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quarta-feira, 25 de março de 2015

NATURALIZAÇÃO E DESNATURALIZAÇÃO: O DILEMA DA NEGAÇÃO PRÁTICO-CRÍTICA


NATURALIZAÇÃO E DESNATURALIZAÇÃO:
O DILEMA DA NEGAÇÃO PRÁTICO-CRÍTICA

Nildo Viana

A sociologia, recentemente, vem desenvolvendo a ideia de que um de seus papéis é a desnaturalização. Isso é algo que pode, aparentemente, soar como “marxista” e, a leitura de Bauman (1977) quando ainda tinha forte influência de Marx, parece confirmar isso. Além da sociologia, diversos marxistas ou críticos da sociedade burguesa resolveram levantar a palavra de ordem: desnaturalização!! Nesse contexto, muitos equívocos vêm sendo cometidos e por isso uma reflexão a respeito do significado da naturalização e desnaturalização se torna fundamental, bem como sua relação com o marxismo e sua proposta de negação prático-crítica da naturalização.
O Problema da Naturalização
Alguns pensam que a naturalização é algo que é puro produto do pensamento. Isso é certo e ao mesmo tempo errado. A naturalização é uma determinada representação, explicação ou entendimento de uma determinada realidade e, portanto, é produto da mente humana, do pensamento. As representações cotidianas ilusórias e as ideologias tendem a produzir continuamente um processo de naturalização (VIANA, 2008).
Contudo, só existe naturalização do que é histórico e social. A metafísica é essencialmente um exercício de naturalização sob a forma de essencialização. Da mesma forma, o biologismo é outra forma de manifestação da naturalização sob a forma de biologização. São explicações da realidade social e histórica que a tomam como natural, imanente, ao invés de processos constituídos social e historicamente.  A desigualdade social entre homens e mulheres, entre classes sociais, entre jovens e adultos, entre outras, são produtos sociais e históricos. A naturalização significa dizer que a desigualdade social entre homens e mulheres, classes sociais, jovens e adultos, é natural, ao invés de ser o que é: social e histórica. Essa desigualdade a que nos referimos é social, pois, se os homens recebem maiores salários do que as mulheres, isso se deve a um processo social e histórico de opressão das mulheres.
No entanto, homens e mulheres, em outro sentido, são naturalmente desiguais. Aqui, “desigual” quer dizer “diferente”, pois não é social[1]. Que homens e mulheres são diferentes fisicamente, basta ter olhos para ver, pois isto está inscrito em seus corpos. Da mesma forma, brancos e negros são diferentes, desiguais, no sentido fenotípico, por exemplo, na cor da pele (VIANA, 2009). Agora a pobreza que acomete proporcionalmente mais os negros que os brancos, é um produto social e histórico. No caso das diferenças físicas e naturais, não pode haver naturalização, pois naturalizar é o ato de pensamento de tornar natural e não se pode fazer isso com o que já é natural. As desigualdades sociais são produtos históricos e, portanto, podem ser naturalizadas. Em síntese, o que é natural não pode ser naturalizado, apenas o que não é natural, ou seja, o que é produzido social e historicamente.
A partir destas reflexões, é possível entender que a naturalização é um processo do pensamento, bastante comum nas representações cotidianas e no mundo da ideologia. Este é um interesse da classe dominante, que quer naturalizar a exploração, a dominação e as formas de opressão. Porém, a naturalização não é um puro produto do pensamento. Eis a questão que muitos se esquecem. Só é possível naturalizar o que existe. Se não existissem classes sociais distintas e desiguais, não seria possível naturalizar sua “diferença” e “desigualdade”. Se as posições sociais de homens e mulheres, negros e brancos, não fossem diferentes e desiguais, então seria impossível naturalizá-las. Nesse sentido, a naturalização é sempre a naturalização de alguma coisa e por isso é preciso que essa “coisa” exista.
