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sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A ESSÊNCIA CONTRARREVOLUCIONÁRIA DO PÓS-ESTRUTURALISMO


A ESSÊNCIA CONTRARREVOLUCIONÁRIA DO PÓS-ESTRUTURALISMO


Nildo Viana*


Resumo: o pós-estruturalismo é formado por um conjunto de ideologias distintas e isso gera uma grande dificuldade em defini-lo. Mas é possível encontrar semelhanças no interior das diferenças, o universal no meio do diverso. A sua essência é derivada do seu papel histórico: realizar uma contrarrevolução cultural preventiva numa época de mutação no capitalismo, marcado pela crise de um regime de acumulação e substituição por outro que aumenta o processo de exploração, miséria, repressão e conflitos. Essa essência revela uma ideologia homotópica dissimulada por uma autoimagem ideológica, cujo procedimento fundamental é produzir concepções contrarrevolucionárias com uma roupagem aparentemente progressista, crítica, revolucionária, “pós-moderna”. Elas, supostamente, superariam o modernismo e criariam uma alternativa ao marxismo e à teoria da revolução social, através da recusa da totalidade, da teoria, entre outras formas, e assim formam várias tendências, tais como o pós-estruturalismo conservador, crítico e eclético.
Palavras-chave: homotopia, ideologia, contrarrevolução cultural, pós-estruturalismo.

