Rádio Germinal

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quarta-feira, 27 de junho de 2018

LINGUAGEM “PÓS-MODERNA” E MOVIMENTOS SOCIAIS: O caráter burguês do feminismo culturalista


LINGUAGEM “PÓS-MODERNA” E MOVIMENTOS SOCIAIS:

O caráter burguês do feminismo culturalista


Rubens Vinicius da Silva*
Diego Pereira Marques dos Anjos*




No presente texto pretendemos demonstrar como a linguagem utilizada por determinadas tendências nos movimentos sociais próximos e/ou simpatizantes das ideias “pós-modernas” (para evitar confusões, substituiremos pós-moderno por pós-estruturalismo; tal escolha será justificada ao longo do texto) expressa um determinado projeto político e, por conseguinte, de sociedade. O título do trabalho remete às relações estabelecidas entre os adeptos desta concepção e sua atuação em determinadas organizações dos movimentos sociais.

Para acessar o texto completo, clique aqui.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Movimentos Sociais e Estratégia Revolucionária


Sábado, em Belo Horizonte, curso sobre Movimentos Sociais e Estratégia Revolucionária:


Mais informações, clique aqui.

Meritocracia ou democratismo

MERITOCRACIA OU DEMOCRATISMO?

Carlos Henrique Marques

Sociólogo e filósofo. Doutor em Filosofia pela Universidade de Brasília (UnB).



Hoje é muito comum haver críticas (e defesas) da meritocracia. A meritocracia pode ser compreendida sob várias formas. Muitos são ardorosos defensores da meritocracia e outros são críticos ferozes. É possível até dividir a percepção sobre meritocracia através da divisão política entre conservadores (direita) e progressistas (esquerda). Porém, existe um outro fenômeno atrelado ao problema da meritocracia, que é o democratismo. O democratismo também é bastante criticado e geralmente é apresentado como o oposto da concepção meritocrática. É possível escapar da meritocratismo ou do democratismo? A meritocracia deve ser combatida ou defendida? O democratismo deve ser combatido ou defendido? Essas são algumas questões que vamos discutir no presente texto.

Para ler o texto completo, clique aqui.


quarta-feira, 20 de junho de 2018

Site de Nildo Viana reformulado




O site de Nildo Viana foi reformulado e encontra-se acessível no seguinte endereço: http://nildoviana.com No site, é possível acessar links para mais de 70 artigos publicados, mais de dez livros disponibilizados, músicas, vídeos,  blogs, bem como acesso ao blog Informe e Crítica (via link ou via seção "Novidades"), Rádio Germinal, Canal do Youtube, além de diversos links para livrarias, grupos de pesquisa, etc.




sexta-feira, 15 de junho de 2018

Vantagens Competitivas, Microrreformismo e Imaginário Conveniente - A integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo



Vantagens Competitivas, Microrreformismo e Imaginário Conveniente
A integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo

Nildo Viana*

O presente artigo visa discutir a questão da integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo[1]. Sem dúvida, os movimentos sociais sempre estiveram integrados no capitalismo e isso não é novidade e nem um fenômeno contemporâneo. No entanto, em certas épocas, a integração pode ser maior ou menor, mais intensa ou menos intensa, bem como podem existir dissidências mais fortes ou mais fracas. Além disso, existem formas distintas de integração. Uma das formas de integração foi a que existiu durante o capitalismo oligopolista transnacional, no qual o estado integracionista gerou uma modalidade de política estatal correspondente ao regime de acumulação vigente. A modalidade de política estatal integracionista é substituída pela modalidade neoliberal. Essa nova modalidade de política estatal vai gerar uma nova forma de integração dos movimentos sociais na sociedade capitalista e os conceitos de vantagens competitivas, microrreformismo e imaginário conveniente assumem grande importância para explicar tal dinâmica integrativa.
Os movimentos sociais se destacaram no final dos anos 1960 pelo seu fortalecimento, pela radicalização de alguns dos seus setores e por isso se tornaram alvos da nova política integradora do Estado capitalista. Mas esse processo só se torna compreensível analisando as mutações do capitalismo a partir desse momento. O capitalismo possui mutações que denominamos regimes de acumulação. Não vamos discutir aqui a sucessão de regimes de acumulação e sim explicar que a cada regime de acumulação ocorre um conjunto de mudanças sociais derivadas[2]. O nosso foco aqui é o regime de acumulação integral e a nova forma de integração dos movimentos sociais e por isso nos limitaremos a tratar desse momento histórico e de forma sintética para não desviar do objetivo central.
O regime de acumulação integral promoveu uma mutação no processo de valorização, que se manifesta concreta na organização do trabalho, substituindo o fordismo pelo toyotismo, uma mutação na política institucional, provocando uma mutação no aparato estatal, que passa de integracionista para neoliberal, e uma mutação na exploração internacional, passando do imperialismo oligopolista transnacional para um hiperimperialismo (VIANA, 2009; VIANA, 2015a; BRAGA, 2013).
Essas mutações vão atingir os movimentos sociais sobre várias formas. Vamos destacar aqui, no entanto, apenas as mutações que atingiram mais diretamente os movimentos sociais. Vamos destacar, portanto, a intensificação da sociabilidade capitalista (especialmente a competição), a nova forma estatal (neoliberalismo) e o novo paradigma hegemônico (subjetivismo). A intensificação da sociabilidade capitalista é algo cumulativo no capitalismo. A cada época do capitalismo, ou seja, a cada regime de acumulação, há uma nova onda de mercantilização, burocratização e competição social. As ondas sociais são processos cumulativos que intensificam e ampliam determinadas relações sociais. Como a mercantilização, a burocratização e a competição são elementos essenciais da sociabilidade capitalista, então, a cada regime de acumulação, se tornam mais extensas e intensas. A intensificação e ampliação da mercantilização gera uma intensificação e ampliação da burocratização e competição.
Nesse contexto, a hipermercantilização das relações sociais no regime de acumulação integral vai gerar uma intensificação e ampliação da burocratização e da competição social. O processo de intensificação da mercantilização é perceptível na transformação de tudo em mercadoria e mercancia (VIANA, 2016a), incluindo, com mais força, nesse momento histórico, a cultura, a tecnologia, a educação, etc. Junto com esse processo, há um reforço da burocratização e competição.
Um caso concreto pode ilustrar isso. A educação é cada vez mais mercantilizada em todos os níveis. As políticas estatais cada vez mais quantificam os processos educacionais e os subordina ao processo de mercantilização, priorizando os resultados que beneficiam os interesses do capital (diminuição de gastos estatais, índices de aproveitamento, formação da força de trabalho, parcerias com empresas privadas, aumento da produtividade intelectual, poupança de recursos, etc.). Esse processo só pode ocorrer com um maior e mais efetivo controle, o que significa intensificação da burocratização.
O processo de burocratização, por sua vez, visa gerenciar os resultados, quantificação, etc., e para isso se cria um mecanismos de averiguação que são mecanismos de controle e que se manifestam através de elementos reforçadores da competição, mesmo porque os recursos são escassos e há um processo de “seleção dos mais aptos” (de acordo com os interesses do capital e definidos pelo aparato estatal) que intensifica a competição social. Assim, cria-se rankings (palavra de origem inglesa e relativa a classificação, posição mais alta, etc., cujo uso predominante e original ocorre nas competições esportivas) em diversas instâncias educacionais, de estudantes, instituições, profissionais. A criação, no Brasil, do currículo lattes, Qualis (de revistas e agora de livros), são elementos desse processo, ao lado de inúmeros outros.
Assim, a intensificação da mercantilização e da burocratização gera uma intensificação da competição social. E a competição social é voltada, fundamentalmente, para a riqueza e o dinheiro (vínculo direto com a mercantilização) e poder e cargos (vínculo direto com a burocratização), bem como como elementos secundários (e relacionados) da competição social: fama, sucesso, etc. Esses elementos são introjetados na mente dos indivíduos, gerando uma mentalidade burguesa, ou seja, mercantil, burocrática e competitiva (VIANA, 2008). Contudo, isso sempre ocorreu no capitalismo. O problema é que a intensificação desses elementos componentes da sociabilidade capitalista gera uma intensificação da valoração e envolvimento intelectual, sentimental e valorativo dos indivíduos e a derrota na competição social se torna cada vez mais insuportável para os derrotados e a posição intermediária cada vez menos satisfatória e aceitável para os de “relativo sucesso”. Esse processo tem efeitos psíquicos, tais como a ambição desmedida de alguns, os desequilíbrios psíquicos de milhares, e os distúrbios como depressão, ansiedade exacerbada, psicose, neurose, se ampliam enormemente na sociedade contemporânea.
Essa intensificação da mercantilização, burocratização e competição é um produto do regime de acumulação integral, pois o processo de valorização e a acumulação de capital exige isso e o Estado Neoliberal é o seu agente fora da instância da produção capitalista propriamente dita. A ampliação da produção capitalista de bens tecnológicos e culturais como mercadorias, tem como reforço a ampliação estatal da consumação de mercancias, bem como do capital improdutivo[3]. O Estado neoliberal visa reproduzir, regularizar e reforçar esse processo, de acordo com os interesses do capital. É por isso que o caso concreto das políticas educacionais mostram que a modalidade neoliberal de política estatal reforça o processo de mercantilização, burocratização e competição[4].