A naturalização é um processo do pensamento que não produz a realidade, tal como a “desigualdade” (de classe, raça, sexo, etc.), mas simplesmente a interpreta como sendo naturais ao invés de produtos sociais e históricos. Em outras palavras, a naturalização é um processo mental interpretativo que não cria a desigualdade ou qualquer outro fenômeno e nem é sua causa, sendo, no máximo, uma ideologia ou representação que a reproduz e reforça. Logo, nesse sentido, a naturalização não é um processo puro do pensamento, pois é preciso que haja determinada relação social concreta para que ela possa ser naturalizada.
A desigualdade (social) existe, quer gostemos ou não, quer queiramos ou não. A diferença entre um marxista e um ideólogo é que o primeiro irá afirmar que ela é constituída social e historicamente e o segundo poderá dizer que ela é natural, eterna, imanente, imutável. As classes sociais existem, mas surgiram em determinado momento histórico e podem e tendem a ser abolidas. Dizer que “sempre existiram e sempre irão existir classes sociais” é naturalizar, produzir uma consciência ilusória, falsa, da realidade, que existe concretamente.
A Questão da Desnaturalização
Assim, após esclarecer que a naturalização é um processo de pensamento, mas que age sobre uma realidade concreta, real, existente, invertendo ela, transformando-a, no plano das ideias, de algo constituído social e historicamente em algo natural, resta analisar o processo de desnaturalização. O mesmo equívoco que existe em relação à naturalização ocorre no que se refere ao caso da desnaturalização. Algumas pessoas, ao entender que as desigualdades sociais entre classes, sexo, raça, idade, etc., são produtos do pensamento, então chegam à conclusão de que basta pensar que elas não existem para se resolver o problema. Se alguém afirma que “as mulheres participam pouco nas instituições políticas”, logo pode ser acusado de “naturalizar” essa realidade. Ora, isso é algo concreto, real. A mera constatação dessa realidade não é naturalização[2]. Seria naturalização se afirmasse que isso ocorre porque é “natural”, porque as mulheres naturalmente não gostam de política, etc. A desigualdade social existe, ela só não é natural. Constatar a sua existência não significa naturalizar, pois para fazer isso é preciso remeter ao seu processo de explicação. Se a explicação for de que isso é natural, então é naturalização, mas se for que é um produto social e histórico, então não é.
Se a naturalização da desigualdade social fosse um puro produto do pensamento, então bastaria fazer de conta que a desigualdade social não existe para ela desaparecer. Assim, a desnaturalização seria simples e fácil. Se a naturalização é realizada a partir da inversão de uma realidade, como no imaginário e na ideologia, então essa realidade invertida existe, só que apresentada, como dizia Marx, “de cabeça para baixo” (MARX e ENGELS, 1982). Daí a necessidade de percepção de que a naturalização não é um produto do puro pensamento e sim um produto de um pensamento, ele mesmo histórico e social, sobre uma realidade histórica e social realmente existente.
A desnaturalização, nesse caso, se torna mais complexa. As desigualdades sociais existem e tanto a teoria quanto algumas ideologias reconhecem isso, o que as diferencia é que a primeira coloca a desigualdade social como sendo constituída histórica e socialmente e as outras afirmam que ela é natural, eterna, imutável, imanente. Como, então, realizar o processo de desnaturalização? Não basta fazer como alguns, que querem negar a filosofia virando-lhe as costas e resmungando “algumas frases mal humoradas e triviais” (MARX, 1968, p. 25-26).
A Negação da Naturalização
A desnaturalização pode ocorrer sob duas formas de negação. A negação teórica e a prática. A negação teórica consiste em efetivar uma crítica radical ao processo de constituição das chamadas “desigualdades sociais”[3], mostrando e fundamentando o seu caráter de produto histórico e social. Essa negação é fundamental, mas insuficiente. Ela é fundamental por revelar o que estava oculto, colocar que a exploração de uma classe sobre outra não é eterna, imutável, imanente, e sim algo que surgiu e pode deixar de existir, algo histórico, social. Ao fazer isso, permite o avanço da consciência e da necessidade de superação dessa realidade existente. Sem dúvida, isso faz parte da luta cultural e a teoria precisa se generalizar, mesmo que sob formas mais simples para que todos tenham acesso, sob a forma de teorema[4]. A negação teórica não significa a superação dessa realidade, mas tão-somente a sua compreensão. A importância da negação teórica reside no fato de que ela só é realizada tendo por objetivo a transformação radical dessas relações sociais naturalizadas e que uma vez existindo, reforça a tendência de sua negação prática.
