O QUE É FASCISMO?
Nildo Viana
Hoje muito se fala em “fascismo”. Muita gente virou
“fascista” de uma hora para outra, inclusive pessoas que nem sabem o que é
isso. O clima eleitoral e o oportunismo do discurso eleitoral são as
explicações para tal uso e abuso do termo “fascismo”. Porém, o uso e abuso do
termo é possível pela sua indefinição ou por sua pseudodefinição. No fundo,
essa banalização desse termo o transforma num chavão. O curioso é que
intelectuais, alguns das ciências humanas, usam e abusam de tal chavão e alguns
até apresentam definições do mesmo sem remeter a uma fundamentação mais sólida
e a ampla bibliografia existente sobre o fenômeno.
Nesse contexto, torna-se urgente e prioridade discutir o
conceito de fascismo. Antes de iniciar a reflexão sobre tal conceito, é necessário
alertar sobre o uso e abuso do mesmo. Alguns leitores podem pensar que o autor
desse texto está apenas se posicionando – como é comum em períodos eleitorais –
de forma oportunista e por isso está querendo complexificar o que é simples. No
entanto, é preciso recordar que – em outras épocas – outros intelectuais, por
mais que possamos discordar deles, demonstraram compromisso com o rigor
intelectual e com a reflexão, e por isso fizeram o mesmo alerta. Vejamos uma
citação para demonstrar que este é um problema recorrente nas lutas políticas:
Por seu alto teor explosivo, a palavra “fascista” tem
sido frequentemente usada como arma na luta política. É compreensível que isso
ocorra. Para efeito de agitação, é normal que a esquerda se sirva dela como
epiteto injurioso contra a direita. No entanto, esse uso exclusivamente
agitacional pode impedir a esquerda, em determinadas circunstâncias, de
utilizar o conceito com o necessário rigor científico e de extrair do seu
emprego, então, todas as vantagens políticas de uma análise realista e
diferenciada dos movimentos das forças que lhe são adversas (KONDER, 1977, p.
4).
Após esse alerta de um filósofo insuspeito para os que
encontram fascismo em tudo – pois ele foi da esquerda partidária (PCB – Partido
Comunista Brasileiro) e nunca foi um “esquerdista” acometido pela “doença
infantil do comunismo” – podemos iniciar nossa caminhada. A reflexão sobre o
fascismo remete para algumas questões básicas: o que é o fascismo? Isso
pressupõe responder qual é o fenômeno que o termo expressa, o seu significado,
e qual a amplitude do conceito. Ao lado disso, é preciso entender quais são suas
origens, qual sua base social, quais são suas características e sua relação com
outras concepções semelhantes.
O Conceito de Fascismo
Iniciemos, portanto, com o conceito de fascismo. No fundo, o
fascismo foi um fenômeno histórico que emergiu pioneiramente na Itália e, por
isso, é nessa experiência histórica que podemos retirar os elementos básicos
para sua explicação. Obviamente que aqui já entra a discussão conceitual, pois
alguns utilizam uma definição tão ampla de fascismo que acaba se confundindo
com qualquer outro fenômeno, tanto o nazismo
quanto qualquer forma de ditadura. Por isso é preciso trabalhar o conceito de
fascismo inicialmente e, como o nome e a primeira experiência histórica emergiu
na Itália, é nesse caso concreto que temos as fontes para uma conceituação de
fascismo.
A princípio, podemos definir o
fascismo como um
movimento político
caracterizado por ser um nacionalismo expansionista, integralista e totalitário
que é expressão política e
doutrinária da burguesia em aliança com a burocracia[2].
Obviamente, o que temos acima é uma definição de fascismo, o que significa que é
uma síntese do conceito que traz a necessidade de desdobramentos e explicações.
Mas desta definição inicial podemos extrair uma discussão sobre as bases
sociais do fascismo, o que faremos adiante, sobre a doutrina fascista e sobre
sua diferença em relação a outras concepções burguesas, bem como suas origens
históricas.
Porém, é preciso compreender que, enquanto movimento
político, ou seja, uma expressão política de classe (ou conjunto de classes,
aliança de classes, etc.), o fascismo possui várias organizações derivadas,
além da questão cultural. Assim, é preciso entender, no movimento fascista, o
partido fascista, a força paramilitar fascista, o sindicalismo fascista
(corporações), o estado fascista, bem como sua base intelectual, a doutrina
fascista. Ou seja, trata-se de um movimento amplo que inclui diversos elementos
e esse é outro elemento que o diferencia de diversas outras organizações,
movimentos, doutrinas, que são da burguesia. Inclusive, ele se inspira e busca
ser o outro do “movimento progressista” (especialmente a social-democracia, o
leninismo e o sindicalismo revolucionário). Daí temos elementos da origem do
fascismo, pois parte do seu contingente originário e fundador saiu do movimento
progressista, pois Benito Mussolini foi líder do Partido Socialista Italiano e extraiu
elementos do leninismo e sindicalismo revolucionário de forma entusiástica para
constituir sua doutrina. A ideia de ser o outro da mobilização progressista com
objetivos burgueses é que fornece o que alguns chamaram de “movimento de
massas”. Retornaremos a isso adiante.
O fascismo, enquanto movimento que se pretende “popular” ou
de “massas” tem nas forças paramilitares uma de suas características
definidoras. Desde os
fasci di
combattimento (laços ou feixes de combate)
[3] ao
squadrismo, a violência organizada e
integrada num movimento mais amplo é uma característica do fascismo. Não se
trata, portanto, de violência difusa ou qualquer forma de exercer a violência,
mas sim organizada em forças paramilitares e integradas num organismo central.
Os
fasci di combattimento foram
criados por Mussolini. Eles estavam integrados no movimento fascista e reproduzindo
elementos do mesmo, embora ainda sob forma embrionária, pois o fascismo vai se
desenvolver e o
squadrismo será a
forma mais desenvolvida das forças paramilitares fascistas (GENTILE, 1988;
PARIS, 1993). As forças paramilitares exercem violência organizada com o
objetivo de levar o fascismo ao poder ou de garantir sua permanência no poder.
A outra forma organizacional do fascismo é o partido
político. O Partido Nacional Fascista, que já foi definido como “partido
político de novo tipo da burguesia” (TOGLIATTI, 1978). A sua fonte de
inspiração para se autodenominar “de novo tipo” foi justamente a concepção
leninista (TOGLIATTI, 1978). O partido fascista é uma prefiguração do estado
fascista, mas permeado por contradições, lutas internas, etc. (GENTILE, 1988;
TOGLIATTI, 1978), que só se resolverão com a ascensão ao poder e implantação do
totalitarismo fascista. O PNF (Partido Nacional Fascista) reproduzia no seu
interior a doutrina nacionalista totalitária e expansionista e por isso ele agia
de forma totalitária
O fascismo constituiu-se em partido político para
reforçar sua disciplina e precisar seu “credo”. A Nação não é a simples soma
dos indivíduos vivos nem o instrumento dos objetivos partidários, mas um
organismo que compreende a série indefinida das gerações cujos indivíduos são
elementos passageiros; é a síntese suprema de todos os valores materiais e
espirituais da raça. [...]. O Estado é a encarnação jurídica da Nação [...].
[...]. O prestígio do Estado Nacional deve ser restaurado: o Estado [...] deve
ser o zeloso guardião, o defensor e o propagador da tradição nacional, do
sentimento nacional, da vontade nacional (O PROGRAMA DO PARTIDO NACIONAL
FASCISTA, apud. PARIS, 1993, p. 97-98).
