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sábado, 29 de agosto de 2015

A TEORIA DA REVOLUÇÃO PROLETÁRIA EM OTTO RÜHLE


A TEORIA DA REVOLUÇÃO PROLETÁRIA EM OTTO RÜHLE


Nildo Viana*


Otto Rühle (1874-1943) foi um dos principais representantes do chamado “comunismo de conselhos”. Suas obras são relativamente pouco conhecidas. Dentro os chamados comunistas de conselhos, Anton Pannekoek, Karl Korsch e Paul Mattick foram os que tiveram maior número de obras publicadas e divulgação, embora ainda de forma precária e hoje começam a ser retomados de acordo com as novas tendências das lutas sociais que fazem os indivíduos buscarem nas antigas ideias respostas para as necessidades presentes[1]. Um dos motivos disso se deve ao período de vida de Rühle, pois morreu em 1943, enquanto que os demais morreram em torno dos anos 1960. Rühle publicou livros sobre Marx, psicologia infantil, lutas operárias. O nosso objetivo aqui é apenas apresentar sinteticamente sua teoria da revolução proletária, que é distinta da revolução burguesa, segundo a análise que ele faz e que assume grande importância para explicar suas concepções.

Otto Rühle, que militou na social-democracia alemã até aproximadamente 1914 e passou a ser um dos mais destacados militantes do Partido Comunista Alemão (KPD), ao lado de Rosa Luxemburgo[2], e depois de mais esta desilusão se torna um dos fundadores do Partido Comunista Operário da Alemanha (KAPD), que “não é um partido político propriamente dito”, tal como diz seu documento de fundação, escrito por Rühle. Em breve ele é expulso desse “partido” após voltar da Rússia onde havia ido para um Congresso em que deveria articular com a oposição ao bolchevismo e voltou antes desse começar, após uma conversa com Lênin (1989), que lhe apresentou o livro O Esquerdismo, A Doença Infantil do Comunismo e leu alguns trechos. Rühle voltou e escreveu um “Informe sobre Moscou” (Rühle, 2004a) e, depois, “Moscou e Nós” (Rühle, 2004b), onde descreve o sistema autoritário bolchevique e seu centralismo rígido, culto à autoridade, etc.

A produção teórica de Rühle é pode ser melhor compreendida no contexto social e histórico na qual brotou. O início de sua produção se deu no interior da social-democracia, como quase todos os militantes influenciados pelo que era chamado “marxismo” na época. Esta era a época na qual as lutas operárias pela redução da jornada de trabalho, a Comuna de Paris, entre outras formas de luta, provocaram uma crise do capitalismo liberal fundado no regime de acumulação extensivo que foi substituído pelo capitalismo oligopolista fundado no regime de acumulação intensivo[3]. No capitalismo oligopolista, o imperialismo fundado na exportação de capital-dinheiro, a expansão do taylorismo e a emergência do Estado Liberal-Democrático abre uma nova fase da luta de classes. A burguesia, devido ascensão das lutas operárias, cedeu a redução da jornada de trabalho (que significa diminuição da extração de mais-valor absoluto), a legalização de partidos e sindicatos, e em compensação buscou implantar o taylorismo e aumentar a extração de mais-valor relativo, e a integração dos partidos na democracia partidária (que substituiu a democracia censitária) promoveu sua burocratização e corrupção (Michels, 1981), bem como processo semelhante com sindicatos. Isso, junto com uma breve e relativa estabilidade do capitalismo, promoveu a hegemonia da social-democracia reformista junto aos trabalhadores.

O marxismo se transformou em ideologia, ou seja, em pseudomarxismo, tal como colocou Korsch (1977). Porém, havia uma dissidência no interior da social-democracia, representada por Rosa Luxemburgo e Liga Spartacus na Alemanha, onde outros grupos dissidentes vão emergir, e por Pannekoek e Gorter, entre outros, na Holanda, e em alguns outros países. Otto Rühle participava da social-democracia, mas logo torna-se um dos principais articuladores da dissidência, através do IKD, Comunistas Internacionalistas, considerado uma corrente do radicalismo comunista alemão. Nesse contexto, há uma nova crise do capitalismo oligopolista, que além da Primeira Guerra Mundial e de suas consequências, tinha que enfrentar um movimento operário cada vez mais radical e que já havia despontado na Rússia em 1905 e principalmente 1917, com a criação dos sovietes (conselhos operários) que acabam se alastrando por outros países nos anos seguintes, tal como Itália, Hungria e Alemanha. O regime russo logo se burocratiza e ao invés do socialismo se implanta um capitalismo estatal, com suas produções ideológicas (bolchevismo, stalinismo, etc.) influenciando a esquerda europeia, com dissidências internas e externas.

É a partir dessa época que a maior parte da obra de Rühle será produzida e que abordaremos aqui. Rühle sempre ficou ao lado das alas mais à esquerda e por isso ao superar sua participação no KPD (Partido Comunista Alemão), ajuda a construir o KAPD (Partido Operário Comunista da Alemanha), como “partido não-partido”, uma organização revolucionária não-burocrática e antiparlamentarista, até se desvincular dele devido sua nova posição da necessidade de uma organização geral e unitária dos trabalhadores.

Assim, a partir da emergência dos conselhos operários no bojo da Revolução Alemã e do KAPD, e as uniões operárias que aglutinavam os conselhos, e sua experiência na Rússia, ele clareou sua concepção de revolução proletária e escreveu alguns textos de crítica ao bolchevismo e aos partidos políticos em geral, bem como sobre o que ele denominava “sistema de conselhos” e revolução proletária. Vamos apresentar uma breve síntese de suas teses políticas a respeito da revolução burguesa e da revolução proletária.

A Revolução Burguesa

Um dos temas que Rühle mais trabalhou em seus escritos políticos foi a revolução burguesa. Sem dúvida, a sua preocupação básica era diferenciar revolução burguesa e revolução proletária, ao que dedicou alguns textos e isto principalmente depois da consolidação do capitalismo de Estado russo.

Otto Rühle descreve diversas revoluções burguesas e a emergência de uma nova sociedade, em várias regiões. Dentre essas revoluções burguesas, “a mais espetacular de todas”, “teve lugar na França. Não tem igual na sua força, no seu caráter de classe e na sua importância histórica” (Rühle, 1975a, p. 60).

A Rússia realizou uma revolução burguesa tardia. As revoluções burguesas colocam em primeira linha a classe burguesa, classe mais ou menos consciente de sua missão histórica. Porém, nas revoluções burguesas outras classes atuam, tal como o campesinato e o proletariado.

A circunstância do estrato proletário tomar também parte, maior ou menor, na luta revolucionária não se considera para determinar a natureza histórica da revolução. Mesmo quando o proletariado está já formado como classe e marcha na revolução com os seus próprios objetivos políticos de classe – talvez de fato influencie consideravelmente o seu desenvolvimento ou mesmo o controle – nada se altera na natureza histórica da revolução. A mistura proletária fraca ou forte numa revolução burguesa pode retardar ou acelerar, às vezes defletir ou perturbar, a sua realização. Pode ocultar temporariamente ou deformar a sua face; pode afetar ou ameaçar o seu êxito, mas não faz qualquer diferença quanto à essência da revolução, ao seu conteúdo socioeconômico. Tanto no Estado burguês como no exército, os trabalhadores formam o contingente mais forte, fazem um grande grupo de classe – e, no entanto, ninguém se deixa tentar, nesse caso, a chamar proletário o Estado burguês ou a falar de um exército proletário. Mesmo o Exército Vermelho da Rússia Soviética, constituído só por camponeses e operários, é uma máquina militar construída no modelo burguês e funcionando de acordo com as leis políticas do Estado burguês, que só a demagogia política, para iludir, pode descrever como exército “proletário” (Rühle, 1975a, p. 68).