A negação prática é quando há a superação das relações sociais naturalizadas pelas ideologias e representações cotidianas ilusórias, no caso, das chamadas “desigualdades sociais”. Quando ocorre uma revolução proletária e, consequentemente, a abolição do capital, do Estado, etc., concretizasse a negação prática, a superação, das classes sociais. A prática confirma e realiza a teoria. As bases reais da exploração e dominação de classes desabam, e, junto com elas, de todas as formas derivadas de opressão. A negação teórica da naturalização é a sua crítica e a negação prática é sua superação concreta, real. A negação teórica da filosofia, por exemplo, significa que ela é criticada e mostrada em seus limites, inclusive históricos, de existência. Mas a crítica da filosofia não a faz deixar de existir. A negação prática da filosofia, por sua vez, significa que ela deixa de existir, que ela é superada concretamente.
Contudo, há um outro problema aqui. A negação prática também pode ser mal compreendida. É comum pensar a negação prática de forma voluntarista, ou seja, que basta querer e agir diferente para que as relações sociais sejam transformadas. O primeiro problema está em pensar que alguns aspectos podem mudar, mas para que haja a superação prática da desigualdade (classe, raça, sexo, etc.) é necessário mudar o conjunto das relações sociais, ou seja, uma transformação social radical. A abolição das classes sociais pressupõe que todo o modo de produção, formas de sociabilidade, processos culturais, etc., sejam transformados. Da mesma forma, a opressão feminina e o racismo só podem ser efetivamente superados com a abolição daquilo que lhe gera tais formas de opressão.
Logo, com a preservação da sociedade capitalista e, por conseguinte, o processo de exploração e dominação de classe, a existência da mercantilização e burocratização das relações sociais, a competição social e a cultura que reproduz e reforça isso, uma suposta superação do racismo e do sexismo é ilusória. No máximo, consiste em paliativos que se forem apresentados como superação, torna-se apenas ideologia que reforça a reprodução dessas formas de opressão ao invés de sua superação efetiva, podendo inclusive ser fonte de apoio a governos ou formas de cooptação de setores da sociedade. Da mesma forma, usar @ no lugar da letra “a” ou “o”, entre outras formas de tentativas de superar o sexismo na linguagem, não alteram as relações sociais reais e concretas, e o sexismo continua existindo com nova linguagem e aparentemente sob forma não sexista[5].
A transformação linguística pressupõe transformação social concreta e radical, e assim como os eufemismos surgem para ofuscar as relações sociais reais e a percepção da opressão, tais procedimentos supostamente avançados querem mudar a linguagem sem mudar a realidade que a gerou e a reproduz. É como no caso do uso do eufemismo “secretária” para substituir “empregada doméstica”, como se bastasse mudar as palavras para as relações sociais reais mudar e o processo de relação entre empregadores e empregados deixasse de ser marcados pela subordinação, conflito, interesses opostos, etc. graças ao eufemismo. Sem dúvida, algumas mutações na linguagem podem ocorrer e diminuir o sexismo e outros processos que se manifestam em sua estrutura, mas a maior parte não tem efeito nenhum e muitas têm efeito contrário ao desejado. Nesse sentido, a reflexão sobre estes processos é algo necessário em cada caso concreto.
Interlúdio: A Questão da Culturalização
