sobre estes processos é algo necessário em cada caso concreto.
Interlúdio: A Questão da Culturalização
Também pode haver o procedimento contrário: assim como a ideologia e as representações cotidianas produzem naturalização do que é social, ou seja, transforma o social em natural, o caminho inverso é possível, ou seja, transformação do natural em social ou cultural. Não existe expressão para manifestar isso, mesmo porque é um fenômeno recente, oriundo da emergência das ideologias pós-estruturalistas e seus derivados culturalistas, mas o mais comum, do ponto de vista formal, seria falar em “socialização”. Contudo, este termo já tem uma longa tradição de uso na sociologia e psicologia social se referindo ao processo de educação e formação dos indivíduos (DURKHEIM, 1978; BERGER, 1986; LAMBERT e LAMBERT, 1975) e por isso a criação de um novo termo é mais adequado a este caso. Como esse processo ideológico se caracteriza por transformar o que é natural em cultural, e pela existência da oposição entre “natureza e cultura” em diversas discussões das ciências humanas, especialmente no campo da antropologia, a melhor opção é usar o termo culturalização.
A culturalização é um fenômeno contemporâneo que consiste em transformar o natural em social, processo que vem sendo realizado principalmente pelas ideologias pós-estruturalistas, ou, segundo sua autoimagem ideológica, “pós-modernas” (VIANA, 2009). O procedimento de culturalização consiste em retirar elementos da natureza ou da constituição biológica e torná-los sociais ou culturais. É o caso, por exemplo, de diferenças entre homens e mulheres, sendo que algumas são constituídas socialmente e outras biologicamente, e, na ideologia culturalizante, o último aspecto é apagado, tornando todas as diferenças como sendo geradas pela cultura e/ou sociedade (GIFFIN, 1991).
As origens desse procedimento ideológico já são antigas. Porém, o processo era o contrário: se retirava aspectos das relações sociais ou da cultura e os atribuía aos seres ou fenômenos naturais. Esse é o caso do antropomorfismo existente nos mitos antigos (VIANA, 2011), procedimento que teve outras versões e que se ampliou com a sociedade moderna e a produção científica. Um exemplo disso é Darwin (VIANA, 2001), que extraiu da sociedade de sua época aspectos que atribuiu à natureza e, posteriormente, após transferir da sociedade para a natureza, realiza o processo inverso, no qual essa natureza culturalizada, mas na ideologia algo natural (uma naturalização do social, no caso, da competição) retorna ao social, naturalizando-o, apesar das origens sociais da ideia inicial.
Uma outra forma de manifestação dessa culturalização do natural é a forma da sociologia durkheimiana e, de certa forma, weberiana. O procedimento, nesse caso, é dotar a sociedade de características idênticas à da natureza, negando essa, mas substituindo-a por uma “segunda natureza”, de caráter objetivo e semelhante à anterior. Nesse caso, Durkheim concebe a sociedade como “segunda natureza”, realizando a deificação do social e colocando, com sua ideologia da dualidade da natureza humana (DURKHEIM, 1975), uma escolha “entre duas espécies de não-liberdade: a não-liberdade animal ou a humana” (BAUMAN, 1977, p. 35), aspecto presente também em Weber com sua concepção segundo a qual a sociedade moderna é àquela “na qual os homens estão cada dia mais dispostos a atuar de acordo com as regras da racionalidade instrumental” (BAUMAN, 1977, p. 63).
No momento atual, o procedimento ideológico contemporâneo da culturalização expressa não uma projeção do social no natural (antropomorfismo) e sim uma transmutação ideológica do natural em social. Esse processo de culturalização tende a transformar tudo em cultura e faz parte de uma longa história, na qual o ser humano busca se separar e afastar da natureza (MOSCOVICI, 1977) e pode ser visto desde o mito bíblico da expulsão do ser humano do paraíso, no qual sua submersão no mundo natural é rompida e a partir daí sua relação com a natureza passa a ocorrer via trabalho, pois “comerás o pão com o suor do teu rosto”.
No entanto, essa busca de separação entre ser humano e natureza atinge uma intensidade cada vez mais ampla e ganha um caráter ideológico cada vez mais forte. Por isso se torna tão ideológico, axiológico e prejudicial quanto o fenômeno da naturalização, não apenas por dificultar a compreensão da realidade, mas também pelo seu caráter político e seus efeitos práticos.