Os estratos proletários nas revoluções burguesas sempre aparecem a reboque da burguesia. Às vezes como mercenários ou simpatizantes, às vezes como retaguarda ou auxiliares. Nas revoluções burguesas iniciais, o proletariado ainda não estava plenamente desenvolvido como classe e por isso não podia assumir um papel revolucionário de primeira grandeza.  A sua emergência de forma mais radical, nas primeiras revoluções burguesas, ocorreu na França. Outro caso foi o da revolução russa. Nessa, no seu contexto social e histórico, não se podia pensar da mesma forma que as demais revoluções. Ela “só podia ser uma revolução burguesa”, pois “tinha que se ver livre do czarismo, suavizar o caminho do capitalismo e ajudar a burguesia a instalar-se politicamente” (Rühle, 1975a, p. 69).

Através de uma rara cadeia de circunstâncias a burguesia encontrou-se sem posição para desempenhar o seu papel histórico. O proletariado, subindo para o palco em seu lugar, fez-se a si mesmo, num momento, o senhor da situação, por um dispêndio de energias sem precedentes, ousadia e presteza tática e inteligência, mas no período seguinte caiu numa situação fatal (Rühle, 1975a, p. 69).

Os bolcheviques tomaram o poder estatal e realizaram uma política antissocialista. O seu primeiro ato foi a paz de Brest-Litovsk, “foi um ato de política burguesa”, pois foi um tratado assinado com um governo capitalista. Os bolcheviques permitiram a distribuição de grandes propriedades territoriais aos camponeses. “O socialismo, porém, não devia começar com a introdução, mas sim com a eliminação da propriedade privada” (Rühle, 1975a, p. 70-71)[4].

A distribuição de terras, a política industrial, o exército burocrático sob o comando de Trotsky, o Galifet da Revolução bolchevique[5], são todas ações típicas de um governo burguês. Também é impressionante a ditadura dos lideres do Partido Comunista que é apresentada como ditadura do proletariado. “A revolução russa foi e é uma revolução burguesa, nem mais nem menos” (Rühle, 1975a, p. 74).

Rühle apresenta as principais instituições burguesas contrarrevolucionárias. A primeira dessas instituições é o Estado burguês, necessário para manter a dominação burguesa. A classe capitalista ao arrancar o poder ao feudalismo constitui sua própria organização estatal que passa a agir de acordo com suas necessidades, interesses e desejos. Tal Estado é autoritário. A centralização da produção capitalista atinge o Estado burguês: “todas as forças do governo se concentram num ponto, aí recebem as suas ordens e a seguir recuam centrifugamente” (Rühle, 1975a, p. 77).

O parlamento é outra instituição burguesa que existe para reproduzir a sociedade burguesa, criando um espaço de aparente manifestação de diferentes interesses. O parlamento precisa dos partidos e estes dele[6].

Todas as organizações burguesas são basicamente organizações administrativas que requerem uma burocracia para funcionar. Assim é o partido, dependente da máquina administrativa servida por uma direção profissional paga. Os leaders são funcionários administrativos e, como tal, pertencem a uma categoria burguesa. Os leaders, isto é, funcionários, são pequeno-burgueses, não proletários (Rühle, 1975a, p. 88).

Nesse momento, Rühle faz uma distinção entre líderes pagos, profissionais, de hábitos e modos de pensar burgueses, e líderes que se destacam por suas qualidades intelectuais, morais, etc. e por isso não se deveria confundir estes dois tipos de intelectuais e atacar ambos indistintamente e a história mostrou, através dos exemplos de Marx, Bakunin e Rosa Luxemburgo, que existem intelectuais distintos dos burgueses. Rühle também questiona a ideia de “partido revolucionário”, sendo que em outra oportunidade colocou que os partidos são contrarrevolucionários:

A revolução não é uma questão de partido. Os três partidos socialdemocratas têm a loucura de considerar a revolução como a sua própria tarefa de partido e de proclamar a vitória da revolução como o seu objetivo de partido. A revolução é a tarefa política e econômica da totalidade da classe operária. Só o proletariado como classe pode conduzir a revolução à vitória. Tudo mais é superstição, demagogia, charlatanice política (Rühle, 1975b, p. 161)[7].

Rühle não poupa os sindicatos: “o que foi dito acerca dos partidos, dos leaders partidários e das táticas partidárias aplica-se ainda melhor aos sindicatos” (Rühle, 1975a, p. 93). A eliminação do capitalismo nunca foi objetivo dos sindicatos e este sistema econômico sempre foi considerado algo dado para eles. Se nos seus primeiros momentos os sindicatos tiveram um papel importante na luta operária, isso não ocorre mais. Contratos, negociação, acordos, são os elementos que existem na política sindical. Uma clique de funcionários e leaders tomaram conta dos sindicatos e os operários não participam mais de sua vida.

Os sindicatos tornaram-se, portanto, com o decorrer do tempo, órgãos da charlatanice social pequeno-burguesa, cujo valor para o operário se reduziu a nada, uma vez que sob a pressão da desvalorização do dinheiro e da miséria econômica, a solvência de todos os fundos de assistência foi anulada. Mas mais ainda: em consistência lógica com a tendência para a comunidade de interesses entre capital e trabalho, os sindicatos desenvolveram-se no sentido de órgãos auxiliares dos interesses econômicos capitalistas-burgueses, e portanto da exploração e da obtenção de lucros. Tornaram-se os mais leais escudeiros da classe burguesa, as mais seguras tropas de proteção para a finança (Rühle, 1975a, p. 98).

Rühle descreve a ação contrarrevolucionária dos sindicatos na Revolução Alemã e sua oposição aos conselhos operários e outras formas de auto-organização dos trabalhadores. Eles foram transformados de “armas dos trabalhadores” em “armas contra os trabalhadores”. Por isso qualquer pretensão de revolucionar os sindicatos é uma ação ridícula e impossível[8]. Mudar o pessoal nada muda. Rühle encerra sua discussão sobre os sindicatos com a seguinte conclusão: “tais instituições, geralmente perigosas e contrarrevolucionárias, inimigas dos trabalhadores, só podem ser destruídas, aniquiladas, exterminadas” (Rühle, 1975a, p. 99).

A Revolução Proletária

Rühle, em seus escritos políticos, buscou efetivar uma luta constante contra a burocracia e as influências burguesas. Daí o seu foco na revolução proletária como distinta da revolução burguesa. O Estado e o parlamento não são instrumentos para a transformação social, como querem os reformistas e nem partidos e sindicatos, como querem alguns “ditos” revolucionários. Segundo Rühle,

“A revolução proletária é, em extensão, conteúdo, tendências, táticas de luta e objetivos, completamente diferente da revolução burguesa. É a revolução social e encontra a sua conclusão com o estabelecimento de um socialismo sem chefes, sem Estado e sem autoridade” (Rühle, 1975a, p. 56).

A concepção tradicional (e não marxista) pensa a revolução através do partido, sindicatos, conquista ou uso do Estado e parlamento. Isto tudo foi recusado por Rühle como sendo estratégia burguesa, política burguesa. Da revolução burguesa à revolução proletária há muita distância e diferença. Porém, quais são as formas da luta proletária pela instituição da autogestão social, ou, como diz, Rühle, pelo socialismo? Já que houve um afastamento do partido, sindicatos, parlamento, por um setor considerável do proletariado durante a Revolução Alemã, então como se dá a luta revolucionária do proletariado?