Também pode haver o procedimento contrário: assim como a ideologia e as representações cotidianas produzem naturalização do que é social, ou seja, transforma o social em natural, o caminho inverso é possível, ou seja, transformação do natural em social ou cultural. Não existe expressão para manifestar isso, mesmo porque é um fenômeno recente, oriundo da emergência das ideologias pós-estruturalistas e seus derivados culturalistas, mas o mais comum, do ponto de vista formal, seria falar em “socialização”. Contudo, este termo já tem uma longa tradição de uso na sociologia e psicologia social se referindo ao processo de educação e formação dos indivíduos (DURKHEIM, 1978; BERGER, 1986; LAMBERT e LAMBERT, 1975) e por isso a criação de um novo termo é mais adequado a este caso. Como esse processo ideológico se caracteriza por transformar o que é natural em cultural, e pela existência da oposição entre “natureza e cultura” em diversas discussões das ciências humanas, especialmente no campo da antropologia, a melhor opção é usar o termo culturalização.
A culturalização é um fenômeno contemporâneo que consiste em transformar o natural em social, processo que vem sendo realizado principalmente pelas ideologias pós-estruturalistas, ou, segundo sua autoimagem ideológica, “pós-modernas” (VIANA, 2009). O procedimento de culturalização consiste em retirar elementos da natureza ou da constituição biológica e torná-los sociais ou culturais. É o caso, por exemplo, de diferenças entre homens e mulheres, sendo que algumas são constituídas socialmente e outras biologicamente, e, na ideologia culturalizante, o último aspecto é apagado, tornando todas as diferenças como sendo geradas pela cultura e/ou sociedade (GIFFIN, 1991).
As origens desse procedimento ideológico já são antigas. Porém, o processo era o contrário: se retirava aspectos das relações sociais ou da cultura e os atribuía aos seres ou fenômenos naturais. Esse é o caso do antropomorfismo existente nos mitos antigos (VIANA, 2011), procedimento que teve outras versões e que se ampliou com a sociedade moderna e a produção científica. Um exemplo disso é Darwin (VIANA, 2001), que extraiu da sociedade de sua época aspectos que atribuiu à natureza e, posteriormente, após transferir da sociedade para a natureza, realiza o processo inverso, no qual essa natureza culturalizada, mas na ideologia algo natural (uma naturalização do social, no caso, da competição) retorna ao social, naturalizando-o, apesar das origens sociais da ideia inicial.
Uma outra forma de manifestação dessa culturalização do natural é a forma da sociologia durkheimiana e, de certa forma, weberiana. O procedimento, nesse caso, é dotar a sociedade de características idênticas à da natureza, negando essa, mas substituindo-a por uma “segunda natureza”, de caráter objetivo e semelhante à anterior. Nesse caso, Durkheim concebe a sociedade como “segunda natureza”, realizando a deificação do social e colocando, com sua ideologia da dualidade da natureza humana (DURKHEIM, 1975), uma escolha “entre duas espécies de não-liberdade: a não-liberdade animal ou a humana” (BAUMAN, 1977, p. 35), aspecto presente também em Weber com sua concepção segundo a qual a sociedade moderna é àquela “na qual os homens estão cada dia mais dispostos a atuar de acordo com as regras da racionalidade instrumental” (BAUMAN, 1977, p. 63).
No momento atual, o procedimento ideológico contemporâneo da culturalização expressa não uma projeção do social no natural (antropomorfismo) e sim uma transmutação ideológica do natural em social. Esse processo de culturalização tende a transformar tudo em cultura e faz parte de uma longa história, na qual o ser humano busca se separar e afastar da natureza (MOSCOVICI, 1977) e pode ser visto desde o mito bíblico da expulsão do ser humano do paraíso, no qual sua submersão no mundo natural é rompida e a partir daí sua relação com a natureza passa a ocorrer via trabalho, pois “comerás o pão com o suor do teu rosto”.
No entanto, essa busca de separação entre ser humano e natureza atinge uma intensidade cada vez mais ampla e ganha um caráter ideológico cada vez mais forte. Por isso se torna tão ideológico, axiológico e prejudicial quanto o fenômeno da naturalização, não apenas por dificultar a compreensão da realidade, mas também pelo seu caráter político e seus efeitos práticos.
