A MÁGICA DE HOBSBAWM OU O PSEUDOMARXISMO EM DEFESA DO CAPITALISMO
Nildo Viana
Recentemente o historiador Eric
Hobsbawm produziu um artigo em que aborda o que ele denomina o fracasso do
socialismo e a quebra do capitalismo, apresentando uma possível saída para esta
situação. Trata-se de um breve artigo publicado em The Guardian, jornal inglês
(Hobsbawm, 2009).
Abaixo iremos desenvolver uma
polêmica em torno do referido texto, devido sua base teórico-metodológica, os
valores e concepções incorporados no texto, suas conseqüências práticas e
políticas. Em textos polêmicos, é comum se utilizar determinados recursos,
entre eles a ironia, além de outros recursos. Um texto polêmico, também, pode
se distanciar – e é o que ocorre no presente caso – dos cânones acadêmicos de
escrita e debate, pois na guerra (polêmica é um termo derivado de pólemos,
palavra grega que significa guerra) não se pode seguir estruturas formais
fixas, neutralidade e insensibilidade. Neste sentido, retomamos Karl Marx:
“Guerra ao estado de coisas
alemão! É certo que se encontram abaixo do nível da história, abaixo de toda
critica, mas continua a ser, apesar disto, objeto de crítica, assim como o
criminoso, por não se achar abaixo do nível da humanidade, não deixa de ser
objeto do verdugo. Na luta contra eles, a crítica não é uma paixão do cérebro,
mas o cérebro da paixão. Não é o bisturi anatômico, mas uma arma. Seu objeto é
o adversário, que não procura refutar, mas destruir. O espírito daquelas
situações já foi refutado. Não são dignas de ser lembradas; devem ser
desprezadas como existências proscritas. Não há necessidade da crítica
esclarecer este objeto frente a si mesma, pois dele já não se ocupa. Esta
crítica não se conduz como um fim em si, mas, simplesmente, como um meio. Seu
sentimento essencial é a indignação; sua tarefa essencial, a denúncia” (Marx, 1978,
p. 3-4).
Assim, a motivação do presente
texto é a indignação e sua tarefa é a denúncia. Por isso é um texto polêmico e
realiza o que Marx denominou “crítica desapiedada do existente” (Marx, e
Engels, 1979). A vã e fria neutralidade não se encontra aqui e isto está de
acordo com a teoria que está em sua base e significa a coerência intelectual do
autor, ao contrário de outros que se dizem “marxistas” e preferem realizar a
defesa do indefensável, tudo para manter as aparências e deixar intacto o
edifício das ideologias e o compromisso com as instituições conservadoras e
ainda, buscar espaço nas mesmas. Eis aqui um problema grave da esfera
acadêmica: as disputas no mundo acadêmico são em torno de questões que podem
ser muito abstratas e distantes, mas que, no entanto, revela, no fundo, os
interesses dos que estão na disputa. A defesa de um autor é sempre uma autodefesa.
Valorar um determinado autor que é objeto de estudo é se autovalorar, pois
assim se pesquisa algo relevante. A crítica a um autor pode parecer – e muitas
vezes é – apenas uma competição na esfera científica para conseguir
reconhecimento, sucesso, status, e assim por diante. Bourdieu fez um estudo
interessante sobre isso (Bourdieu, 1994).
Porém, o problema reside em não
ultrapassar Bourdieu, ou seja, não perceber que na esfera científica (ou, como
ele diz, “campo científico”) pode existir (tal como em outros campos, o que
está ausente da análise do sociólogo francês), aqueles que não estão na
competição interna com objetivos internos e sim pertencem à esfera
profissionalmente, mas não em sua mentalidade e projetos. Estes também lutam. E
por qual motivo? Para os representantes da esfera acadêmica e científica, que a
vivem sob a forma de imanência, isso é um absurdo e algo impossível. Se alguém
faz alguma crítica ou defesa, é competição acadêmica, pois é assim que os
referidos analistas fazem, são e pensam. É por isso que é preciso ir além de
Bourdieu e resgatar Marx, retomando a ideia de totalidade e observando que além
das diversas formas de competição em diversas esferas das relações sociais
(expressões da divisão social do trabalho), existem as lutas de classes, que
buscam não apenas um espaço institucional e realizar “práticas institucionais”
e sim a superação da sociedade existente, o que pressupõe a superação da
própria esfera à qual se pertence e com a qual não se identifica. Portanto,
além das lutas dentro da esfera, as mais comuns e que não ultrapassam o nível
da competição social (sociabilidade capitalista), existem as lutas contra a
esfera, ou seja, anti-esféricas, que negam a divisão social do trabalho.