As análises do pós-estruturalismo são ideológicas (a começar pelo nome “pós-modernismo” pelo qual é hegemonicamente denominado), já que invertem a realidade, caindo num descritivismo que nada acrescenta e se ilude com a aparência do fenômeno ou tomando o discurso pós-estruturalista como verdadeiro ou, ainda, fazendo uma crítica superficial sem analisar tal fenômeno ideológico em sua totalidade e suas determinações. Logo, é necessário compreender a gênese e o significado do pós-estruturalismo e para isso é imprescindível analisar sua essência.
A essência do pós-estruturalismo é que ele é um projeto intelectual contrarrevolucionário, inclusive em suas tendências “críticas”. Ele surge num determinado momento histórico e não pode ser visto de forma a-histórica, através de aspectos isolados e sem inserção num determinado contexto histórico-social. Ele surge como resposta do capitalismo às lutas sociais do final dos anos 1960 e se caracteriza por buscar ser uma alternativa para o marxismo revolucionário (Viana, 2009a), consolidando-se com a instauração do regime de acumulação integral. Desta forma, além de analisar o seu amplo mosaico de ideologias distintas (Baudrillard, Foucault, Negri, Lyotard, Deleuze, Guattari, etc.) é necessário abordar o que é essencial e comum a todas essas manifestações ideológicas e mostrar seu caráter não apenas falso, mas também seus vínculos sociais e políticos, seu caráter politicamente conservador e intelectualmente retrógado.
No presente texto, pretendemos tão-somente resumir o processo de origem histórica do pós-estruturalismo e, depois disso, desenvolver uma análise mais profunda da essência do pós-estruturalismo. Já abordamos a origem histórica do pós-estruturalismo (Viana, 2009a; Viana, 2010) e por isso seremos breves nesse aspecto. O pós-estruturalismo começa a emergir a partir de 1969 e vai se constituindo nos anos 1970 e ganha notabilidade a partir dos anos 1980, tornando-se, paulatinamente, ideologia dominante nos meios acadêmicos e, posteriormente, exercendo influência nos meios políticos. Sem dúvida, alguns encontram “pós-modernismo” em períodos anteriores (Anderson, 1999; Huyssen, 1992), quando surge a palavra “pós-moderno” ou então devido a semelhanças entre algum elemento de alguma ideologia pós-estruturalista ou pós-vanguardista[1] com alguma produção intelectual ou artística do passado remoto (tal como Nietzsche, Simmel, etc.). Contudo, além de não ser um procedimento embasado no materialismo histórico, por partir de discursos e tomá-los como verdades, também é metodologicamente não-dialético, pois ao invés de analisar a totalidade do fenômeno, se limita a observar semelhanças secundárias ou meramente formais e daí encontrar “pós-modernismo” onde ele não existia e nem poderia existir.
A expressão “pós-moderno” é um equívoco por considerar que o moderno – o capitalismo – tenha sido substituído por algo inexistente e que nem nome tem (Viana, 2009a), além de apresentar algo que é moderno (o irracionalismo, por exemplo) como sendo seu substituto. Isso é possível pela concepção de moderno dos ideólogos pós-estruturalistas, que o considera algo homogêneo e o identifica com o racionalismo, por exemplo, enquanto que Nietzsche e todos os irracionalistas são tão modernos quanto Descartes, Hegel, Kant, Durkheim, Saussure, Lévi-Strauss, entre outros. Esse é um truque ideológico do pós-estruturalismo: criar uma imagem falsa e homogênea do modernismo, que é complementado pelo truque de transformar o suposto “pós-modernismo” em algo também falso, homogêneo e, principalmente, substituto vitorioso e definitivo do seu adversário. As diversas concepções do dito “modernismo” continuam existindo e atuando (com maior ou menor força em determinados setores do saber, o que não altera muito o quadro), desde o positivismo clássico até o pseudomarxismo em suas diversas variantes (o leninismo e derivados, entre outras formas)[2].
O pós-estruturalismo tem que ser entendido como uma totalidade. Contudo, é uma totalidade de manifestações ideológicas, com alguns elementos em comum e outros distintos. Por isso é difícil entender o que é mais exatamente o pós-estruturalismo e isso justificaria, até certo ponto, as indefinições do mesmo. Contudo, no meio das diferenças é possível encontrar o que é essencial no pós-estruturalismo. E isso é inseparável de seu processo de engendramento histórico. Ele surge a partir das derrotas das lutas operárias e estudantis do final dos anos 1960, especialmente o maio de 1968 em Paris[3]. A classe dominante (e seus aparatos estatais, entre outros) inicia uma contrarrevolução preventiva (Marcuse, 1971) desde esse ano e percorre os anos 1970, tentando manter o capitalismo ainda sob hegemonia do regime de acumulação conjugado (intensivo-extensivo). Essa solução para a crise do regime de acumulação sem mudar de regime se manifesta insuficiente e já esboça elementos do regime de acumulação que lhe sucede, o regime de acumulação integral (Viana, 2009a; Viana, 2003). Por isso, nos anos 1980 começa a ser constituído um novo regime de acumulação, através, inicialmente, do neoliberalismo e da chamada “reestruturação produtiva” e, posteriormente, do neoimperialismo (Viana, 2009a; Viana, 2003).
Assim, é nesse contexto de crise de regime de acumulação conjugado, manifesto no declínio da taxa de lucro médio (Harvey, 1992; Viana, 2009a) e pela ascensão das lutas sociais no final dos anos 1960 e do seu desdobramento, ou seja, as derrotas do movimento operário e do movimento estudantil (Viana, 2003; Viana, 2009a), é que há uma ofensiva burguesa no sentido de restaurar a estabilidade do capitalismo. No plano social geral, a Comissão Trilateral foi a grande estratégia, tentando, no interior do regime de acumulação conjugado, resolver o problema da crise. No plano ideológico, isso é realizado através da emergência do pós-estruturalismo (e no plano da arte, do pós-vanguardismo, do qual não trataremos). Na esfera acadêmica, novas ideologias começam a ser gestadas desde a derrota do Maio de 1968, principalmente na França e, logo após, nos Estados Unidos e demais países europeus. Em 1969 surge, no plano da historiografia, a terceira geração da Escola dos Anales (Viana, 2007), o conjunto de ideólogos estruturalistas começa a adotar novas ideologias em contraposição ao estruturalismo que haviam defendido quando era moda[4] (Foucault, Baudrillard, Derrida, etc.), assim como outros e com o passar do tempo, nos anos 1980, há uma adesão ainda maior de uma diversidade de origens intelectuais (incluindo ex-autonomistas, anarquistas, pseudomarxistas, etc.). O nome pós-estruturalista se justifica por vir depois do modismo estruturalista e substituí-lo como ideologia dominante e, ao mesmo tempo, não ser um todo homogêneo.