Essa separação entre ser humano e natureza foi reforçada após a emergência das ciências humanas, que contribuíram para elucidar o processo de constituição social dos seres humanos, mas, em algumas de suas tendências, negaram o corpo e o aspecto biológico do ser humano, o que atinge grau elevado com as ideologias pós-estruturalistas. Essas ideologias, ao culturalizar o natural (e o social, conceito distinto, que remete às relações sociais concretas, realmente existentes e não as representações que se produzem a respeito delas), acabam criando uma nova forma de essencialismo cultural (YOUNG, 2002), de caráter abstrato-metafísico. Assim, tais ideologias invertem a realidade num sentido oposto ao processo de naturalização, mas que, sub-repticiamente, reproduz as suas características e contribuem, da mesma forma, para a reprodução da sociedade capitalista através da culturalização como a outra face da naturalização. A ideia de “segunda natureza”, já criticada por Bauman, reaparece aqui sob a forma de essencialismo cultural:
As várias culturas são vistas como possuidoras de naturezas essenciais, historicamente formadas. O mundo inclusivista era, é claro, essencialista: nosso mundo era a essência e a falta dela nos outros. Mas aqui nós temos o essencialismo, um mundo de essências diferentes e separadas. Cada cultura tem suas próprias normas ‘culturais’, como espécies diferentes na natureza – exatamente como nos desenhos animados infantis, em que cada espécie de animal tem uma propensão diferente juntamente com um sotaque regional diferente (YOUNG, 2002, p. 151).
A culturalização é uma ideologia e, por conseguinte, devido a isto, não só inverte a realidade como contribui para a reprodução da sociedade existente e, por isso, também deve ser superada.
A Superação das Ilusões
A ideologia, como sistema de pensamento ilusório, bem como o imaginário, representações cotidianas ilusórias, são formas de consciência falsa da realidade, produzidas socialmente e que reproduzem e reforçam as relações sociais fundadas na exploração, dominação e opressão. Elas reproduzem as relações de produção capitalistas e tudo que deriva daí. Logo, a crítica das ilusões é necessária, o que pressupõe a superação das ideologias e imaginários da sociedade moderna. Mas sua superação total pressupõe a transformação social. De acordo com Marx, “a exigência de superar as ilusões sobre sua situação é a exigência de superar uma situação que necessita de ilusões” (1968, p. 10).
A crítica faz parte dessa luta para superar as ilusões, mas a crítica não é um fim em si mesma, é apenas um meio (MARX, 1968) e por isso é necessário criticar as ilusões, sejam elas quais forem, e, ao lado disso, mostrar suas raízes sociais e interesses, seu fundamento material. Esse processo, no entanto, não irá abolir as ilusões em geral, mas faz parte da luta e contribui com tal superação. Também não supera a situação que gera tais ilusões. A superação total das ilusões pressupõe superar a sociedade que é produtora dessas ilusões, a transformação social radical do conjunto das relações sociais e, nesse sentido, a negação prática é fundamental. No entanto, para ser práxis revolucionária, a negação prática não pode ser apenas prática, pois seria cega e pode se transformar em trágica e a negação crítica, teórica e cultural, só tem sentido aliando-se com a prática.
É justamente essa unidade entre negação crítica, cultural e teórica, com a negação prática, que constitui a práxis revolucionária e é essa que é a chave para a superação do mundo de ilusões e da sociedade criadora de ilusões. A maior ou menor unidade entre negação crítica e negação prática se dá nas lutas concretas e em momentos de ascensão do movimento revolucionário tende a uma maior unificação e eficácia, ambas avançam e se tornam uma possibilidade concreta no próprio processo de luta que gera as bases sociais para a continuidade de transformação radical. Por conseguinte, a recusa da naturalização e da culturalização é parte da luta e seus limites são os limites da luta. Da mesma forma, as práticas concretas dos indivíduos fazem parte da luta e seus limites são, igualmente, os limites da luta. A unificação que significa um avanço no sentido da práxis revolucionária é obstaculizada pela sociedade e suas relações sociais concretas e facilitada pelo processo de luta contra ela, principalmente quando há um processo de radicalização, prenúncio da revolução social.

Referências

BAUMAN, Zygmut. Por uma Sociologia Critica. Um Ensaio sobre Senso Comum e Emancipação. Rio de Janeiro, Zahar, 1977.

BERGER, Peter. Perspectivas Sociológicas. 7a edição, Petrópolis, Vozes, 1986.

DURKHEIM, Emile. A Ciência Social e a Ação. São Paulo, Difel, 1975.

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 11a edição, São Paulo, Melhoramentos, 1978.

GIFFIN, Karen. Nosso Corpo nos Pertence: A Dialética do Biológico e do Social. Cadernos de Saúde Pública. Vol. 2, num. 17, abr./jun. 1991. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csp/v7n2/v7n2a05.pdf acessado em: 01/09/2013.

LABERT, William e LAMBERT, Wallace. Psicologia Social. 4ª edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

MARX, Karl e ENGELS, F. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São Paulo, Ciências Humanas, 1982.

MARX, Karl. Contribucion a la Crítica de la Filosofia del Derecho de Hegel. Notas Aclaratorias de Rodolfo Mondolfo. Buenos Aires, Ediciones Nuevas, 1968.

MOSCOVICI, Serge. A Sociedade Contra Natura. Lisboa: Edições 70, 1977.

VIANA, Nildo. Darwinismo e Ideologia. Pós – Revista Brasiliense de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UnB, Brasília, v. 2, num. 5, 2001.

VIANA, Nildo. Mito e Ideologia. Revista Cronos – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UFRN, v. 12, num. 01, 2011.

VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo: Ideias e Letras, 2009.

VIANA, Nildo. Senso Comum, Representações Sociais e Representações Cotidianas. Bauru: Edusc, 2008.

YOUNG, Jock. A Sociedade Excludente. Exclusão Social, Criminalidade e Diferença na Modernidade Recente. Rio de Janeiro: Revan, 2002.




[1] A palavra desigual quer dizer que não são iguais, bem como diferença quer dizer que são diferentes. Não há uma relação de exploração, dominação, opressão, necessariamente, quando se usa as expressões “desigualdade” e “diferença”. Certas formas de desigualdade e diferença podem expressar formas de hierarquia, opressão, etc., mas isso não é algo expresso imediatamente pelo uso de tais palavras. As ideologias contemporâneas preferem estes termos justamente por serem eufemismos ou legitimarem determinadas relações ou interpretações da realidade, além de criar confusão. Ser contra a “desigualdade” não significa muita coisa e por isso é possível colocar a questão de que é possível “diminuir a desigualdade”, como se fosse apenas uma questão de grau ou de quantidade, ao invés de ser uma relação social que gera antagonismos em alguns casos e oposições em outros.

[2] Aliás, seria outro processo ideológico, pois afirmaria que não existe opressão, dominação, exploração, invertendo a realidade. O efeito desse pensamento seria ou deixar as coisas como estão, pois se não existem classes e exploração, então não é preciso transformação social, ou pensar que basta a boa vontade individual para resolver as questões sociais existentes (menos a questão fundamental que está na raiz de todas as outras, a de classe social, pois esta ninguém está disposto a alterar individualmente, deixando, por exemplo, de ser pertencente à uma classe privilegiada, mas pedir “comportamento individual” diferente em outras instâncias é mais fácil e cômodo, além de parecer “revolucionário”).

[3] Aqui, novamente, fazemos um alerta em relação ao uso de palavras. O termo “desigualdade social” é problemático e só o utilizamos devido a objetivos didáticos e a facilidade de compreensão usando uma linguagem mais acessível. O elemento problemático reside no fato de que o uso do termo “desigualdade”, mesmo acrescentando-se o social, ofusca as relações sociais reais, pois o problema entre as classes não é que elas são “desiguais” e sim que há um processo de exploração e dominação que gera uma forma específica de desigualdade e também o seu caráter antagônico. Da mesma forma, dizer que existe desigualdade em diversos outros casos apenas ofusca a existência de relações de dominação e opressão. O mesmo ocorre com o uso do termo “diferença”.  Por conseguinte, deixamos claro que quando utilizamos estes termos é com fim didático e com o objetivo de tornar mais acessível a discussão, o que, infelizmente, promove concessões linguísticas, mas que precisam, no mínimo, ser alertadas.

[4] Resumidamente, teorema é um fragmento de uma teoria, ou seja, um aspecto da mesma, o que significa que não é uma teoria em sua totalidade e complexidade.

[5] E alguns indivíduos ainda podem se vangloriar de não serem sexistas por usar @ ao invés de “o” ou “a”, embora reproduzam em suas práticas cotidianas e seus valores, interesses, posições políticas, elementos que reforçam essa sociedade que produz e reproduz o sexismo. Ou seja, o indivíduo se torna “politicamente correto” no que é superficial e nada muda, na linguagem, mas na vida real e nas suas posições diante da sociedade, reforça o que gera o sexismo, aparentando ser o contrário do que realmente é.

Artigo publicado originalmente em: Revista Espaço Livre, vol. 08, num. 15, jan./jun. 2013.

terça-feira, 24 de março de 2015

Senso Comum, Representações Sociais e Representações Cotidianas - livro disponibilizado



O livro Senso Comum, Representações Sociais e Representações Cotidianas, acaba de ser disponibilizado.

Para acessá-lo clique aqui.