Assim, o partido fascista vai se estruturando e busca
concretizar o objetivo, coerente com o totalitarismo, de se tornar “partido
único”, por isso ele objetiva a “destruição de todos os outros partidos da
burguesia italiana e de todos os partidos políticos em geral” (TOGLIATTI, 1978,
p. 31). A evolução do PNF explicita o seu processo de implantar o objetivo
totalitário, mas que era difícil em sua formação e vai se concretizando com seu
avanço.
Outra forma organizacional fascista era o sindicalismo
fascista, chamado de corporativista. A ideia do fascismo era formar sindicatos
fascistas e instituir o sindicalismo único e assim realizar uma cooptação do
movimento operário. Para tal, deveria destruir os demais sindicatos
(especialmente os de orientação social-democrata e leninista, mas incluía todos
os demais). O corporativismo fazia parte da doutrina fascista (PARIS, 1993;
TRENTO, 1986), mas foi o elemento mais frágil da política fascista e com menos
sucesso e efetividade.
A quarta forma organizacional do fascismo é o estado
fascista. A ascensão dos fascistas ao poder iniciou com a chamada de Benito
Mussolini para compor o governo pelo Rei Vittório Emannuele, após a Marcha
sobre Roma, em 1922 (DEL ROIO, 1987). No entanto, houve um processo histórico,
marcado por fases, para o Estado fascista se consolidar e se tornar totalitário
[4].
No início dos anos trinta o fascismo havia consolidado
o seu regime, que se apoiava em um eficiente aparato político, em uma
ramificada estrutura de organizações de massas controladas a partir do alto, em
um consenso genuíno, ainda que em grande parte emotivo, da maioria dos
italianos, em uma constante mobilização de massas e no mito de Mussolini, o duce carismático que dominava a inteira
construção do novo sistema político. Ao final da primeira década de poder, o
fascismo deu início a um período de laboriosa produção ideológica, através dos
debates sobre o significado da “revolução fascista”, o papel do “partido”, o
corporativismo, o caráter “universal” do fascismo, a nova natureza do Estado
fascista. Os princípios fundamentais da sua ideologia foram definidos em um
texto oficial de 1932, a Doutrina do
fascismo, escrita em parte pelo filósofo Giovanni Gentile e em parte por Mussolini,
e publicada na Enciclopédia Italiana.
O fascismo era definido como uma concepção religiosa da vida, e portanto
espiritualista, anti-individualista e totalitária” (GENTILE, 1988, p. 45).
O fascismo é um movimento político e por isso engloba todas
essas organizações. A sua principal forma organizacional é o estado, que ele
busca conquistar e depois da conquista o transforma em estado fascista. Outra
forma organizacional de suma importância é o partido, pois ele é o principal
responsável pela conquista do aparato estatal, embora se torne secundário após
isso. E, por fim, temos as demais organizações fascistas, tal como as forças
paramilitares e sindicalismo corporativo, que serão complementadas por outras
formas organizacionais (de juventude, por exemplo), e forma o conjunto das organizações
fascistas. A forma organizacional do fascismo engloba todas essas organizações,
com destaque para o Estado, como organização principal, e o partido, que é
principal até a tomada do aparato estatal. Da mesma forma que possui uma forma
organizacional, o fascismo também tem uma forma cultural, expressa na doutrina
fascista. E todas essas organizações buscavam expressar e concretizar a
doutrina fascista. Essa também possui um elemento central e outros derivados e
por isso será abordada separadamente, mas não se deve perder de vista seu vínculo
indissolúvel com as organizações fascistas.
A Doutrina Fascista
A doutrina fascista necessita ser entendida para haver uma
compreensão do caráter do fascismo. É preciso destacar que trata-se de uma
doutrina e não de uma ideologia ou teoria. Aqui é preciso esclarecer que existe
o saber noosférico, complexo, e as representações cotidianas, também
denominadas “senso comum”, “saber popular”, etc. O saber noosférico é o
filosófico, o científico, o teórico, o teológico (VIANA, 2018a). É, portanto,
uma forma complexa de saber. Essa forma de saber é explicativa, desenvolvida,
coerente, aprofundada. Assim, o iluminismo, o positivismo, o marxismo, o
tomismo, o estruturalismo, o funcionalismo, o hegelianismo, o kantismo, o
cartesianismo, são formas assumidas pelo saber noosférico. Entre o saber
noosférico e as representações cotidianas existem formas intermediárias de
representações e outras formas de saber (VIANA, 2015). Esse é o caso das
doutrinas. As doutrinas não são desenvolvidas, como é o caso do saber
noosférico, e nem são tão simples quanto as representações cotidianas. As
doutrinas são caracterizadas por buscarem um certo desenvolvimento do
pensamento, mas ainda sob forma contraditória e sem chegar ao nível das
produções científicas, teóricas, filosóficas. Uma doutrina se organiza
racionalmente em torno de alguns princípios fundamentais, que são permanentes,
e por ideias acessórias e complementares, que podem ser contraditórias ou
alteradas.
Assim, formalmente, o fascismo é uma doutrina. Mas o que
interessa saber é quais sãos os princípios fundamentais dessa doutrina
específica chamada fascismo. Vamos elencar seus princípios fundamentais e
apresentar brevemente cada um deles. O primeiro princípio fundamental do
fascismo é o nacionalismo. O nacionalismo emerge com os estados-nações forjados
à força pela burguesia emergente após as revoluções burguesas e que gerou
ideias (ideologias, doutrinas, etc.) para justificar, legitimar e reforçar a
ideia de “identidade nacional”. A burguesia, após as revoluções burguesas, no
poder, adotou o romantismo e o nacionalismo como suas bandeiras para evitar a
luta de classes e a autonomização do proletariado e outras classes. Assim, o
“povo”, a “nação”, as tradições, a família, passaram a ser supervaloradas. O
nacionalismo assumiu várias formas no decorrer da história e não cabe aqui
fazer as diversas distinções históricas e continentais (o nacionalismo
africano, por exemplo, é bem distinto do nacionalismo europeu)
[5].
Isso significa que o fascismo é nacionalista, mas nem todo nacionalismo é
fascista.
A nação é o lema básico da doutrina fascista. Ela é a base
moral do fascismo e sua fonte de integração. Essa integração se concretiza
através do estado:
O ponto essencial desta concepção era a ideia do
Estado, como “um absoluto, diante do qual indivíduos e grupos são o relativo”,
como a “forma mais alta e potente da personalidade”, que “resume todas as
formas de vida moral e intelectual do homem”, e, “transcendendo o limite breve
das vidas individuais representa a consciência imanente da nação”, porque o
Estado “não é somente presente, mas é também passado e sobretudo futuro”: é o
Estado “que educa os cidadãos para a virtude civil, torna-os conscientes da sua
missão, impele-os à unidade”, soerguendo os homens “da vida elementar da tribo
à mais alta expressão humano de potência que é o império”. O estado fascista é
“uma vontade de potência e de império” [...] (GENTILE, 1988, p. 45).