O neoliberalismo implementa a modalidade neoliberal de política estatal, que tem um conjunto de características, sendo que colocamos algumas anteriormente e não poderemos desenvolver aqui e já foi abordado em outros lugares (VIANA, 2009; VIANA, 2015a). Vamos destacar aqui apenas o elemento da modalidade neoliberal de política estatal que atinge mais diretamente os movimentos sociais, ou seja, as políticas segmentares. As políticas segmentares substituem as políticas universais do Estado integracionista, voltando para segmentos sociais específicos (juventude, negros, mulheres, homossexuais, etc.). É a modalidade neoliberal de políticas estatais que gera secretarias para grupos específicos (secretarias da juventude, das mulheres, da “igualdade” racial, etc.) e se implanta as chamadas “ações afirmativas”, “política de cotas”, etc. (VIANA, 2017a). Esse processo ocorre aliado aos interesses do capital e constituição de novos nichos de mercado (o que significa expansão do mercado consumidor de determinadas mercadorias), bem como interesses de partidos e a criação de novos nichos eleitorais, embora nesse caso os resultados sejam muito limitados.
Um outro elemento que complementa o quadro e ajuda a explicar a forma de integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo é o paradigma subjetivista. Após a radicalização dos movimentos sociais (especialmente, mas não unicamente, o estudantil) e do movimento operário no final da década de 1960 e que se mantém até os anos 1970, se produz uma contrarrevolução cultural preventiva (VIANA, 2009; VIANA, 2017b) que gera diversas ideologias, doutrinas e concepções que expressam a busca do capital e do aparato estatal em manter a hegemonia burguesa e renová-la para evitar repetição de novas lutas autônomas e autogestionárias. É a partir de 1969 que começa a emergir as novas ideologias e, principalmente, o novo paradigma que se tornará hegemônico: o subjetivismo.
O subjetivismo busca superar tanto o paradigma anterior (reprodutivista) quanto o marxismo, mas o seu foco é este último e seu significado revolucionário[5]. O paradigma subjetivista reúne vários aspectos da episteme burguesa enfatizando aquilo que lhe é oposto ao marxismo (e, em menor grau, ao paradigma reprodutivista), cuja ênfase passa a ser no sujeito e na subjetividade, gerando voluntarismo, neoindividualismo, hedonismo, narcisismo, etc. O “sujeito” que cada ideologia específica filiada ao novo paradigma elege pode ser diferente (o indivíduo, os grupos sociais, um grupo social específico, etc.). Assim, as ideologias que emergem desde o início dos anos 1970, como as de Foucault (1989) e Guattari (1981), que apresentam a recusa da teoria e da totalidade, são as primeiras manifestações dessa mutação cultural. Posteriormente, outras ideologias emergem reproduzindo a recusa da totalidade e da teoria, sob diversas formas.
O novo paradigma e as novas ideologias reforçam determinados valores, crenças, etc., e ao mesmo tempo, se enquadram perfeitamente na nova modalidade de políticas estatais e no processo de intensificação da mercantilização, burocratização e competição social. Essas mudanças formam uma unidade coerente produzida pelo regime de acumulação integral. E elas produzem impactos nos movimentos sociais e a partir de agora vamos apresentar os vínculos entre estes elementos e a atual forma predominante de integração destes na sociedade capitalista.
Intensificação da Competição e Vantagens Competitivas
A intensificação da mercantilização e burocratização reforça a intensificação da competição social. Esse processo atinge os movimentos sociais sob várias formas. Uma delas é que os indivíduos são envolvidos, cada vez mais, quer queiram ou não, pela competição e pelos demais processos (mercantilização e burocratização). Trata-se dos indivíduos de todos os grupos sociais. Esse envolvimento ocorre pelas relações sociais concretas, mas também pela força do paradigma hegemônico, ideologias e valores que se generalizam na sociedade. A mercantilização (e o cálculo mercantil que lhe acompanha) vai transformando os indivíduos em seres humanos cada vez mais frios e calculistas e reproduzindo elementos típicos das empresas capitalistas. A renovação linguística que acompanha a emergência da renovação hegemônica reforça esse processo e pode ser visto em termos que são oriundos de relações empresariais e passam a ser usado nas relações pessoais e setores de movimentos sociais, tais como “capital social”, “empreendedorismo”, “empoderamento”[6], etc.
A sociabilidade capitalista gera uma mentalidade burguesa que se torna dominante na sociedade capitalista e a partir do novo regime de acumulação e suas características, já apresentadas, isso se torna ainda mais generalizado e intenso. A mentalidade competitiva se exacerba na contemporaneidade. Isso vai ser apresentado sob forma explícita por alguns, que não temem em revelar sua preocupação central com a competitividade, empreendedorismo, ganhar a competição, sucesso, riqueza, fama, poder, etc. Isso se revela em discursos explícitos e até em lugares que antes não se via (vide a “teologia da prosperidade”). A mentalidade competitiva, em grande parte dos casos, pode se camuflar, seja sob forma consciente seja sob a forma da razoabilização. Quando a camuflagem é consciente, trata-se de indivíduos oportunistas que querem esconder suas reais motivações. Quando a camuflagem é através da razoabilização[7], o indivíduo está convencido de que o que faz é por algo mais “nobre” do que a mera competição social. Voltaremos a isso quando formos tratar do imaginário conveniente.
Assim, os indivíduos da sociedade capitalista são competitivos, com raras exceções, e geralmente variando no grau e na intensidade em que a mentalidade competitiva se manifesta. Ora, os indivíduos que atuam nos movimentos sociais, bem como nos partidos, igrejas, sindicatos, universidades, escolas, etc., são, por conseguinte, competitivos. A mentalidade competitiva tende a ser minimizada em certos casos e contextos, seja por causa de outras crenças ou doutrinas (religiosas, políticas, etc.) ou valores contraditórios, ou, ainda, grau de consciência, sendo que todos estes elementos podem estar presentes em casos individuais concretos. Minimizar não quer dizer abolir, pois ela, mesmo em grau mínimo, atinge todos os indivíduos da sociedade moderna. Nos casos explícitos não há grandes dilemas para os indivíduos competitivos, mas nos casos camuflados pode haver (pois a camuflagem pode ser por contradições valorativas, etc., mas também pode ser para conseguir vencer a competição, tal como um político profissional que não pode revelar que seu objetivo é poder e dinheiro e por isso deve inventar que o que ele quer é o “bem da população”) e nos casos de razoabilização a contradição é mais forte.