Depois desta breve explicação,
ainda resta, antes de começar, um esclarecimento sobre a crítica ao texto
realizada a seguir. Obviamente, que muitos zelosos defensores de Hobsbawm,
poderão argumentar de que se trata de um mero artigo de jornal e, portanto, sem
muito desenvolvimento e fundamentação (alguns podem até reconhecer que é fraco
e equivocado). É um texto de jornal, sem dúvida, que foi reproduzido em
diversos sites da internet e que, sendo assim, obviamente, não poderia ter
certo nível de desenvolvimento e profundidade. Porém, o que se critica não é a
falta de desenvolvimento e profundidade, ou seja, o que não está presente no
texto e sim o que está presente nele e que, portanto, apesar dos limites de
tamanho e possibilidade de desenvolvimento, foi dito. Da mesma forma, se eu
fosse o autor do texto e tendo o mesmo espaço e veículo, escreveria algo
radicalmente diferente. O fato de ser um artigo para jornal não impediria
Hobsbawm de desenvolver idéias fundamentais, e não o faz por não tê-las, devido
sua posição. E é exatamente a sua posição que é criticada aqui. Depois desse
esclarecimento, passemos para a análise do texto.
O texto de Hobsbawm publicado no
The Guardian foi traduzido e publicado no Brasil no site Carta Maior e
reproduzido em inúmeros sites. Em quase todos Hobsbawm é apresentado como “historiador
marxista”. Não deixa de ser curioso como o rótulo de “marxista” é aplicado tão
facilmente a pessoas que não compartilham nem sequer as teses fundamentais do
marxismo, muito menos sua totalidade ou seu objetivo final: a autogestão
social. Este é o caso de um conjunto de pensadores e pesquisadores acadêmicos,
tal como o famoso historiador Eric J. Hobsbawn, que sempre evitou discutir a
história contemporânea porque discordava da versão oficial do seu partido e não
tinha coragem suficiente para desafiá-lo. Atitude nem um pouco marxista, pois a
covardia não faz parte daqueles que querem “duvidar de tudo” e realizar a “crítica
desapiedada do existente”. Assim, Hobsbawm poderia ser considerado marxista?
Sem dúvida, para qualificar ou não determinado autor como marxista é necessário
definir o que é o marxismo. O marxismo não é outra coisa senão a “expressão
teórica do movimento revolucionário do proletariado” (Korsch, 2008; Viana, 2008).
E esta teoria, inaugurada por Marx e desenvolvida por alguns outros teóricos,
possui determinadas características essenciais que, uma vez ausentes, marcam o
caráter não-marxista mesmo que aparentemente e superficialmente o seja. As
tendências que não são expressão teórica de tal movimento, mesmo que se digam “marxistas”,
não podem ser assim consideradas. Seria mais adequado, nesses casos, utilizar a
expressão pseudomarxismo (Viana, 2007). Neste sentido, afirmar que um
determinado autor é pseudomarxista não é, como alguns pensam, uma ofensa, é
apenas a constatação de que não é marxista e diz sê-lo e que, portanto, é outra
coisa. Essa outra coisa é variada, pode ser stalinismo, por exemplo. O
stalinismo é um pseudomarxismo, mas nem todo pseudomarxismo é stalinismo, já
que ele assume várias formas. A palavra pseudomarxismo, portanto, não é ofensa
e sim um termo que está ligado a vários outros termos, formando um universo
conceitual, uma teoria, e, por conseguinte, é uma discussão fundamentada e
coerente e não mero adjetivo pejorativo.
Neste sentido, a obra de Hobsbawm
não pode ser considerada marxista. Isto está expresso no referido artigo de Hobsbawm.
E o fato de ser um artigo de jornal não muda isto, pois um texto marxista, por
mais resumido e pouco desenvolvido que seja, apresenta os aspectos essenciais
desta forma de pensamento e, portanto, não há como sair disso. Abaixo
transcrevemos alguns trechos e depois fazemos um comentário sobre seu conteúdo.