Isso nos leva a discutir a essência do pós-estruturalismo. Ao fazer parte da contrarrevolução burguesa, ele se caracteriza por ser uma contrarrevolução intelectual preventiva. Na verdade, os movimentos radicais dos anos 1960 (juntamente com os reformistas) foram derrotados, mas ainda existiam indivíduos, ideias, grupos, que mantinham a mesma posição. Da mesma forma, as condições de reprodução do capitalismo não eram estáveis. Logo, era fundamental combater uma das determinações do processo de radicalização das lutas nos anos 1960: a cultura contestadora da época (em suas diversas formas). Assim, tanto as tendências relativamente críticas oriundas da Escola de Frankfurt, quanto as concepções expressas em agrupamentos políticos e obras teóricas, tal como Socialismo ou Barbárie, mas de forma mais radical e profunda na Internacional Situacionista, até intelectuais isolados que realizam críticas à sociedade burguesa da época (Sartre, Lefebvre, Guérin, Gorz, etc.), havia um amplo espectro intelectual contestador (em alguns casos revolucionário) que fazia parte de uma ampla cultura contestadora (a contracultura sendo uma de suas manifestações). A contrarrevolução cultural preventiva visava superar essa cultura contestadora, integrando temas e aspectos da cultura contestadora anterior (Viana, 2009a; Viana, 2009b10), e criando um processo de despolitização, visando assim retirar sua radicalidade. Essa despolitização foi realizada, principalmente, através da recusa da totalidade (presente nas discussões dos situacionistas, Lefebvre, Sartre, etc.), isolando fenômenos, lutas, etc.
Nesse contexto, emerge um conjunto de ideologias, a que chamamos pós-estruturalismo. A dificuldade em definir o pós-estruturalismo reside, por um lado, na sua não uniformidade[5] e, por outro, em sua autoimagem ideológica. A sua autoimagem ideológica já foi refutada (Viana, 2009a), resta então entender a possibilidade de definição de um conjunto de ideologias que possuem diferenças, mas que cumprem o mesmo papel contrarrevolucionário, pois é aí que podemos entender sua essência e, portanto, sua definição.
A essência do pós-estruturalismo é a contrarrevolução intelectual. Essa contrarrevolução se fundamenta na autoimagem ideológica de ruptura com o modernismo, o que realiza, em parte (com algumas tendências modernistas, tal como o estruturalismo, mas ao mesmo tempo retoma elementos das abordagens aparentemente superadas), mas, principalmente, com uma oposição frontal à cultura contestadora que esteve presente no processo das lutas sociais da época, especialmente o marxismo. A ideia de abandono das metanarrativas (em termos mais exatos, da categoria dialética da totalidade), defendida por Lyotard e repetida dezena de vezes por outros ideólogos pós-estruturalistas, tal como a condenação da teoria (Foucault, 1989; Castoriadis, 1987) não são apenas questões metodológicas ou racionais, são questões políticas.
A recusa da totalidade é a porta de entrada para a despolitização das questões sociais e do cotidiano. A recusa da teoria (ou da razão em geral) é outro elemento dessa despolitização. A despolitização metodológica e intelectual – na qual o pesquisador, pensador, cientista, filósofo, etc., deve abandonar a análise totalizante, é complementada pela despolitização teórica ao pregar o abandono da teoria (por ser totalizante, como diria Foucault), que interpretaria esta totalidade na realidade concreta. Contudo, embora haja uma recusa da totalidade em geral, em algumas manifestações específicas o que ocorre é recusa da totalidade numa perspectiva dialética, ou seja, da totalidade concreta (apresentando ou não uma concepção totalizante, mesmo que metafísica). Essa concepção de totalidade, ao contrário das concepções metafísicas e racionalistas (com a qual é muitas vezes confundida, seja por má fé ou por ignorância) remete ao concreto e sua determinação fundamental, bem como suas múltiplas determinações.
Isso, por sua vez, gera a recusa da revolução proletária e da transformação do modo de produção capitalista, pois ou o capitalismo já foi superado pela sociedade pós-moderna ou não é necessário nenhuma transformação radical da sociedade (pós-estruturalismo conservador) ou a transformação é proporcionada por múltiplos “sujeitos”, pulverizando as lutas e ao mesmo tempo retirando sua articulação com o movimento operário (pós-estruturalismo crítico), gerando um microrreformismo e “políticas de identidade”. Por outro lado, alguns buscam unir a concepção pós-estruturalista e o marxismo (como é o caso de Toni Negri e seu uso ideológico do pensamento de Marx ao lado de Foucault, Daniel Bell e outros ideólogos, bem como elogio do trabalho imaterial em substituição ao trabalho material, que seria do proletariado), criando um pós-estruturalismo eclético.
A recusa da totalidade concreta significa recusa da revolução social, transformação social total. Significa, também, recusa de todos os projetos revolucionários (marxismo e anarquismo revolucionários). Desta forma, o pós-estruturalismo é uma ideologia contrarrevolucionária, substituindo o projeto revolucionário por uma alternativa não-revolucionária, seja pela apologia da sociedade atual, por uma tese evolucionista, por um programa reformista (principalmente microrreformista) ou por considerar desnecessária qualquer transformação social. No sentido de sustentar tal posicionamento, apela para a negação da totalidade, da razão, da teoria, do proletariado como sujeito revolucionário, etc. e afirmação do irracionalismo, relativismo, romantismo, culturalismo, etc.