Esses indivíduos fazem parte dos grupos sociais de base dos movimentos sociais e são os seus agentes. Muitos minimizam isso, mas muitos são oportunistas e usam o movimento social para benefício próprio, bem como outros são contraditórios, mas sua motivação é muito mais o interesse pessoal do que o coletivo. Além desses, existem aqueles na qual a mentalidade competitiva é reduzida e controlada por outros valores, sentimentos e concepções, sendo os militantes mais honestos e radicais dos movimentos sociais. Os indivíduos que atuam nos movimentos sociais podem buscar vantagens competitivas através de seu ativismo social, o que é o caso da maioria. Muitos tornam o seu ativismo social uma profissão, criam ou aderem à organizações que lhes trarão benefícios e buscam aumentar os cargos (o que significa ampliar a burocratização), dinheiro (um reforço para a mercantilização) e competitividade (o que significa retorno pessoal através de vantagens competitivas individuais). Alguns fazem isso intencionalmente, outros sem maior intencionalidade ou mesmo consciência desse processo.
Assim, as vantagens competitivas individuais são cada vez mais exploradas pelos indivíduos, sob as várias formas já assinaladas. Isso é mais forte e comum nos casos dos indivíduos ligados a organizações burocráticas, especialmente partidos políticos, no qual os interesses e oportunismo possuem terreno fértil para se desenvolver. A busca por vantagens competitivas individuais é gerada pela mentalidade competitiva e interesses pessoais e voltada para vencer a competição social e conquistar poder, dinheiro, etc. No capitalismo contemporâneo, esse processo é intensificado e se torna hegemônico nos movimentos sociais. Esses interesses pessoais e imediatistas promovem não a recusa, crítica ou superação do capitalismo, mas a busca por vantagens competitivas no mercado e na sociedade capitalista.
A mercantilização dos movimentos sociais cria, por sua vez, um conjunto de novos interesses, não apenas daqueles que são autóctones, mas também daqueles que são alóctones. Os indivíduos autóctones são aqueles que fazem parte do grupo social de base de um movimento social e os indivíduos alóctones não são integrantes deste grupo, sendo seus “simpatizantes”, “apoiadores”, “financiadores”, etc. Os indivíduos do sexo feminino, por exemplo, são autóctones quando participam do movimento das mulheres e os indivíduos do sexo masculino, que são simpatizantes ou apoiam a causa feminina, são alóctones (VIANA, 2016b). A mercantilização dos movimentos sociais ocorre com a formação de organizações mobilizadoras e outros processos que tornam os recursos financeiros e outros elementos comuns nas mobilizações efetivadas por eles. Isso pode atingir e gerar interesses de indivíduos alóctones. Por exemplo, o movimento homossexual pode produzir uma parada em uma grande cidade e para isso mobilizar diversos recursos (estatais, privados, etc.) para tal e isso gera uma oportunidade de comércio durante tal evento e assim acaba tornando seu interesse o financiamento estatal do mesmo, pois assim pode lucrar com ele.
É por isso que há um certo investimento alóctone em certos eventos e setores dos movimentos sociais, pois eles são lucrativos. A criação de “identidades”, “estilos de vida”, institucionalização de relações e eventos, etc. são importantes para certos setores da sociedade por criar novos nichos de mercado consumidor (os exemplos podem se multiplicar: vegetarianos, homossexuais, defensores dos animais, etc.). O dias das mulheres, que nasce ligado às lutas das mulheres trabalhadoras, é cada vez mais descaracterizado e transformado em evento mercantil. As lutas espetaculares (DEBORD, 1997) se tornam também “lutas mercantilizadas”. O aparato estatal e as empresas capitalistas, bem como adjacências, passam a investir cada vez mais nas ações de certos setores dos movimentos sociais em proveito próprio, apesar do discurso, obviamente, ser outro.
Assim, o processo competitivo se torna cada vez mais intenso nos movimentos sociais (o que ocorre na sociedade como um todo, mas nesse caso é emblemático, já que originalmente seriam setores contestadores das relações sociais existentes). Os indivíduos competitivos, as relações competitivas, etc., se expandem e dificultam a unificação do próprio movimento social. Há setores competitivos, compostos por diversas organizações e interesses, gerando distintos discursos e a dicotomia entre objetivo declarado e objetivo real[8]. Essa competição interna entre os movimentos sociais ou dentro de um movimento social específico acaba sendo reforçado pela luta política com os setores não-competitivos (as tendências revolucionárias no interior dos movimentos sociais), bem como pela competição “espontânea” de indivíduos, derivada de seus interesses pessoais.
A busca por vantagens competitivas, por sua vez, trazem a necessidade de discursos, ideologias, doutrinas, propostas políticas, etc., que possam justificá-la e legitimá-la. Isso acaba gerando tanto o microrreformismo quanto o imaginário conveniente, aspectos que vamos abordar a partir de agora.
Políticas Segmentares e Microrreformismo
O microrreformismo emerge a partir da constituição de determinadas ideologias filiadas ao paradigma subjetivista e ao lado da implantação de políticas segmentares do estado neoliberal. Ele vem para substituir o reformismo socialdemocrata e a modalidade integracionista de políticas estatais. Assim, o microrreformismo tem duas fontes enquanto proposta política: a fonte estatal, com suas políticas segmentares e aparatos culturais, e a fonte civil, composta tanto por setores de movimentos sociais, Organizações Não-Governamentais (ONGs), intelectuais financiados pelo aparato estatal e fundações privadas, etc. A busca por vantagens competitivas se encaixa como uma luva ao microrreformismo e é um dos seus incentivadores.
A base ideológica do microrreformismo é o paradigma subjetivista e ideologias diversas, como o pós-estruturalismo, a ideologia da identidade, a ideologia do gênero, etc. As reivindicações concentram-se em questões que atendem apenas a determinados grupos, visando uma integração vantajosa na sociedade burguesa. A sua influência nos movimentos sociais e grupos da sociedade civil revela um posicionamento que pode ser qualificado de “neoliberal progressista”, que é a forma contemporânea do liberalismo-democrático, já que é um complemento das políticas neoliberais. As políticas de ação afirmativa, de cotas, de mudanças legislativas, é o escopo de atuação dos adeptos do microrreformismo.
Outro ponto forte de atuação dos adeptos do microrreformismo é a busca por recursos financeiros para a defesa de tais propostas, criando grupos acadêmicos, ONGs e outros que atuam no sentido de atender seus próprios interesses e falando em nome de determinado grupo social. Assim, o microrreformismo se manifesta através de grupos acadêmicos e ONGs, que criam seus próprios interesses e reproduzem a política governamental, inclusive cooptando diversos indivíduos oriundos de grupos oprimidos ou conquistando adesão destes para sua causa microrreformista e que atende o interesse de uma minoria e não propõe a transformação social ou mesmo uma transformação situacional do grupo como um todo.