Aqui é possível perceber a especificidade do nacionalismo
fascista: ele é expansionista, ou seja, imperialista, e também integralista. O
caráter expansionista do fascismo tem a ver com as suas próprias origens, de um
país que saiu vitorioso na Primeira Guerra Mundial, mas não obteve conquistas e
ficou subordinado aos demais países aliados vitoriosos e que precisa expandir o
seu império, o que vai culminar na sua aliança com a Alemanha nazista e Segunda
Guerra Mundial. Os pseudomarxistas de vários tipos apontaram para o caráter
imperialista do fascismo
[6],
apesar de seus equívocos derivados da influência leninista ao enfatizar o
capital financeiro (DEL ROIO, 1987; MANDEL, 1976; TOGLIATTI, 1978; DIMINTROV,
1978; KONDER, 1977). O nacionalismo do fascismo é expansionista, pois visa a
expansão imperial. Para isso, adapta a teoria da luta de classes do marxismo
substituindo-a pela luta de nações:
A nação italiana era, evidentemente, uma realidade:
uma realidade complexa, uma sociedade marcada por conflitos internos profundos,
dividida em classes sociais cujos interesses vitais se chocavam com violência.
Mussolini fez dela um mito, atribuindo-lhe uma unidade fictícia, idealizada.
Aproveitando uma ideia do nacionalista de direita Enrico Corradini, apresentou
a Itália como uma “nação proletária”, explorada por outras nações, e acusou
seus ex-companheiros socialistas de utilizarem o proletariado italiano para,
com suas reivindicações, enfraquecerem internamente o país em proveito dos
inimigos que a Itália tinha no exterior (KONDER, 1977, p. 11).
O nacional-fascismo era também integralista. Ele visava
integrar toda a população no regime fascista. Isso gerou a ideia, retomada por
vários analistas, de que ele seria um “movimento de massas”. O integralismo
fascista agia sob forma organizacional e sob forma doutrinária. O aspecto
organizacional foi assim explicitado por Mussolini e Gentile:
O fascismo quer o Estado forte, orgânico e ao mesmo
tempo apoiado em uma ampla base popular. O Estado fascista reivindicou para si
o campo da economia e, através das instituições corporativas, sociais,
educativas por ele criadas, o sentido do Estado chega até às extremas
ramificações, e no Estado circulam, enquadradas nas respectivas organizações,
todas as forças políticas, econômicas, espirituais da nação” (apud. GENTILE,
1988, p. 46)[7].
O Partido Nacional Fascista, as corporações (sindicatos
fascistas), educação fascista, organizações juvenis fascistas, etc. eram
unificadas no estado fascista, bem como os meios de comunicação, especialmente
o rádio (TRENTO, 1986)
[8]. No
plano doutrinal, o fascismo se inspirava em diversas fontes, algumas mais
distantes e perceptíveis por afirmações e palavras (Nietzsche e outros), mas
outros por serem fontes reais, indo desde o nacionalismo até o sindicalismo
revolucionário, passando pela social-democracia, leninismo, etc. A doutrina
fascista era desenvolvida através da propaganda, educação, organizações
fascistas, etc. O seu
modus operandi
tem como fonte de inspiração o sindicalismo revolucionário (e, em menor grau,
leninismo e outras concepções), especialmente Georges Sorel. A ideia de Sorel é
a do mito da greve geral e outras formulações que apontam para uma concepção
voluntarista e não-racional para atingir a classe operária (1993). Mussolini se
apropria dessa ideia e busca constituir o “mito da nação” e outros elementos
complementares para arregimentar as “massas”.
E o voluntarismo e apelo à ação e à vontade (que o fascismo
compartilha com tendências religiosas, anarquistas e outras, por razões e sob
formas distintas) aponta para o predomínio da fé ao invés da razão. “O fascismo
prefere suscitar a fé mais que convencer racionalmente. Um partido sustentado
pelo grande capital e cujo objetivo oculto é a defesa dos privilégios dos
poderosos agiria muito mal se tentasse despertar a inteligência dos seus
recrutas” (GUÉRIN, 1973, p. 97)
[9].
Cultivar a inteligência, segundo Guérin, só seria mais prudente quando os
indivíduos já estiverem “completamente fascinados”. “E o fascismo é fascinante e
deixa a gente ignorante e fascinada”, já dizia a música
.
Depois disso, ele pode ter acesso à “verdade” (sic) e lógica. E se abre os
olhos, “bastaria empregar o argumento supremo: é assim porque o chefe o disse!”
(GUÉRIN, 1973, p. 97). E aqui aparece uma outra característica secundária do
fascismo (que é comum ao stalinismo e nazismo), o culto à autoridade
[11].
Outro elemento característico da doutrina fascista é a manipulação de
sentimentos, no qual o medo, o ódio, o vínculo afetivo (com a nação, por
exemplo) é trabalhado para reforçar a adesão ao fascismo.
Assim, os valores fundamentais apontam para o Estado e a
nação, através de um nacionalismo que buscava integrar a população no regime e
de caráter expansionista/imperialista e totalitário. Para isso, era necessário
cultivar a ideia de um “homem novo”, que não seria mais o individualista e sim
o “homem-massa”, integrado na coletividade. Umas das necessidades
especificamente humanas, ou seja, parte da essência humana, tal como Marx
colocava, é a socialidade (MARX; ENGELS, 1982; VIANA, 2017) e o fascismo ataca
o liberalismo e o individualismo para se apresentar como aquele que pode suprir
essa necessidade. Assim, os indivíduos submetidos a uma sociedade dominada por
valores e representações individualistas, e afastados de uma socialidade
satisfatória, buscavam a reintegração. Esse processo se torna ainda mais
intenso nos momentos de desestabilização e crise.
No caso italiano, a situação crítica do país reforçava essa
necessidade: “vítimas da tendência desagregadora que se fortalecia no interior
da vida social, reduzidos a uma solidão angustiante, os indivíduos –
reconhecendo sua fragilidade – ansiavam por se integrar em comunidades capazes
de prolongá-los, de completá-los” (KONDER, 1977, p. 15). A promessa feita pelo
socialismo não se concretizou e a decepção com a social-democracia e o
leninismo abria a possibilidade para uma “terceira via”, além do liberalismo e
do socialismo. Assim, “o fascismo passou a se empenhar a fundo na apresentação
do seu mito da nação como algo capaz de satisfazer as exigências da vida
comunitária, que os indivíduos, no quadro da sociedade capitalista, são levados
a experimentar de maneira intensa, porém, frequentemente confusa” (KONDER,
1977, p. 15). Dessa forma, um sentimento humano autêntico é manipulado para
servir à causa fascista, desumana.
O integralismo é uma característica essencial do fascismo, e
nisso ele coincide com o nazismo, pois busca uma adesão integral dos
indivíduos, o que é necessário não apenas para manter o regime totalitário, mas
também para realizar sua empreitada expansionista e bélica. É por isso que para
o fascismo “não tende a ter súditos passivos não-participantes, mas soldados
fanáticos e ‘convictos’”, segundo Gino Germani
[12], tentando
mobilizar o conjunto da população (GENTILE, 1988). É por isso que esse
integralismo visa gerar o “homem novo”, massificado e subjugado ao estado
fascista:
No fascismo, como dissemos mais acima, a orientação
totalitária nascia de uma instituição da política e da massa que postulava a
maleabilidade da natureza humana, e atribuía à política a função de plasmar as
massas para criar novas realidades históricas, isto é, um Estado novo que
criaria um novo homem (GENTILE, 1988, p. 44)[13].