Assim, trata-se de um amplo espectro de ideologias que tem no seu caráter contrarrevolucionário sua unidade essencial e que assume variações, criando tendências distintas no seu interior, tais como o pós-estruturalismo conservador, o pós-estruturalismo crítico e pós-estruturalismo eclético (Viana, 2009a). O pós-estruturalismo conservador de Richard Rorty, Jean Baudrillard, Alain Touraine, expressa uma vertente que recusa qualquer compromisso com a crítica da realidade contemporânea e serve apenas para eternos discursos acadêmicos vazios de significado e recheados de “códigos de não-leitura do real”[6], se tornaram decalque do capital. O pós-estruturalismo crítico de Foucault, Deleuze, Guattari, entre outros, por sua vez, apresenta uma crítica da sociedade contemporânea que se revela uma pseudocrítica, pelo menos no sentido dialético da palavra, pois não há rupturas e nem transformação radical, superação, o novo fica ausente e assim temos o “eterno retorno do mesmo”. O seu papel é mais nefasto, pois seu caráter aparentemente crítico – e realmente faz críticas localizadas – apontam para a fragmentação das lutas e recusa da constituição de uma nova cultura contestadora e totalizante que permitiria uma articulação das lutas e avanço no sentido da transformação social. Daí sua maior influência em certos setores da sociedade e nos movimentos sociais, em tendências distintas, apontando para um microrreformismo, lutas localizadas, políticas de identidade, uma reprodução do mundo atual mudando a aparência[7] ou pequenos detalhes ou, ainda, com pequenas reformas que beneficiam setores privilegiados de grupos oprimidos que assim são cooptados e fazem o discurso pós-estruturalista e microrreformista. O pós-estruturalismo eclético de Negri, Castoriadis, e diversos outros, realiza um processo de mesclar teses e concepções pós-estruturalistas com concepções revolucionárias, como o marxismo e o anarquismo revolucionários, retirando-lhe o caráter revolucionário. Essa forma de pós-estruturalismo funciona como a água quando atinge o fogo. O resultado disso é o mesmo do microrreformismo ou outra forma de reformismo, ou então, a formação de uma concepção pseudorrevolucionária que troca a análise da realidade concreta por abstrações metafísicas. Nesse caso, temos uma proposta de transformação social que não apresenta nada de concreto (nem tendências, nem agentes – seja o proletariado ou qualquer outro – nem forças sociais ou políticas, nem projetos, etc.), e que portanto não gera ou provoca nenhuma prática ou ação, sendo, pois, mero mecanismo discursivo desmobilizador e aparentemente revolucionário. Eis o caso de Castoriadis:
Enquanto instituinte e enquanto instituída, a sociedade é intrinsecamente história – ou seja, autoalteração. A sociedade instituída não se opõe à sociedade instituinte como um produto morto a uma atividade que o originou; ela representa a fixidez/estabilidade relativa e transitória das formas-figuras instituídas em e pelas quais somente o imaginário radical pode ser e se fazer ser como social-histórico. A autoalteração perpétua da sociedade é seu próprio ser, que se manifesta pela colocação formas-figuras relativamente fixas e estáveis e pela explosão dessas formas-figuras que só pode ser sempre posição-criação de outras formas-figuras. Cada sociedade faz ser também seu próprio modo de autoalteração, que podemos também denominar sua temporalidade – isto é, se faz ser também como modo de ser. A história é gênese ontológica não como produção de diferentes instâncias da essência sociedade, mas como criação em e por cada sociedade, de um outro tipo (forma-figura – aspecto-sentido: eidos) do ser-sociedade, que é ao mesmo tempo criação de tipos novos de entidades social-históricas (objetos, indivíduos, ideias, instituições, etc.) em todos os níveis e em níveis que são eles-próprios estabelecidos-criados pela sociedade e por tal sociedade” (Castoriadis, 1986, p. 416).
Desta forma, o abandono do sujeito revolucionário[8] significa o abandono da revolução, que se torna, nesse caso, um processo sem sujeito, puramente “imaginário”, para usar um trocadilho. O revolucionarismo aparente presente nos pós-estruturalismo eclético, bem como em sua versão crítica, é apenas uma forma de canalizar o descontentamento de setores intelectualizados (que possuem influência social, além da sua própria ação que é afetada por tais ideologias) e de outros setores da população, substituindo uma práxis revolucionária por um não-agir, ou por um reboquismo ou microrreformismo que, nas relações sociais concretas, reforçam tais relações ao invés de miná-las. O pós-estruturalismo conservador faz isso de bom grado e é relativamente fácil perceber isso. O que resta saber é que as metamorfoses do pós-estruturalismo e seus vínculos com o poder e com o capitalismo, desde os interesses pessoais envolvidos nos meios acadêmicos, mercado editorial e instituições (governos, universidades, etc.)[9] até a sobrevivência ideológica e os valores dominantes, se entrelaçam e reforçam reciprocamente, criando uma teia que envolve qualquer tentativa de sair do mundo concentracionário do capitalismo a partir de uma concepção realmente revolucionária.
Em síntese, a essência do pós-estruturalismo – que perpassa todas as suas tendências – é ser uma alternativa intelectual contrarrevolucionária que busca superar ou integrar a teoria da revolução social expressa pelo marxismo através da dissimulação expressa em sua autoimagem ideológica. A sua grande ambição é justamente superar ou integrar o marxismo, seja criticando-o seja englobando-o num discurso ideológico que lhe faz perder a radicalidade revolucionária. Por isso é “pós” e o “estruturalismo” é apenas uma delimitação temporal por ter sido a ideologia substituta da anterior, cujo alvo fundamental é outro. A ideologia acadêmica dominante que vem após o estruturalismo (e não por ter nascido para combater esta, apenas a substitui, o seu combate verdadeiro e fundamental é com o marxismo autêntico, que confunde com o pseudomarxismo). Em outras palavras, o pós-estruturalismo é essencialmente uma ideologia homotópica[10] dissimuladamente superadora do que é moderno (seja do pensamento moderno ou da sociedade moderna, ou ambos) e principalmente da crítica da modernidade, criando uma autoimagem ideológica, cuja tarefa é realizar uma contrarrevolução cultural preventiva. Isso é comum ao conjunto de ideologias pós-estruturalistas que usam os mais variados artifícios ideológicos para efetivar sua dissimulação e projeto contrarrevolucionário, com destaque para a recusa da totalidade, a crítica da razão e da teoria, etc.
O pós-estruturalismo, enquanto manifestação ideológica do capitalismo durante o regime de acumulação integral, é algo tão limitado e passageiro quanto o capitalismo e que não o ultrapassa no discurso por não pretender ultrapassá-lo na prática. É algo datado, limitado, conservador, e medíocre, pois não apresenta nenhuma grande contribuição para pensar a sociedade, o capitalismo, as lutas de classes, a cultura, etc. Apenas reproduz ideologias misturadas, faz abstrações metafísicas desligadas da realidade concreta, faz proliferar discursos, termos, concepções que não são expressões da realidade e por isso não possuem capacidade explicativa sobre a realidade.