Aqui há um complemento das políticas estatais segmentares e interesses de setores vinculados aos movimentos sociais e falam em nome dos grupos sociais de base para manter seus próprios interesses. Isso vale inclusive para intelectuais nas universidades que fazem discurso sobre “negritude”, “identidade”, “gênero”, para satisfazer seus interesses pessoais de financiamento de pesquisas e reconhecimento acadêmico. Aqui, as políticas estatais de cooptação fornecem um complemento. A partir da ideologia neoliberal, as políticas segmentares são paliativos que atendem interesses segmentares e não universais e são menos onerosas. É uma política de cooptação via Estado, empresas, academia. A ideologia do gênero, as ações afirmativas, políticas de cotas, etc. são promovidas pelo próprio aparato estatal, que através do aparato educacional e comunicacional, disseminam ideologias, doutrinas, propostas políticas, de caráter microrreformista, ao mesmo tempo em que financia grupos acadêmicos e produções intelectuais para legitimar, justificar, reforçar o microrreformismo.
Esse processo ocorre com o apoio de fundações internacionais, tal como pode ser visto em seus editais e financiamentos das mesmas. Bourdieu expressa isso com clareza:
A Fundação Rockfeller financia um programa sobre ‘Raça e etnicidade” na Universidade Federal do Rio de Janeiro, bem como o Centro de Estudos Afro-Asiáticos (e sua revista Estudos Afro-Asiáticos) da Universidade Cândido Mendes, de maneira a favorecer o intercâmbio de pesquisadores e estudantes. Para a obtenção de seu patrocínio, a Fundação impõe como condição que as equipes de pesquisa obedeçam aos critérios de affirmative action à maneira americana, o que levanta problemas espinhosos já que, como se viu, a dicotomia branco/negro é de aplicação, no mínimo, arriscada na sociedade brasileira” (BOURDIEU, 2001, p. 25).
Esse é apenas um exemplo, pois esse caso poderia ser multiplicado (a Fundação Ford é mais presente do que a Rockfeller nesse tipo de “empreendimento”). A grande questão é que os grupos acadêmicos, os setores financiados e cooptados, ONGs, etc., exercem uma influência sobre o conjunto do movimento social e cria uma hegemonia no seu interior. Essa hegemonia do microrreformismo no interior de um movimento social reforça sua adesão não somente a determinados governos[9], mas também ao aparato estatal e ao capitalismo. Esse processo tem um efeito que é a constituição do imaginário conveniente, outro elemento fundamental para explicar a atual forma de integração dos movimentos sociais no capitalismo neoliberal.
O Subjetivismo e o Imaginário Conveniente
O imaginário conveniente não é um fenômeno novo. No entanto, ele ganha uma nova forma na contemporaneidade, especialmente quando está vinculado com os movimentos sociais. Antes de explicitar sua novidade e realizar sua análise, é necessário definir esse conceito. O termo “imaginário” possui vários significados, mas aqui tem um significado preciso: representações cotidianas ilusórias (VIANA, 2015b; VIANA, 2013)[10]. No entanto, existem outras formas de ilusão, como a ideologia. Por isso é preciso entender que o imaginário é uma forma das representações cotidianas (o que já foi chamado de “senso comum”, “representações sociais”, “saber popular”, “conhecimento cotidiano”, etc.) e, por conseguinte, não é um pensamento sistemático como é a ideologia (científica, filosófica, etc.), bem como que é possível existirem representações cotidianas verdadeiras, embora, na sociedade moderna, sejam raras e marginalizadas.
No que se refere ao imaginário conveniente e sua relação com os movimentos sociais (e também com as vantagens competitivas e microrreformismo) é preciso destacar que existe uma especificidade nessa forma assumida pelas representações cotidianas ilusórias. O termo “conveniente” explicita essa especificidade. Em qualquer dicionário é possível ver a definição da palavra: conveniente é o que convém e alguns acrescentam “por ser apropriado, favorável ou interessante”. No fundo, é uma definição simples e insuficiente para compreender o que estamos buscando analisar. O imaginário conveniente é composto por representações cotidianas ilusórias que são úteis ou serve aos interesses de quem o manifesta. No caso dos movimentos sociais, o imaginário conveniente manifesta interesses pessoais o interesses imediatistas de determinados grupos sociais.
A forma mais fácil de entender este conceito é sua comparação com a concepção nietzschiana de “verdade”: ficções úteis[11]. Assim, o imaginário conveniente é uma forma de manifestação de representações ilusórias, falsas, ou seja, são “ficções úteis” produzidas por possuírem utilidade ou expressar interesses e por isso são sustentadas como se fossem verdadeiras ou tidas como verdadeiras por seus defensores. O imaginário conveniente é, em muitos casos, verdade para os seus criadores ou reprodutores ou então, quando estes estão conscientes de sua falsidade, são apresentadas como se fossem verdadeiras. No primeiro caso, os indivíduos acreditam sinceramente no que estão dizendo. No segundo caso, eles são conscientes da falsidade do que dizem. No entanto, é difícil saber quem realmente acredita ou não, já que eles afirmam a mesma coisa e que acreditam nisso.
A produção do imaginário conveniente remete ao processo social, ou seja, à sociabilidade capitalista e seu caráter competitivo, que cria o interesse, a pressão social, etc., para buscar vantagens competitivas. Ele também remete ao mundo das ideias que reproduzem e reforçam as concepções, valores, representações, etc., que o legitimam e justificam. Assim, temos desde a produção ideológica (gestada nas universidades, centros de pesquisa, organizações burocráticas, etc.) realizada por intelectuais criativos e reprodutivos[12], passando pela produção doutrinal (que fica entre academia e grupo social, sendo expressa mais por intelectuais reprodutivos) e por último, o imaginário, representações cotidianas ilusórias produzidas e reproduzidas pelos autóctones do grupo social e por alguns alóctones.
O paradigma subjetivista ao colocar o “sujeito” e a “subjetividade” como elemento central, reforça a produção e reprodução de imaginário conveniente, inclusive até produções autóctones. Esse processo pode ser percebido em através de alguns termos-chave que reproduzem concepções subjetivistas e se popularizaram em alguns setores de movimentos sociais, tal como “vivência” e “lugar de fala”. As ideologias reforçam essa tendência e isso acaba se tornando um dos elementos fortes presentes nos movimentos sociais, gerando o reforço de ideologias e doutrinas hegemônicas em certos setores dos movimentos sociais. Outro processo que reforça isso são as correntes de opinião geradas ou divulgadas por meios oligopolistas de comunicação, grupos acadêmicos, ativistas de movimentos sociais, redes sociais da internet, etc.