Essa separação entre ser humano e natureza foi reforçada após a emergência das ciências humanas, que contribuíram para elucidar o processo de constituição social dos seres humanos, mas, em algumas de suas tendências, negaram o corpo e o aspecto biológico do ser humano, o que atinge grau elevado com as ideologias pós-estruturalistas. Essas ideologias, ao culturalizar o natural (e o social, conceito distinto, que remete às relações sociais concretas, realmente existentes e não as representações que se produzem a respeito delas), acabam criando uma nova forma de essencialismo cultural (YOUNG, 2002), de caráter abstrato-metafísico. Assim, tais ideologias invertem a realidade num sentido oposto ao processo de naturalização, mas que, sub-repticiamente, reproduz as suas características e contribuem, da mesma forma, para a reprodução da sociedade capitalista através da culturalização como a outra face da naturalização. A ideia de “segunda natureza”, já criticada por Bauman, reaparece aqui sob a forma de essencialismo cultural:
As várias culturas são vistas como possuidoras de naturezas essenciais, historicamente formadas. O mundo inclusivista era, é claro, essencialista: nosso mundo era a essência e a falta dela nos outros. Mas aqui nós temos o essencialismo, um mundo de essências diferentes e separadas. Cada cultura tem suas próprias normas ‘culturais’, como espécies diferentes na natureza – exatamente como nos desenhos animados infantis, em que cada espécie de animal tem uma propensão diferente juntamente com um sotaque regional diferente (YOUNG, 2002, p. 151).
A culturalização é uma ideologia e, por conseguinte, devido a isto, não só inverte a realidade como contribui para a reprodução da sociedade existente e, por isso, também deve ser superada.
A Superação das Ilusões
A ideologia, como sistema de pensamento ilusório, bem como o imaginário, representações cotidianas ilusórias, são formas de consciência falsa da realidade, produzidas socialmente e que reproduzem e reforçam as relações sociais fundadas na exploração, dominação e opressão. Elas reproduzem as relações de produção capitalistas e tudo que deriva daí. Logo, a crítica das ilusões é necessária, o que pressupõe a superação das ideologias e imaginários da sociedade moderna. Mas sua superação total pressupõe a transformação social. De acordo com Marx, “a exigência de superar as ilusões sobre sua situação é a exigência de superar uma situação que necessita de ilusões” (1968, p. 10).
A crítica faz parte dessa luta para superar as ilusões, mas a crítica não é um fim em si mesma, é apenas um meio (MARX, 1968) e por isso é necessário criticar as ilusões, sejam elas quais forem, e, ao lado disso, mostrar suas raízes sociais e interesses, seu fundamento material. Esse processo, no entanto, não irá abolir as ilusões em geral, mas faz parte da luta e contribui com tal superação. Também não supera a situação que gera tais ilusões. A superação total das ilusões pressupõe superar a sociedade que é produtora dessas ilusões, a transformação social radical do conjunto das relações sociais e, nesse sentido, a negação prática é fundamental. No entanto, para ser práxis revolucionária, a negação prática não pode ser apenas prática, pois seria cega e pode se transformar em trágica e a negação crítica, teórica e cultural, só tem sentido aliando-se com a prática.
É justamente essa unidade entre negação crítica, cultural e teórica, com a negação prática, que constitui a práxis revolucionária e é essa que é a chave para a superação do mundo de ilusões e da sociedade criadora de ilusões. A maior ou menor unidade entre negação crítica e negação prática se dá nas lutas concretas e em momentos de ascensão do movimento revolucionário tende a uma maior unificação e eficácia, ambas avançam e se tornam uma possibilidade concreta no próprio processo de luta que gera as bases sociais para a continuidade de transformação radical. Por conseguinte, a recusa da naturalização e da culturalização é parte da luta e seus limites são os limites da luta. Da mesma forma, as práticas concretas dos indivíduos fazem parte da luta e seus limites são, igualmente, os limites da luta. A unificação que significa um avanço no sentido da práxis revolucionária é obstaculizada pela sociedade e suas relações sociais concretas e facilitada pelo processo de luta contra ela, principalmente quando há um processo de radicalização, prenúncio da revolução social.