Referências
Anderson, Perry. As Origens da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999.
Castoriadis, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. 2ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
Castoriadis, Cornelius. As Encruzilhadas do Labirinto. Vol. 2. Os Domínios do Homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
Connor, Steven. Cultura Pós-Moderna. Introdução às Teorias do Contemporâneo. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
Eagleton, Terry. As Ilusões do Pós-Modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
Foucault, Michel. Microfísica do Poder. 8ª edição, Rio de Janeiro, Graal, 1989.
Harvey, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
Huyssen, Andreas. Mapeando o Pós-Moderno. In: Hollanda, Heloísa Buarque (org.). Pós-Modernismo e Política. 2ª edição, Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
Mandosio, Jean-Marc. A Longevidade de uma Impostura: Michel Foucault. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.
Marcuse, Herbert. Contra-Revolução e Revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
Viana, Nildo. “Historiografia, Totalidade e Fragmentação”. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 17, n. 5, p. 865-879, 2007.
Viana, Nildo. “Modernidade e Pós-Modernidade”. Revista Enfrentamento. Ano 04, num. 06, Jan./Jun. de 2009b.
Viana, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.
Viana, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e Letras, 2009a.



* Professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG  - Universidade Federal de Goiás, e doutor em Sociologia pela UnB – Universidade de Brasília.
[1] Preferimos substituir o construto “pós-modernismo”, aplicado indistintamente tanto na esfera artística quanto na esfera acadêmica, por pós-estruturalismo, na esfera acadêmica, e pós-vanguardismo, na esfera artística. Sobre o pós-vanguardismo, mais especificamente, há uma breve discussão em O Capitalismo na Era da Acumulação Integral (Viana, 2009a).
[2] O marxismo autêntico – expresso por Marx, Korsch, Pannekoek, etc. – não pode ser considerado “modernismo”, a não ser no reino nebuloso da ideologia. No fundo, essa concepção é antimodernista, pois anticapitalista. Claro que a confusão é reforçada pelo pseudomarxismo, e não é difícil ver obras “marxistas” condenando o “pós-modernismo” para defender o “modernismo” e suas teses, o que significa, no fundo, defender algumas teses modernistas ao invés de outras, mas que são dominantes. Nesse sentido, no caso da oposição binária entre duas ideologias burguesas, os pseudomarxistas geralmente tomam partido de uma delas e afirmam que isso é “marxismo” e, assim, além de revelar seu vínculo com as ideologias burguesas e seu caráter de classe não-proletário, prestam o serviço de defender concepções burguesas como “determinismo”, “iluminismo”, “racionalismo” em contraposição aos seus pares burgueses opostos, “indeterminismo”, “romantismo”, “irracionalismo”.
[3] Esse foi o movimento mais radical e significativo, mas as lutas sociais em outros países, como Alemanha e Itália, também assumiram radicalidade e estavam no bojo da crise do regime de acumulação conjugado (intensivo-extensivo) desse período. Outras lutas em diversos países, com maior ou menor radicalidade, também foram derrotadas. Apesar das lutas ainda mantiverem certa radicalidade em alguns lugares, como na Itália, Portugal e a revolução dos cravos, até chegar no caso da Polônia em 1980, já não era um processo que atingia o capitalismo mundial.
[4] O processo de hipermercantilização da cultura que ocorre a partir do regime de acumulação integral também é uma das determinações do pós-estruturalismo: “o debate pós-moderno pode ser visto como um processo intelectual-discursivo que, num só movimento, multiplica opções críticas e as aprisiona em formas reconhecíveis e dissemináveis, ou, como diz Dana Polan, de maneira ainda mais sombria, ‘estrutura intensamente o discurso crítico como uma espécie de combinatoire mecanicista em que tudo é dado de antemão, em que não pode haver prática, mas a interminável recombinação de peças fixas da máquina gerativa. Visão um tanto distinta, mais próxima da ênfase proposta neste estudo, evidencia-se na descrição de John Rajchman do “mercado mundial de ideias” que a teoria pós-moderna institui e do qual participa: ‘é como o Toyota do pensamento: produzido e montado em vários lugares diferentes e vendido em toda parte” (Connor, 1992, p. 23-24).
[5] Em um dos melhores livros sobre a ideologia pós-estruturalista, é possível encontrar esse entendimento: “o pós-modernismo constitui um fenômeno tão híbrido, que qualquer afirmação sobre um aspecto dele quase com certeza não se aplicará a outro” (Eagleton, 1998, p. 8). Contudo, se não houver algo essencial como a tudo que é denominado como “pós-moderno”, ou melhor, pós-estruturalismo, então o plural deveria ser utilizado. Não é nossa essa posição, como mostraremos a seguir.
[6] Os chamados “códigos de leitura” seriam produtos das ciências humanas, onde cada ciência particular cria o seu próprio código para ler o real. O pós-estruturalismo conservador, no entanto, cria um código que produz uma ininteligibilidade do real, através das especulações metafísicas que beiram ao absurdo, apesar das diferenças internas em seus representantes (isso é mais aplicável a Baudrillard e Touraine, por exemplo).
[7] Essa mudança de aparência sem mudar a essência ou a existência é uma mera mudança discursiva que pensa que assim muda as relações sociais reais, concretas. Um exemplo disso é que – ao reconhecer a opressão feminina e seus vínculos linguísticos, o que já havia sido feito muito antes do pós-estruturalismo – alguns pensam que trocar a letra “o” pela arroba (@) abole tal opressão ou que significa sua superação parcial. Ledo engano, pois tanto faz isso, já que a gênese e essência do processo foram produtos de um longo processo histórico e vinculado a relações sociais concretas que a mera troca de nomes ou aspectos da linguagem não altera, pelo contrário, reforçam a opressão ao ilusoriamente parecer que elas foram superadas (total ou parcialmente), já que o idioma e seu sexismo, produto histórico social, não foram alterados. Obviamente que ninguém ainda propôs trocar o uso do sobrenome pelo nome, já que no primeiro não há identificação de sexo e reproduz uma manifestação da autoridade masculina derivada do processo da herança e transmissão da propriedade privada, aspecto fundamental do direito burguês. Obviamente que os marxistas se tornariam “karlistas” e os weberianos seriam doravante chamados de “maxistas”, e nada mudaria, a não ser que a relação real de herança e propriedade fosse superada (e junto com ela os “karlistas/marxistas”, “wladimiristas/leninistas”. “davidistas/durkheimianos”, “mikhailistas/bakuninistas”, “adolfistas/hitleristas”, “rosistas/luxemburguistas” e milhões de outros “istas”, já que a divisão de classes e suas divisões e subdivisões intelectuais deixariam de existir). Na verdade, são mudanças superficiais e artificiais que servem apenas para tornar a opressão mais confortável e menos visível, mas não menos real. Somente mudanças profundas e reais no conjunto das relações sociais permitiriam, por exemplo, uma mutação linguística que tornará possível uma transformação mais radical ao invés do paliativo da arroba.
[8] “... o pós-modernismo não é liberal nem conservador, mas libertário, embora estranhamente (...) de um libertarismo sem um sujeito para se libertar” (Eagleton, 1998, p. 117).
[9] O caso de Foucault é exemplar nesse sentido (Mandosio, 2011).
[10] A palavra homotopia existe em topologia, significando uma deformação de uma aplicação entre espaços topológicos. No sentido que aqui utilizamos é um neologismo, sendo que homotopia é não sair do mesmo lugar, uma concepção que nega a transformação social radical, a revolução social, a possibilidade de superação do capitalismo. Sem dúvida, nesse sentido, existem outras homotopias e todas elas são conservadoras e ideológicas, ou seja, são reprodutoras do existente e sistemas de pensamento ilusórios. O que distingue o pós-estruturalismo é sua dissimulação de superação do mundo moderno e da crítica da modernidade (confundido com o discurso da modernidade), isto é, se apresentar como um pensamento “pós-moderno” (ou afirmar a existência de uma sociedade pós-moderna), ou então defender que a realiza uma crítica da modernidade enquanto, na verdade, reproduz e defende essa mesma sociedade ou, ainda, pode até defender uma transformação social, que, no fundo, não transforma nada. O que difere o pós-estruturalismo de outras ideologias homotópicas é essa dissimulação, tentando convencer que é algo que não é. Isso é derivado de seu objetivo de produzir uma contrarrevolução cultural preventiva, a tarefa posta para as ideologias da classe dominante após a crise do regime de acumulação conjugado e após a emergência de um novo regime de acumulação que aumenta a exploração, a miséria e os conflitos sociais.