O título do texto de Hobsbawm é
sugestivo (“Socialismo fracassou, capitalismo quebrou: o que vem a seguir?”),
embora possa não ser de Hobsbawm e sim do jornal ou mesmo do tradutor. Em
primeiro lugar, reproduz a ideologia dominante e a idéia de qualificar os
regimes ditatoriais do capitalismo estatal (União Soviética, China, Cuba, Leste
Europeu, etc.) como socialismo. Além disso, coloca uma oposição entre um
capitalismo estatizante (e, na ideologia de Hobsbawm, “pública”) e o
capitalismo privado, sendo que ambos mostraram suas deficiências e partir disso
sai o coelho da cartola: uma solução mista: mais Estado menos capital.
A fórmula bolchevista
(capitalista estatal) é + Estado - Capital, a fórmula liberal/neoliberal é +
Capital - Estado e estas duas fórmulas fracassaram, então resta a terceira
fórmula, a social-democrata/trabalhista: Capital + Estado, ou seja, a
manutenção e equilíbrio dos dois elementos. Todas as três formas se movimentam
dentro da lógica capitalista e da mentalidade burguesa, ou seja, não
ultrapassam um pobre realismo político e consciência coisificada e
manipuladora, que, diante da realidade, apenas consegue manipular seus
elementos, mas nunca pensar para além deles.
“Seja qual for o logotipo
ideológico que adotemos, o deslocamento do mercado livre para a ação pública
deve ser maior do que os políticos imaginam. O século XX já ficou para trás,
mas ainda não aprendemos a viver no século XXI, ou ao menos pensá-lo de um modo
apropriado. Não deveria ser tão difícil como parece, dado que a idéia básica
que dominou a economia e a política no século passado desapareceu, claramente,
pelo sumidouro da história. O que tínhamos era um modo de pensar as modernas
economias industriais – em realidade todas as economias –, em termos de dois
opostos mutuamente excludentes: capitalismo ou socialismo” (Hobsbawm, 2009).
Outro coelho sai da cartola aqui.
Aliás, dois. O primeiro coelho que sai da cartola mágica de Hobsbawn, é para
resolver a atual crise financeira, é “mudar o modo de pensar”, indo além da
ênfase no livre mercado ou no monopólio estatal. Depois deste coelho mágico
sair da cartola, fica fácil pensar que, “mudando o modo de pensar”, os
políticos (profissionais, que fazem parte desta realidade e Hobsbawn jamais se
permitiria abolir algo, mas tão somente dispô-lo de forma diferente) vão
descobrir que o peso da ação pública deve ser maior do que “imaginam”. O
primeiro coelho é “mudar o modo de pensar” (claro que uma mudança bem moderada,
no qual o mais e o menos entre capital e estado é re-equilibrado e nunca
abolido) e o segundo coelho é “o voluntarismo dos políticos profissionais” para
colocar isto em prática (mais uma mudança de quantidade, e nunca abolição dos
burocratas e políticos profissionais).
Mas, se pensarmos bem, veremos um
terceiro coelho saltitante que foi originado na cabeça mágica de Hobsbawm e
que, transferido magicamente para a cartola, sai como um rebento no mundo
jornalístico: o problema do mundo atual é de mera percepção e boa vontade, e
assim viveremos no “melhor dos mundos possíveis”, segundo o historiador
panglossiano pseudomarxista. Se fosse marxista, saberia que além da “percepção”
e “boa vontade”, há a acumulação de capital e sua dinâmica, os interesses de
classes, e a impossibilidade de voltar ao mundo do Estado integracionista (“bem
estar social”, providencial, keynesiano), pois isto entra em contradição com a
necessidade de maximização do lucro e se houvesse algum governo estúpido o
bastante para fazê-lo, iria provocar um aprofundamento dos problemas da
acumulação capitalista na atualidade.
Mas vejamos outras pérolas que
sai da cabeça mágica deste Houdini pseudomarxista:
“A impotência, por conseguinte,
ameaça tanto os que acreditam em um capitalismo de mercado, puro e desestatizado,
uma espécie de anarquismo burguês, quanto os que crêem em um socialismo
planificado e descontaminado da busca por lucros. Ambos estão quebrados. O
futuro, como o presente e o passado, pertence às economias mistas nas quais o
público e o privado estejam mutuamente vinculados de uma ou outra maneira. Mas
como? Este é o problema que está colocado diante de nós hoje, em particular
para a gente de esquerda” (Hobsbawm, 2009).