Ao princípio paraiva no ar, não muito claramente, a solução positiva, que só ganhou forma com o tempo, no decurso de muitas lutas e discussões. O sindicato revolucionário dos operários americanos, IWW, surgiu como modelo, embora só conhecido de poucos. A juntar a isto, precisamente no período revolucionário, a ideia do sistema de conselhos, que desempenhara um grande papel na Rússia, começava a ser avidamente discutida e situava-se no centro de todas sugestões práticas e tentativas de socialização. As greves ‘selvagens’ que rebentaram por toda a parte e eram desencadeadas contra a vontade dos sindicatos, deram lugar à eleição de comitês de ação revolucionária, aos quais em breve se seguiram conselhos operários revolucionários. Finalmente, o movimento cresceu, primeiro na região do Ruhr entre os mineiros, no sentido da luta por organizações de fábricas revolucionárias (BOs)[9]. Estas BOs, agrupadas localmente e mais tarde unidas por áreas econômicas numa organização unitária de conselhos, em breve se tornaram a ideia principal e o objetivo primário do movimento que fluiu para a União como novo veículo organizacional da vontade de luta dos trabalhadores revolucionários. Não decidida nas sedes oficiais dos leaders, não transmitida pela propaganda aos operários como uma invenção sutil, mas nascida como uma criação elementar do solo das lutas mais vigorosas e sérias, em breve tornou independente como objeto dos mais acesos conflitos de opinião e debates, no centro do movimento revolucionário (Rühle, 1975a, p. 108).

O movimento das uniões operárias é um movimento econômico, pois somente na fábrica o operário é um proletário. Fora da fábrica, seu modo de pensar e sentir é burguês, é dominado pela ideologia pequeno-burguesa, é educado pela escola burguesa, no casamento reproduz a vida burguesa na relação com a mulher e os filhos, a família se torna uma mônada egoísta. Na fábrica é outra pessoa, deve se defrontar com o capitalista, face a face. E é da fábrica que brota os conselhos de fábrica ou BOs. Elas são federativas e sem centralismo, seus membros são autônomos e independentes. Elas controlam a si mesmas. Não é partido nem sindicato, não faz contratos nem é uma instituição. Partidos e sindicatos se organizam através do centralismo, da burocracia. As organizações de fábrica possuem outra lógica. A sua organização se dá pela auto-organização e decisão coletiva, bem como pela escolha de delegados para efetivar as decisões tomadas. Os delegados se reúnem com os delegados de outras organizações de fábricas para manifestar as decisões da sua própria organização. As organizações de fábrica se reúnem numa organização maior e mais forte, que é a União Operária. Esta une as organizações regionais de fábrica e é centralista e federalista. “Aí reside a grande superioridade da União Operária sobre todas as outras organizações. É mais completa do que qualquer associação meramente federalista ou meramente centralista”, pois cria uma síntese entre federalismo e centralismo, “é ambas sem as desvantagens de nenhuma delas” (Rühle, 1975a, p. 113).

Otto Rühle apresenta os princípios da primeira União Operária que surgiu em 1921 na Saxônia:

1. A AAU é a organização política e econômica integrada do proletariado revolucionário.

2. A AAU luta pelo comunismo, pela socialização da produção, das matérias-primas, meios e energia e dos bens necessários produzidos com elas. A AAU pretende estabelecer a produção e distribuição planificadas em lugar dos atuais métodos capitalistas.

3. O objetivo último da AAU é a sociedade sem dominação: a via para este alvo é a ditadura do proletariado como classe. A ditadura do proletariado é o exercício exclusivo da vontade dos trabalhadores para o estabelecimento político-econômico da sociedade comunista por meio da organização dos conselhos.

4. As tarefas imediatas da AAU são: a) esmagar os sindicatos e os partidos políticos, esses obstáculos principais à unificação da classe proletária e ao avanço da revolução social, que não pode ser assunto para partidos nem sindicatos. b) O agrupamento do proletariado revolucionário nas fábricas, o embrião da produção, a base da sociedade futura. A forma desse agrupamento é a organização de fábrica (BO). c) O desenvolvimento da autoconsciência operária e no sentido de solidariedade. d) Preparar todas as medidas necessárias à construção política e econômica.

5. A AAU rejeita todo o reformismo, métodos oportunistas de luta; volta as costas a toda a participação parlamentarista e aos conselhos operários legalizados, pois estes representam uma sabotagem à ideia dos conselhos.

6. A AAU renuncia fundamentalmente ao dirigismo profissional. Os chamados leaders só podem ser considerados traidores.

7. Todas as funções da AAU são honorárias.

8. A AAU vê a luta da libertação do proletariado não como uma questão nacional, mas internacional. Portanto, a AAU trabalha pela reunião do proletariado revolucionário do mundo numa “Internacional Conselhista” (Rühle, 1975a, p. 115).

A ideia que perpassa a União Operária é que a transformação radical do capitalismo em comunismo se dá via expropriação dos meios de produção, que só pode completar através da ditadura do proletariado, ou seja, do conjunto da classe. “O instrumento da transformação é o sistema de conselhos revolucionários”, este, organizado na União, antecipa os traços da futura sociedade fundada nestas formas de auto-organização. Eles trazem a necessidades de novas táticas e ações. Fazem a ponte entre a luta revolucionária e a sociedade comunista do futuro.

Assim, Rühle recorda Marx e a Comuna de Paris como precursores da ideia do sistema de conselhos. A Comuna foi a primeira manifestação histórica de quebra do poder estatal. Da mesma forma, Marx anunciava, em sua análise da Comuna e outros textos, a necessidade de abolição do poder estatal. Estas seriam fontes para se pensar a futura sociedade comunista.

Segundo Rühle:

O sistema dos conselhos é a organização do proletariado correspondente à natureza da luta de classes, como da futura sociedade comunista. Se Marx disse que a classe operária não podia simplesmente tomar a máquina governamental do Estado capitalista mas tem que encontrar a sua própria forma para realizar a tarefa revolucionária, este problema resolve-se na organização dos conselhos (Rühle, 1975a, p. 121).

Assim, Otto Rühle realiza uma análise da revolução burguesa e sua diferença em relação à revolução proletária para mostrar a essência desta última e, por conseguinte, que os métodos e práticas devem ser radicalmente diferentes dos realizados pelas revoluções burguesas, incluindo a revolução bolchevique. O bolchevismo teria até mesmo um parentesco com o fascismo, tal como Rühle coloca em seu texto A Luta contra o Fascismo começa com a Luta Contra o Bolchevismo. Esse parentesco viria de várias posições semelhantes (nacionalismo, autoritarismo, regime ditatorial, etc.).

A tese da organização unitária defendida por Rühle não foi unânime no interior da esquerda revolucionária alemã e no comunismo de conselhos. Hermann Gorter defendia a necessidade de uma organização política revolucionária para reforçar a luta das uniões operárias e outras tarefas que elas não poderiam, num primeiro momento, executar (Lefeuvre, 2008; Mattick, 1976). As organizações de fábrica, nessa abordagem, deveriam conviver com uma organização revolucionária, enquanto que, para Rühle, esta era dispensável. E assim, uma das Uniões Operárias ficou como organização unitária, sem vínculo com o KAPD e a outra manteve vínculos com ele, expressando as duas posições.