10 comentários:

  1. Professor, muito obrigado pelo texto. Tenho uma dúvida; estou estudando o pós-estruturalismo na área das artes, mais especificamente na arquitetura. Fiquei intrigado se a ideia contrarrevolucionária se limitaria ao campo político ou se há alguma manifestação dentro das artes. Se há eu não consegui fazer a ligação. Dentro do pós-moderno arquitetônico (como período) o que temos é uma busca por sentido (catalisada pela fenomenologia).
    Mesmo que não seja a arquitetura sua área de atuação, gostaria muito que comentasse, caso seja possível. E me desculpe se falei alguma bobagem, iniciei estudos teóricos de arquitetura recentemente.
    Desde já obrigado. Abraço.

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    1. Leandro, como vai? Fico contente que tenha gostado do texto. Sobre sua questão, ela é interessante e entra num outro aspecto, que é o chamado "pós-modernismo". No texto, o que se entende por "pós-modernismo" é apresentado como "pós-estruturalismo", no âmbito da filosofia e ciências humanas, que é o foco do texto. No âmbito das artes, tal como apresentei no meu livro "O Capitalismo na Era da Acumulação Integral", seria o pós-vanguardismo (termo já utilizado por alguns autores). Sobre arquitetura, mais especificamente, não pesquisei e não poderia lhe dizer com mais profundidade sobre as mudanças que ocorrem, mas alguns autores colocam o seu surgimento no mesmo período histórico. Depois disso desenvolvi uma discussão mais profunda, no meu livro "Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas", no qual discuto a sucessão de regimes de acumulação (fases do capitalismo) e a correspondente mudança de paradigmas hegemônicos e, nesse caso, o pós-estruturalismo e o pós-vanguardismo são manifestações do paradigma subjetivista, hoje hegemônico. Mas, novamente, não há discussão específica sobre arquitetura. A recuperação da fenomenologia é um elemento desse processo e assim eu diria que o paradigma subjetivista invadiu a arquitetura, pois se generalizou em toda a sociedade. Eu que agradeço! abs.

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  2. Texto bem interessante e muito útil em nossos tempos atuais, pois pra nos opor contra a ideologia pós estruturalista, devemos conhecê-la, ler seus ideólogos e, assim, munidos do marxismo, podemos destruir tal ideologia tão nefasta e pueril. Gostei mais da nota em que se fala dos marxistas que se definem como "modernos" kkkk Marx deve ter se revirado no túmulo.

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  3. Ótimo ensaio, essa essencia pos estruturalista desencadeia a onda identitaria, a não luta toma conta do ser social

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  4. Olá, professor. Antes de tudo, sou um jovem estudante autonomista (virei recentemente) e não tenho qualquer compromisso com o pós-modernismo, já que desde o início da minha formação intelectual eu tive conflitos com esse pensamento, principalmente sua recusa ao marxismo, além de eu seguir tradições de filosofia diferentes.

    Dito isso, achei interessante que você notou que o pós-estruturalismo tem uma parte dialética e que a noção de "pós" é meio forçada em relação à modernidade. Eu gostaria de fazer uma recomendação: The Ethics of Geometry: Genealogy of Modernity, do David Lachterman, que faz o mesmo apontamento e lida com os paradoxos da modernidade profundamente.