A magia das palavras se manifesta
novamente: uma vez que o privatismo e o estatismo (capitalismo privado e
capitalismo de Estado, para não cedermos ao canto de sereia dos
construtos/palavras ideologêmicos de Hobsbawn e seu efeito mágico), o que resta
é misturar os dois. Hobsbawn coloca sua cartola mágica em cima da mesa, joga um
punhado de estrume e um copo de fel e depois retira um delicioso suco de
laranja que oferece para o seu público, principalmente o mais crédulo, que terá
coragem de experimentar esta mistura explosiva.
O nosso ilusionista não se cansa
de nos enganar com seus truques e diz que este tipo de mágica é o problema que
se coloca para a esquerda... Porém, como é tudo ilusão, então sua proposta é,
na verdade, a saída para a pseudo-esquerda travestida de marxista, ou seja, a
social-democracia, que, magicamente, ele quer ressuscitar. Mas nada é
impossível para um prestigiditador como ele. Até acusa a social-democracia de
se comprometer com o neoliberalismo, palavra que desapareceu em seu texto, o
que é comum para um mágico.
Ele continua incansavelmente com
seus truques:
“Efetivamente, desde o momento da
queda da URSS até hoje não recordo nenhum partido ou líder que denunciasse o
capitalismo como algo inaceitável. E nenhum esteve tão ligado a sua sorte como
o New Labour, o novo trabalhismo britânico. Em suas políticas econômicas, tanto
Tony Blair como Gordon Brown (este até outubro de 2008) podiam ser qualificados
sem nenhum exagero como Thatchers com calças. O mesmo se aplica ao Partido
Democrata, nos Estados Unidos” (Hobsbawm, 2009).
O que ele diz neste trecho é que
todo mundo virou neoliberal, se bem que essa palavra foi magicamente
transferida para outra dimensão e virou: “Thatchers com calças”. Esse foi o
problema do trabalhismo inglês, ou seja, não foi a impossibilidade de manter o
Estado Integracionista e sim seguir as idéias de Thatcher (em outra dimensão:
neoliberalismo). E o capitalismo agora já não é mais inaceitável, pois, desde a
queda da URSS nenhum líder partidário, nenhum burocrata, aparece na memória de
Hobsbawm, para dizer o contrário e, portanto, ele se torna aceitável. Eis o
critério de Hobsbawm.
Porém, neste mundo mágico, tudo é
possível, inclusive capitalismo com “distribuição equitativa”:
“A idéia básica do novo
trabalhismo, desde 1950, era que o socialismo era desnecessário e que se podia
confiar no sistema capitalista para fazer florescer e gerar mais riqueza do que
em qualquer outro sistema. Tudo o que os socialistas tinham que fazer era
garantir uma distribuição eqüitativa”.
Portanto, “mais que qualquer
outro sistema”, o capitalismo poderia fazer florescer e gerar mais riquezas. A
mágica de Hobsbawn aqui é não dizer para quem, como e por quê... Sem dúvida,
com sua arte do desaparecimento, Hobsbawn fez desaparecer o fato de que o
capitalismo hoje produz mais mercadorias (produtos, riquezas, seja qual o nome
que se queira dar a bens materiais e também culturais) como nunca antes visto
na história da humanidade e que, ao mesmo tempo, nunca houve na humanidade um
índice tão grande de fome no mundo. Outra mágica de Hobsbawn: ele consegue se
transformar no ministro brasileiro dos anos 1970, durante da ditadura militar,
Delfim Neto: “vamos fazer o bolo crescer, depois a gente distribui”!! O mundo
está cheio de mágicos!!! E assim eles fazem o socialismo se tornar
desnecessário, já que o capitalismo produz mais riquezas que qualquer sistema,
inclusive o socialismo. Basta garantir distribuição equitativa e pronto.
Porém, as mágicas não param por
aí. O trabalhismo estava certo, é possível o capitalismo crescer e distribuir
as riquezas de forma mais equitativa. Isso, porém, não aconteceu... e é aí que
aparece o novo truque hobsbawsiano:
“Mas, desde 1970, o acelerado
crescimento da globalização dificultou e atingiu fatalmente a base tradicional
do Partido Trabalhista britânico e, em realidade, as políticas de ajudas e
apoios de qualquer partido social democrata. Muitas pessoas, na década de 1980,
consideraram que se o barco do trabalhismo não queria ir a pique, o que era uma
possibilidade real, tinha que ser objeto de uma atualização”.