O “novo homem”, integrado no fascismo, é ativo e não
meramente passivo e isso é frequente no fascismo e um dos motivos para ser
qualificado como um “movimento de massas”. Assim, o indivíduo é integrado
totalmente e se torna um reprodutor do fascismo. Obviamente, essa integração do
indivíduo não se realizou concretamente
e totalmente. Uma parte considerável da população italiana foi integrada no
fascismo, embora, mesmo nessa parte, não tenha sido algo completo em todos os
casos. Esse processo mostra também sua face totalitária, pois a integração
ativa dos indivíduos via doutrina, fé, organizações, era totalitária, atingia
toda a sociedade. Desde a infância o indivíduo era cercado por um estado
totalitário:
Um dos primeiros objetivos, constantemente perseguido
pelo fascismo, era doutrinar a juventude, enquadrada de 6 a 18 anos de idade
nos filhos da loba, nos balilla, nos avanguardistas e, em sua versão feminina,
nas pequenas italianas e nas jovens italianas. Todos esses organismos faziam
parte da Opera Nazionale Balilla (ONB), criada em 1926 e mais tarde substituída
pela GIL – Giovetù Italiana del Littorio, diretamente dependente do secretário
do partido. A nível universitário, existiam os GUF – Grupos Universitários
Fascistas (TRENTO, 1986, p. 47).
Os trabalhadores eram atingidos pelas corporações
(sindicatos fascistas) e até em seu lazer:
O regime obteve maior sucesso na doutrinação através
da organização recreativa para os trabalhadores, a Opera Nazionale Dopolavoro
(OND), que proporcionava muitas vantagens (redução nas passagens de trem e nos
espetáculos) e organizava competições esportivas, passeios fora da cidade aos
domingos e turismo nos fins de semana (o sábado fascista), realizado em três
populares (TRENTO, 1986, p. 51).
A doutrina fascista era, portanto, nacionalista
expansionista, integralista e totalitária. Os seus princípios fundamentais
apontam para esses elementos, bem como sua forma de atuar e doutrinar. Além
desses princípios fundamentais, que eram coerentes e inalteráveis, haviam
outros que eram elementos contraditórios e que podiam, ao mesmo tempo, realizar
críticas ao capitalismo e ser financiado e grande defensor do grande capital,
bem como usar elementos do bolchevismo e criticá-lo ferozmente, entre diversas
outras contradições. É por isso que o fascismo foi chamado de “ideologia
eclética” (TOGLIATTI, 1978), mas apesar de se declarar “super-relativista”, e
defender a “flexibilidade ideológica”, não deixava de lado a necessidade de um
“princípio sagrado” (KONDER, 1977). O que mostramos aqui foram os princípios
fundamentais da doutrina fascista, sendo que seus elementos complementares
mudaram de acordo com as mutações políticas, a evolução histórica, o seu
fortalecimento, as conveniências políticas, o jogo de interesses e alianças para
chegar ao poder, etc. Esses elementos complementares não foram abordados por
não serem o cerne da doutrina e sim seus pontos negociáveis para atingir os
seus objetivos e realizar seus princípios fundamentais.
O caminho trilhado até aqui apontou para a compreensão do
conceito do fascismo, suas organizações e sua doutrina. No entanto, algumas
questões permanecem: como foi possível o fascismo italiano? Quais suas bases
sociais? Essas questões serão abordadas a partir de agora.
Origens e Bases Sociais do Fascismo
As interpretações do fascismo possuem pontos polêmicos, a
saber: a) o seu processo histórico de constituição; b) quais foram suas bases
sociais. Como um regime totalitário se formou em pleno século 20? O fascismo é
um fenômeno específico da Itália ou um fenômeno universal? Não há como entender
a gênese do fascismo sem compreender o processo histórico de seu engendramento
na sociedade italiana e isso remete para várias questões. Não poderemos
aprofundar e desenvolver todas essas questões aqui, mas vamos buscar efetivar
uma breve síntese do processo de constituição do fascismo.
O fascismo não emerge em qualquer contexto e de qualquer
forma. Não é uma doutrina que surge do nada e depois se materializa e toma
conta de toda uma sociedade, bem como não é um movimento destituído de
historicidade e produzido arbitrariamente. O fascismo emerge a partir de
indivíduos concretos em determinado contexto social e histórico. O fascismo
emergiu a partir de um processo de mutações no capitalismo mundial e da
inserção específica da Itália nesse processo. O capitalismo se desenvolve a
partir da sucessão de diversos regimes de acumulação buscando o objetivo de
manter a reprodução ampliada do capital (VIANA, 2009). Quando um determinado
regime de acumulação entra em crise, emerge outro, gerando, juntamente com
isso, um novo regime de acumulação. Não poderemos desenvolver essas questões
aqui, mas existem outras que realizam essa discussão sobre a história do
capitalismo e a sucessão dos regimes de acumulação (VIANA, 2015; VIANA, 2009;
BRAGA, 2018; ORIO, 2014).
Após a crise do regime de acumulação extensivo, que viveu a
turbulência dos anos 1840 e 1850 até a Comuna de Paris de 1871, emerge o regime
de acumulação intensivo que vigorará até 1945. No entanto, em alguns países o
processo foi diferente. Trata-se, especialmente, do caso alemão e italiano.
Nesses países, um outro regime de acumulação foi instituído e o denominamos
regime de acumulação bélico (VIANA, 2015). O regime de acumulação intensivo
entrou em crise a partir da década de 1910 e isso foi expresso nas tentativas
de revoluções proletárias (Rússia em 1917, Itália em 1919/20, Alemanha em 1918/21,
Hungria em 1919) e lutas operárias radicalizadas em vários países. As derrotas
do movimento operário não geraram seu fim, mas seu enfraquecimento relativo - e
ele tendia a ressurgir, especialmente devido à situação de diversos países no
período posterior e, mais ainda, com a crise de 1929. A Alemanha, derrotada na
Primeira Guerra Mundial, e a Itália, aparentemente vitoriosa, foram os berços
do regime de acumulação bélico. A contrarrevolução burocrática na Rússia e a
formação do capitalismo de estado nesse país também foi visto como “ameaça
comunista” e nova potência imperialista, gerando o medo da “bolchevização”.
O regime de acumulação bélico é caracterizado por um estado
totalitário, nazifascista e outras características, mas seu elemento fundamental
é o que alguns denominaram “economia de guerra”, um eufemismo para capitalismo
de guerra. O objetivo do capitalismo de guerra, ou regime de acumulação bélico,
é a retomada do ritmo de acumulação de capital e para isso precisa incentivar o
capital bélico, forjar uma unidade e um regime ditatorial internamente para
garantir a força de um exército para buscar uma nova partilha imperialista do
mundo, etc. Esse foi o caso alemão e italiano, que, através do capitalismo de
guerra, buscaram recuperar o ritmo de acumulação de capital:
A elogiada economia da Alemanha nazista com seu alto
nível de atividade econômica (a produção industrial em 1938 esteve 25% acima de
1929, quando na Grã-Bretanha foi 12% inferior, e nos Estados Unidos de 28%
também inferior) foi apenas uma economia de guerra. Atendeu a um duplo
propósito: equipou a Alemanha para a agressão e deu lucros enormes aos
capitalistas monopolistas cujo bastião era a indústria pesada (EATON, 1965, p.
272).
Assim, o regime de acumulação bélico foi instaurado na
Alemanha e Itália, bem como o capital bélico avançou, posteriormente, a nível
mundial com a Segunda Guerra Mundial. Por qual motivo o regime de acumulação
bélico não se desenvolveu nos Estados Unidos e outros países, que encontravam
dificuldades na acumulação capitalista? Nos Estados Unidos, bem como outros
países imperialistas europeus, foram beneficiados com a última partilha
imperialista e não existiam condições internas para uma nova aventura de guerra
após a que havia ocorrido a pouco tempo. A justificativa para o belicismo seria
difícil e seria mais fácil contra a Rússia, que, no entanto, já havia
demonstrado ter força de resistência e aliados internos em vários países. Seria
necessário, também, uma força política interna (um movimento e um partido, como
o nazista e o fascista) com amplo apoio popular para conseguir isso e não havia
essa condição nesses países, embora se esboçasse em alguns casos. A ascensão do
nazifascismo só poderia ocorrer nos países derrotados ou em situação de
humilhação (como a Itália, que ganhou mas não levou), o que poderia gerar
ressentimento, ódio, grupos descontentes, etc., que geraria apoio popular e
clima cultural que permitiria a emergência e consolidação de movimentos
extremistas. Isso ocorreu no caso alemão e italiano. Nos limitaremos aqui ao
caso italiano, devido o nosso foco no fascismo.
A formação do regime de acumulação bélico na Itália, no
entanto, não foi algo fácil
[14]. Em
primeiro lugar, o bloco dominante nem sempre consegue homogeneidade e nem todos
conseguem captar as novas necessidades da classe dominante em geral. Por um
lado, haviam os liberais e, por outro, os católicos, bem como no sul rural,
havia uma situação diferenciada com a força dos latifundiários. O bloco
progressista perdeu sua força com o passar do tempo, especialmente o PSI
(Partido Socialista Italiano) e o PCI (Partido Comunista Italiano). O bloco
revolucionário, que poderia ter se fortalecido com o movimento dos conselhos de
fábrica, era extremamente débil na Itália (o marxismo sempre foi relativamente
fraco na Itália, país onde os anarquistas – como no caso de Malatesta – tinham
mais força e o sindicalismo revolucionário - Arturo Labriola, Enrico Leone,
etc. - e não superou essa condição). O bloco revolucionário era débil teoricamente e
extremamente fraco na militância concreta e na proximidade com o movimento
operário.
Nesse contexto, a “vitória mutilada”, como foi chamado o
resultado da Primeira Guerra Mundial para a Itália, gerou um processo que
lançaria algumas das bases culturais do fascismo posterior, bem como gerou um
contingente populacional que tendia a aderir ao futuro regime. “Os setores
ligados ao chauvinismo e ao expansionismo sentiam-se frustrados, pois a
Inglaterra, França, e os Estados Unidos ficaram com os maiores lucros da
vitória, não permitindo ao Estado italiano a conquista de novas colônias e a
dominação dos Balcãs” (DEL ROIO, p. 14).
Assim, ex-combatentes se tornaram potenciais integrantes de
forças paramilitares, bem como no sul, marcado pelo latifúndio, era outro setor
da sociedade que tendia a apoiar soluções mais drásticas e não eram próximos do
liberalismo. No fundo, se iniciou um processo de convergência de diversos
setores da sociedade italiana, e Mussolini, ex-integrante do PSI se aproveitou
disso para criar os Fasci de Combate
e abrir caminho para a formação do fascismo. A situação da sociedade italiana
era marcada por dificuldades no processo de acumulação, conflitos, pobreza,
entre outros aspectos, ao lado do ressentimento a respeito da “vitória
mutilada” e com setores da sociedade extremamente descontentes. É nesse
contexto que o descontentamento com as forças políticas tradicionais, tanto do
bloco dominante (liberais, católicos) quanto do bloco progressista (PSI, PCI),
vai gerando a ideia de uma “terceira via” (a debilidade do bloco revolucionário
o impedia de ter um significado político e mobilizador suficiente para criticar
as posições tradicionais e conseguir evitar a emergência do fascismo), e
Mussolini vai canalizar essa tendência e fortalecer o fascismo.
Assim, resta saber quais são as fontes culturais e sociais
do fascismo. As fontes culturais do fascismo remetem a um conjunto amplo de
ideologias e doutrinas existentes antes de sua consolidação. A principal fonte
doutrinária foi o nacionalismo e, no caso italiano, ela se materializou na Associação
Nacionalista Italiana, beneficiada pela força do nacionalismo que era
ascendente nesse país.
Salvemini não estava enganado, ao notar, em suas Leçons d’Harvard: “se o fascismo
apresenta uma doutrina coerente, deve-o ao fato de que os fascistas retomaram o
conjunto da doutrina nacionalista”. A entrada dos nacionalistas no Partido
Nacional Fascista, a 26 de fevereiro de 1923, e a fusão dos “camisas negras” e
dos “camisas azuis”, fadados, estes últimos, a desaparecer, nada mais fizeram,
na verdade, que sancionar formalmente uma identidade objetiva, a do
“nacional-fascismo” de que falava o historiador L. Salvatorelli num panfleto
dessa época (PARIS, 1993, p. 26).
A Associação Nacionalista Italiana surgiu com a derrota
italiana em Aduá, em 1896, surgindo em 1910, sendo que o ressentimento pela
derrota e morte de aproximadamente oito mil soldados, era o principal motivador
(PARIS, 1993). Um dos seus principais representantes intelectuais, o
ex-sindicalista revolucionário, Enrico Corradini (jornalista, escritor,
romancista, etc.), vai criar algumas das ideias-chave do nacionalismo da época
que será incorporado pelo fascismo e por Mussolini. Ele foi um grande
propagandista e incentivador do nacionalismo e um dos fundadores da Associação
Nacionalista Italiana. Da mesma forma, ele explicitou a finalidade de tal
associação:
“Da mesma maneira que o socialismo tirara o
proletariado de seu sono e o tornara capaz de “ditar sua lei de classe às
outras classes”, o nacionalismo, substituindo a luta de classe pela “luta das
nações”, deveria, segundo Corradini, suscitar na Itália “a vontade da guerra
vitoriosa” (PARIS, 1993, p. 29).
Outra fonte cultural do fascismo foi o sindicalismo
revolucionário
[15]. Se
o nacionalismo traz o lema básico do fascismo e sua justificativa doutrinária,
o sindicalismo revolucionário e a inspiração em Georges Sorel traz a ideia da
força do voluntarismo, da importância do “mito” (no sentido soreliano da
palavra), e do corporativismo para constituir o seu integralismo. Assim, de
Sorel e do sindicalismo revolucionário vem o elemento irracional que se quer
despertar nas “massas” e integrá-las no fascismo, assim como o corporativismo,
o sindicato único fascista, teria a função de realizar esse processo e essa não
seria mera adesão passiva, mas sim ativa. A ideia básica é a de que não basta
aceitar o fascismo, é preciso ser fascista.
Além dessas fontes, diversas outras foram assimiladas pelo
movimento fascista (movimento artístico futurista, bolchevismo, etc.), mas
estas duas formaram a base doutrinária fascista. As fontes sociais e as fontes
culturais do fascismo se unificam, pois apontam para um mesmo caminho.
Uma questão, no entanto, ainda não foi respondida. É sobre a
base social do fascismo, ou seja, seu caráter de classe. A esse respeito não há
consenso e existem duas posições mais consolidadas sobre isso: aqueles que
consideram que o movimento fascista é de caráter pequeno-burguês e aqueles que
consideram que ele é fundamentalmente ligado ao capital financeiro. Assim, o
fascismo seria, para alguns pequeno-burguês e para outros seria burguês, em sua
fração reacionária ligada ao capital financeiro. Essa última tese foi
desenvolvida a partir da produção de Rudolph Hilferding sobre capital
financeiro, retomada por Lênin, e se tornou a posição oficial da URSS através
da pena de Dimitrov (1978, p. 11): “o fascismo no Poder, camaradas, é, como
acertadamente o definiu o XIII Pleno do Comitê Executivo da Internacional
Comunista, a ditadura terrorista descarada dos elementos mais reacionários,
mais chauvinistas e mais imperialistas do capital financeiro”.
Essa concepção vai ser reproduzida sem maiores reflexões por
um grande número de pseudomarxistas de várias tendências (BARROS, 1969; DEL
ROIO, 1987; KONDER, 1977). Sem dúvida, o fascismo beneficiou diversos setores
do grande capital, incluindo o que se denominou “capital financeiro”. Porém, as
coisas não são assim tão simples. Nem sempre o maior beneficiado é o agente de
um determinado movimento político. Por outro lado, o movimento fascista teve
apoio e financiamento de diversos setores do capital, mas não foi efetivado por
indivíduos ou pela classe capitalista diretamente.
A outra concepção considera o fascismo como um “movimento de
massas”. Nessa abordagem, o fascismo seria um “regime reacionário de massa”,
cujo caráter era “pequeno-burguês” (TOGLIATTI, 1977), organizado por um partido
burguês de novo tipo e uma “ideologia eclética”. A concepção trotskista se
aproxima dessa abordagem, tal como coloca Mandel ao afirmar que o fascismo,
segundo Leon Trotsky, é um movimento de massas efetivado pela pequena-burguesia
em situação de crise, sendo atingida por esta, gerando oposição ao movimento
operário. Aqui se comete o equívoco analítico de tomar os agentes imediatos (tal
como aparecem na percepção dos analistas, ou seja, como “pequena-burguesia”) como
os únicos responsáveis pelo processo, apesar de, posteriormente, buscarem
integrar a burguesia na análise e demonstrar seu vínculo com o fascismo.
Estas duas concepções são equivocadas por dois motivos: em
primeiro lugar, são distantes do método dialético e por isso partem mais de
deduções do que de informações sobre o nazifascismo; em segundo lugar, devido a
isso, tentam realizar uma análise de classe, mas mostram que desconhecem a
teoria marxista das classes sociais e assim realizam uma abstratificação de supostas
classes ou frações de classes. O fetichismo do capital financeiro é algo que
pode ser convincente politicamente, mas não se sustenta. O capital financeiro
não foi o único que ganhou com a ascensão do fascismo (e do nazismo alemão),
pois outros setores do capital também ganharam. A própria noção de “capital
financeiro” é imprecisa e problemática.
A ideia do caráter de “massas” do fascismo tem elementos
verdadeiros, mas comete vários equívocos, a começar por afirmar que é uma
suposta “pequena-burguesia” o elemento que explicaria tal caráter. A ideia de
uma “pequena-burguesia” é, em si, problemática e da forma como alguns colocam
(MANDEL, 1976) engloba várias classes sociais ao invés de uma. Mandel, ao afirmar
que a pequena-burguesia é uma “terceira classe social do capitalismo, que
encontra entre o proletariado e a burguesia” (MANDEL, 1976, p. 33) se afasta
completamente do marxismo e de sua teoria das classes sociais.
Para Marx, a burguesia e o proletariado são as classes
fundamentais da sociedade capitalista constituídas no modo de produção
capitalista. Além delas, existem, temporariamente, as classes transitórias
(nobreza, etc.) que desaparecem com o passar do tempo, a de outros modos de
produção (campesinato, por exemplo), e as classes improdutivas (tal como a
burocracia), formando uma sociedade com várias classes sociais (VIANA, 2018b).
Qual é a vantagem da concepção de Marx sobre a de Mandel? A concepção de Marx
consegue fazer perceber as divisões de classes de forma mais ampla e concreta,
permite identificar distintos interesses que são ofuscados com a ideia de
apenas uma “terceira classe” e ver as divisões e articulações no seu interior.
Além desses problemas teórico-metodológicos (e derivado
deles) há uma desconsideração pela realidade concreta. Assim, se troca a
análise da realidade concreta por chavões e modelos explicativos que encaixam a
realidade ao invés de expressá-la. Como explicar o caráter de classe do
fascismo? A análise deve levar em consideração quais são os problemas e as
soluções que os representantes intelectuais e políticos das classes sociais
expressam e assim compreender o seu caráter de classe. Ao lado disso, os apoios
(inclusive financeiro), os vínculos, etc., ajudam a complementar a análise.
No caso do fascismo italiano, o contingente populacional que
impulsionou o fascismo foi variado e teve como principal articulador a
burocracia civil, especialmente a partidária. Mussolini saiu da burocracia do
PSI e depois se tornou o grande nome da burocracia do PNF. Ao lado da
burocracia civil, havia outros setores da sociedade, tais como ex-combatentes,
latifundiários do sul da Itália, etc. A composição social do PNF continha todas
as classes sociais: burgueses, semiburgueses (pequenos proprietários e pequenos
comerciantes), latifundiários, intelectuais, burocratas, operários, camponeses,
etc. A hegemonia interna era da burocracia dirigente, pois era ela que definia
os problemas e as soluções, mesmo tendo influências externas
.
E quais eram os problemas e as soluções apontadas pelo
fascismo e, mais especificamente, o PNF? No plano discursivo, o problema era a
nação e o estado e a solução era o fascismo, que retomava o valor da nação
através do Estado e assim combatia o liberalismo, a democracia e o socialismo
(MUSSOLINI, 1976). No plano concreto, o Estado fascista tinha como problema
central a recuperação da nação italiana, tanto da acumulação capitalista quanto
militarmente. A questão da nação e o apelo ao valor do império (MUSSOLINI,
1976) era a forma discursiva de manifestar o objetivo imperialista apontado
pelo fascismo. Assim, a burocracia civil, e outros setores da sociedade
italiana (latifundiários, semiburgueses, burgueses, etc.) e adeptos difusos de
determinadas doutrinas (nacionalismo, etc.) foram as forças que iniciaram o
processo de formação do fascismo, e que depois tiveram o apoio de setores da
burguesia, e, assim, forjaram a versão completa do fascismo enquanto expressão
doutrinária nacionalista expansionista, integralista e totalitária.
Desta forma, o fascismo expressava os interesses de classe
da burguesia em geral e não de frações ou setores dela, como supõe os adeptos
da tese do “capital financeiro”. A “indústria pesada” apoiou o fascismo
inicialmente e depois até a “indústria ligeira” que havia sido oposta, acabou
cedendo ao PNF e ambas financiaram, em 1922, a Marcha sobre Roma
[17]. O
agente principal e concreto foi a burocracia, com apoio de outras classes,
frações de classes e setores da sociedade, e daí seu caráter “popular” ou “de
massas”. Isso mostra que o “caráter de massas” do fascismo não remete a uma
“pequena-burguesia” e sim a um conjunto bem diverso no qual a semiburguesia era
apenas uma pequena parte e sem maior poder e influência. Em síntese, a base
social do fascismo foi a burguesia e parte da burocracia
[18] com apoio
de diversas outras classes, frações de classes e setores da sociedade.