    Quanto a crítica, vc criticou as "críticas localizadas" em D&G, mas eu não acho que essas críticas estejam separadas do capitalismo (i.e, a totalidade) nesses autores. Acho que insistir nesse ponto aproxima bastante um perigoso discurso de direita que diz que essas pautas são secundárias (mesmo à luta de classes; ver a teoria da composição de classes, q coloca essas questões identitárias como importantes como um todo para a luta de classe, a luta anti-trabalho, etc). Elas são importantes mesmo para gerar insurreições no proletariado, como já experienciamos várias revoltas queer na Inglaterra, Estados Unidos, Índia e Tailândia.

    Acho que a única crítica válida seria que esses autores afastam discussões de política, auto-organização, revolução, etc. Mas o foco na subjetividade que eles fazem é indissociável tanto na construção da revolução, quanto na construção da nova ordem – ainda que eu ache que D&G são abstratos dms e Foucault é meio neoliberal, mas são importantes pra teoria feminista, abolicionista prisional, etc.

    Quanto ao Castoriadis, fiquei curioso. Como vc avalia o Castoriadis sendo o precursor de quase tudo do autonomismo? Mesmo que ele rompa com o marxismo (oq serviu para o seu ostracismo), ele é bem importante nessas discussões. Não me parece contrarrevolucionário e n acho que vale ser citado ao lado de gente como o Negri.

    Se puder, corrija-me! Obrigado pela atenção, prof.

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    1. Olá! Interessantes suas observações e questionamentos.

      Eu não entendi sua afirmação segundo a qual eu haveria notado que o pós-estruturalismo teria “uma parte dialética”, pois não afirmei e nem considero que isso exista. Claro que isso depende do que você está chamando de “dialética”, mas considero o pós-estruturalismo antagônico à dialética. Sobre sua indicação de leitura, vou procurar para ler.

      A respeito das “críticas localizadas”, elas variam de acordo com os autores, mas é um princípio que se encontra em Foucault (veja “Microfísica do Poder”), Guatarri (veja “A revolução Molecular”) e outros, obras nas quais eles atacam diretamente a ideia de totalidade e defende que cada grupo faça sua própria luta, bem como recusam a totalidade. Isso sem falar em Lyotard, etc. Quanto à sua afirmação que “acho que insistir nesse ponto aproxima bastante um perigoso discurso de direita que diz que essas pautas são secundárias”, considero equivocado. Em primeiro lugar, assume uma posição antinômica, típica da episteme burguesa, que é a oposição entre direita e esquerda (sobre o antinomismo, trato disso no meu livro “O Modo de Pensar Burguês” e sobre os termos “direita” e “esquerda”, abstratificações antinômicas que mais ofuscam a realidade do que a revelam, há um artigo aqui nesse blog sobre isso). Em segundo lugar, derivado dessa “oposição” entre “direita e esquerda” se cria um reducionismo que retira as questões da totalidade para reduzi-las a essa oposição e, nesse sentido, tudo que seria supostamente afirmado pela “direita”, deveria ser combatido pela “esquerda”. A esquerda, no entanto, é apenas a outra face da direita. São disputas no interior do pensamento burguês e no interior da sociedade burguesa. A dita esquerda, e mais ainda a contemporânea, não tem nenhum projeto, objetivo ou intenção de abolir a sociedade burguesa. No máximo quer reformá-la, e se tomarmos os partidos de esquerda atuais, nem reformas “de base”, como se dizia há algum tempo atrás, defendem mais, assumindo um “neoliberalismo de esquerda”. Além disso, ela tem um efeito político que é jogar os setores descontentes da sociedade (potenciais aliados do proletariado) se aliem e façam adesão à “esquerda” e passe a focalizar não a superação do capitalismo, e sim o “combate à direita”, o que se fortaleceu recentemente com a polarização política no Brasil recente (e veja que é num contexto no qual o capitalismo estatal, vulgo “socialismo real”, já não existe, que o movimento operário não vem realizando lutas radicais), ou seja, é uma criação artificial para impedir uma real ampliação da autonomização do proletariado e de radicalização das lutas sociais. Em terceiro lugar, o discurso identitário, por sua vez, é um componente complementar do neoliberalismo e produto dele, cuja sua base é o pós-estruturalismo, o multiculturalismo, etc. A ideia de identidade de grupo é reacionária e não contribui com a luta pela transformação total e radical das relações sociais. O indivíduo e o grupo ficam presos numa suposta “identidade”, deixando de lado a totalidade do ser humano e passando a efetivar lutas específicas e não lutas gerais, buscando espaços dentro da sociedade burguesa e não superação dela. As “revoltas” que você coloca podem até dar a impressão de que oferecem alguma radicalidade, mas não ultrapassam o nível da “revolta” e de reivindicações bem limitadas no interior da sociedade capitalista.

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    2. A respeito da “crítica válida”, considero que as ideias desses autores não podem ser separadas e considerar que se não tratam de “revolução”, etc., o resto seria aceitável, pois elas formam um todo e tem coerência com um determinado paradigma (forma assumida pela episteme burguesa) e servindo a determinadas tarefas políticas, econômicas e culturais da burguesia na atual fase do capitalismo (seja de forma consciente e intencional ou insciente e inintecional, que pode variar dependendo de qual autor se trata). A discordância mais radical é sobre sua afirmação a respeito da “subjetividade”. A ideia de “subjetividade” é conservadora e o foco nela é um dos maiores problemas destes ideólogos. Claro que é preciso esclarecer várias coisas, incluindo o que se entende por “subjetividade”, etc. Porém, o processo revolucionário nada tem a ver com “subjetividade”, termo abstraficado. Outra coisa é a luta cultural e a consciência revolucionária, que estão bem distantes das discussões destes ideólogos. Porém, não seria possível eu aprofundar ou mesmo sintetizar essa discussão aqui. Por isso sugiro a leitura dos meus livros “O Modo de Pensar Burguês – Episteme Marxista e Episteme Burguesa” e “Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas”. Nesse último há elementos que deixam mais claro a minha crítica à subjetividade, pois coloca que a cada fase do capitalismo (regime de acumulação) emerge um paradigma hegemônico e que, no capitalismo contemporâneo, este é o subjetivismo. Na obra vai encontrar não só análise dos regimes de acumulação anteriores e os paradigmas hegemônicos correspondentes, mas também desse, no qual suas bases sociais são apresentadas, os interesses por detrás deles, além de análise do paradigma e suas manifestações, seus problemas e ideologias (incluindo o pós-estruturalismo) e os efeitos culturais e políticos.