O pseudomarxista trabalhista tem
que defender o seu partido. Ele tinha a percepção correta e o caminho adequado.
O problema foi a tal globalização!! O fato dos trabalhistas terem se tornado “Thatchers
com calças” desapareceu magicamente, mas tudo é possível no mundo mágico de
Hobsbawn. E a palavra mágica, que curiosamente é uma das poucas magias que ele
não tirou de sua cartola, pois é de domínio público de todo os ilusionistas, “globalização”,
explica tudo sem explicar nada. A social-democracia fracassou. Curiosamente,
Hobsbawm havia percebido que o “socialismo” (capitalismo estatal) fracassou, o
privatismo (neoliberalismo) quebrou e não notou que antes dos dois a
social-democracia já tinha sido implodida e agora ele quer ressuscitá-la (os
seus dotes mágicos de ressuscitamento funcionam nesse caso, apenas com a
social-democracia).
O trecho abaixo apenas merece ser
citado pelo desaparecimento da palavra “neoliberalismo” do dicionário
hobsbawsiano:
“Mas não foi. Sob o impacto do
que considerou a revitalização econômica thatcherista, o New Labour, a partir
de 1997, engoliu inteira a ideologia, ou melhor, a teologia, do fundamentalismo
do mercado livre global. O Reino Unido desregulamentou seus mercados, vendeu
suas indústrias a quem pagou mais, deixou de fabricar produtos para a exportação
(ao contrário do que fizeram Alemanha, França e Suíça) e apostou todo seu
dinheiro em sua conversão a centro mundial dos serviços financeiros,
tornando-se também um paraíso de bilionários lavadores de dinheiro. Assim, o
impacto atual da crise mundial sobre a libra e a economia britânica será
provavelmente o mais catastrófico de todas as economias ocidentais e o com a
recuperação mais difícil também” (Hobsbawm, 2009).
Hobsbawn avança em sua magia ao
apresentar a receita de uma poção mágica:
“É possível afirmar que tudo isso
já são águas passadas. Que somos livres para regressar à economia mista e que a
velha caixa de ferramentas trabalhista está aí a nossa disposição – inclusive a
nacionalização –, de modo que tudo o que precisamos fazer é utilizar de novo essas
ferramentas que o New Labour nunca deixou de usar” (Hobsbawn, 2009).
Pronto, está tudo resolvido.
Basta pegar a receita hobsbawsiana e pronto. Mas ele mesmo diz: “No entanto,
essa idéia sugere que sabemos o que fazer com as ferramentas. Mas não é assim”.
Sim, há problemas, pois “não sabemos como superar a crise atual. Não há
ninguém, nem os governos, nem os bancos centrais, nem as instituições
financeiras mundiais que saiba o que fazer: todos estão como um cego que tenta
sair do labirinto tateando as paredes com todo tipo de bastões na esperança de
encontrar o caminho da saída”. Sim, temos a idéia, a boa vontade e a receita.
Mas, assim como houve a globalização (...) agora temos outra pedra no caminho: “a
crise atual”, outras palavrinhas mágicas que tudo explicam sem nada explicar.
Mas, “por outro lado,
subestimamos o persistente grau de dependência dos governos e dos responsáveis
pelas políticas às receitas do livre mercado, que tanto prazer lhes
proporcionaram durante décadas”. Sim, existe a receita hobsbawsiana
trabalhista, mas tem o prazer da outra receita... Os governos “se livraram do
pressuposto básico de que a empresa privada voltada ao lucro é sempre o melhor
e mais eficaz meio de fazer as coisas?” e outras tantas perguntas que ficam no
mesmo nível servem de um processo de acusação. Curiosamente, ele fala do “crescente
abismo entre os bilionários e o resto da população não é tão importante, uma
vez que todos os demais – exceto uma minoria de pobres – estejam um pouquinho
melhor?” e mais curioso é o seu pressuposto segundo o qual a causa disso tudo é
apenas uma determinada concepção política e econômica, nunca nomeada, mas é a
chamada por outros mais corajosos de neoliberal.
