A TAXA DE POBREZA DIMINUIU NO BRASIL?
Por Nildo Viana
No último comunicado do IPEA,
num. 58, Dimensão, evolução e projeção da pobreza por região e por estado no Brasil, divulgado no dia 13 de julho de 2010, temos um conjunto de dados estatísticos que foram recebidos pelos meios oligopolistas de comunicação como significando uma diminuição da pobreza no Brasil. Porém, muitas vezes os dados estatísticos são ilusórios. É responsabilidade social do intelectual esclarecer o que fica obscuro nos dados apresentados por determinadas instituições e que recebem determinadas interpretações pela grande imprensa.
Segundo tal comunicado, as linhas de pobreza absoluta e extrema diminuíram no Brasil. As linhas de pobreza absoluta e extrema utilizadas foram estabelecidas pelo critério de rendimento médio domiciliar per capita, respectivamente, de até meio salário mínimo mensal e de até um quarto de salário mínimo mensal. O critério em si já é questionável. A renda domiciliar média per capita de mais de meio salário mínimo não significa que alguém saiu da pobreza e nem que vive em boas condições ou mesmo tem suas necessidades básicas satisfeitas. O estudo não define o que entende por pobreza, apenas coloca sua classificação arbitrária colocando que pobreza absoluta vai até meio salário mínimo e extrema até um quarto do mesmo. Ou seja, na pesquisa, quem ganha 10 reais (per capita) acima da metade do salário mínimo saiu da pobreza absoluta, o que não deixa de ser risível. E, na referida pesquisa, quem ganha um real a mais do que um quarto do salário mínimo (renda domiciliar per capita), saiu da pobreza extrema e foi para a absoluta. A comicidade do critério não é tão evidente para algumas pessoas. Perde-se de vista que 1, 10 ou 20 reais a mais por indivíduo faz muito pouca diferença.
Mas, além disso, há vários outros aspectos envolvidos. O nível salarial não pode ser a única medida para se pensar a taxa de pobreza, pois existem outras determinações que interferem nisso. Por exemplo, o atendimento médico-hospitalar gratuito, a educação gratuita, etc. se forem retiradas, mesmo que se aumente a renda per capita em alguns reais, haverá empobrecimento. Inclusive, para as pessoas com carteira assinada, essa renda significa uma coisa, para os sem carteira, significa outra e a pesquisa não faz esta diferenciação. Se há caso de doença (e esta tende a ser maior para quem vive em condições desfavoráveis), então os gastos com remédios irão interferir e desviar, por exemplo, o que seria gasto com alimentação. Da mesma forma, quem paga aluguel pode ganhar 100 reais a mais do que alguém que vive na rua ou tem casa própria e isto vai significar coisas diferentes. Se paga aluguel e ganha o mesmo que alguém que tem casa própria, então sua renda e nível de vida são bem inferiores. Se houve desvalorização da moeda, os aumentos numéricos de renda per capita não significam diminuição da pobreza. Se serviços gratuitos se tornam pagos, também interfere. Ou seja, os dados estatísticos não comprovam que houve diminuição da pobreza, porque são dados insuficientes, que não leva em consideração milhares de determinações que interferem e que vão além da renda.
Isto sem falar nas questões técnicas das entrevistas, na veracidade das informações fornecidas e nas variações de rendimento de um mês para outro para quem não tem renda fixa. Estas questões também podem provocar variações nos resultados e mesmo se elas fossem pequenas, seriam maiores do que se pode imaginar. Isso se deve ao fato de que os dados não apresentam grandes diferenças reais, apenas numéricas.
Assim, o que pode parecer grande mudança na representação estatística, no fundo, na realidade não é tão grande assim, principalmente se percebermos que se trata de mudanças ilusórias, o que significa que a alteração é irrisória.
Além disso, há o pressuposto da pesquisa do “regime de estabilidade monetária”, o que é questionável, pois há uma desvalorização do dinheiro nem sempre reconhecida pelas instituições governamentais. O crescimento do salário mínimo não acompanhou o aumento real dos preços e, por conseguinte, a redução das taxas de pobreza é ilusória, tanto por sua base de definição (apenas salário), quanto por seu aumento real ser ilusório. Outro problema é o fluxo migratório, no qual pessoas de baixa renda vão para regiões mais desenvolvidas a procura de emprego ou então onde há uma tendência ou mesmo ilusão de melhoria, o que faz mudar os índices estaduais. Os dados estatísticos são um recorte estático da realidade, ou seja, apresenta uma percepção parcial e não total a realidade e sem ver o processo histórico, as mudanças, tal como se vê no exemplo do fluxo migratório. Para ter uma concepção mais concreta, também seria necessário obter outras informações, ver períodos anteriores a 1995, ver realidade de outros países para ter um parâmetro de comparação.
No caso de Goiás, assim como nos outros casos, não existe dados suficientes para uma análise mais completa e profunda. Os únicos dados que a pesquisa apresenta é o salarial e o PIB. Obviamente que, no que diz respeito ao PIB, se houver um aumento, então há uma tendência (embora seja preciso afirmar que é apenas uma tendência) de haver mais pessoas empregadas e menos desemprego e, portanto, mais pessoas com nível de renda maior do que antes. O aumento da industrialização do estado também reflete sobre isso, pois o PIB/indústria aumentou de 5% em 1970 para 32,5 em 2000, sendo que o setor industrial oferece salários maiores do que outros setores e outros benefícios sociais, além do seu impacto sobre outros setores. Porém, o impacto disse depende de várias outras determinações, inclusive o crescimento populacional, as políticas estatais (de assistência social, educação, saúde), etc.
Porém, se não bastasse isso o IPEA apresenta as seguintes “previsões”:
“Tendo em vista o comportamento positivo de queda nas taxas de pobreza observado durante o regime de estabilidade monetária, passa-se a considerar a possibilidade de o Brasil vir a superar a condição de pobreza extrema e reduzir sensivelmente a taxa de pobreza absoluta nos próximos anos. Quando se projeta no tempo a redução nas taxas de pobreza absoluta (3,1 pontos percentuais) e extrema (2,1 pontos percentuais) alcançada no período de maior registro de sua diminuição recente (2003-2008), pode-se inferir que em 2016 o Brasil terá superado a miséria e diminuído a 4% a taxa nacional de pobreza absoluta (leia no sítio do Instituto na internet o Comunicado do IPEA no 38, de janeiro de 2010)”
[2].
Aqui a abstração metafísica ultrapassou todos os limites do bom senso. Curiosamente, se abstrai toda a realidade, utiliza-se uma média abstratamente e a lança para o futuro como se tudo fosse ficar da mesma forma (a situação internacional e suas crises, a situação nacional, os governos que irão se suceder, as catástrofes naturais que podem ocorrer, o processo inflacionário, o desemprego, etc., entre os demais aspectos acima mencionados).
A grande pergunta é: de onde vem tanto otimismo, acompanhado de tanta abstração metafísica (o que o sociólogo Wright Mills chamou “empirismo abstrato”) e tanta desconsideração pela realidade concreta. O critério do rendimento é a chave para fazer a mágica estatística para maquiar e colorir a realidade sombria e ainda proporciona uma bola de cristal tendenciosa que prevê, como Pangloss, o melhor dos mundos possíveis, mas indo além dele e dizendo que “ainda vai ficar melhor”!! Se alguém dissesse que essa magia toda é o mesmo que propaganda governamental, não estaria muito longe da verdade.