      Por fim, a sua questão sobre Castoriadis. Na verdade eu não considero o Castoriadis como “precursor de quase tudo do autonomismo”... no fundo, o sindicalismo revolucionário e Rosa Luxemburgo já tinha criado elementos para a criação do autonomismo, bem como o comunismo de conselhos (com maior radicalidade do que o autonomismo, mas adaptado pelos representantes deste). O Castoriadis iniciou seu engajamento político como trotskista e depois foi o responsável pela primeira versão do “autonomismo” (termo que muitos confundem e, é claro, há divergências, inclusive por possuir várias correntes e interpretações). Nesse período autonomista, de “Socialismo ou Barbárie”, ele trouxe algumas reflexões interessantes, mas com muitos problemas e entrando em contradição com pontos essenciais do marxismo. A questão é que a emergência do novo paradigma hegemônico, o subjetivista, ele adere a ele e se torna muito mais limitado intelectualmente e sua produção intelectual perde valor. Então é preciso avaliar o autor de acordo com sua evolução intelectual. Alguns pensadores mudam de pensamento, em alguns casos drasticamente. Outros mudam aspectos e alguns mudam apenas formalmente. No caso de Castoriadis, é necessário entender essas três fases e perceber que estava me referindo não ao indivíduo e sim ao último Castoriadis, que adere ao subjetivismo (o que não significa que não tenha crítica ao seu pensamento anterior, e basta ver seu debate com Pannekoek para ter uma noção dos seus limites). A sua concepção nesse período é contrarrvolucionária, mesmo que faça “discurso revolucionário”, assim como Lênin, Trotsky, Kautsky e inúmeros outros que se diziam revolucionários e eram contrarrevolucionárias (claro que sob formas diferentes). A respeito de compará-lo com o Toni Negri, isso me causou estranhamento. Pois Negri também foi autonomista, aliás, um dos mais influentes do autonomismo italiano. Depois aderiu à guerrilha e virou o “ideólogo do império e da multidão”, ou seja, caiu num ecletismo que deformava o pensamento de Marx e o “misturava” com Foucault e outros ideólogos.

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    3. Em síntese, agradeço suas observações e, infelizmente, não estamos de acordo. Resta esclarecer que isso não impede o debate e a reflexão, que pode abrir esclarecimentos e novas perspectivas. Eu fiz indicações de livros por considerar que hoje existe uma hegemonia extremamente poderosa que afasta a juventude e os intelectuais mais honestos da luta proletária e revolucionária. Essas obras esclarecem de forma mais aprofundada as bases de minha resposta no presente texto. O texto visava, na época em que foi escrito, justamente para alertar e criticar isto. Contudo, eu aprofundei minha análise do pós-estruturalismo e, nesse contexto, reformulei alguns elementos. Neste texto e em outro anterior, eu estava definindo a nova hegemonia como “pós-estruturalismo”. Agora já vejo diferente. Após as pesquisas que culminaram nas duas obras que te indiquei, identifiquei a existência da episteme burguesa, um processo mental subjacente e formal que influência a constituição de ideias, e sua manifestação concreta em cada regime de acumulação na história do capitalismo através dos paradigmas (positivista, organicista, reprodutivista, subjetivista, etc.). Os paradigmas, por sua vez, também são processos mentais subjacentes e formais, que se materializam em ideologias. O pós-estruturalismo é uma dessas ideologias vinculadas ao paradigma subjetivista, mas existem várias outras. Ele não é o “todo” e sim uma parte de um todo composto por diversas ideologias subjetivistas. Por fim, teríamos que discutir o autonomismo, pois, pelo que entendi, acho que percebeu algum vínculo meu com essa concepção. Na verdade, nunca fui autonomista, embora veja contribuições no autonomismo, mas também percebo suas ambiguidades e faço uma crítica a elas, desde Castoriadis, passando pelo autonomismo italiano (Negri, Poder Operário, Il Manifesto, etc.), autonomismo português (João Bernardo), norte-americano (em menor grau), até chegar ao “brasileiro”. Porém, há muito confusão também sobre o que é o “autonomismo” e no Brasil depois dos anos 2000 foi se tornando comum usar o termo sem maior precisão e muitos se autodenominarem assim, muitos sem qualquer leitura a respeito, estando mais próximos do que, anteriormente, se chamava “independentes”. Eu defendo uma posição marxista autogestionária (no fundo, é o marxismo em si, sendo que o “autogestionário” é para se distinguir das deformações do marxismo ou para colocar a atualização que ele efetiva, inclusive a lexical, a começar pelo termo “autogestão”). Espero ter esclarecido melhor minha concepção. Abs.

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