A palavra neoliberal desaparece,
mas os culpados são os neoliberais, suas concepções e práticas. A receita
trabalhista estava incompleta e Hobsbawn resolve completá-la: “No entanto, uma
política progressista requer algo mais que uma ruptura um pouco maior com os
pressupostos econômicos e morais dos últimos 30 anos. Requer um regresso à
convicção de que o crescimento econômico e a abundância que comporta são um
meio, não um fim. Os fins são os efeitos que têm sobre as vidas, as
possibilidades vitais e as expectativas das pessoas”. Logo, tudo é um problema
de convicção que os fins são as pessoas e o crescimento é apenas um meio. Ele
quer desabar a dinâmica do capitalismo com uma mera convicção e quer fazer a
mágica de manter o capitalismo sem que o “crescimento econômico” (lucro) seja o
fim e se torne “meio”. Eis um pseudomarxista que nada entende de capitalismo.
Os exemplos que ele cita são
prova de sua maravilhosa magia: as pessoas são meios e não fins e mais exemplos
apenas explicitam isso, seja sobre escola e desigualdade social ou qualquer
outro. E ele continua querendo preservar suas receitas miraculosas: “a prova de
uma política progressista não é privada, mas sim pública. Não importa só o
aumento do lucro e do consumo dos particulares, mas sim a ampliação das
oportunidades e, como diz Amartya Sen, das capacidades de todos por meio da
ação coletiva”. Para Hobsbawn conseguir realizar esta mágica, no entanto, precisa
de uma outra mágica anterior: fazer aparecer uma cartola gigante, do tamanho do
globo terrestre, para concretizar isto.
As palavras mágicas de Hobsbawn
chegam ao absurdo:
“Em nenhum âmbito isso será mais
importante do que na luta contra o maior problema com que nos enfrentamos neste
século: a crise do meio ambiente. Seja qual for o logotipo ideológico que
adotemos, significará um deslocamento de grande alcance, do livre mercado para
a ação pública, uma mudança maior do que a proposta pelo governo britânico. E,
levando em conta a gravidade da crise econômica, deveria ser um deslocamento
rápido. O tempo não está do nosso lado” (Hobsbawm, 2009).
Por fim, Hobsbawn quer que o
lucro não seja o fim, que não haja mais destruição ambiental, que haja
distribuição equitativa de renda, e que as pessoas sejam a finalidade das ações
governamentais e do crescimento econômico. Uma mágica gigantesca! Capitalismo
sem capitalismo!! Só mesmo o grande Hobsbawn para promover tamanho ilusionismo!
Basta a poção mágica do trabalhismo hobsbawsiano e pronto!!
O mundo dos mágicos é realmente
maravilhoso, pois consegue produzir acumulação de capital sem concentração e
centralização, destruição ambiental, etc., tudo isto apenas com mera mudança de
“idéias” e “convicções”, sem mudar as relações sociais concretas, e de governo.
Ou seja, uma mágica muito prosaica no mundo da política institucional e dos
políticos profissionais: basta mudar o governo que “tudo muda” (sem nada mudar!
Eis a mágica!!). E dizer que esqueceu luta de classes, acumulação de capital,
totalidade e diversos outros conceitos e categorias fundamentais do marxismo e
necessários para entender o capitalismo se deve apenas ao tamanho do texto ou
pelo fato de ser um texto jornalístico, é ser tão mágico quanto Hobsbawn.
Assim, ferozes e radicais comunistas, anarquistas e autonomistas, quando
escrevem textos curtos também acabariam defendendo a social-democracia... O
capitalismo produz um encantamento e também humoristas assistentes de mágicos.
Porém, Hobsbawn é um bom mágico
apenas com as palavras e para aqueles que não conseguem acompanhar a rapidez de
seus movimentos com os copinhos e as moedas em seu ziguezague constante. No
fundo, o que Hobsbawn propõe é criar vida a partir da morte, ou seja, resolver
problemas insolúveis com a matéria-prima que utiliza, tal como o Doutor
Frankenstein fez com sua criatura. Porém, ao criar magicamente este monstrengo,
ele cria sua própria destruição, que, no fundo será a morte ambulante se
alimentando da vida, como zumbis. Hobsbawn é um criador de zumbis, e se tal
criatura nascesse, ou seja, um governo trabalhista estatista, devoraria seu
criador, um historiador que não esconde os “limites de sua consciência burguesa”
(Marx, 1988). Porém, é apenas mais um mágico no meio de tantos outros
existentes por aí.
Referências:
BOURDIEU, Pierre. O
Campo Científico. In: ORTIZ, Renato (org.). Bourdieu. Col. Grandes Cientistas Sociais. São Paulo, Ática, 1994.
KORSCH, Karl. Marxismo
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MARX, K. e ENGELS, F. A
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VIANA, Nildo. O Fim do
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