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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Marx contra Lênin - Série Indicação de Leitura


Esta obra de Claude Berger, cujo título original é "Marx, L'Association, L'Anti-Lênin", e acima sua versão espanhola (Marx Frente a Lênin - Associación Obrera o Socialismo de Estado), é uma leitura fundamental para todos aqueles que querem ter uma concepção mais global da relação entre a concepção de comunismo em Marx e a deformação leninista da mesma. Claude Berger apresenta as duas concepções a partir de diversos documentos e citações dos dois autores, mostrando o antagonismo da posição de ambos em relação a este aspecto, e em diversos outros relacionados, e retoma um termo fundamental no pensamento de Marx: a associação. Sem dúvida, a concepção de comunismo em Marx remete para a questão da associação, tal como ele colocou em diversas passagens em que o identificou como "livre associação dos produtores", "produtores livremente associados". As associações operárias seriam as formas usadas pelo proletariado para sua autoemancipação e constituição da nova sociedade. Temas como as greves, abolição do salariato, entre outros, também estão presentes. Para ver um texto de Marx, pouco conhecido e pela primeira vez traduzida para português, clique aqui, e para ver um comentário de Claude Berger sobre tal texto, clique aqui. Um dos poucos problemas do livro de Berger é a crítica ao uso do termo "autogestão" (ao invés de associação), mas isso é compreensível tendo em vista que ele escreveu essa obra nos anos 1970, numa época em que a palavra autogestão estava sendo deformada pela pseudoesquerda partidária (a socialdemocracia, querendo adaptá-la para seus interesses reformistas, e o bolchevismo, querendo descartá-la por seu "esquerdismo" que nega a burocracia partidária e estatal). Em síntese, é uma leitura essencial para recuperar o verdadeiro pensamento de Karl Marx.

Para acessar outras indicações de leitura, vá até o blog "Leitura Recomendada", clicando aqui.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Marxismo Autogestionário e Anarquismo


Marxismo Autogestionário e Anarquismo
Nildo Viana

Qual a diferença entre marxismo autogestionário (outros usam outros nomes, mas aqui cabe destacar que usamos marxismo autogestionário como sendo a forma/nome contemporânea do marxismo autêntico, que sempre foi “autogestionário” sem usar tal palavra e tão-somente para distingui-lo do pseudomarxismo, o leninismo e seus derivados e para expressar sua manifestação contemporânea) e anarquismo? Ao ser questionado diversas vezes sobre isso, então torna-se necessário explicitar de forma mais estruturada o que distingue um do outro.

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que se trata do marxismo autogestionário e não de qualquer suposto “marxismo”, pois o pseudomarxismo leninista, trotskista, stalinista, maoísta, guevarista, entre outros, são deformações do caráter autogestionário do marxismo e por isso são muito mais distantes do anarquismo. O marxismo autogestionário tem proximidade com alguns elementos do anarquismo, especialmente seus princípios fundamentais. Estes princípios fundamentais seriam a tese da abolição imediata do aparato estatal, recusa e crítica das autoridades e formas de dominação e hierarquias sociais. O marxismo autogestionário também aponta para tais princípios, mas, no entanto, não é “anarquista”, a não ser que se reduza o anarquismo a isso. Da mesma forma, o marxismo autogestionário não se reduz a isso e tem outros princípios fundamentais, alguns que se encontram em algumas correntes específicas do anarquismo, outras não.

O marxismo autogestionário tem como princípios fundamentais os seguintes: a história das sociedades classistas é a história da luta de classes; o proletariado é a classe revolucionária de nossa época; a autoemancipação proletária (revolução proletária realizada pela classe operária e seus aliados) é a forma de realização da emancipação humana (humanismo revolucionário, concreto); a autogestão é a essência da nova sociedade que emerge após o capitalismo, não sendo “parte dela”, mas sua essência e se generalizando pelo conjunto das relações sociais; a revolução proletária só pode ser vitoriosa se abolir o Estado e o capital, sem a ideologia do “período de transição”; as organizações revolucionárias devem ter uma estratégia revolucionária e superar o reboquismo e o vanguardismo; a burocracia é uma classe social contrarrevolucionária e por isso deve ser combatida, bem como todas as organizações burocráticas (partidos, sindicatos, Estado, etc.); a luta cultural é uma das ações fundamentais a ser efetivada pelos grupos revolucionários; é necessário que a estratégia revolucionária unifique meios e fins e coloque como fundamental o objetivo final (autogestão social) e este determina os meios, bem como, derivado disso, é necessário evitar concessões contrarrevolucionárias (participação em democracia burguesa, por exemplo).

Assim, o marxismo autogestionário tem proximidade com determinadas tendências do anarquismo e afastamento de outras. O marxismo autogestionário é oposto ao anarcoindividualismo e ao anarcossindicalismo. O primeiro é devido ao seu caráter burguês (individualista) e o segundo ao seu vínculo com os sindicatos, organizações burocráticas (com exceção do início do capitalismo, seu período heroico antes da burocratização). Também é muito distante do anarquismo dogmático, que simplifica e reduz o anarquismo a determinadas ideias (ou pensamento de determinado pensador anarquista) que se tornam dogmas e motivo para recusar, julgar, condenar, todos os que não se encaixam nelas ou então tudo que não é “anarquismo” (na forma exata que o dogmático definiu, ou seja, sua corrente e/ou interpretação).

Em relação ao que denominamos anarquismo revolucionário, no qual o anarcocoletivismo e o anarcocomunismo se encaixam, as diferenças são bem menores, desde que sejam suas manifestações não-dogmáticas. Além do acordo no que se refere aos princípios fundamentais, há outros elementos em comum. Sem dúvida, isso não quer dizer, também, que não há diferença, mas elas são menores tanto na questão da quantidade quanto na profundidade.

Contudo, é preciso esclarecer que existem diferenças gerais entre o marxismo autogestionário e o anarquismo em geral, ou seja, incluindo todas as suas correntes. Isso ocorre devido ao fato de que o marxismo (de Marx, comunismo de conselhos, marxismo autogestionário) é expressão teórico-política do movimento revolucionário do proletariado, o que significa que é uma teoria cuja finalidade é a revolução e a autogestão. Nesse sentido, o marxismo autogestionário tem uma fundamentação teórica, desde a teoria da história de Marx, passando por diversas outras teorias produzidas por ele (com mais desenvolvimento a teoria do modo de produção capitalista) e seus continuadores, tal como a teoria dos conselhos operários de Anton Pannekoek e dos comunistas conselhistas, até as mais recentes e desenvolvimento e atualização posterior. O anarquismo é uma doutrina política e não uma teoria. É isso que permite que o anarquismo, mesmo em suas melhores expressões, acabe caindo no ecletismo, usando como base (metodológica e/ou teórica) ideologias burguesas (positivismo clássico, positivismo pós-estruturalista), bem como também desemboque com relativa facilidade, devido seu voluntarismo, no dogmatismo, praticismo, reboquismo, revolucionarismo.

Essa não é uma diferença pequena, pois quando o anarquismo acaba assumindo posições burguesas como base teórica ou metodológica, se compromete, pois isso acaba intervindo nas análises da realidade e, por conseguinte, na prática política. Uma análise equivocada da realidade gera tomada de decisões e realização de ações também equivocadas. As concepções metodológicas e “teóricas” (ideológicas) burguesas, produzidas pelas mais variadas ciências (especialmente as “humanas”) possuem toda uma base valorativa, sentimental, racional e de interesses que são intimamente ligados à sociedade capitalista e seu processo de reprodução. Não é preciso aqui resgatar o caráter do positivismo clássico de Comte e outros, que teve ressonâncias nas obras de Bakunin e outros anarquistas da época (Kropotkin, Reclus, etc.), e seu vínculo com a reprodução do capitalismo e essência conservadora.

Da mesma forma, o caráter contrarrevolucionário do pós-estruturalismo (“pós-modernismo”) é por demais evidente para que seja preciso esclarecer que, partindo de suas concepções metodológicas e ideológicas (supostamente “teóricas”) se poderia tomar decisões e executar ações revolucionárias. Obviamente que no caso do anarquismo revolucionário isso é um tanto minimizado, pois é unido com princípios revolucionários, mas que acaba se autolimitando por causa de tal base. Uma base metodológica e ideológica burguesa unida com uma doutrina revolucionária forma um ecletismo e dependendo de qual lado da balança pesa mais, pode se tornar, na pior das hipóteses, prejudicial para a luta pela libertação humana e, na melhor, algo limitado e contraditório, gerando obstáculos para o seu desenvolvimento geral. Claro está que isso ainda terá múltiplas nuances dependendo do contexto, conjuntura, indivíduos, etc. Porém, a superação do ecletismo é fundamental para que o anarquismo revolucionário assuma a posição que é coerente com seus princípios fundamentais.



Poderíamos supor duas possibilidades para tal superação. A primeira possibilidade seria adotar o marxismo como sua base teórico-metodológica, o materialismo histórico-dialético (o que inclui não só o método dialético, a teoria da história, como também a teoria do capitalismo). A recusa tradicional do anarquismo de usar o materialismo histórico-dialético é um forte obstáculo para a superação dessa problemática. Tal recusa tem como fonte os conflitos entre Marx e anarquistas no passado, por um lado, e pseudomarxismo e anarquismo posteriormente. Além disso, tem as posições distintas de Proudhon e Bakunin, entre outros, devido influência do positivismo. No entanto, Bakunin aceitou o materialismo histórico, apesar de não o ter compreendido adequadamente, confundindo ele com o materialismo burguês e com a concepção positivista, tal como se observa em sua discussão sobre materialismo e a questão dos “fatos”. Esse é um obstáculo a mais, principalmente depois da emergência do leninismo, expressão ideológica da burocracia, que deformou o materialismo histórico-dialético, de acordo com os interesses da burocracia partidária e capitalismo estatal russo e acabou se generalizando e tornando-se a versão dominante do “marxismo”. Este é outro obstáculo para uma real compreensão do materialismo histórico-dialético, o que traz a necessidade de retomar a produção de Marx, bem como de seus melhores continuadores (Labriola, Korsch, o jovem Lukács em alguns aspectos, Pannekoek, etc.).

A segunda possibilidade seria o anarquismo gerar, de forma original, sua própria base teórico-metodológica. Essa solução, no entanto, seria meramente formal, ou seja, uma mudança linguística, já que o materialismo histórico-dialético já apontou para os elementos essenciais nesse processo e seria apenas a mesma concepção sob outra forma, uma forma linguística nova para uma concepção já existente. A única vantagem dessa solução seria apaziguar as mentes dos anarquistas dogmáticos e não ter que se referir ao marxismo, algo tão pueril e infantil que só tem sentido, da perspectiva do marxismo autogestionário, por partir da ideia de que a luta e seu conteúdo é mais importante e pode fazer esse tipo de concessão por não afetar o processo revolucionário.

Nesse sentido, o marxismo autogestionário e o anarquismo revolucionário possuem proximidades e distanciamentos, pontos em comuns e pontos divergentes, sendo que em alguns casos a diferença é radical, expressa distintas posições de classe, a perspectiva proletária do marxismo autogestionário em confronto com a perspectiva burguesa ou de outra classe do anarquismo dogmático, do individualismo ou anarcossindicalismo; noutros casos, a diferença é reduzida, mas não abolida, pois devido a diversas outras diferenças menores, ação política imediata, conjunturas, idiossincrasias, compreensão da realidade, concepção de ação, diferenças terminológicas, etc., isso pode se intensificar ou minimizar.

De qualquer forma, em relação às tendências anarquistas que não são aliadas do proletariado revolucionário[1], a posição do marxismo autogestionário é de crítica e combate, bem como de esperança de avanço no sentido de uma perspectiva revolucionária, sendo que na prática depende das posições e ações concretas, qual tendência (emancipação humana via revolução proletária ou vanguardismo-reboquismo que reforça a contrarrevolução) fortalece nesse processo. No caso das tendências do anarquismo que se aliam ao proletariado revolucionário, a posição do marxismo autogestionário é de aliança e luta conjunta, desde que elas mantenham sua coerência nesse sentido.

Em síntese, marxismo autogestionário e anarquismo revolucionário são próximos, mas diferentes e o que interessa em sua aproximação é a contribuição com a emancipação humana, e o que os aproxima ou distancia é a proximidade ou distanciamento em relação a este objetivo, a revolução proletária autogestionária.




[1] Proletariado revolucionário significa a classe proletária autodeterminada, ou seja, que rompe com as relações de produção capitalistas, com o capital. Isso difere do proletariado como classe determinada pelo capital, ou seja, que busca apenas sobreviver ou melhorar sua situação no interior do capitalismo (realizando apenas lutas reivindicativas), que é ponto de partida para a luta e avanço no sentido de se tornar autodeterminado, mas que por isso mesmo é preciso travar uma luta para que avance nesse sentido e os militantes e organizações revolucionárias devem partir da perspectiva do proletariado como classe autodeterminada. Ficar ao nível do proletariado como classe determinada (se dizendo “anarquista”, “conselhista”, “situacionista”, etc.) é cair no reboquismo, uma posição reformista mesmo não tendo vínculos com as instituições burguesas. O voluntarismo, praticismo, anti-intelectualismo, entre outros elementos, são bastante próximos a estes posicionamentos, muito comum no anarquismo. Isso é produto de seu caráter doutrinário e não-teórico.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

CLASSES SOCIAIS, CONDIÇÕES DE VIDA E PROCESSO SAÚDE-DOENÇA


CLASSES SOCIAIS, CONDIÇÕES DE VIDA E PROCESSO SAÚDE-DOENÇA

Nildo Viana*

Resumo: O presente artigo discute a questão da produção social da doença e a base teórica e metodológica para se abordar esse problema. Partindo dos conceitos de classes sociais e condições de vida, numa abordagem dialética, se busca discutir a forma de processo analítico adequada para compreender as determinações das doenças socialmente produzidas.
Palavras-Chave: Classes Sociais, Condições de Vida, Saúde, Doença, Dialética.

Abstract: This article discusses the social production of disease and the theoretical and methodological basis for addressing this problem. Based on the concepts of social classes and living conditions, a dialectical approach, it discusses how to understand analytical procedure suitable for the determination of socially produced diseases.
Keywords: Social Classes, Living Conditions, Health, Disease, Dialectic.

A análise do processo saúde-doença aponta para a discussão sobre as determinações da saúde e da doença. É comum reduzir o problema das doenças a uma questão biológica e individual. No entanto, existem muitos questionamentos a este procedimento analítico (Laurell, 1983; Barros, 2002)1,2. A ideia de que as doenças possuem um caráter social é desenvolvida não apenas por sociólogos e outros cientistas sociais, mas também por profissionais da medicina (Laurell, 1983)1, setores próximos, profissionais da área de saúde e também da área das ciências biológicas. Podemos afirmar que a grande maioria das doenças possui caráter social. O objetivo do presente texto é não apenas fundamentar essa afirmação, o que já foi feito por vários estudos, mas, principalmente, mostrar que as divisões sociais, especialmente a de classes sociais, e suas manifestações concretas, atingem a situação da população e o processo saúde-doença.

O Processo Saúde-Doença como Processo Social

O primeiro ponto é demonstrar, tal como coloca Laurell (1983)1, o caráter social da doença e da saúde. O primeiro ponto é a definição de doença. Segundo Laurell, a doença pode ser definida sob duas formas:

Se analisarmos a literatura epidemiológica, onde se encontram as investigações relevantes para o nosso tema, observamos que se lida essencialmente com dois conceitos que, no fundo, não são discrepantes. O primeiro é o conceito médico-clínico, que entende a doença como um processo biológico do indivíduo; o segundo é o conceito ecológico, que vê a doença como resultado do desequilíbrio na interação entre o hóspede e seu ambiente. Este conceito coincide com o primeiro, já que, uma vez estabelecido o desequilíbrio, a doença se identifica da mesma forma como no primeiro caso (Laurell, 1983, p. 150)1.

Sem dúvida, a observação está relativamente correta. E também a sua sugestão de que o fundamental é analisar as determinações da doença (Laurell, 1983)[a] 1. Ela destaca que o procedimento analítico não deve se centrar no indivíduo e sim no grupo: “O primeiro elemento que deveria ser reconhecido é que o caráter social do processo saúde-doença manifesta-se empiricamente mais claro a nível da coletividade que do indivíduo, tal como vimos no início deste trabalho” (Laurell, 1983, p. 150)1. Aqui encontramos um problema metodológico. Porém, antes de abordar esta questão, vamos dar continuidade ao raciocínio da autora:

[...] antes de discutir-se a forma de constituir os grupos a estudar, deveria ser possível constatar diferenças nos perfis patológicos ao longo dos tempos como resultantes das transformações da sociedade. Mesmo assim, as sociedades que diferem em seu grau de desenvolvimento e organização social devem apresentar uma patologia coletiva diferente. Finalmente, dentro de uma mesma sociedade, as classes que a compõem mostrarão condições de saúde distintas (Laurell, 1983, p. 137)1.

Os perfis patológicos remetem, por sua vez, à epidemiologia social. A epidemiologia social tem diversas tendências no seu interior, mas aqui nos interessa a mais avançada delas, que se inspira no materialismo histórico, tal como representada pela própria Asa Laurell e a sua crítica e superação da ideia de monocausalidade e também de multicausalidade através de sua substituição pela ideia de determinação:

A determinação social é o processo pelo qual os determinantes (fatores essenciais) põem limites ou exercem pressão sobre outras dimensões da realidade, sem serem necessariamente determinísticos. O processo de produção se completa com a mediação que os componentes das dimensões subsumidas exercem sobre esses determinantes, daí resultando a conformação de distintos perfis epidemiológicos (Barata, 2005, p. 14)3.

O problema metodológico dessa abordagem pode ser subdividido em duas questões: a) a questão do empírico e; b) a questão da determinação. A questão do empírico aparece ao aceitar as duas definições de doença, considerando-as complementar, e a partir disso se preocupar com um “objeto construído”, que seriam os grupos ou a coletividade, através da ideia de perfis epidemiológicos. A questão da determinação aparentemente supera as concepções positivistas da causalidade, mas, no fundo, acaba pensando e reproduzindo concepções metodológicas de origem positivista (fatores, elementos determinísticos e não determinísticos, etc.).

Isso, obviamente, não significa desconhecer a contribuição e os avanços em relação a outras abordagens realizados por Laurell (1983)1, não só nesse texto como em diversas outras publicações. Porém, não é possível não destacar que a compreensão do método dialético por esta (entre outras/os autoras/es) possui limites evidentes e mostra como que as abordagens marxistas na esfera acadêmica tendem a se tornar vítimas dos procedimentos e concepções hegemônicas no seu interior. O método dialético aborda não o “empírico” e sim o concreto. A diferença entre ambos é que o empírico é algo isolado e sem historicidade. Não se observa o seu processo de produção e seu envolvimento numa totalidade (e se é reunido é apenas posteriormente e arbitrariamente pelo pesquisador). O concreto é algo existente e que tem uma constituição histórica e inserção numa totalidade, nunca esquecida pelo pesquisador, nem depois e nem antes da pesquisa. Por isso, não se trata de buscar algo empírico para comprovar o caráter social da doença e sim analisar este fenômeno como algo concreto. E isso seria suficiente para não aceitar o construto de doença produzido pela concepção médico-clínica nem o produzido pela concepção ecológica, pois eles não fenômenos concretos nessa definição, mas tão-somente coisas empíricas, e, por isso, são isolados e a-históricos.

Derivado desse problema, o avanço metodológico que consiste em superar a causalidade e substituí-la pela determinação acaba assumindo também um caráter não-dialético e mostra um recuo teórico. O recuo teórico reside na separação entre determinação e conceito. O conceito de doença não pode ser entendido, numa concepção dialética, de forma separada de sua determinação fundamental (Viana, 2007)4. A questão da causalidade nas abordagens não-dialética ou pseudodialéticas (Viana, 2001)5 não dão conta de explicar a gênese dos fenômenos e a produção positivista de construtos são mais classificações arbitrárias e coisas empíricas destituídas de realidade que revelam apenas uma “pseudoconcreticidade” (Kosik, 1986)6.

Assim, uma perspectiva dialética do processo saúde-doença exige uma nova conceituação de saúde e de doença que vá além das concepções positivistas, seja médico-clínica, ecológico ou qualquer outra. A questão é que partindo do empírico não se percebe a determinação fundamental do fenômeno como sua própria essência e suas manifestações concretas, ou seja, as múltiplas determinações enquanto realidade concreta. Por conseguinte, é fundamental ir além dessas concepções de doença para, em primeiro lugar, constituir um conceito amplo que agrupe formas de doença e, no interior destas formas, conceber as doenças que são produzidas socialmente e as que não são produzidas socialmente, possuindo, portanto, distintas determinações fundamentais. No caso do presente artigo, não pretendemos realizar tal definição, que está por ser feita, e sim uma obra posterior. Por enquanto basta colocar que é necessário, numa perspectiva dialética, constituir um novo conceito de doença e entender que existem distintas formas de doença.

Por conseguinte, não é encontrando algo “empírico” que se pode construir uma análise dialética da doença e sim através do processo analítico dos fenômenos concretos que podemos reconstituir suas determinações sociais. Esse é o caminho que deve ser seguido e nosso objetivo agora é discutir as determinações das doenças produzidas socialmente.

Doenças Produzidas Socialmente, Classes Sociais e Condições de Vida

Existem doenças que são produzidas socialmente. A doença é definida sob diversas formas (Barros, 2002)2, assim como a saúde (Scliar, 2007)7. Não pretendemos apresentar uma discussão sobre tais conceitos, mas tão-somente, de forma provisória, esclarecer definições iniciais dos dois termos para que haja uma compreensão do fenômeno que estamos abordando. Não é possível concordar com as concepções de saúde que remetem apenas para a consciência do indivíduo ou para aquelas que ignoram tal consciência. Existem implicações valorativas, políticas, ideológicas em ambas as abordagens[b], bem como consequências sociais e também políticas, no sentido mais estrito do termo. Essas concepções, que alguns chamariam de “subjetivistas” e “objetivistas”[c], no fundo, são problemáticas. A primeira por se fundamentar na “consciência que o indivíduo tem de si mesmo” (Segre e Ferraz, 1997; Canguilhem, 1978)8,9, que entra em flagrante contradição com o principio do método dialético de considerar a primazia da totalidade e das relações sociais concretas em relação às formas de consciência (Viana, 2008)10. A outra concepção, por sua vez, ao desconsiderar o indivíduo, permite a medicalização da saúde e a arbitrariedade estatal no campo do controle social dos indivíduos[d].

Por isso é necessário uma concepção de saúde e doença que supere o solipsismo[e] (que, entre outros problemas, se esquece que as representações dos indivíduos sobre si mesmo são produzidas socialmente e influenciadas diretamente pelas relações sociais, pelos meios de comunicação, pela ação estatal, etc.). É necessário superar também a concepção de caráter medicalista, que parte de uma definição de saúde e doença externalista, sem levar em conta o indivíduo. Claro que as percepções dos indivíduos são mais importantes em alguns casos do que em outros, mas em grande parte é necessário o reconhecimento dos seus sentimentos, concepções e sua expressão do que sente em seu organismo. Em síntese, a doença não pode ser, geralmente, definida apenas pelo indivíduo e nem apenas pelos especialistas em medicina ou serviços de saúde. Obviamente que estes últimos são os responsáveis pelo diagnóstico e que os indivíduos possuem autonomia para procurar outros diagnósticos ou simplesmente desconsiderá-los, bem como realizar autodiagnóstico (e sua formação pesa nesse caso).

Porém, aqui temos uma questão que é derivada de outra: para que o indivíduo seja considerado como estando saudável ou doente, é necessário entender o que é saúde e o que é doença. Provisoriamente, para continuidade de nossa análise, podemos compreender por saúde um desenvolvimento orgânico normal do indivíduo. Por desenvolvimento orgânico normal se entenda o processo de nascimento, desenvolvimento, envelhecimento e morte (o que significa que envelhecimento não é doença, nem os processos orgânicos que lhe acompanham) e que os órgãos funcionem adequadamente, bem como o seu conjunto. Se um órgão ou o conjunto do organismo não funciona bem nesse contexto de desenvolvimento (ou seja, considerando a idade e evolução do indivíduo), então temos um sintoma de uma doença (o que não significa que seja, necessariamente, uma doença). A doença, por sua vez, é quando há um mau funcionamento de um ou mais órgãos, ou do conjunto do organismo ou, ainda, que está em descompasso com o processo evolutivo corporal natural (por exemplo, uma mulher de 26 anos com corpo de 80 anos, tal como ocorreu no Vietnam, é manifestação de uma doença, cútis laxa).

A grande questão que nos interessa aqui, no entanto, é que existem distintas formas de doenças e algumas são produzidas socialmente. A cada forma de doença, correspondem determinações distintas. Existem doenças que são constituídas a partir de relações sociais específicas e outras que possuem outras determinações. Nesse sentido, não existe “doença social”, mas existem doenças geradas socialmente.

Existem várias determinações sociais para determinadas doenças. Nesse sentido, é preciso analisar cada caso concreto, pois este é “a síntese de múltiplas determinações” (Marx, 1983)14. Porém, ao partir de uma concepção de realidade que remete ao empírico, se perde de vista a determinação fundamental e fica ao nível da determinação imediata, o que é um equívoco (Viana, 2001)5. Por conseguinte, é preciso, inicialmente, analisar a determinação fundamental das doenças produzidas socialmente e, posteriormente, casos concretos nos quais atuam outras determinações mais específicas. O conceito fundamental para expressar essa determinação fundamental é o de classes sociais.

Numa perspectiva dialética, as classes sociais são fenômenos reais, concretos. Logo, a nossa concepção de classes sociais é radicalmente distinta da ideologia da estratificação social, de origem norte-americana, que produz um sistema arbitrário de classificação social (classes a, b, c, d ou alta, média, baixa, com suas subdivisões), cujo pesquisador define os critérios e as classes supostamente existentes. Marx entende por classe social um conjunto de indivíduos que compartilham o mesmo modo de vida, interesses e oposição a outras classes sociais, aspectos derivados da atividade fixada pela divisão social do trabalho, que, por sua vez, é determinada pelas relações de produção dominantes (Marx, 1983; Marx e Engels, 2002; Marx, 1988; Viana, 2011; Viana, 2012)14,15,16,17,18. No caso do capitalismo, as diversas classes sociais existentes estão intimamente ligadas ao processo de divisão social do trabalho gerado pelas relações de produção capitalistas. Tais relações de produção instituem as duas classes sociais fundamentais, a classe capitalista e a classe proletária, subordina outras relações de produção (camponesas, artesãs, etc.), criam outros setores na divisão social do trabalho, tal como as formas de regularização das relações sociais, gerando outras classes sociais (burocracia, intelectualidade, etc.).

O que nos interessa, no entanto, é a questão das classes sociais exploradas e suas condições de vida, pois é aí que podemos entender o principal vínculo entre classes sociais e doença. Desde Louis Villermé e seus estudos sobre a classe trabalhadora (Silva e Azevedo, 2002)19, passando por diversos outros autores e pesquisadores, até chegar aos estudos de epidemiologia social das últimas décadas, a relação entre desigualdade, classes, grupos de risco, etc., vem sendo analisada. Contudo, existem alguns obstáculos conceituais, metodológicos e teóricos. O primeiro problema é a necessidade de comprovação empírica da relação entre classe social e doença. O segundo problema, derivado do primeiro, é a conceituação de classe social e a ideia de operacionalização do conceito de classes.

Ao se superar a problemática do empírico e passar para o concreto, então a questão muda de foco. A necessidade deixa de ser a prova empírica e passa a ser a fundamentação, que pode ou não usar informações densas sobre a realidade concreta[f]. Nos casos de pesquisa social, sem dúvida, essa fundamentação embasada em informações densas sobre a realidade concreta se torna necessária. Acontece que os chamados “dados estatísticos” produzidos por diversas instituições e mesmo pesquisas acadêmicas, não usam o conceito adequado ao método dialético de classes sociais, e nem uma teoria da sociedade que lhe é complemento necessário, tendo embasamento positivista/empiricista (em suas várias formas), com raríssimas exceções (e algumas mesclam as duas concepções). A solução que muitos encontram para superar essa questão no âmbito do método dialético, contudo, ainda se dá a partir de uma concepção empiricista da realidade, ou seja, se busca “operacionalizar” o conceito de classes sociais[g] (Solla, 1996)20. No entanto, o procedimento da operacionalização dos “conceitos” é empiricista[h] e o que se deve fazer é analisar a realidade social e constituir diversos procedimentos para extrair informações densas da realidade concreta. Os procedimentos quantitativos servem como elementos auxiliares na pesquisa, mas nunca como elemento fundamental e quando se utilizam como fonte de informações estatísticas oficiais ou qualquer outra sem fundamentação dialética, deve ser analisada criticamente. As entrevistas, observações, questionários de maior profundidade, são algumas outras possibilidades.

Contudo, não se trata de quantidade e por isso estudos sobre classes sociais, grupos específicos, determinados lugares ou regiões, até mesmo indivíduos, entre outras possibilidades, podem substituir as grandes quantidades estatísticas. Nesse sentido, não há necessidade de “operacionalizar” o conceito de classes sociais e sim partir de aspectos mais concretos da vida das classes sociais exploradas para relacionar com o processo saúde-doença. Se os estudos mostram suficientemente o vínculo entre determinadas formas de doenças socialmente produzidas e classes sociais, então o necessário é uma análise que dê conta de explicar por qual motivo nem todos os indivíduos de uma classe social específica contrai a mesma doença.

Assim, é preciso perceber a classe social como determinação fundamental da maioria das doenças socialmente produzidas, mas é preciso ir além e entender que não existe homogeneidade nas classes sociais. O que existe de comum nos indivíduos que compõem uma classe social é o que foi delimitado anteriormente no conceito de classes sociais, mas no interior dessa semelhança básica e fundamental existem inúmeras diferenças. E as doenças socialmente produzidas tendem a se manifestar com mais frequência em algumas classes ou frações de classes, mas não na totalidade dos indivíduos que compõem a classe, o que remete para analisar as divisões no interior das classes (desde a grande subdivisão que são as frações de classes até as diferenças culturais, ambientais, de origem histórica, moradia, etc.). Nesse sentido, é necessário um conceito complementar[i] que dê conta de mostrar a relação entre as doenças socialmente produzidas e as classes sociais exploradas e as diferenças no interior destas e, por conseguinte, a mais intensa incidência de doenças em grupos no seu interior.

As classes sociais desprivilegiadas (proletariado, campesinato, lumpemproletariado, etc.) possuem condições de vida desfavoráveis e por isso a incidência de doenças socialmente produzidas tende a ser maior. Isso ocorre graças a uma diversidade de questões, desde as condições de trabalho (Berlinguer, 1983; Possas, 1981)22,23, condições de moradia, condições ambientais, entre outras. Assim, é preciso perceber que os indivíduos que compõem uma classe social possuem o mesmo modo de vida, mas este se manifesta sob formas diferentes em épocas e lugares diferentes. Essa diferenciação pode ser percebida como manifestando distintas condições de vida no interior de um mesmo modo de vida. As condições de vida dos indivíduos são as formas específicas nas quais elas reproduzem o mesmo modo de vida de outros setores da classe. O modo de vida é o mesmo, mas as condições nas quais ele se manifesta são distintas e isso explica como que uma doença não atinge a todos os indivíduos de uma classe social. Sem dúvida, algumas dessas doenças tendem a ter uma incidência muito maior do que outras, devido suas especificidades. As condições de vida da classe proletária da Vila X são bem diferentes daquelas existentes na Vila Y, pois na primeira há saneamento, posto de saúde, etc., e na segunda há condições ambientais desfavoráveis, na beira do rio e mata, sem saneamento, etc. As condições de trabalho, que faz parte das condições de vida, de trabalhadores numa fábrica de papel higiênico são distintas da existente numa gráfica. Obviamente que isso é uma questão de classe social, pois essas condições de vida não existem nas classes privilegiadas. Essas condições de vida são distintas por existir diversas subdivisões existentes no interior de uma classe social (sexo, idade, categoria profissional, raça, etc.) e distintas condições de trabalho, moradia, etc. Isto não quer dizer que as classes privilegiadas não sejam atingidas por doenças socialmente produzidas, mas sim que elas são em quantidade menor e por outro tipo de doenças.

O conceito de condições de vida expressa as condições gerais (sociais e ambientais) na qual se desenvolve o conjunto de atividades cotidianas no processo de produção e reprodução da vida, desde a produção (ou aquisição) dos meios de sobrevivência até o lazer ou descanso. Essas condições, por conseguinte, são as mais variadas e apenas através da pesquisa e informações densas se pode ter um quadro geral de cada caso específico. O acesso a essas informações densas podem ser conseguido através de entrevistas, observação, dados estatísticos (vistos criticamente), etc. Um indivíduo adoecido ao realizar uma consulta médica pode descobrir qual doença possui, depois de muitos exames e atendimento médico. Mas descobrir o motivo de ter contraído tal doença dificilmente é descoberto dessa forma. O que geralmente se descobre é a determinação imediata da doença. Por exemplo, as doenças respiratórias possuem diversas determinações (infecções virais, alérgenos, comidas, medicamentos, cosméticos, picadas de insetos, etc.). Um indivíduo concreto ao realizar sua consulta poderá saber disso (ou não, dependendo do médico), mas o médico não saberá de suas condições de vida, que picada de insetos é normal e praticamente inevitável para quem mora em certos lugares e com certas condições financeiras (mudar de bairro ou até de cidade é privilégio de poucos, pertencentes às classes privilegiadas), ou a convivência com alérgenos está ligado às condições ambientais ou tradição cultural (relação com higiene) das pessoas e que são produtos sociais. Por isso, saber das condições de vida (e no caso individual, seu processo histórico de vida, que pode ser em certos casos compartilhado por diversos outros indivíduos) é fundamental para saber das determinações sociais das doenças.

Também é necessário entender que existem determinadas condições de vida que tendem a intensificar a produção de doenças e que elas não são problemas apenas de determinados setores de uma classe social, pois estes setores que são os mais atingidos (os setores mais empobrecidos do proletariado e do campesinato, o lumpemproletariado, etc.) podem aumentar ou diminuir, dependendo do processo de acumulação capitalista, bem como podem ter condições piores ou melhores, dependendo das políticas estatais de assistência social, entre outras determinações. Assim, é possível pensar não apenas em termos de casos concretos, mas também de processos sociais mais amplos, inclusive relacionando deterioração das condições de vida e regimes de acumulação[j], por exemplo. O regime de acumulação integral (Viana, 2009; Viana, 2003)25,26, que é o atual regime de acumulação, fundado no neoliberalismo, toyotismo e neoimperialismo, produz uma precarização crescente das condições de vida de grande parte da população e isto aumenta os índices de doenças socialmente produzidas, inclusive as chamadas “doenças emergentes”.

Em síntese, os conceitos de classes sociais e condições de vida são fundamentais para compreender as doenças socialmente produzidas (e não só estas) e, ao lado de outros conceitos complementares, tanto os mais quanto os menos amplos, podem fornecer um quadro geral analítico do processo de produção social da doença. A partir desse processo de ampliação teórico-conceitual, novas estratégias analíticas e de pesquisa devem emergir, tal como o uso de técnicas de pesquisa mais adequadas o método dialético ou então o uso crítico das técnicas convencionais. A formação de perfis epidemiológicos, por exemplo, é uma possibilidade, tanto na relação com as classes sociais, no sentido mais amplo, quanto em relações com determinadas condições de vida, em sentido mais restrito. Esse é um processo em construção, tanto conceitual quanto técnico, que, no entanto, já recebeu diversas contribuições e que vem avançado e, ao fazê-lo, abre novas perspectivas para compreender o processo de produção social da doença.

Referências

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12. Singer, Paul, Campos O, Oliveira EM. Prevenir e Curar: controle social através dos serviços de saúde. Rio de Janeiro: Forense, 1978.
13. Cuvillier, Armand. Pequeno vocabulário da língua filosófica. 2ª edição. São Paulo: Nacional, 1969.
14. Marx, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2ª Edição, São Paulo: Martins Fontes, 1983.
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17. Viana, Nildo. Introdução à Sociologia. 2ª edição, Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
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26. Viana, Nildo. Estado, Democracia e cidadania. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003.
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VIANA, Nildo. Classes sociais, condições de vida e processo saúde-doença. Estácio de Sá –
Ciências da Saúde. Revista da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES-Go. Vol. 02, nº 07, 139-151, Jan. 2012/Jun. 2012.





* Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás.
[a] Na verdade, entre as concepções que atribuem caráter social à doença, não existe consenso. Segundo Barata (2005, p. 10)3: “Há atualmente um consenso sobre a importância dos aspectos sociais e seus efeitos sobre a saúde. No entanto, as concordâncias se encerram aí. As divergências entre as diversas escolas aparecem em relação à teoria social subjacente, à adoção do conceito de causalidade ou determinação, aos conceitos chaves para a condução das pesquisas e ao nível de análise dos fenômenos no plano individual ou coletivo.”
[b] “O conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural. Ou seja: saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas. Dependerá da época, do lugar, da classe social. Dependerá de valores individuais, dependerá de concepções científicas, religiosas, filosóficas. O mesmo, aliás, pode ser dito das doenças. Aquilo que é considerado doença varia muito.” (Scliar, 2007, p. 30)7.
[c] Samanja (2000)11 denomina essas concepções como “reducionismo individualista” e “reducionismo holista”, respectivamente.
[d] A definição de saúde da Organização Mundial de Saúde, como “situação de perfeito bem-estar físico, mental e social” (Segre e Ferraz, 1997, p. 539)8 é uma das bases ideológicas para a medicalização da sociedade: “a medicalização decorre precisamente da convicção, que se generalizou nos países industrializados e se generaliza rapidamente nos países não-desenvolvidos, de que esse pleno bem-estar pode ser alcançado no plano individual, desde que cada aspecto da vida seja cientificamente regulado, cabendo esta missão ao profissional especializado, ou seja, ao agente dos SS [serviços de saúde – NV]” (Singer, Campos e Oliveira, 1978, p. 63)12.
[e] O solipsismo é uma doutrina segundo a qual “todo espírito (logo, todo indivíduo) é como se fosse um mundo à parte, isolado, autossuficiente, bastando a si mesmo (Cuvillier, 1969)13. Segundo Sartre, “se o solipsismo deve ser refutado, é porque minha relação com outrem é fundamentalmente uma relação entre ser e ser” (apud. Cuvillier, 1969, p. 152)13.
[f] Por “informações densas” queremos dizer trabalhadas rigorosamente, em quantidade ou qualidade, tal como “dados estatísticos” ou “histórias de vida”.
[g] As várias tentativas de realizar esse processo tem um outro defeito, que é o próprio conceito de classes sociais, que significa um retrocesso em relação ao conceito desenvolvido por Marx e na maioria possui base leninista ou estruturalista (cf. Solla, 1996)20.
[h] Tornar o conceito “operacional” é ideológico, pois parte de uma concepção de conceito como algo construído pelo pesquisador e depois aplicado à realidade, tal como no operacionismo de Bridgman, ao invés da concepção dialética do conceito como expressão da realidade (Marx, 1986)21.
[i] Algumas tentativas nesse sentido, embora nem sempre superando a problemática da “operacionalização do conceito de classes sociais”, vem sendo desenvolvida por diversos estudos, e assim as ideias de reprodução social, condições de vida, entre outros, acabam surgindo para dar conta dessa situação específica (Solla, 1996; Trapé, 2011)20,24. Alguns, inclusive, nem abordam o conceito de classes, mas tentam através de um certo ecletismo teórico-metodológico, trabalhar com termos como “reprodução social” e “condições de vida” (Samanja, 2000)11. Esse é um ponto problemático para todos que buscam fazer pesquisa social (ou em outras áreas) utilizando a perspectiva dialética, que é a falta de aprofundamento teórico-metodológico do processo de pesquisa numa abordagem dialética (em parte devido à falta de percepção do antagonismo entre dialética e positivismo, que gerou o uso acrítico, por parte de inúmeros pesquisadores, de técnicas e procedimentos positivistas por parte de quem pretende usar a dialética ou o ecletismo) e, por conseguinte, literatura quase inexistente nessa área, o que significa que estas tentativas são um avanço por buscar pensar e avançar no processo de pesquisa de orientação dialética, mas que ainda encontram diversos limites que necessitam ser superados.
[j] A acumulação capitalista assume várias formas no decorrer de sua história e essas formas constituem regimes de acumulação.

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