O caráter de classe do fascismo é, portanto, burguês, numa
aliança da burocracia mais conservadora (os seus estratos superiores) com a
burguesia. A burocracia que se alia com a burguesia italiana, buscando se
autonomizar, é a sua tendência mais conservadora, mas que é mais corajosa e
busca se tornar forte e próxima à burguesia e, por isso, realiza a
supervaloração do estado e desenvolve o integralismo, que complementa os
interesses burgueses em forjar uma unidade nacional beligerante a serviço do
imperialismo através do integralismo e totalitarismo. Assim, o caráter de
classe do fascismo é burguês, assim como diversas outras ideologias, doutrinas,
etc., burguesas, e seu diferencial é que apela para uma burocracia forte
(partido, mas principalmente um estado forte, integral, totalitário) para
satisfazer suas necessidades.
O estado fascista é um estado burguês que cede à burocracia
estatal o poder para se tornar totalitário e integral e realizar a expansão
imperialista necessária para a reprodução capitalista. Isso significa a
reprodução ampliada do capital, o que é interesse coletivo da burguesia e não
apenas do “capital financeiro” (se uma fração ou setor do capital é mais
beneficiado em determinado momento, isso se deve a um conjunto de determinações
e não uma predominância de uma parte em detrimento de outra) e seu caráter
supostamente “popular” ou de “massa” tem origem no conjunto de classes, frações
de classes e outros setores da sociedade que acabam apoiando o fascismo,
inclusive setores das classes trabalhadoras.
Considerações finais
Iniciamos o presente artigo colocando a questão do uso e
abuso do termo fascismo. Algumas vezes, alguns autores entenderam o fascismo de
forma extremamente ampla, mas assim confundiram distintos fenômenos e faltaram
com o necessário rigor teórico na elaboração conceitual. Porém, na luta
política, o uso do termo fascismo é apenas um processo de desqualificação,
acusação, criação de um inimigo imaginário, manipulação do sentimento de medo,
etc.
O fascismo possui diversas características e algumas delas
estão presentes em outras manifestações políticas, mas para ser fascismo é
necessário que possua os elementos essenciais do fascismo. Assim, o nazismo, o
stalinismo, os regimes ditatoriais na América Latina, entre diversos outros
exemplos, são ditaduras, mas não são a mesma coisa que o fascismo. O nazismo é
o fenômeno mais próximo do fascismo, pois surgem a partir de um mesmo contexto
histórico e social e cumprindo com a mesma função histórica e por isso é
possível tratar do nazifascismo, abstraindo suas diferenças. O nacionalismo é
uma característica do fascismo, mas existiram várias doutrinas nacionalistas
antes do fascismo, bem como depois.
Da mesma forma, querer definir o fascismo a partir de
indivíduos é problemático. Aliás, Konder, novamente, alerta sobre isso ao
tratar do que alguns chamaram “personalidade fascista”. Ele cita o caso de
Hitler e suas afirmações sobre a intolerância do cristianismo e da necessidade
da tolerância, que seria conquistada através do nazismo (KONDER, 1977) e cita também
o caso de Mussolini.
Se levarmos demasiadamente a sério o que esses
personagens pensavam de si mesmos e procurarmos, a partir do que diziam,
concluir algo sobre o sentido específico dos movimentos que cada um deles
liderava, estaremos nos servindo de um método inadequado. O fascismo tem se
servido de tipos humanos bastante diversos, desde tarados sexuais como Julius
Streicher até zelosos funcionários que se limitavam a cumprir disciplinadamente
os seus deveres (mesmo quando esses “deveres” consistiam na liquidação de três
milhões de pessoas, como se viu no caso de Rudolf Hoess, comandante do campo de
concentração de Auschiwitz, executado em abril de 1947, que fez questão de
deixar bem claro em seu testamento que nunca tinha sido “um homem de mau
coração”) (KONDER, 1977, p. 98).
Assim, encerra Konder, as contradições e complexidade
psíquica dos indivíduos tem importância secundária quando se quer compreender a
significação da política que executavam. A amplitude do fascismo permitiu
mobilizar “gente de toda espécie”. Assim, é muito mais nas tendências
profundas, nas bases sociais e políticas, nas lutas e interesses de classes e
em suas expressões conscientes e organizadas (os blocos sociais), que podemos
entender os movimentos políticos, os partidos, etc.
O caso brasileiro atual é um exemplo do mau uso do termo
fascismo, bem como do seu abuso. Sem dúvida, isso é comum na luta política,
como já colocava Konder, mas é problemático. E se torna ainda mais problemático
quando a maioria dos intelectuais, renunciando a qualquer compromisso com a
verdade, adentram e reproduzem o discurso eleitoral irresponsavelmente. O que se
esperaria dos intelectuais, especialmente aqueles que dizem querer a
transformação social ou pelo menos, como ele dizem, um “mundo melhor”, é tal
compromisso. O compromisso com a verdade é um elemento que salva a dignidade do
intelectual, por pior que ele seja, pois mesmo que ele não chegue até a
verdade, ele não se tornou um mentiroso. Uma coisa é não dar conta de chegar à
verdade mesmo querendo-a, por razões políticas, valorativas, etc. Outra coisa é
saber que está reproduzindo uma mentira e continuar fazendo isso. O primeiro
pode voltar atrás e reconhecer seu equívoco, o segundo vai continuar
reproduzindo mentiras.
Um fascismo no Brasil é algo quase impossível. O fascismo é
um fenômeno que surge em momentos de crise de um regime de acumulação ou do
capitalismo e nos países imperialistas. Ele é a antecâmara da guerra, uma arma
do imperialismo. Logo, o fascismo surge em países imperialistas ou
potencialmente imperialistas. É sua característica ser não apenas nacionalista,
mas imperialista, integral e totalitário. Na América Latina existiram
ditaduras, mas não fascismo. E a razão disso é que a América Latina é composta
por países de capitalismo subordinado, possuindo uma burguesia subordinada ao
capital transnacional e ela não pode se livrar dele, e nem é seu interesse. Sem
dúvida, pode existir discursos, grupos, etc., que se dizem fascistas ou
neonazistas. No entanto, são nada mais do que fenômenos natimortos. O fascismo
é um nacionalismo imperialista, expansionista, e, portanto, só pode surgir em
certos países, bem como, para conseguir chegar ao poder, somente em certas
condições históricas. Na sociedade brasileira, podem surgir cópias mal feitas,
usos de alguns aspectos secundários da doutrina fascista, mas não o fascismo de
forma integral, ou seja, no seu sentido autêntico.
Sem dúvida, o fascismo é uma forma do reacionarismo, assim
como o conservantismo, o nazismo, etc. Se emerge, na sociedade brasileira, um
forte conservantismo, cabe aos intelectuais que possuem compromisso com a
verdade buscar compreender esse fenômeno, seu significado, suas bases sociais,
suas características e tendências. Isso significa, por um lado, realizar uma
análise teórica que fornece uma explicação conceitual do fenômeno e, por outro
lado, efetivar uma reflexão sobre o fenômeno concreto. Isso requer, portanto,
um duplo trabalho, o teórico e o analítico, o que significa a necessidade de pesquisa
e esforço intelectual. Estamos nos aproximando de uma época de conflitos cada
vez mais intensos, de luta de classes radicalizadas que tendem a ressurgir, bem
como de crises e outros processos que tornam necessário o engajamento
intelectual mais profundo e sair da indigência intelectual e da
superficialidade.
Por isso, é urgente a retomada da criticidade e do não
envolvimento emocional que cega os indivíduos diante da realidade. Se os
intelectuais (de qualquer tendência política) se tornam meros marionetes ou
reprodutores de discursos partidários, prestam um desserviço à população como
um todo e até mesmo aos seus aliados, pois a cegueira pode ser útil como
discurso político enganador, mas não como bússola para a própria ação política.
E para aqueles que desejam a transformação social, a reprodução da cegueira
serve para reforçar a ignorância e isso reforça a tendência ao barbarismo e manipulação
da população, seja por lado A ou B.
Enfim, a discussão realizada aqui sobre o fascismo, feita às
pressas e imperfeitamente, para dar conta de necessidades e discursos
conjunturais, buscou esclarecer e dar contribuições sobre a compreensão desse
fenômeno político e ajudar na superação de equívocos terminológicos e,
consequentemente, políticos. Entender o fascismo significa compreender a luta
contra o fascismo e outras formas de conservadorismo, bem como contra outras
tendências (progressistas) que dizem ser diferentes, mas não são antagônicas e
sim opostas, pois estão dentro do mesmo universo, jogando o mesmo jogo e aceitando
as mesmas regras, com os mesmos objetivos, a conquista do poder. Esse, no
entanto, é apenas um tijolo na parede de uma casa em construção. Ela precisará
de milhares de outros tijolos, o que traz a necessidade de discutir o
conservadorismo e suas divisões, bem como o progressismo. Em breve vamos
colocar mais tijolos nessa casa em
construção que é uma análise geral
das tendências políticas existentes na sociedade moderna.
Referências
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[2] Esses elemento o diferencia de outras concepções
políticas burguesas e até de outras formas de reacionarismo e ditadura. Da
mesma forma, existem características secundárias, tal como o apoio que
conquistou de certas classes subsidiárias e setores da população, entre outras
que explicitaremos e são derivadas destes elementos fundamentais.
[3] “Em janeiro de 1915, Mussolini criou um movimento
para pressionar o governo italiano a intervir na guerra contra o império
Austro-Húngaro que chamou-se de fascio
interventist. Assim surgiu a ideia de denomiar de Fasci di Combatimento a organização que nasceu na Praça San
Sepolcro” (DEL ROIO, 1987, p. 12).
[4] Gentile (1988) expressou esse processo como a
passagem do autoritarismo para o totalitarismo, mostrando como o fascismo foi
se fortalecendo ao ponto de implantar sua ditadura totalitária.
[5] Konder realiza uma distinção entre o nacionalismo dos
povos colonizados e o nazifascismo, colocando que o primeiro surge de “baixo
para cima” (sendo mais democrático) e o segundo “de cima para baixo” (KONDER,
1977). Apesar dessa consideração ter momentos de verdade e ver diferença entre
duas manifestações distintas de nacionalismo, não deixa de ser problemática e
realizar uma certa idealização do nacionalismo dos países colonizados.
[6] “O fascismo é um produto do capitalismo monopolista e
imperialista” (MANDEL, 1976, p. 23).
[7] “É fácil dar-se conta de que este texto, que se torna
ponto de referência fundamental para a ideologia [sic] fascista, seja nas
elaborações teóricas [sic] mais sofisticadas seja na divulgação catequística de
fórmulas elementares, não era mera retórica de ocasião, mas representava a
concentração dos mitos e das ideias amadurecidas a partir da ‘nova cultura
política’: não é por acaso que um dos autores [Giovani Gentile - NV] tenha sido
o filósofo que mais do que qualquer outro, na Itália, contribuiu para a ‘transformação
da política’ em nível teórico, após a Grande Guerra, elaborando uma espécie de
teologia política em que se inspiraram muitos intelectuais fascistas” (GENTILE,
1988, p. 46).
[8] “As funções dessas organizações eram múltiplas, de
tipo pré-militar, assistencial, recreativo e esportivo, mas com o alvo
principal de socialização ideológica, de adesão aos valores do fascismo, e de
inculcar a doutrina crer, obedecer,
combater” (TRENTO, 1986, p. 47).
[9] “O mito é uma fé, é uma paixão. Não é preciso que seja
uma realidade. [...]. O nosso mito é a nação, o nosso mito é a grandeza da
nação!” (MUSSOLINI, apud. KONDER, 1977, p. 11).
[11] Após a morte de Stálin, na antiga URSS (União das
Repúblicas “Socialistas” “Soviéticas”), foi denunciado o “culto da personalidade”.
O culto à autoridade é um processo que tem elementos psíquicos e que Fromm
discutiu ao distinguir entre autoridade racional e autoridade irracional. O
culto à autoridade, no fascismo, nazismo e stalinismo, é um processo irracional
em relação a uma autoridade igualmente irracional. Isso é coerente com o
fascismo e com o nazismo e seu desprezo pela razão, mas é incoerente no caso do
stalinismo.
[12] Germani atribuía essa característica ao
“totalitarismo” (GENTILE, 1988).
[13] Não deixa de ser curioso que alguns pseudomarxistas e
stalinistas também usem a expressão “novo homem”, em visível contradição com o
marxismo. Para o marxismo, a essência humana é universal e foi a sociedade de
classes que criou a sua degradação e, portanto, não se trata de criar “novo homem”
e sim libertar a humanidade, permitindo a concretização da natureza humana
através da superação do trabalho alienado e da deformação das relações sociais,
o que pressupõe abolir a sociedade de classes (no caso, a sociedade classista
atual, o que significa abolir o capital e o aparato estatal e as classes em
geral).
[14] Além disso, o regime de acumulação bélico italiano
foi muito inferior e muito mais fraco que o alemão. Não só o capital bélico
italiano era mais frágil, como também o exército. Mussolini, inclusive, disse
para Hitler que só estaria preparado para a guerra em 1942 (TRENTO, 1986).
Porém, o capital bélico era beneficiado por conseguir primazia na importação de
matérias-primas (GUÉRIN, 1973) e foi se fortalecendo, especialmente a partir da
conquista da Etiópia, e, posteriormente, com a Segunda Guerra Mundial. O regime
de acumulação bélico italiano formou-se mais lentamente e se caracterizou por
ser débil e muito inferior ao caso alemão.
[15] Não custa lembrar, em época de indigência
intelectual, que o sindicalismo revolucionário não é a mesma coisa que
anarcossindicalismo. São duas correntes políticas distintas, apesar de certa
proximidade em alguns aspectos. A confusão entre essas duas tendências se deve
ao processo de indigência cultural que atinge até intelectuais (entendendo por
esse nome os especialistas no trabalho intelectual e não “pessoas
inteligentes”) e supostos estudiosos e pesquisadores. O sindicalismo
revolucionário tem em Sorel, na França, o seu grande representante intelectual.
[17] “Já não é só a indústria pesada, mas também a Banca Commerciale que empurra Mussolini
ao poder. Por isso, em outubro de 1922, os magnatas da “Confederação da
Indústria” e Toplitz proporciona os milhões necessários para organizar a
“Marcha sobre Roma” (GUÉRIN, 1973, p. 48).
[18] É uma parte da burocracia civil e, posteriormente,
estatal (a entrada do PNF no governo aponta para fusão da burocracia partidária
com a burocracia governamental), que excluía alguns setores da burocracia
civil, que depois foram dizimadas, tal como a burocracia do PSI e PCI,
burocracias sindicais, etc., ou seja, apenas a burocracia civil ligada ao bloco
dominante permaneceu, enquanto que a burocracia ligada ao bloco progressista
foi derrotada.