Considerações Finais

Depois dessa síntese do pensamento de Otto Rühle sobre a revolução proletária[10] podemos fazer algumas observações críticas. A sua análise das organizações burguesas e burocráticas é correta e a eclosão do movimento revolucionário do proletariado facilitou essa percepção, o que foi reforçado pela contrarrevolução burocrática na Rússia. Da mesma forma, sua análise das formas de auto-organização do proletariado (organizações de fábrica, conselhos operários, uniões operárias) é fundamental para se pensar as formas de autoemancipação do proletariado. A sua crítica ao bolchevismo e aos partidos (em geral, inclusive os de esquerda), também são fundamentais.

Contudo, alguns pontos do pensamento de Rühle são problemáticos e por isso ele foi acusado de “economicismo” ao focalizar apenas as lutas nas unidades de produção. O trabalhador estaria dominado pelo espírito burguês fora das fábricas e lá, devido ao conflito de classe direto, assumiria posições mais avançadas. Essa é uma possibilidade, embora seja uma tendência, existem contratendências que são outras determinações que podem ser obstáculos para a concretização disso. A luta de classes se revela mais complexa e por isso outros comunistas de conselhos se atentaram para a questão da consciência, tal como Korsch e Pannekoek, e outro para a questão da organização revolucionária no sentido de apoiar a luta proletária, como Gorter.

Obviamente que, no bojo de uma ascensão revolucionária do proletariado, então a ênfase de Rühle é compreensível, mas, mesmo assim, a análise da totalidade da luta de classes é fundamental, inclusive para que o processo de derrota da revolução proletária não ocorra é preciso lutar em várias frentes simultaneamente[11]. Nesse sentido, a obra de Rühle é fundamental, mas é preciso ser percebida criticamente, no sentido do marxismo não-dogmático proposto por Karl Korsch (Korsch, 1977; Viana, 2012a). A teoria da revolução proletária de Otto Rühle é um bom ponto de partida que, incluindo os elementos ausentes de sua análise, fornecem mais uma contribuição para se pensar as lutas sociais contemporâneas e o processo de luta pela transformação radical da sociedade capitalista. Para isso, também se faz necessário entender as contradições atuais do capitalismo – e seria um retorno do dogmatismo querer retomar o comunismo de conselhos em sua pureza original e desconsiderar as mudanças históricas e sociais e seus efeitos nas lutas de classes na contemporaneidade. Tal como coloca Paul Mattick:

As mais poderosas coações sobre os homens são verdadeiramente irrisórias se comparadas com as formidáveis contradições que dilaceram o mundo de hoje. Otto Rühle tinha razão ao indicar que as atividades que fariam descer o prato da balança social a favor do socialismo não seriam descobertas por meio de métodos ligados às atividades anteriores nem às organizações sociais tradicionais. Deviam ser descobertas no seio das relações sociais em transformação, que são ainda determinadas pela contradição entre as relações capitalistas de produção e a direção do movimento das forças produtivas da sociedade. Descobrir estas relações, isto é reconhecer a revolução a partir das realidades de hoje será a tarefa dos que continuarem a avançar segundo o espírito de Otto Rühle (Mattick, 1976, p. 138).

Essa é uma síntese que avança. Porém, hoje é preciso ir além dela também. As formas de repressão e coerção são enormes e mudaram, precisam ser compreendidas e atacadas. Porém, as formas de pseudestesia de alegria ou as ilusões consumistas ou conformistas, o ataque às utopias, o microrreformismo e processos de cooptação de amplos setores sociais, também devem ser consideradas, no contexto de uma análise totalizante do capitalismo contemporâneo, que vive sob a dinâmica da acumulação integral (Viana, 2009). Assim, a contribuição de Rühle é reforçada por outras contribuições e por sua concretização na historicidade do capitalismo contemporâneo, aumentando seu poder explicativo e potencial revolucionário.


Referencias Bibliográficas


Korsch, Karl. El Joven Marx como Filósofo Activista. In: SUBIRATS, Eduardo e outros. Karl Korsch o el Nacimiento de uma Nueva Época. Barcelona, Anagrama, 1973.
Korsch, Karl. Marxismo e Filosofia. Porto, Afrontamento, 1977.
Lefeuvre, René. Mas Allá del Partido. Evolucion del Concepto de “Partido” desde Marx. Madrid, Spartacus, 2008.
Lênin, W. Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo. 6ª edição, São Paulo, Global, 1989.
Mattick, Paul. Otto Rühle. In: Mattick, Paul. et al. Comunistas de Conselhos. Coimbra, Centelha, 1976.
Michels, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. Brasília, UnB, 1981.
Rühle, Otto. A Luta Contra o Fascismo Começa pela Luta contra o Bolchevismo. In: Korsch, Karl et. al. A Contra-Revolução Burocrática. Coimbra, Centelha, 1978.
Rühle, Otto. A Revolução não é Tarefa de Partido. In: Authier, Denis (org.). A Esquerda Alemã (1918-1921). “Doença Infantil ou Revolução?”. Porto, Afrontamento, 1975b.
Rühle, Otto. Da Revolução Burguesa à Revolução Proletária. Porto, Publicações Escorpião, 1975a.
Rühle, Otto. Informe sobre Moscú. In: Appel, Jan et al. Ni Parlamento Ni Sindicatos: ¡Los Consejos Obreros! Los Comunista de Izquierda en la Revolución Alemana. Madrid, Ediciones Espartaco Internacional, 2004a.
Rühle, Otto. Moscú y Nosotros. In: Appel, Jan et al. Ni Parlamento Ni Sindicatos: ¡Los Consejos Obreros! Los Comunistas de Izquierda en la Revolución Alemana. Madrid, Ediciones Espartaco Internacional, 2004b.
Viana, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003,
Viana, Nildo. Karl Korsch e a Concepção Materialista da História. Florianópolis, Bookess, 2012a.
Viana, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Ideias e Letras, 2009.
Viana, Nildo. Rosa Luxemburgo e a Autogestão Social. Florianópolis, Bookess, 2012b.
Insurrecional





* Professor da Faculdade de Ciências Sociais/UFG; Doutor em Sociologia/UnB.

[1] Isso não tem nada de problemático desde que não seja feito de forma dogmática. Assim, o marxismo tem que ser antidogmático, como já colocava Korsch (1977; Viana, 2012a).

[2] Rosa Luxemburgo estava na direção do partido com seu grupo Liga Spartacus, mas Otto Rühle e seu grupo era quem detinha a hegemonia no partido, mas, apesar de certa vez tê-la acusado de “oportunista”, não queria a direção e dizia confiar nela e sua ação política, independentemente das divergências. Rosa Luxemburgo tinha algumas dificuldades em romper com certos aspectos da social-democracia, devido formação intelectual, vínculos afetivos, etc., mas foi avançando e superando alguns aspectos, sem chegar a radicalidade de Rühle e dos comunistas de conselhos em geral, graças à sua morte prematura (Viana, 2012b).

[3] Para uma definição de regime de acumulação e caracterização destas fases, consulte-se Viana, 2009; Viana, 2003.

[4] Além disso, coloca Rühle em outro texto, “a abolição da propriedade privada não garante por si só o socialismo. A propriedade privada pode ser abolida no quadro do capitalismo. O que determina de fato uma sociedade socialista é, além da abolição da propriedade privada dos meios de produção, a gestão pelos operários dos produtos do seu trabalho e o fim do salariato” (Rühle, 1978, p. 264).

[5] Rühle compara Trotsky e o massacre de Kronstadt com Galifet, considerado o “carniceiro da Comuna”, devido o massacre dos comunardos sob suas ordens.

[6] “Um partido precisa do parlamentarismo, tal com o parlamento precisa dos partidos. Conservar o partido significa conservar o parlamento e com ele conservar o poder burguês” (Rühle, 1975a, p. 86).

[7] Aqui o pensamento de Rühle retoma, sem ter a pretensão disso, a tese básica de Marx da autoemancipação proletária.

[8] “Seguindo os conselhos de Lênin, os comunistas tentaram todos os métodos possíveis para reformar os sindicatos. O resultado foi nulo. Nula igualmente a sua tentativa para constituir os seus próprios sindicatos. A concorrência sindical entre socialdemocratas e bolcheviques era uma concorrência na corrupção” (Rühle, 1978, p. 274);

[9] BO = Betrieb Organization, organização de fábrica, conselho de fábrica.

[10] Que remete, em sua concepção, a uma comparação com a revolução burguesa, no sentido de mostrar as diferenças entre ambas e o movimento revolucionário do proletariado abandonar as armas de luta da burguesia: Estado, parlamento, partidos, sindicatos.

[11] Tal como coloca Korsch, a luta revolucionária deve ser “desenvolvida em todos os setores da realidade social contra a totalidade da realidade social atual” (Korsch, 1973, p. 132).
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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. A Teoria da Revolução Proletária em Otto Rühle. Enfrentamento. Goiânia: ano 7, n. 11, jan./jul. 2012.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A ESSÊNCIA CONTRARREVOLUCIONÁRIA DO PÓS-ESTRUTURALISMO


A ESSÊNCIA CONTRARREVOLUCIONÁRIA DO PÓS-ESTRUTURALISMO


Nildo Viana*


Resumo: o pós-estruturalismo é formado por um conjunto de ideologias distintas e isso gera uma grande dificuldade em defini-lo. Mas é possível encontrar semelhanças no interior das diferenças, o universal no meio do diverso. A sua essência é derivada do seu papel histórico: realizar uma contrarrevolução cultural preventiva numa época de mutação no capitalismo, marcado pela crise de um regime de acumulação e substituição por outro que aumenta o processo de exploração, miséria, repressão e conflitos. Essa essência revela uma ideologia homotópica dissimulada por uma autoimagem ideológica, cujo procedimento fundamental é produzir concepções contrarrevolucionárias com uma roupagem aparentemente progressista, crítica, revolucionária, “pós-moderna”. Elas, supostamente, superariam o modernismo e criariam uma alternativa ao marxismo e à teoria da revolução social, através da recusa da totalidade, da teoria, entre outras formas, e assim formam várias tendências, tais como o pós-estruturalismo conservador, crítico e eclético.
Palavras-chave: homotopia, ideologia, contrarrevolução cultural, pós-estruturalismo.

As análises do pós-estruturalismo são ideológicas (a começar pelo nome “pós-modernismo” pelo qual é hegemonicamente denominado), já que invertem a realidade, caindo num descritivismo que nada acrescenta e se ilude com a aparência do fenômeno ou tomando o discurso pós-estruturalista como verdadeiro ou, ainda, fazendo uma crítica superficial sem analisar tal fenômeno ideológico em sua totalidade e suas determinações. Logo, é necessário compreender a gênese e o significado do pós-estruturalismo e para isso é imprescindível analisar sua essência.
A essência do pós-estruturalismo é que ele é um projeto intelectual contrarrevolucionário, inclusive em suas tendências “críticas”. Ele surge num determinado momento histórico e não pode ser visto de forma a-histórica, através de aspectos isolados e sem inserção num determinado contexto histórico-social. Ele surge como resposta do capitalismo às lutas sociais do final dos anos 1960 e se caracteriza por buscar ser uma alternativa para o marxismo revolucionário (Viana, 2009a), consolidando-se com a instauração do regime de acumulação integral. Desta forma, além de analisar o seu amplo mosaico de ideologias distintas (Baudrillard, Foucault, Negri, Lyotard, Deleuze, Guattari, etc.) é necessário abordar o que é essencial e comum a todas essas manifestações ideológicas e mostrar seu caráter não apenas falso, mas também seus vínculos sociais e políticos, seu caráter politicamente conservador e intelectualmente retrógado.
No presente texto, pretendemos tão-somente resumir o processo de origem histórica do pós-estruturalismo e, depois disso, desenvolver uma análise mais profunda da essência do pós-estruturalismo. Já abordamos a origem histórica do pós-estruturalismo (Viana, 2009a; Viana, 2010) e por isso seremos breves nesse aspecto. O pós-estruturalismo começa a emergir a partir de 1969 e vai se constituindo nos anos 1970 e ganha notabilidade a partir dos anos 1980, tornando-se, paulatinamente, ideologia dominante nos meios acadêmicos e, posteriormente, exercendo influência nos meios políticos. Sem dúvida, alguns encontram “pós-modernismo” em períodos anteriores (Anderson, 1999; Huyssen, 1992), quando surge a palavra “pós-moderno” ou então devido a semelhanças entre algum elemento de alguma ideologia pós-estruturalista ou pós-vanguardista[1] com alguma produção intelectual ou artística do passado remoto (tal como Nietzsche, Simmel, etc.). Contudo, além de não ser um procedimento embasado no materialismo histórico, por partir de discursos e tomá-los como verdades, também é metodologicamente não-dialético, pois ao invés de analisar a totalidade do fenômeno, se limita a observar semelhanças secundárias ou meramente formais e daí encontrar “pós-modernismo” onde ele não existia e nem poderia existir.
A expressão “pós-moderno” é um equívoco por considerar que o moderno – o capitalismo – tenha sido substituído por algo inexistente e que nem nome tem (Viana, 2009a), além de apresentar algo que é moderno (o irracionalismo, por exemplo) como sendo seu substituto. Isso é possível pela concepção de moderno dos ideólogos pós-estruturalistas, que o considera algo homogêneo e o identifica com o racionalismo, por exemplo, enquanto que Nietzsche e todos os irracionalistas são tão modernos quanto Descartes, Hegel, Kant, Durkheim, Saussure, Lévi-Strauss, entre outros. Esse é um truque ideológico do pós-estruturalismo: criar uma imagem falsa e homogênea do modernismo, que é complementado pelo truque de transformar o suposto “pós-modernismo” em algo também falso, homogêneo e, principalmente, substituto vitorioso e definitivo do seu adversário. As diversas concepções do dito “modernismo” continuam existindo e atuando (com maior ou menor força em determinados setores do saber, o que não altera muito o quadro), desde o positivismo clássico até o pseudomarxismo em suas diversas variantes (o leninismo e derivados, entre outras formas)[2].
O pós-estruturalismo tem que ser entendido como uma totalidade. Contudo, é uma totalidade de manifestações ideológicas, com alguns elementos em comum e outros distintos. Por isso é difícil entender o que é mais exatamente o pós-estruturalismo e isso justificaria, até certo ponto, as indefinições do mesmo. Contudo, no meio das diferenças é possível encontrar o que é essencial no pós-estruturalismo. E isso é inseparável de seu processo de engendramento histórico. Ele surge a partir das derrotas das lutas operárias e estudantis do final dos anos 1960, especialmente o maio de 1968 em Paris[3]. A classe dominante (e seus aparatos estatais, entre outros) inicia uma contrarrevolução preventiva (Marcuse, 1971) desde esse ano e percorre os anos 1970, tentando manter o capitalismo ainda sob hegemonia do regime de acumulação conjugado (intensivo-extensivo). Essa solução para a crise do regime de acumulação sem mudar de regime se manifesta insuficiente e já esboça elementos do regime de acumulação que lhe sucede, o regime de acumulação integral (Viana, 2009a; Viana, 2003). Por isso, nos anos 1980 começa a ser constituído um novo regime de acumulação, através, inicialmente, do neoliberalismo e da chamada “reestruturação produtiva” e, posteriormente, do neoimperialismo (Viana, 2009a; Viana, 2003).
Assim, é nesse contexto de crise de regime de acumulação conjugado, manifesto no declínio da taxa de lucro médio (Harvey, 1992; Viana, 2009a) e pela ascensão das lutas sociais no final dos anos 1960 e do seu desdobramento, ou seja, as derrotas do movimento operário e do movimento estudantil (Viana, 2003; Viana, 2009a), é que há uma ofensiva burguesa no sentido de restaurar a estabilidade do capitalismo. No plano social geral, a Comissão Trilateral foi a grande estratégia, tentando, no interior do regime de acumulação conjugado, resolver o problema da crise. No plano ideológico, isso é realizado através da emergência do pós-estruturalismo (e no plano da arte, do pós-vanguardismo, do qual não trataremos). Na esfera acadêmica, novas ideologias começam a ser gestadas desde a derrota do Maio de 1968, principalmente na França e, logo após, nos Estados Unidos e demais países europeus. Em 1969 surge, no plano da historiografia, a terceira geração da Escola dos Anales (Viana, 2007), o conjunto de ideólogos estruturalistas começa a adotar novas ideologias em contraposição ao estruturalismo que haviam defendido quando era moda[4] (Foucault, Baudrillard, Derrida, etc.), assim como outros e com o passar do tempo, nos anos 1980, há uma adesão ainda maior de uma diversidade de origens intelectuais (incluindo ex-autonomistas, anarquistas, pseudomarxistas, etc.). O nome pós-estruturalista se justifica por vir depois do modismo estruturalista e substituí-lo como ideologia dominante e, ao mesmo tempo, não ser um todo homogêneo.
Isso nos leva a discutir a essência do pós-estruturalismo. Ao fazer parte da contrarrevolução burguesa, ele se caracteriza por ser uma contrarrevolução intelectual preventiva. Na verdade, os movimentos radicais dos anos 1960 (juntamente com os reformistas) foram derrotados, mas ainda existiam indivíduos, ideias, grupos, que mantinham a mesma posição. Da mesma forma, as condições de reprodução do capitalismo não eram estáveis. Logo, era fundamental combater uma das determinações do processo de radicalização das lutas nos anos 1960: a cultura contestadora da época (em suas diversas formas). Assim, tanto as tendências relativamente críticas oriundas da Escola de Frankfurt, quanto as concepções expressas em agrupamentos políticos e obras teóricas, tal como Socialismo ou Barbárie, mas de forma mais radical e profunda na Internacional Situacionista, até intelectuais isolados que realizam críticas à sociedade burguesa da época (Sartre, Lefebvre, Guérin, Gorz, etc.), havia um amplo espectro intelectual contestador (em alguns casos revolucionário) que fazia parte de uma ampla cultura contestadora (a contracultura sendo uma de suas manifestações). A contrarrevolução cultural preventiva visava superar essa cultura contestadora, integrando temas e aspectos da cultura contestadora anterior (Viana, 2009a; Viana, 2009b10), e criando um processo de despolitização, visando assim retirar sua radicalidade. Essa despolitização foi realizada, principalmente, através da recusa da totalidade (presente nas discussões dos situacionistas, Lefebvre, Sartre, etc.), isolando fenômenos, lutas, etc.
Nesse contexto, emerge um conjunto de ideologias, a que chamamos pós-estruturalismo. A dificuldade em definir o pós-estruturalismo reside, por um lado, na sua não uniformidade[5] e, por outro, em sua autoimagem ideológica. A sua autoimagem ideológica já foi refutada (Viana, 2009a), resta então entender a possibilidade de definição de um conjunto de ideologias que possuem diferenças, mas que cumprem o mesmo papel contrarrevolucionário, pois é aí que podemos entender sua essência e, portanto, sua definição.
A essência do pós-estruturalismo é a contrarrevolução intelectual. Essa contrarrevolução se fundamenta na autoimagem ideológica de ruptura com o modernismo, o que realiza, em parte (com algumas tendências modernistas, tal como o estruturalismo, mas ao mesmo tempo retoma elementos das abordagens aparentemente superadas), mas, principalmente, com uma oposição frontal à cultura contestadora que esteve presente no processo das lutas sociais da época, especialmente o marxismo. A ideia de abandono das metanarrativas (em termos mais exatos, da categoria dialética da totalidade), defendida por Lyotard e repetida dezena de vezes por outros ideólogos pós-estruturalistas, tal como a condenação da teoria (Foucault, 1989; Castoriadis, 1987) não são apenas questões metodológicas ou racionais, são questões políticas.
A recusa da totalidade é a porta de entrada para a despolitização das questões sociais e do cotidiano. A recusa da teoria (ou da razão em geral) é outro elemento dessa despolitização. A despolitização metodológica e intelectual – na qual o pesquisador, pensador, cientista, filósofo, etc., deve abandonar a análise totalizante, é complementada pela despolitização teórica ao pregar o abandono da teoria (por ser totalizante, como diria Foucault), que interpretaria esta totalidade na realidade concreta. Contudo, embora haja uma recusa da totalidade em geral, em algumas manifestações específicas o que ocorre é recusa da totalidade numa perspectiva dialética, ou seja, da totalidade concreta (apresentando ou não uma concepção totalizante, mesmo que metafísica). Essa concepção de totalidade, ao contrário das concepções metafísicas e racionalistas (com a qual é muitas vezes confundida, seja por má fé ou por ignorância) remete ao concreto e sua determinação fundamental, bem como suas múltiplas determinações.
Isso, por sua vez, gera a recusa da revolução proletária e da transformação do modo de produção capitalista, pois ou o capitalismo já foi superado pela sociedade pós-moderna ou não é necessário nenhuma transformação radical da sociedade (pós-estruturalismo conservador) ou a transformação é proporcionada por múltiplos “sujeitos”, pulverizando as lutas e ao mesmo tempo retirando sua articulação com o movimento operário (pós-estruturalismo crítico), gerando um microrreformismo e “políticas de identidade”. Por outro lado, alguns buscam unir a concepção pós-estruturalista e o marxismo (como é o caso de Toni Negri e seu uso ideológico do pensamento de Marx ao lado de Foucault, Daniel Bell e outros ideólogos, bem como elogio do trabalho imaterial em substituição ao trabalho material, que seria do proletariado), criando um pós-estruturalismo eclético.
A recusa da totalidade concreta significa recusa da revolução social, transformação social total. Significa, também, recusa de todos os projetos revolucionários (marxismo e anarquismo revolucionários). Desta forma, o pós-estruturalismo é uma ideologia contrarrevolucionária, substituindo o projeto revolucionário por uma alternativa não-revolucionária, seja pela apologia da sociedade atual, por uma tese evolucionista, por um programa reformista (principalmente microrreformista) ou por considerar desnecessária qualquer transformação social. No sentido de sustentar tal posicionamento, apela para a negação da totalidade, da razão, da teoria, do proletariado como sujeito revolucionário, etc. e afirmação do irracionalismo, relativismo, romantismo, culturalismo, etc.
Assim, trata-se de um amplo espectro de ideologias que tem no seu caráter contrarrevolucionário sua unidade essencial e que assume variações, criando tendências distintas no seu interior, tais como o pós-estruturalismo conservador, o pós-estruturalismo crítico e pós-estruturalismo eclético (Viana, 2009a). O pós-estruturalismo conservador de Richard Rorty, Jean Baudrillard, Alain Touraine, expressa uma vertente que recusa qualquer compromisso com a crítica da realidade contemporânea e serve apenas para eternos discursos acadêmicos vazios de significado e recheados de “códigos de não-leitura do real”[6], se tornaram decalque do capital. O pós-estruturalismo crítico de Foucault, Deleuze, Guattari, entre outros, por sua vez, apresenta uma crítica da sociedade contemporânea que se revela uma pseudocrítica, pelo menos no sentido dialético da palavra, pois não há rupturas e nem transformação radical, superação, o novo fica ausente e assim temos o “eterno retorno do mesmo”. O seu papel é mais nefasto, pois seu caráter aparentemente crítico – e realmente faz críticas localizadas – apontam para a fragmentação das lutas e recusa da constituição de uma nova cultura contestadora e totalizante que permitiria uma articulação das lutas e avanço no sentido da transformação social. Daí sua maior influência em certos setores da sociedade e nos movimentos sociais, em tendências distintas, apontando para um microrreformismo, lutas localizadas, políticas de identidade, uma reprodução do mundo atual mudando a aparência[7] ou pequenos detalhes ou, ainda, com pequenas reformas que beneficiam setores privilegiados de grupos oprimidos que assim são cooptados e fazem o discurso pós-estruturalista e microrreformista. O pós-estruturalismo eclético de Negri, Castoriadis, e diversos outros, realiza um processo de mesclar teses e concepções pós-estruturalistas com concepções revolucionárias, como o marxismo e o anarquismo revolucionários, retirando-lhe o caráter revolucionário. Essa forma de pós-estruturalismo funciona como a água quando atinge o fogo. O resultado disso é o mesmo do microrreformismo ou outra forma de reformismo, ou então, a formação de uma concepção pseudorrevolucionária que troca a análise da realidade concreta por abstrações metafísicas. Nesse caso, temos uma proposta de transformação social que não apresenta nada de concreto (nem tendências, nem agentes – seja o proletariado ou qualquer outro – nem forças sociais ou políticas, nem projetos, etc.), e que portanto não gera ou provoca nenhuma prática ou ação, sendo, pois, mero mecanismo discursivo desmobilizador e aparentemente revolucionário. Eis o caso de Castoriadis:
Enquanto instituinte e enquanto instituída, a sociedade é intrinsecamente história – ou seja, autoalteração. A sociedade instituída não se opõe à sociedade instituinte como um produto morto a uma atividade que o originou; ela representa a fixidez/estabilidade relativa e transitória das formas-figuras instituídas em e pelas quais somente o imaginário radical pode ser e se fazer ser como social-histórico. A autoalteração perpétua da sociedade é seu próprio ser, que se manifesta pela colocação formas-figuras relativamente fixas e estáveis e pela explosão dessas formas-figuras que só pode ser sempre posição-criação de outras formas-figuras. Cada sociedade faz ser também seu próprio modo de autoalteração, que podemos também denominar sua temporalidade – isto é, se faz ser também como modo de ser. A história é gênese ontológica não como produção de diferentes instâncias da essência sociedade, mas como criação em e por cada sociedade, de um outro tipo (forma-figura – aspecto-sentido: eidos) do ser-sociedade, que é ao mesmo tempo criação de tipos novos de entidades social-históricas (objetos, indivíduos, ideias, instituições, etc.) em todos os níveis e em níveis que são eles-próprios estabelecidos-criados pela sociedade e por tal sociedade” (Castoriadis, 1986, p. 416).
Desta forma, o abandono do sujeito revolucionário[8] significa o abandono da revolução, que se torna, nesse caso, um processo sem sujeito, puramente “imaginário”, para usar um trocadilho. O revolucionarismo aparente presente nos pós-estruturalismo eclético, bem como em sua versão crítica, é apenas uma forma de canalizar o descontentamento de setores intelectualizados (que possuem influência social, além da sua própria ação que é afetada por tais ideologias) e de outros setores da população, substituindo uma práxis revolucionária por um não-agir, ou por um reboquismo ou microrreformismo que, nas relações sociais concretas, reforçam tais relações ao invés de miná-las. O pós-estruturalismo conservador faz isso de bom grado e é relativamente fácil perceber isso. O que resta saber é que as metamorfoses do pós-estruturalismo e seus vínculos com o poder e com o capitalismo, desde os interesses pessoais envolvidos nos meios acadêmicos, mercado editorial e instituições (governos, universidades, etc.)[9] até a sobrevivência ideológica e os valores dominantes, se entrelaçam e reforçam reciprocamente, criando uma teia que envolve qualquer tentativa de sair do mundo concentracionário do capitalismo a partir de uma concepção realmente revolucionária.
Em síntese, a essência do pós-estruturalismo – que perpassa todas as suas tendências – é ser uma alternativa intelectual contrarrevolucionária que busca superar ou integrar a teoria da revolução social expressa pelo marxismo através da dissimulação expressa em sua autoimagem ideológica. A sua grande ambição é justamente superar ou integrar o marxismo, seja criticando-o seja englobando-o num discurso ideológico que lhe faz perder a radicalidade revolucionária. Por isso é “pós” e o “estruturalismo” é apenas uma delimitação temporal por ter sido a ideologia substituta da anterior, cujo alvo fundamental é outro. A ideologia acadêmica dominante que vem após o estruturalismo (e não por ter nascido para combater esta, apenas a substitui, o seu combate verdadeiro e fundamental é com o marxismo autêntico, que confunde com o pseudomarxismo). Em outras palavras, o pós-estruturalismo é essencialmente uma ideologia homotópica[10] dissimuladamente superadora do que é moderno (seja do pensamento moderno ou da sociedade moderna, ou ambos) e principalmente da crítica da modernidade, criando uma autoimagem ideológica, cuja tarefa é realizar uma contrarrevolução cultural preventiva. Isso é comum ao conjunto de ideologias pós-estruturalistas que usam os mais variados artifícios ideológicos para efetivar sua dissimulação e projeto contrarrevolucionário, com destaque para a recusa da totalidade, a crítica da razão e da teoria, etc.
O pós-estruturalismo, enquanto manifestação ideológica do capitalismo durante o regime de acumulação integral, é algo tão limitado e passageiro quanto o capitalismo e que não o ultrapassa no discurso por não pretender ultrapassá-lo na prática. É algo datado, limitado, conservador, e medíocre, pois não apresenta nenhuma grande contribuição para pensar a sociedade, o capitalismo, as lutas de classes, a cultura, etc. Apenas reproduz ideologias misturadas, faz abstrações metafísicas desligadas da realidade concreta, faz proliferar discursos, termos, concepções que não são expressões da realidade e por isso não possuem capacidade explicativa sobre a realidade.