Referências

BAUMAN, Zygmut. Por uma Sociologia Critica. Um Ensaio sobre Senso Comum e Emancipação. Rio de Janeiro, Zahar, 1977.

BERGER, Peter. Perspectivas Sociológicas. 7a edição, Petrópolis, Vozes, 1986.

DURKHEIM, Emile. A Ciência Social e a Ação. São Paulo, Difel, 1975.

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 11a edição, São Paulo, Melhoramentos, 1978.

GIFFIN, Karen. Nosso Corpo nos Pertence: A Dialética do Biológico e do Social. Cadernos de Saúde Pública. Vol. 2, num. 17, abr./jun. 1991. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csp/v7n2/v7n2a05.pdf acessado em: 01/09/2013.

LABERT, William e LAMBERT, Wallace. Psicologia Social. 4ª edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

MARX, Karl e ENGELS, F. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São Paulo, Ciências Humanas, 1982.

MARX, Karl. Contribucion a la Crítica de la Filosofia del Derecho de Hegel. Notas Aclaratorias de Rodolfo Mondolfo. Buenos Aires, Ediciones Nuevas, 1968.

MOSCOVICI, Serge. A Sociedade Contra Natura. Lisboa: Edições 70, 1977.

VIANA, Nildo. Darwinismo e Ideologia. Pós – Revista Brasiliense de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UnB, Brasília, v. 2, num. 5, 2001.

VIANA, Nildo. Mito e Ideologia. Revista Cronos – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UFRN, v. 12, num. 01, 2011.

VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo: Ideias e Letras, 2009.

VIANA, Nildo. Senso Comum, Representações Sociais e Representações Cotidianas. Bauru: Edusc, 2008.

YOUNG, Jock. A Sociedade Excludente. Exclusão Social, Criminalidade e Diferença na Modernidade Recente. Rio de Janeiro: Revan, 2002.




[1] A palavra desigual quer dizer que não são iguais, bem como diferença quer dizer que são diferentes. Não há uma relação de exploração, dominação, opressão, necessariamente, quando se usa as expressões “desigualdade” e “diferença”. Certas formas de desigualdade e diferença podem expressar formas de hierarquia, opressão, etc., mas isso não é algo expresso imediatamente pelo uso de tais palavras. As ideologias contemporâneas preferem estes termos justamente por serem eufemismos ou legitimarem determinadas relações ou interpretações da realidade, além de criar confusão. Ser contra a “desigualdade” não significa muita coisa e por isso é possível colocar a questão de que é possível “diminuir a desigualdade”, como se fosse apenas uma questão de grau ou de quantidade, ao invés de ser uma relação social que gera antagonismos em alguns casos e oposições em outros.

[2] Aliás, seria outro processo ideológico, pois afirmaria que não existe opressão, dominação, exploração, invertendo a realidade. O efeito desse pensamento seria ou deixar as coisas como estão, pois se não existem classes e exploração, então não é preciso transformação social, ou pensar que basta a boa vontade individual para resolver as questões sociais existentes (menos a questão fundamental que está na raiz de todas as outras, a de classe social, pois esta ninguém está disposto a alterar individualmente, deixando, por exemplo, de ser pertencente à uma classe privilegiada, mas pedir “comportamento individual” diferente em outras instâncias é mais fácil e cômodo, além de parecer “revolucionário”).

[3] Aqui, novamente, fazemos um alerta em relação ao uso de palavras. O termo “desigualdade social” é problemático e só o utilizamos devido a objetivos didáticos e a facilidade de compreensão usando uma linguagem mais acessível. O elemento problemático reside no fato de que o uso do termo “desigualdade”, mesmo acrescentando-se o social, ofusca as relações sociais reais, pois o problema entre as classes não é que elas são “desiguais” e sim que há um processo de exploração e dominação que gera uma forma específica de desigualdade e também o seu caráter antagônico. Da mesma forma, dizer que existe desigualdade em diversos outros casos apenas ofusca a existência de relações de dominação e opressão. O mesmo ocorre com o uso do termo “diferença”.  Por conseguinte, deixamos claro que quando utilizamos estes termos é com fim didático e com o objetivo de tornar mais acessível a discussão, o que, infelizmente, promove concessões linguísticas, mas que precisam, no mínimo, ser alertadas.

[4] Resumidamente, teorema é um fragmento de uma teoria, ou seja, um aspecto da mesma, o que significa que não é uma teoria em sua totalidade e complexidade.

[5] E alguns indivíduos ainda podem se vangloriar de não serem sexistas por usar @ ao invés de “o” ou “a”, embora reproduzam em suas práticas cotidianas e seus valores, interesses, posições políticas, elementos que reforçam essa sociedade que produz e reproduz o sexismo. Ou seja, o indivíduo se torna “politicamente correto” no que é superficial e nada muda, na linguagem, mas na vida real e nas suas posições diante da sociedade, reforça o que gera o sexismo, aparentando ser o contrário do que realmente é.

Artigo publicado originalmente em: Revista Espaço Livre, vol. 08, num. 15, jan./jun. 2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

Acompanham este blog: