A TEORIA DA REVOLUÇÃO PROLETÁRIA EM OTTO
RÜHLE
Nildo
Viana*
Otto Rühle (1874-1943)
foi um dos principais representantes do chamado “comunismo de conselhos”. Suas
obras são relativamente pouco conhecidas. Dentro os chamados comunistas de
conselhos, Anton Pannekoek, Karl Korsch e Paul Mattick foram os que tiveram
maior número de obras publicadas e divulgação, embora ainda de forma precária e
hoje começam a ser retomados de acordo com as novas tendências das lutas
sociais que fazem os indivíduos buscarem nas antigas ideias respostas para as
necessidades presentes[1].
Um dos motivos disso se deve ao período de vida de Rühle, pois morreu em 1943,
enquanto que os demais morreram em torno dos anos 1960. Rühle publicou livros
sobre Marx, psicologia infantil, lutas operárias. O nosso objetivo aqui é
apenas apresentar sinteticamente sua teoria da revolução proletária, que é
distinta da revolução burguesa, segundo a análise que ele faz e que assume
grande importância para explicar suas concepções.
Otto Rühle, que
militou na social-democracia alemã até aproximadamente 1914 e passou a ser um
dos mais destacados militantes do Partido Comunista Alemão (KPD), ao lado de
Rosa Luxemburgo[2], e depois de mais esta
desilusão se torna um dos fundadores do Partido Comunista Operário da Alemanha
(KAPD), que “não é um partido político propriamente dito”, tal como diz seu
documento de fundação, escrito por Rühle. Em breve ele é expulso desse “partido”
após voltar da Rússia onde havia ido para um Congresso em que deveria articular
com a oposição ao bolchevismo e voltou antes desse começar, após uma conversa
com Lênin (1989), que lhe apresentou o livro O Esquerdismo, A Doença Infantil do Comunismo e leu alguns trechos.
Rühle voltou e escreveu um “Informe sobre
Moscou” (Rühle, 2004a) e, depois, “Moscou
e Nós” (Rühle, 2004b), onde descreve o sistema autoritário bolchevique e
seu centralismo rígido, culto à autoridade, etc.
A produção
teórica de Rühle é pode ser melhor compreendida no contexto social e histórico
na qual brotou. O início de sua produção se deu no interior da
social-democracia, como quase todos os militantes influenciados pelo que era
chamado “marxismo” na época. Esta era a época na qual as lutas operárias pela
redução da jornada de trabalho, a Comuna de Paris, entre outras formas de luta,
provocaram uma crise do capitalismo liberal fundado no regime de acumulação extensivo
que foi substituído pelo capitalismo oligopolista fundado no regime de
acumulação intensivo[3].
No capitalismo oligopolista, o imperialismo fundado na exportação de
capital-dinheiro, a expansão do taylorismo e a emergência do Estado
Liberal-Democrático abre uma nova fase da luta de classes. A burguesia, devido
ascensão das lutas operárias, cedeu a redução da jornada de trabalho (que
significa diminuição da extração de mais-valor absoluto), a legalização de
partidos e sindicatos, e em compensação buscou implantar o taylorismo e
aumentar a extração de mais-valor relativo, e a integração dos partidos na
democracia partidária (que substituiu a democracia censitária) promoveu sua
burocratização e corrupção (Michels, 1981), bem como processo semelhante com
sindicatos. Isso, junto com uma breve e relativa estabilidade do capitalismo,
promoveu a hegemonia da social-democracia reformista junto aos trabalhadores.
O marxismo se
transformou em ideologia, ou seja, em pseudomarxismo, tal como colocou Korsch
(1977). Porém, havia uma dissidência no interior da social-democracia,
representada por Rosa Luxemburgo e Liga Spartacus na Alemanha, onde outros
grupos dissidentes vão emergir, e por Pannekoek e Gorter, entre outros, na
Holanda, e em alguns outros países. Otto Rühle participava da social-democracia,
mas logo torna-se um dos principais articuladores da dissidência, através do
IKD, Comunistas Internacionalistas, considerado uma corrente do radicalismo
comunista alemão. Nesse contexto, há uma nova crise do capitalismo
oligopolista, que além da Primeira Guerra Mundial e de suas consequências,
tinha que enfrentar um movimento operário cada vez mais radical e que já havia
despontado na Rússia em 1905 e principalmente 1917, com a criação dos sovietes
(conselhos operários) que acabam se alastrando por outros países nos anos
seguintes, tal como Itália, Hungria e Alemanha. O regime russo logo se
burocratiza e ao invés do socialismo se implanta um capitalismo estatal, com
suas produções ideológicas (bolchevismo, stalinismo, etc.) influenciando a
esquerda europeia, com dissidências internas e externas.
É a partir
dessa época que a maior parte da obra de Rühle será produzida e que abordaremos
aqui. Rühle sempre ficou ao lado das alas mais à esquerda e por isso ao superar
sua participação no KPD (Partido Comunista Alemão), ajuda a construir o KAPD
(Partido Operário Comunista da Alemanha), como “partido não-partido”, uma organização
revolucionária não-burocrática e antiparlamentarista, até se desvincular dele
devido sua nova posição da necessidade de uma organização geral e unitária dos
trabalhadores.
Assim, a partir
da emergência dos conselhos operários no bojo da Revolução Alemã e do KAPD, e
as uniões operárias que aglutinavam os conselhos, e sua experiência na Rússia,
ele clareou sua concepção de revolução proletária e escreveu alguns textos de
crítica ao bolchevismo e aos partidos políticos em geral, bem como sobre o que
ele denominava “sistema de conselhos” e revolução proletária. Vamos apresentar
uma breve síntese de suas teses políticas a respeito da revolução burguesa e da
revolução proletária.
A Revolução Burguesa
Um dos temas
que Rühle mais trabalhou em seus escritos políticos foi a revolução burguesa.
Sem dúvida, a sua preocupação básica era diferenciar revolução burguesa e
revolução proletária, ao que dedicou alguns textos e isto principalmente depois
da consolidação do capitalismo de Estado russo.
Otto Rühle
descreve diversas revoluções burguesas e a emergência de uma nova sociedade, em
várias regiões. Dentre essas revoluções burguesas, “a mais espetacular de
todas”, “teve lugar na França. Não tem igual na sua força, no seu caráter de
classe e na sua importância histórica” (Rühle, 1975a, p. 60).
A Rússia
realizou uma revolução burguesa tardia. As revoluções burguesas colocam em
primeira linha a classe burguesa, classe mais ou menos consciente de sua missão
histórica. Porém, nas revoluções burguesas outras classes atuam, tal como o
campesinato e o proletariado.
A
circunstância do estrato proletário tomar também parte, maior ou menor, na luta
revolucionária não se considera para determinar a natureza histórica da
revolução. Mesmo quando o proletariado está já formado como classe e marcha na
revolução com os seus próprios objetivos políticos de classe – talvez de fato
influencie consideravelmente o seu desenvolvimento ou mesmo o controle – nada
se altera na natureza histórica da revolução. A mistura proletária fraca ou forte
numa revolução burguesa pode retardar ou acelerar, às vezes defletir ou
perturbar, a sua realização. Pode ocultar temporariamente ou deformar a sua
face; pode afetar ou ameaçar o seu êxito, mas não faz qualquer diferença quanto
à essência da revolução, ao seu conteúdo socioeconômico. Tanto no Estado
burguês como no exército, os trabalhadores formam o contingente mais forte,
fazem um grande grupo de classe – e, no entanto, ninguém se deixa tentar, nesse
caso, a chamar proletário o Estado burguês ou a falar de um exército
proletário. Mesmo o Exército Vermelho da Rússia Soviética, constituído só por
camponeses e operários, é uma máquina militar construída no modelo burguês e
funcionando de acordo com as leis políticas do Estado burguês, que só a
demagogia política, para iludir, pode descrever como exército “proletário”
(Rühle, 1975a, p. 68).
Os estratos
proletários nas revoluções burguesas sempre aparecem a reboque da burguesia. Às
vezes como mercenários ou simpatizantes, às vezes como retaguarda ou auxiliares.
Nas revoluções burguesas iniciais, o proletariado ainda não estava plenamente
desenvolvido como classe e por isso não podia assumir um papel revolucionário
de primeira grandeza. A sua emergência
de forma mais radical, nas primeiras revoluções burguesas, ocorreu na França. Outro
caso foi o da revolução russa. Nessa, no seu contexto social e histórico, não
se podia pensar da mesma forma que as demais revoluções. Ela “só podia ser uma
revolução burguesa”, pois “tinha que se ver livre do czarismo, suavizar o
caminho do capitalismo e ajudar a burguesia a instalar-se politicamente”
(Rühle, 1975a, p. 69).
Através
de uma rara cadeia de circunstâncias a burguesia encontrou-se sem posição para
desempenhar o seu papel histórico. O proletariado, subindo para o palco em seu
lugar, fez-se a si mesmo, num momento, o senhor da situação, por um dispêndio
de energias sem precedentes, ousadia e presteza tática e inteligência, mas no
período seguinte caiu numa situação fatal (Rühle, 1975a, p. 69).
Os bolcheviques
tomaram o poder estatal e realizaram uma política antissocialista. O seu
primeiro ato foi a paz de Brest-Litovsk, “foi um ato de política burguesa”,
pois foi um tratado assinado com um governo capitalista. Os bolcheviques
permitiram a distribuição de grandes propriedades territoriais aos camponeses.
“O socialismo, porém, não devia começar com a introdução, mas sim com a
eliminação da propriedade privada” (Rühle, 1975a, p. 70-71)[4].
A distribuição
de terras, a política industrial, o exército burocrático sob o comando de
Trotsky, o Galifet da Revolução bolchevique[5],
são todas ações típicas de um governo burguês. Também é impressionante a
ditadura dos lideres do Partido Comunista que é apresentada como ditadura do
proletariado. “A revolução russa foi e é uma revolução burguesa, nem mais nem
menos” (Rühle, 1975a, p. 74).
Rühle apresenta
as principais instituições burguesas contrarrevolucionárias. A primeira dessas
instituições é o Estado burguês, necessário para manter a dominação burguesa. A
classe capitalista ao arrancar o poder ao feudalismo constitui sua própria
organização estatal que passa a agir de acordo com suas necessidades,
interesses e desejos. Tal Estado é autoritário. A centralização da produção
capitalista atinge o Estado burguês: “todas as forças do governo se concentram
num ponto, aí recebem as suas ordens e a seguir recuam centrifugamente” (Rühle,
1975a, p. 77).
O parlamento é
outra instituição burguesa que existe para reproduzir a sociedade burguesa,
criando um espaço de aparente manifestação de diferentes interesses. O
parlamento precisa dos partidos e estes dele[6].
Todas as
organizações burguesas são basicamente organizações administrativas que
requerem uma burocracia para funcionar. Assim é o partido, dependente da
máquina administrativa servida por uma direção profissional paga. Os leaders são funcionários administrativos
e, como tal, pertencem a uma categoria burguesa. Os leaders, isto é, funcionários, são pequeno-burgueses, não
proletários (Rühle, 1975a, p. 88).
Nesse momento,
Rühle faz uma distinção entre líderes pagos, profissionais, de hábitos e modos
de pensar burgueses, e líderes que se destacam por suas qualidades
intelectuais, morais, etc. e por isso não se deveria confundir estes dois tipos
de intelectuais e atacar ambos indistintamente e a história mostrou, através
dos exemplos de Marx, Bakunin e Rosa Luxemburgo, que existem intelectuais
distintos dos burgueses. Rühle também questiona a ideia de “partido
revolucionário”, sendo que em outra oportunidade colocou que os partidos são
contrarrevolucionários:
A
revolução não é uma questão de partido. Os três partidos socialdemocratas têm a
loucura de considerar a revolução como a sua própria tarefa de partido e de
proclamar a vitória da revolução como o seu objetivo de partido. A revolução é
a tarefa política e econômica da totalidade da classe operária. Só o
proletariado como classe pode conduzir a revolução à vitória. Tudo mais é
superstição, demagogia, charlatanice política (Rühle, 1975b, p. 161)[7].
Rühle não poupa
os sindicatos: “o que foi dito acerca dos partidos, dos leaders partidários e das táticas partidárias aplica-se ainda
melhor aos sindicatos” (Rühle, 1975a, p. 93). A eliminação do capitalismo nunca
foi objetivo dos sindicatos e este sistema econômico sempre foi considerado
algo dado para eles. Se nos seus primeiros momentos os sindicatos tiveram um
papel importante na luta operária, isso não ocorre mais. Contratos, negociação,
acordos, são os elementos que existem na política sindical. Uma clique de funcionários
e leaders tomaram conta dos
sindicatos e os operários não participam mais de sua vida.
Os
sindicatos tornaram-se, portanto, com o decorrer do tempo, órgãos da
charlatanice social pequeno-burguesa, cujo valor para o operário se reduziu a
nada, uma vez que sob a pressão da desvalorização do dinheiro e da miséria
econômica, a solvência de todos os fundos de assistência foi anulada. Mas mais
ainda: em consistência lógica com a tendência para a comunidade de interesses
entre capital e trabalho, os sindicatos desenvolveram-se no sentido de órgãos
auxiliares dos interesses econômicos capitalistas-burgueses, e portanto da
exploração e da obtenção de lucros. Tornaram-se os mais leais escudeiros da
classe burguesa, as mais seguras tropas de proteção para a finança (Rühle, 1975a,
p. 98).
Rühle descreve
a ação contrarrevolucionária dos sindicatos na Revolução Alemã e sua oposição
aos conselhos operários e outras formas de auto-organização dos trabalhadores.
Eles foram transformados de “armas dos trabalhadores” em “armas contra os
trabalhadores”. Por isso qualquer pretensão de revolucionar os sindicatos é uma
ação ridícula e impossível[8].
Mudar o pessoal nada muda. Rühle encerra sua discussão sobre os sindicatos com
a seguinte conclusão: “tais instituições, geralmente perigosas e
contrarrevolucionárias, inimigas dos trabalhadores, só podem ser destruídas,
aniquiladas, exterminadas” (Rühle, 1975a, p. 99).
A Revolução Proletária
Rühle, em seus
escritos políticos, buscou efetivar uma luta constante contra a burocracia e as
influências burguesas. Daí o seu foco na revolução proletária como distinta da
revolução burguesa. O Estado e o parlamento não são instrumentos para a
transformação social, como querem os reformistas e nem partidos e sindicatos,
como querem alguns “ditos” revolucionários. Segundo Rühle,
“A
revolução proletária é, em extensão, conteúdo, tendências, táticas de luta e
objetivos, completamente diferente da revolução burguesa. É a revolução social
e encontra a sua conclusão com o estabelecimento de um socialismo sem chefes,
sem Estado e sem autoridade” (Rühle, 1975a, p. 56).
A concepção
tradicional (e não marxista) pensa a revolução através do partido, sindicatos,
conquista ou uso do Estado e parlamento. Isto tudo foi recusado por Rühle como
sendo estratégia burguesa, política burguesa. Da revolução burguesa à revolução
proletária há muita distância e diferença. Porém, quais são as formas da luta
proletária pela instituição da autogestão social, ou, como diz, Rühle, pelo
socialismo? Já que houve um afastamento do partido, sindicatos, parlamento, por
um setor considerável do proletariado durante a Revolução Alemã, então como se
dá a luta revolucionária do proletariado?
Ao
princípio paraiva no ar, não muito claramente, a solução positiva, que só
ganhou forma com o tempo, no decurso de muitas lutas e discussões. O sindicato
revolucionário dos operários americanos, IWW, surgiu como modelo, embora só
conhecido de poucos. A juntar a isto, precisamente no período revolucionário, a
ideia do sistema de conselhos, que desempenhara um grande papel na Rússia,
começava a ser avidamente discutida e situava-se no centro de todas sugestões
práticas e tentativas de socialização. As greves ‘selvagens’ que rebentaram por
toda a parte e eram desencadeadas contra a vontade dos sindicatos, deram lugar
à eleição de comitês de ação revolucionária, aos quais em breve se seguiram
conselhos operários revolucionários. Finalmente, o movimento cresceu, primeiro
na região do Ruhr entre os mineiros, no sentido da luta por organizações de
fábricas revolucionárias (BOs)[9]. Estas BOs, agrupadas
localmente e mais tarde unidas por áreas econômicas numa organização unitária
de conselhos, em breve se tornaram a ideia principal e o objetivo primário do
movimento que fluiu para a União como novo veículo organizacional da vontade de
luta dos trabalhadores revolucionários. Não decidida nas sedes oficiais dos leaders, não transmitida pela propaganda
aos operários como uma invenção sutil, mas nascida como uma criação elementar
do solo das lutas mais vigorosas e sérias, em breve tornou independente como
objeto dos mais acesos conflitos de opinião e debates, no centro do movimento
revolucionário (Rühle, 1975a, p. 108).
O movimento das
uniões operárias é um movimento econômico, pois somente na fábrica o operário é
um proletário. Fora da fábrica, seu modo de pensar e sentir é burguês, é
dominado pela ideologia pequeno-burguesa, é educado pela escola burguesa, no
casamento reproduz a vida burguesa na relação com a mulher e os filhos, a família
se torna uma mônada egoísta. Na fábrica é outra pessoa, deve se defrontar com o
capitalista, face a face. E é da fábrica que brota os conselhos de fábrica ou
BOs. Elas são federativas e sem centralismo, seus membros são autônomos e
independentes. Elas controlam a si mesmas. Não é partido nem sindicato, não faz
contratos nem é uma instituição. Partidos e sindicatos se organizam através do
centralismo, da burocracia. As organizações de fábrica possuem outra lógica. A
sua organização se dá pela auto-organização e decisão coletiva, bem como pela
escolha de delegados para efetivar as decisões tomadas. Os delegados se reúnem
com os delegados de outras organizações de fábricas para manifestar as decisões
da sua própria organização. As organizações de fábrica se reúnem numa
organização maior e mais forte, que é a União Operária. Esta une as
organizações regionais de fábrica e é centralista e federalista. “Aí reside a
grande superioridade da União Operária sobre todas as outras organizações. É
mais completa do que qualquer associação meramente federalista ou meramente
centralista”, pois cria uma síntese entre federalismo e centralismo, “é ambas
sem as desvantagens de nenhuma delas” (Rühle, 1975a, p. 113).
Otto Rühle
apresenta os princípios da primeira União Operária que surgiu em 1921 na Saxônia:
1. A AAU é a organização política e econômica
integrada do proletariado revolucionário.
2. A AAU luta pelo comunismo, pela socialização da
produção, das matérias-primas, meios e energia e dos bens necessários
produzidos com elas. A AAU pretende estabelecer a produção e distribuição
planificadas em lugar dos atuais métodos capitalistas.
3. O objetivo último da AAU é a sociedade sem
dominação: a via para este alvo é a ditadura do proletariado como classe. A
ditadura do proletariado é o exercício exclusivo da vontade dos trabalhadores
para o estabelecimento político-econômico da sociedade comunista por meio da
organização dos conselhos.
4. As tarefas imediatas da AAU são: a) esmagar os
sindicatos e os partidos políticos, esses obstáculos principais à unificação da
classe proletária e ao avanço da revolução social, que não pode ser assunto
para partidos nem sindicatos. b) O agrupamento do proletariado revolucionário
nas fábricas, o embrião da produção, a base da sociedade futura. A forma desse
agrupamento é a organização de fábrica (BO). c) O desenvolvimento da
autoconsciência operária e no sentido de solidariedade. d) Preparar todas as
medidas necessárias à construção política e econômica.
5. A AAU rejeita todo o reformismo, métodos
oportunistas de luta; volta as costas a toda a participação parlamentarista e
aos conselhos operários legalizados, pois estes representam uma sabotagem à
ideia dos conselhos.
6. A AAU renuncia fundamentalmente ao dirigismo
profissional. Os chamados leaders só
podem ser considerados traidores.
7. Todas as funções da AAU são honorárias.
8. A AAU
vê a luta da libertação do proletariado não como uma questão nacional, mas
internacional. Portanto, a AAU trabalha pela reunião do proletariado
revolucionário do mundo numa “Internacional Conselhista” (Rühle, 1975a, p. 115).
A ideia que
perpassa a União Operária é que a transformação radical do capitalismo em
comunismo se dá via expropriação dos meios de produção, que só pode completar
através da ditadura do proletariado, ou seja, do conjunto da classe. “O
instrumento da transformação é o sistema de conselhos revolucionários”, este,
organizado na União, antecipa os traços da futura sociedade fundada nestas
formas de auto-organização. Eles trazem a necessidades de novas táticas e
ações. Fazem a ponte entre a luta revolucionária e a sociedade comunista do
futuro.
Assim, Rühle
recorda Marx e a Comuna de Paris como precursores da ideia do sistema de
conselhos. A Comuna foi a primeira manifestação histórica de quebra do poder
estatal. Da mesma forma, Marx anunciava, em sua análise da Comuna e outros
textos, a necessidade de abolição do poder estatal. Estas seriam fontes para se
pensar a futura sociedade comunista.
Segundo Rühle:
O sistema
dos conselhos é a organização do proletariado correspondente à natureza da luta
de classes, como da futura sociedade comunista. Se Marx disse que a classe
operária não podia simplesmente tomar a máquina governamental do Estado
capitalista mas tem que encontrar a sua própria forma para realizar a tarefa
revolucionária, este problema resolve-se na organização dos conselhos (Rühle,
1975a, p. 121).
Assim, Otto
Rühle realiza uma análise da revolução burguesa e sua diferença em relação à
revolução proletária para mostrar a essência desta última e, por conseguinte,
que os métodos e práticas devem ser radicalmente diferentes dos realizados
pelas revoluções burguesas, incluindo a revolução bolchevique. O bolchevismo teria
até mesmo um parentesco com o fascismo, tal como Rühle coloca em seu texto A Luta contra o Fascismo começa com a Luta
Contra o Bolchevismo. Esse parentesco viria de várias posições semelhantes
(nacionalismo, autoritarismo, regime ditatorial, etc.).
A tese da
organização unitária defendida por Rühle não foi unânime no interior da
esquerda revolucionária alemã e no comunismo de conselhos. Hermann Gorter
defendia a necessidade de uma organização política revolucionária para reforçar
a luta das uniões operárias e outras tarefas que elas não poderiam, num
primeiro momento, executar (Lefeuvre, 2008; Mattick, 1976). As organizações de
fábrica, nessa abordagem, deveriam conviver com uma organização revolucionária,
enquanto que, para Rühle, esta era dispensável. E assim, uma das Uniões
Operárias ficou como organização unitária, sem vínculo com o KAPD e a outra manteve
vínculos com ele, expressando as duas posições.
Considerações Finais
Depois dessa
síntese do pensamento de Otto Rühle sobre a revolução proletária[10]
podemos fazer algumas observações críticas. A sua análise das organizações
burguesas e burocráticas é correta e a eclosão do movimento revolucionário do
proletariado facilitou essa percepção, o que foi reforçado pela
contrarrevolução burocrática na Rússia. Da mesma forma, sua análise das formas
de auto-organização do proletariado (organizações de fábrica, conselhos
operários, uniões operárias) é fundamental para se pensar as formas de autoemancipação
do proletariado. A sua crítica ao bolchevismo e aos partidos (em geral,
inclusive os de esquerda), também são fundamentais.
Contudo, alguns
pontos do pensamento de Rühle são problemáticos e por isso ele foi acusado de
“economicismo” ao focalizar apenas as lutas nas unidades de produção. O
trabalhador estaria dominado pelo espírito burguês fora das fábricas e lá,
devido ao conflito de classe direto, assumiria posições mais avançadas. Essa é
uma possibilidade, embora seja uma tendência, existem contratendências que são
outras determinações que podem ser obstáculos para a concretização disso. A
luta de classes se revela mais complexa e por isso outros comunistas de
conselhos se atentaram para a questão da consciência, tal como Korsch e
Pannekoek, e outro para a questão da organização revolucionária no sentido de
apoiar a luta proletária, como Gorter.
Obviamente que,
no bojo de uma ascensão revolucionária do proletariado, então a ênfase de Rühle
é compreensível, mas, mesmo assim, a análise da totalidade da luta de classes é
fundamental, inclusive para que o processo de derrota da revolução proletária
não ocorra é preciso lutar em várias frentes simultaneamente[11].
Nesse sentido, a obra de Rühle é fundamental, mas é preciso ser percebida
criticamente, no sentido do marxismo não-dogmático proposto por Karl Korsch (Korsch,
1977; Viana, 2012a). A teoria da revolução proletária de Otto Rühle é um bom
ponto de partida que, incluindo os elementos ausentes de sua análise, fornecem
mais uma contribuição para se pensar as lutas sociais contemporâneas e o
processo de luta pela transformação radical da sociedade capitalista. Para
isso, também se faz necessário entender as contradições atuais do capitalismo –
e seria um retorno do dogmatismo querer retomar o comunismo de conselhos em sua
pureza original e desconsiderar as mudanças históricas e sociais e seus efeitos
nas lutas de classes na contemporaneidade. Tal como coloca Paul Mattick:
As mais
poderosas coações sobre os homens são verdadeiramente irrisórias se comparadas
com as formidáveis contradições que dilaceram o mundo de hoje. Otto Rühle tinha
razão ao indicar que as atividades que fariam descer o prato da balança social
a favor do socialismo não seriam descobertas por meio de métodos ligados às
atividades anteriores nem às organizações sociais tradicionais. Deviam ser
descobertas no seio das relações sociais em transformação, que são ainda
determinadas pela contradição entre as relações capitalistas de produção e a
direção do movimento das forças produtivas da sociedade. Descobrir estas
relações, isto é reconhecer a revolução a partir das realidades de hoje será a
tarefa dos que continuarem a avançar segundo o espírito de Otto Rühle (Mattick,
1976, p. 138).
Essa é uma
síntese que avança. Porém, hoje é preciso ir além dela também. As formas de
repressão e coerção são enormes e mudaram, precisam ser compreendidas e
atacadas. Porém, as formas de pseudestesia de alegria ou as ilusões consumistas
ou conformistas, o ataque às utopias, o microrreformismo e processos de
cooptação de amplos setores sociais, também devem ser consideradas, no contexto
de uma análise totalizante do capitalismo contemporâneo, que vive sob a
dinâmica da acumulação integral (Viana, 2009). Assim, a contribuição de Rühle é
reforçada por outras contribuições e por sua concretização na historicidade do
capitalismo contemporâneo, aumentando seu poder explicativo e potencial
revolucionário.
Referencias Bibliográficas
Korsch, Karl. El Joven Marx como Filósofo Activista.
In: SUBIRATS, Eduardo e outros. Karl
Korsch o el Nacimiento de uma Nueva Época. Barcelona, Anagrama, 1973.
Korsch, Karl. Marxismo e Filosofia.
Porto, Afrontamento, 1977.
Lefeuvre, René. Mas Allá del Partido. Evolucion del Concepto
de “Partido” desde Marx. Madrid, Spartacus, 2008.
Lênin, W. Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo.
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Paul. et al. Comunistas de
Conselhos. Coimbra, Centelha, 1976.
Michels, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos.
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Rühle, Otto. A Luta Contra o Fascismo Começa pela Luta
contra o Bolchevismo. In: Korsch,
Karl et. al. A Contra-Revolução
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Rühle, Otto. Da Revolução Burguesa à Revolução Proletária.
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Viana, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. Rio de
Janeiro, Achiamé, 2003,
Viana, Nildo. Karl Korsch e a Concepção Materialista da
História. Florianópolis, Bookess, 2012a.
Viana, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral.
São Paulo, Ideias e Letras, 2009.
Viana, Nildo. Rosa Luxemburgo e a Autogestão Social.
Florianópolis, Bookess, 2012b.
Insurrecional
* Professor da Faculdade de Ciências Sociais/UFG;
Doutor em Sociologia/UnB.
[1] Isso não tem nada de
problemático desde que não seja feito de forma dogmática. Assim, o marxismo tem que ser antidogmático, como já
colocava Korsch (1977; Viana, 2012a).
[2] Rosa Luxemburgo estava na
direção do partido com seu grupo Liga Spartacus, mas Otto Rühle e seu grupo era
quem detinha a hegemonia no partido, mas, apesar de certa vez tê-la acusado de
“oportunista”, não queria a direção e dizia confiar nela e sua ação política, independentemente
das divergências. Rosa Luxemburgo tinha algumas dificuldades em romper com
certos aspectos da social-democracia, devido formação intelectual, vínculos
afetivos, etc., mas foi avançando e superando alguns aspectos, sem chegar a
radicalidade de Rühle e dos comunistas de conselhos em geral, graças à sua
morte prematura (Viana, 2012b).
[3] Para uma definição de
regime de acumulação e caracterização destas fases, consulte-se Viana, 2009;
Viana, 2003.
[4] Além disso, coloca Rühle
em outro texto, “a abolição da propriedade privada não garante por si só o
socialismo. A propriedade privada pode ser abolida no quadro do capitalismo. O
que determina de fato uma sociedade socialista é, além da abolição da
propriedade privada dos meios de produção, a gestão pelos operários dos
produtos do seu trabalho e o fim do salariato” (Rühle, 1978, p. 264).
[5] Rühle compara Trotsky e o
massacre de Kronstadt com Galifet, considerado o “carniceiro da Comuna”, devido
o massacre dos comunardos sob suas ordens.
[6] “Um partido precisa do
parlamentarismo, tal com o parlamento precisa dos partidos. Conservar o partido
significa conservar o parlamento e com ele conservar o poder burguês” (Rühle,
1975a, p. 86).
[7] Aqui o pensamento de Rühle
retoma, sem ter a pretensão disso, a tese básica de Marx da autoemancipação
proletária.
[8] “Seguindo os conselhos de
Lênin, os comunistas tentaram todos os métodos possíveis para reformar os
sindicatos. O resultado foi nulo. Nula igualmente a sua tentativa para
constituir os seus próprios sindicatos. A concorrência sindical entre
socialdemocratas e bolcheviques era uma concorrência na corrupção” (Rühle,
1978, p. 274);
[9] BO = Betrieb Organization,
organização de fábrica, conselho de fábrica.
[10] Que remete, em sua
concepção, a uma comparação com a revolução burguesa, no sentido de mostrar as
diferenças entre ambas e o movimento revolucionário do proletariado abandonar
as armas de luta da burguesia: Estado, parlamento, partidos, sindicatos.
[11] Tal como coloca Korsch, a luta revolucionária deve
ser “desenvolvida em todos os setores da
realidade social contra a totalidade
da realidade social atual” (Korsch, 1973, p. 132).
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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. A Teoria da Revolução Proletária em Otto Rühle. Enfrentamento. Goiânia: ano 7, n. 11, jan./jul. 2012.