Um dos procedimentos mais comuns desse imaginário conveniente é defender interesses pessoais como se fossem interesses grupais. Assim, se uma mulher é reprovada num concurso público e um homem é aprovado para a vaga, ela pode acusar a banca ou o processo de “machista”, apesar de não existir nenhum indício nesse sentido. O processo pode ter sido injusto e marcado por irregularidade, mas pelos motivos acadêmicos mais comuns nesse caso, ou seja, por haver uma preferência gerada não pelo sexo do indivíduo e sim por vínculos e/ou interesses acadêmicos. Isso assume uma forma coletiva quando se trata de “ações afirmativas” e “políticas de cotas”, que não beneficiam e nem resolve os problemas que atingem os grupos sociais e sim indivíduos do mesmo, que, inclusive, estão no cume da pirâmide social de tal grupo[13]. Uma vez que determinadas ideologias e doutrinas se espalham pela sociedade, um grupo cada vez maior de indivíduos vão lançar mão do imaginário conveniente para satisfazer seus interesses.
Assim, alguns vão apelar para o imaginário conveniente para obter vantagens competitivas e benefícios pessoais, tendo ou não consciência da falsidade do discurso que utiliza. O primeiro caso é o dos indivíduos oportunistas e o segundo é daqueles que usam a razoabilização. Os indivíduos oportunistas são aqueles que querem conscientemente vantagens competitivas e sabem disso e são geralmente os que se vinculam a grupos, partidos, etc. Os indivíduos sinceros, porém enganados, reproduzem o processo mental da razoabilização, que significa tornar “razoável” o seu discurso e abolir a consciência dos seus interesses por detrás dele.
Um elemento complementar que é fundamental destacar no caso do imaginário conveniente é o seu caráter mobilizador, tal como é o caso de todas as formas de consciência e manifestações culturais (VIANA, 2015b). O imaginário conveniente nasce da sociabilidade capitalista e da hegemonia burguesa, entre outras determinações, mas, uma vez existindo, se torna mobilizador, faz as pessoas agirem, tanto no nível de reprodução de discurso e correntes de opinião, quando no da prática política e mobilização. É por isso que ele é um complemento dos outros elementos e expressa algo problemático para os movimentos sociais, que cada vez mais se afastam dos reais interesses dos seus grupos sociais de base.
Considerações Finais
A compreensão do processo de integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo remete à análise do regime de acumulação integral. Sem dúvida, não se trata da integração dos movimentos sociais como um todo, ou seja, do movimento social em sua totalidade e sim de setores do mesmo, certas ramificações como organizações, indivíduos, etc. No entanto, esse processo se torna hegemônico no interior dos movimentos sociais, embora o impacto disso diferencie em cada movimento social específico. A cooptação estatal, a nível mundial, se voltou mais para o movimento das mulheres e movimento homossexual, enquanto que, em certos países, a tentativa de cooptação de movimentos juvenis, movimento negro, entre outros, também ocorreu. A cooptação funciona, obviamente, com setores desses movimentos. No plano cultural, tais setores cooptados tendem a se tornar hegemônicos.
A cada regime de acumulação há uma modalidade de política estatal e, por conseguinte, uma forma principal de cooptação. A explicação da forma de integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo remete, portanto, para a compreensão do regime de acumulação integral e de algumas de suas características que possuem impacto mais direto sobre eles.
O regime de acumulação integral traz em si o neoliberalismo e gera a intensificação da competição e o paradigma subjetivista. Esses aspectos atingem os movimentos sociais gerando busca por vantagens competitivas, microrreformismo e imaginário conveniente. Esse processo social não é perceptível imediatamente e no mundo do imaginário e de certas ideologias, ele aparece como algo originário da própria população. Existem processos de mediação e nesse sentido a política cultural do Estado capitalista, empresas capitalistas, fundações, instituições educacionais, meios oligopolistas de comunicação, é fundamental para garantir a hegemonia do paradigma subjetivista, força das ideologias filiadas hegemônicas e formação de correntes de opinião e popularização de um imaginário correspondente a ele. Por outro lado, também reforça a crença no microrreformismo e este e o imaginário conveniente se reforçam reciprocamente.
A intensificação da competição não só constrange os indivíduos a um comportamento mais competitivo, como também torna ainda mais poderosa a mentalidade competitiva. E isso também possui processos de mediação, tais como o capital comunicacional, a difusão de determinados valores, etc., bem como é reforçado por outros elementos da sociabilidade capitalista que se intensifica, tal como a intensificação da burocratização e mercantilização das relações sociais, e por determinadas ideologias, doutrinas, valores, etc., como o hedonismo, neoindividualismo, narcisismo, etc. Assim, alguns indivíduos lançam mão de tudo e qualquer coisa para ganhar a competição social e isso tem um impacto nos movimentos sociais, pois aumenta o número de pessoas e ações oportunistas, ambição, etc., e, por conseguinte, indivíduos querendo fazer uso oportunista de tais movimentos. Da mesma forma, há um redirecionamento geral das ações individuais e coletivas para a conquista de cargos, espaços, retorno financeiro, ou seja, benefícios no interior da sociedade capitalista, reforçando os discursos e imaginário conveniente a este respeito.
As políticas segmentares do estado neoliberal, ao lado do incentivo do mesmo no sentido da formação de grupos acadêmicos reforçadores das bases ideológicas e doutrinárias de tais políticas, geram a primazia do microrreformismo no interior dos movimentos sociais. As mediações ocorrem via academia, produções intelectuais, ideologias, cooptação individual, etc. E esses três elementos (busca por vantagens competitivas, microrreformismo e imaginário conveniente) se reforçam reciprocamente.
Em síntese, o Estado neoliberal gera uma nova forma de integração de setores dos movimentos sociais na sociedade capitalista e isso se torna hegemônico em tais movimentos. O resultado disso é que os burocratas vinculados a tais setores recebem cargos, recursos, etc., e, assim, vencem a competição social e aparentemente beneficiam os grupos sociais de base dos movimentos sociais, mas, no fundo, mantém a maioria dos indivíduos autóctones longe de qualquer benefício e, ainda, contribui para reproduzir as condições sociais que geram a insatisfação (discriminação, opressão, falta de acesso aos bens coletivos, etc.) de tais grupos sociais. Em outras palavras, uma minoria de tais grupos sociais são integrados no aparato estatal e em outras instituições (organizações burocráticas) reprodutoras do capitalismo e ganham com isso, enquanto que os grupos sociais de base dos movimentos sociais continuam sofrendo das mazelas produzidas pelo capitalismo e muitos aceitam por confiar nos discursos dos demais integrantes do seu grupo, que servem para o processo de reprodução e reforço da sociedade capitalista e dos problemas que ela gera.

Referências

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* Professor da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela UnB e Pós-Doutor pela USP.
[1] É preciso alertar que nunca o movimento social como um todo é integrado ou cooptado. São setores dos movimentos sociais que são integrados e cooptados, embora sejam geralmente hegemônicos e majoritários quantitativamente. Assim, quando colocarmos “integração” dos movimentos sociais no capitalismo, entenda-se que tratamos de setores hegemônicos no interior dos mesmos, embora em algumas passagens, para manter maior exatidão, deixaremos claro que são setores e não a totalidade do movimento.
[2] Sobre regimes de acumulação em geral existe uma produção bibliográfica específica (VIANA, 2015a; VIANA, 2009; ÓRIO, 2014) e sobre regime de acumulação integral também (VIANA, 2015a; VIANA, 2009; BRAGA, 2013). Existem outras concepções de regimes de acumulação e do atual regime de acumulação (HARVEY, 1992; LIPIETZ, 1991; CHESNAIS, 2002), mas consideramos que a concepção aqui apresentada é mais adequada e explicar melhor a realidade contemporânea.
[3] O capital improdutivo é o setor do capital que não extrai mais-valor e sim mais-dinheiro, através da transferência de mais-valor ou renda do capital produtivo ou outros setores da sociedade, incluindo o próprio aparato estatal (VIANA, 2016a).
[4] E não deixa de ser cômico observar que os próprios professores universitários, inclusive os críticos do neoliberalismo, são prolixos em propor mais burocracia, mais controle, mais competição, mesmo sem usar tais palavras e perceber sua aplicabilidade nas suas propostas.
[5] Isso é perceptível na denominação de algumas ideologias, como o pós-estruturalismo, que, aparentemente, é uma recusa do estruturalismo, sendo que, na verdade, o seu ataque mais frontal e fundamental é ao marxismo (VIANA, 2009; VIANA, 2017b).
[6] O termo “capital social” foi elaborado pioneiramente por Bourdieu, com sua costumeira transposição indevida de termos da ciência econômica para as relações sociais, mas foi desenvolvido e ganhou outros significados com outros autores, como Loury, Coleman, Baker (PORTES, 2000) e aponta para uma percepção utilitarista das redes de amizades e contatos institucionais. A ideia de empreendedorismo emerge na ciência econômica e depois chega à psicologia e sociologia, ganhando espaço a partir do regime de acumulação integral, tal como se pode notar em certos textos sobre o assunto (BAGGIO e BAGGIO, 2014). O termo “empoderamento” emerge em 1950, mas passa a ser empregue mais frequentemente a partir de 1990 (VASCONCELOS, 2003), ligado ao subjetivismo e ao neoliberalismo, inclusive por parte da esquerda. O termo é compreendido sob formas distintas (de forma mais individualista ou mais coletiva, mais relacionado a ideia de autoajuda, mercado ou com suposta “emancipação”, dependendo do caso), mas sua raiz etimológica revela seus limites e vínculos mais profundos, pois se trata de uma questão de “poder”, algo em si problemático. Nancy Fraser (2017) mostra como tal termo está relacionado com o “neoliberalismo progressista” e vinculado com outros construtos correlatos.
[7] A razoabilização é um termo que substitui o termo psicanalítico denominado “racionalização” (RUCK, 2016) e significa tentar tornar “razoável”, ou seja, aceitável, racional, etc., comportamentos condenáveis e vistos negativamente, pelo próprio indivíduo que gera a razoabilização.
[8] A competição ocorre entre setores dos movimentos sociais entre si seja por espaços ou por recursos e quanto maior é a organização mobilizadora, maior é sua competitividade e caráter competitivo. Isso já foi trabalhado por McCarthy e Zald (2017). Isso gera a discrepância entre o objetivo real e o objetivo declarado da organização, o que já foi abordado por vários autores (VIANA, 201..) a partir da análise organizacional de Etzioni (1976).
[9] As divisões sociais no interior de um movimento social, bem como as existentes no grupo social de base do mesmo, geram lutas, competição, etc., internamente, gerando distintas tendências, organizações, etc. O microrreformismo sendo hegemônico, marginaliza as tendências revolucionárias e outras que podem se opor a ele, mas também é atingido pelas divisões internas. E por isso é possível identificar um microrreformismo aliado ao antigo reformismo socialdemocrata (especialmente alguns setores ligados a partidos políticos), um microrreformismo “espontâneo”, que emerge a partir da hegemonia existente e sem ligações com o aparato estatal e instituições. Somente uma pesquisa aprofundada poderia identificar o conjunto de manifestações derivadas do microrreformismo e suas especificidades. O nosso foco aqui é o microrreformismo hegemônico nos movimentos sociais e por isso não abordaremos essas formas derivadas. É nesse contexto que emerge a hegemonia do especifismo no interior dos movimentos sociais (TARDIEU, 2014).
[10] A fonte dessa concepção está em Marx, que distinguiu entre representações verdadeiras e ilusórias (MARX e ENGELS, 1982). No desdobramento da teoria das representações cotidianas, o termo imaginário acaba sendo uma forma mais resumida de explicitar as representações cotidianas ilusórias.
[11] Isso não significa concordar com a concepção nietzschiana (NIETZSCHE, 2004), que compreende a verdade, em si, como “ficção útil”, mas sim, que, em certos casos, no que se refere a algumas representações cotidianas ilusórias, elas assumem esse caráter. A concepção nietzschiana é ideológica e já contestamos ela em outro lugar (VIANA, 2010).
[12] Marx distingue entre ideólogos ativos (produtores de ideologia) e passivos (reprodutores das ideologias produzidas pelos anteriores) e é nesse sentido que distinguimos entre intelectuais produtivos e reprodutivos (MARX e ENGELS, 1982).
[13] A política de cotas raciais nas universidades, por exemplo, não atingem os indivíduos negros analfabetos, semianalfabetos, que não terminaram o ensino médio, etc. e que são a maioria esmagadora da população negra. Atingem aqueles que já estão no cume da pirâmide social da população negra e isso pode beneficiar indivíduos, mas não muda a situação grupal e nem abole as injustiças contra tal população, além de ainda conquistar adesão e cooptar indivíduos do grupo para apoiar a sociedade que gera essa situação e governos que a reproduz. Uma vez que certos indivíduos do grupo defendem e isso aparenta ser benéfico para o grupo como um todo, outros, mesmo que não tenham a menor condição de usufruir de tal “privilégio”, podem apoiar incondicionalmente tal política e, por conseguinte, governos, grupos, partidos, etc. sem perceber que isso não resolve a questão e fortalece aqueles que são os garantidores das condições da não resolução do problema.
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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Vantagens Competitivas, Microrreformismo e Imaginário Conveniente - A integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo. Revista Espaço Livre. v. 12, n. 24, jul./dez. de 2017.
Disponível em:
http://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/view/749/655 

domingo, 10 de junho de 2018

Representações Cotidianas: Teoria e Pesquisa


Sinopse

Representações Cotidianas: teoria e pesquisa é uma coletânea de estudos sobre a teoria e a pesquisa das representações cotidianas organizada por Edmilson Marques. O livro busca avançar para além da ideologia do senso comum e das representações sociais. Encontramos aqui respostas apresentadas por Edmilson Marques sobre o que são as representações cotidianas e a sua sistematização teórica. Maria Angélica Peixoto aborda a ideologia das representações sociais e a teoria das representações cotidianas. Nildo Viana analisa: 1. A distinção entre convicção e opinião; 2. “Aquilo que Marx denominou de 'representações ilusórias' da realidade”, observando as relações entre duas formas elementares de ilusões, o imaginário e a ideologia, e o processo em que uma transforma-se na outra. Cassia Soares, Heitor Pasquim, Luciana Cordeiro e Sheila Lachtim propõem “a construção participativa de material instrucional para jogo educativo e as principais representações cotidianas expostas e transformadas durante a construção do material”, com atenção para as representações cotidianas sobre drogas. Alessandra Cofani, Celia Campos e Heitor Pasquim analisam a concepção de juventude de indivíduos de classes ou frações de classes distintas, enfatizando o consumo de álcool por jovens de diferentes grupos sociais. A coletânea é concluída com um estudo de Cassia Soares, Elda de Oliveira, Leandro Batista e Marco Separavich sobre as representações cotidianas produzidas por “jovens do ensino médio de uma escola pública, no bairro de Guaianazes na periferia de São Paulo”, sobre a “periferia, a mídia, a juventude, os rolezinhos, a juventude e o consumo de drogas”.

Detalhes do produto

Editora: EDITORA CRV
ISBN:978-85-444-2347-9
DOI: 10.24824/978854442347.9
Ano de edição: 2018
Distribuidora: EDITORA CRV
Número de páginas: 122
Formato do Livro: 16x23 cm
Número da edição:1

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Autores

EDMILSON MARQUES
Graduado em História e especialista em Ciência Política pela Universidade Estadual de Goiás, mestre em História pela Universidade Federal de Goiás e doutor em História pela Universidade Federal de Goiás. Realizou o estágio de doutorado em 2011 na Universidade de Valência/Espanha, e o pós-doutorado em 2015 pelo programa de sociologia da Universidade Federal de Goiás com uma pesquisa sobre o rádio em Goiás no período do Regime Militar, tomando como referencial teórico-metodológico a teoria das representações cotidianas. Atualmente atua como professor efetivo da Universidade Estadual de Goiás, câmpus de Uruaçu. Integra o corpo docente do mestrado em Ciências da Religião da PUC, oferecido pela FASEM, em Uruaçu-Goiás. É autor do livro Estado, Luta de Classes e Autogestão Social e Histórias em Quadrinhos: valores e luta cultural.
ALESSANDRA COFANI
Enfermeira, mestre em Cuidado em Saúde pelo Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. 
CASSIA BALDINI SOARES
Enfermeira, Mestre em Saúde Pública e Doutora em Educação. Professora Associada do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. É líder do grupo de pesquisa “Fortalecimento e desgaste no trabalho e na vida: bases para a intervenção em saúde coletiva”, bolsista produtividade em pesquisa e vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Enfermagem na Atenção Primária em Saúde no Sistema Único de Saúde. Pesquisa o tema da juventude na atualidade, especialmente no que se refere ao consumo de drogas, buscando aprimorar conhecimentos relativos à educação nessa área. Vem se dedicando também ao tema da formação e do trabalho em enfermagem e em saúde coletiva. Participa do grupo de metodologia de revisão de escopo, do Instituto Joanna Briggs. Tem sido um desafio desenvolver a pesquisa-ação emancipatória, metodologia potente para compreender necessidades em saúde e para arquitetar e implementar projetos e práticas políticas em saúde. 
CELIA MARIA SIVALLI CAMPOS
Bacharelado em enfermagem pela Universidade Estadual de Campinas, especialização em enfermagem em saúde mental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP (EERP), mestrado em Enfermagem em Saúde Coletiva pela Escola de Enfermagem da USP (EE) e doutorado em Enfermagem pelo Programa Interunidades (EE/EERP). Professora Associada no Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da EEUSP, vice coordenadora do grupo de pesquisa “Fortalecimento e desgaste no trabalho e na vida: bases para intervenção em saúde coletiva”áreas de interesse de atividades de ensino, pesquisa e extensão: necessidades em saúde e juventude. 
ELDA DE OLIVEIRA
Enfermeira – doutora em Ciências Universidade de São Paulo – USP; faz parte do grupo de pesquisa “Fortalecimento e desgaste no trabalho e na vida: bases para intervenção em saúde coletiva”. Tem experiência na área de Enfermagem em saúde coletiva com ênfase em saúde mental, educação e comunicação social, consumo de drogas. 
HEITOR MARTINS PASQUIM
Professor de educação física, mestre e doutor em ciências pela Universidade de São Paulo – USP. Membro do conselho editorial da revista Corpus et Scientia. Membro do comitê científico do grupo de trabalho temático “Atividade física e saúde” do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte – CBCE. Professor da Faculdade de Educação Física e Dança da Universidade Federal de Goiás – UFG. Faz parte do grupo de pesquisa “Fortalecimento e desgaste no trabalho e na vida: bases para intervenção em saúde coletiva”. Pesquisa o tema do lazer no campo da saúde, principalmente na área de saúde mental, drogas e juventude. 
LEANDRO LEONARDO BATISTA
É Professor Doutor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, no Departamento de Publicidade, Propaganda e Relações Públicas desde 1997. Recebeu os títulos de Mestre e Doutor da University of North Carolina em Chapel Hill, North Carolina, EUA em 1990 e 1996, respectivamente. Professor Leandro tem trabalhos apresentados em conferências de porte internacional nos Estados Unidos e Europa, bem como publicações em estudos de políticas públicas e efeitos da mídia. Suas principais áreas de interesse são teoria e métodos de pesquisa em comunicação, processos de decisão, percepção de riscos, comunicação de riscos e neurociência aplicada à propaganda. Atualmente coordena o grupo de pesquisa e laboratório 4C: Centro de Ciências Cognitvas e Comunicação, onde são desenvolvidas pesquisas experimentais com base na relação entre psicologia cognitiva e comunicações com uso de medidores fisológicos como rastreador de olhos e medidas galvânicas da pele. 
LUCIANA CORDEIRO
Terapeuta ocupacional, mestre e doutora em Cuidado em Saúde pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Tem experiência com o desenvolvimento de pesquisa-ação com trabalhadores da saúde e com docência na graduação e pós graduação. Atuou na clínica de saúde mental como terapeuta ocupacional e como supervisora de equipe de CAPS. 
MARCO ANTÔNIO SEPARAVICH
Sociólogo, Mestre e Doutor em Saúde Coletiva pela Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é pós-doutorando em Saúde Coletiva, Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo. Atua na Saúde Coletiva, na área de Ciências Sociais e Saúde, com experiência em investigações na interface de Comunicação e saúde, Ciências Sociais e adoecimentos crônicos, Políticas Públicas de Saúde e gênero. 
MARIA ANGÉLICA PEIXOTO
Professora do Instituto Federal de Goiás. Doutora em Sociologia pela UFG e pesquisadora dos seguintes temas: representações cotidianas, drogas e violência, violência contra a mulher, tráfico internacional de mulheres, entre outros. 
NILDO VIANA
Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília e Pós-Doutor pela Universidade de São Paulo; 
SHEILA APARECIDA FERREIRA LACHTIM
Enfermeira, mestre e doutora em ciências pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo – USP. Faz parte do grupo de pesquisa “Fortalecimento e desgaste no trabalho e na vida: bases para intervenção em saúde coletiva”. Pesquisa o tema do lazer no campo da saúde, principalmente na área de saúde mental, drogas e juventude.

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