Referências
Anderson, Perry. As Origens da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999.
Castoriadis, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. 2ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
Castoriadis, Cornelius. As Encruzilhadas do Labirinto. Vol. 2. Os Domínios do Homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
Connor, Steven. Cultura Pós-Moderna. Introdução às Teorias do Contemporâneo. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
Eagleton, Terry. As Ilusões do Pós-Modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
Foucault, Michel. Microfísica do Poder. 8ª edição, Rio de Janeiro, Graal, 1989.
Harvey, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
Huyssen, Andreas. Mapeando o Pós-Moderno. In: Hollanda, Heloísa Buarque (org.). Pós-Modernismo e Política. 2ª edição, Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
Mandosio, Jean-Marc. A Longevidade de uma Impostura: Michel Foucault. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.
Marcuse, Herbert. Contra-Revolução e Revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
Viana, Nildo. “Historiografia, Totalidade e Fragmentação”. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 17, n. 5, p. 865-879, 2007.
Viana, Nildo. “Modernidade e Pós-Modernidade”. Revista Enfrentamento. Ano 04, num. 06, Jan./Jun. de 2009b.
Viana, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.
Viana, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e Letras, 2009a.



* Professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG  - Universidade Federal de Goiás, e doutor em Sociologia pela UnB – Universidade de Brasília.
[1] Preferimos substituir o construto “pós-modernismo”, aplicado indistintamente tanto na esfera artística quanto na esfera acadêmica, por pós-estruturalismo, na esfera acadêmica, e pós-vanguardismo, na esfera artística. Sobre o pós-vanguardismo, mais especificamente, há uma breve discussão em O Capitalismo na Era da Acumulação Integral (Viana, 2009a).
[2] O marxismo autêntico – expresso por Marx, Korsch, Pannekoek, etc. – não pode ser considerado “modernismo”, a não ser no reino nebuloso da ideologia. No fundo, essa concepção é antimodernista, pois anticapitalista. Claro que a confusão é reforçada pelo pseudomarxismo, e não é difícil ver obras “marxistas” condenando o “pós-modernismo” para defender o “modernismo” e suas teses, o que significa, no fundo, defender algumas teses modernistas ao invés de outras, mas que são dominantes. Nesse sentido, no caso da oposição binária entre duas ideologias burguesas, os pseudomarxistas geralmente tomam partido de uma delas e afirmam que isso é “marxismo” e, assim, além de revelar seu vínculo com as ideologias burguesas e seu caráter de classe não-proletário, prestam o serviço de defender concepções burguesas como “determinismo”, “iluminismo”, “racionalismo” em contraposição aos seus pares burgueses opostos, “indeterminismo”, “romantismo”, “irracionalismo”.
[3] Esse foi o movimento mais radical e significativo, mas as lutas sociais em outros países, como Alemanha e Itália, também assumiram radicalidade e estavam no bojo da crise do regime de acumulação conjugado (intensivo-extensivo) desse período. Outras lutas em diversos países, com maior ou menor radicalidade, também foram derrotadas. Apesar das lutas ainda mantiverem certa radicalidade em alguns lugares, como na Itália, Portugal e a revolução dos cravos, até chegar no caso da Polônia em 1980, já não era um processo que atingia o capitalismo mundial.
[4] O processo de hipermercantilização da cultura que ocorre a partir do regime de acumulação integral também é uma das determinações do pós-estruturalismo: “o debate pós-moderno pode ser visto como um processo intelectual-discursivo que, num só movimento, multiplica opções críticas e as aprisiona em formas reconhecíveis e dissemináveis, ou, como diz Dana Polan, de maneira ainda mais sombria, ‘estrutura intensamente o discurso crítico como uma espécie de combinatoire mecanicista em que tudo é dado de antemão, em que não pode haver prática, mas a interminável recombinação de peças fixas da máquina gerativa. Visão um tanto distinta, mais próxima da ênfase proposta neste estudo, evidencia-se na descrição de John Rajchman do “mercado mundial de ideias” que a teoria pós-moderna institui e do qual participa: ‘é como o Toyota do pensamento: produzido e montado em vários lugares diferentes e vendido em toda parte” (Connor, 1992, p. 23-24).
[5] Em um dos melhores livros sobre a ideologia pós-estruturalista, é possível encontrar esse entendimento: “o pós-modernismo constitui um fenômeno tão híbrido, que qualquer afirmação sobre um aspecto dele quase com certeza não se aplicará a outro” (Eagleton, 1998, p. 8). Contudo, se não houver algo essencial como a tudo que é denominado como “pós-moderno”, ou melhor, pós-estruturalismo, então o plural deveria ser utilizado. Não é nossa essa posição, como mostraremos a seguir.
[6] Os chamados “códigos de leitura” seriam produtos das ciências humanas, onde cada ciência particular cria o seu próprio código para ler o real. O pós-estruturalismo conservador, no entanto, cria um código que produz uma ininteligibilidade do real, através das especulações metafísicas que beiram ao absurdo, apesar das diferenças internas em seus representantes (isso é mais aplicável a Baudrillard e Touraine, por exemplo).
[7] Essa mudança de aparência sem mudar a essência ou a existência é uma mera mudança discursiva que pensa que assim muda as relações sociais reais, concretas. Um exemplo disso é que – ao reconhecer a opressão feminina e seus vínculos linguísticos, o que já havia sido feito muito antes do pós-estruturalismo – alguns pensam que trocar a letra “o” pela arroba (@) abole tal opressão ou que significa sua superação parcial. Ledo engano, pois tanto faz isso, já que a gênese e essência do processo foram produtos de um longo processo histórico e vinculado a relações sociais concretas que a mera troca de nomes ou aspectos da linguagem não altera, pelo contrário, reforçam a opressão ao ilusoriamente parecer que elas foram superadas (total ou parcialmente), já que o idioma e seu sexismo, produto histórico social, não foram alterados. Obviamente que ninguém ainda propôs trocar o uso do sobrenome pelo nome, já que no primeiro não há identificação de sexo e reproduz uma manifestação da autoridade masculina derivada do processo da herança e transmissão da propriedade privada, aspecto fundamental do direito burguês. Obviamente que os marxistas se tornariam “karlistas” e os weberianos seriam doravante chamados de “maxistas”, e nada mudaria, a não ser que a relação real de herança e propriedade fosse superada (e junto com ela os “karlistas/marxistas”, “wladimiristas/leninistas”. “davidistas/durkheimianos”, “mikhailistas/bakuninistas”, “adolfistas/hitleristas”, “rosistas/luxemburguistas” e milhões de outros “istas”, já que a divisão de classes e suas divisões e subdivisões intelectuais deixariam de existir). Na verdade, são mudanças superficiais e artificiais que servem apenas para tornar a opressão mais confortável e menos visível, mas não menos real. Somente mudanças profundas e reais no conjunto das relações sociais permitiriam, por exemplo, uma mutação linguística que tornará possível uma transformação mais radical ao invés do paliativo da arroba.
[8] “... o pós-modernismo não é liberal nem conservador, mas libertário, embora estranhamente (...) de um libertarismo sem um sujeito para se libertar” (Eagleton, 1998, p. 117).
[9] O caso de Foucault é exemplar nesse sentido (Mandosio, 2011).
[10] A palavra homotopia existe em topologia, significando uma deformação de uma aplicação entre espaços topológicos. No sentido que aqui utilizamos é um neologismo, sendo que homotopia é não sair do mesmo lugar, uma concepção que nega a transformação social radical, a revolução social, a possibilidade de superação do capitalismo. Sem dúvida, nesse sentido, existem outras homotopias e todas elas são conservadoras e ideológicas, ou seja, são reprodutoras do existente e sistemas de pensamento ilusórios. O que distingue o pós-estruturalismo é sua dissimulação de superação do mundo moderno e da crítica da modernidade (confundido com o discurso da modernidade), isto é, se apresentar como um pensamento “pós-moderno” (ou afirmar a existência de uma sociedade pós-moderna), ou então defender que a realiza uma crítica da modernidade enquanto, na verdade, reproduz e defende essa mesma sociedade ou, ainda, pode até defender uma transformação social, que, no fundo, não transforma nada. O que difere o pós-estruturalismo de outras ideologias homotópicas é essa dissimulação, tentando convencer que é algo que não é. Isso é derivado de seu objetivo de produzir uma contrarrevolução cultural preventiva, a tarefa posta para as ideologias da classe dominante após a crise do regime de acumulação conjugado e após a emergência de um novo regime de acumulação que aumenta a exploração, a miséria e os conflitos sociais.

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