Leia abaixo introdução do livro, resenhas e textos:


INTRODUÇÃO



O presente livro aborda a temática das representações cotidianas. A emergência, desenvolvimento e abordagem de determinados termos (científicos, filosóficos, teóricos, etc.) são produtos sociais e envolvidos nas lutas sociais, bem como as opções que os indivíduos assumem no uso ou determinado tipo de uso destes termos. Os termos senso comum e representações sociais se referem a uma determinada realidade, que, no entanto, como em toda ideologia, é invertida, aparece, como já dizia Marx, de “cabeça para baixo”. É por este motivo que preferimos trabalhar com o conceito de representações cotidianas. Mas a escolha de um conceito ao invés de trabalhar com outros pretensos conceitos existentes e dominantes requer uma justificativa. É por isto que iremos seguir a seguinte forma de exposição: iniciaremos com uma crítica do termo senso comum, passando posteriormente para uma crítica do termo representações sociais e finalizaremos com uma exposição e defesa do conceito de representações cotidianas.
Assim, no capítulo 01, iremos apresentar uma discussão histórica e teórica a respeito do termo senso comum. Suas raízes sociais serão explicitadas, bem como das mudanças de enfoque e abordagem que recebeu, e seus limites serão expostos. O mesmo procedimento será realizado no capítulo 02, dedicado à abordagem das representações sociais. Após mostrar que ambos os termos são produtos de um discurso ideológico, que expressam interesses de classe e revelam os valores dominantes, além de, devido a isto, não dar conta da realidade, iremos buscar resgatar em Marx e alguns pensadores que se inspiraram nele, uma concepção de representações cotidianas, isto é, um conceito que apresente a realidade do que se chama “cultura popular”, “saber comum”, “saber popular”, “conhecimento comum”, “senso comum”, “representações sociais”, etc., sem deformá-la, sem colocá-la “de cabeça para baixo”, tal como no mundo ideológico.
A referência fundamental aqui é Marx. A sua contribuição teórica e metodológica é fundamental. Além disso, ele mesmo fez referências ao problema das representações e apresentou um esboço de análise das representações que denominamos cotidianas, por motivos que mais adiante serão explicitados e que o próprio Marx apontou. Marx ao tratar das representações, das representações ilusórias ou reais, bem como ao colocar a questão das “concepções cotidianas”, abriu o caminho para a elaboração de uma teoria das representações cotidianas. Bloch, Gramsci, Sorel, Korsch, entre outros, ao lado daqueles que contribuem com a discussão de termos como os de cotidiano, são aqui resgatados para elaborarmos uma teoria marxista das representações cotidianas.
Assim, após uma reflexão crítica sobre os termos senso comum e representações sociais, iremos apresentar um esboço de uma teoria das representações cotidianas a partir da contribuição de Marx e outros pensadores. Obviamente que este estudo poderá servir de ponto de partida para diversas pesquisas sobre as mais variadas formas de representações cotidianas e contribuir para uma análise mais crítica da cultura e de algumas abordagens existentes. Um ponto de partida que poderá ser enriquecido com novas contribuições que posteriormente poderão surgir.


RESENHAS E TEXTOS RELACIONADOS:

Resenha - Paulo Cardinale
Resenha - Hugo Leonardo Cassimiro



terça-feira, 17 de março de 2015

Sobre Governo Dilma e Manifestações


DUAS MANIFESTAÇÕES DO MESMO

Nildo Viana

O Brasil nunca foi um país de grandes manifestações. As manifestações ocorriam raramente e em certas ocasiões. Em 2013, essa realidade mudou. As manifestações estudantis de maio e as populares de junho produziram uma nova dinâmica social no país. Agora elas correm o risco de se tornarem corriqueiras e sem grande importância. As últimas manifestações, do dia 13, dos governistas, e do dia 15, dos opositores conservadores dos governistas, apenas revelam isso, pois nenhum dos dois foram protagonistas ou fundamentais nas autênticas manifestações populares de 2013, ficaram a reboque.

Agora querem ser protagonistas, usando a máquina governamental ou os meios oligopolistas de comunicação. Quem não tem cão, caça com gato, já dizia o ditador popular. Afinal, se não tem inserção e força nos meios populares, então o que resta é usar o que tem, ou o aparato estatal ou o capital comunicacional, a força do governo ou a força da TV. 

No entanto, as manifestações de 2013 eram radicalmente diferentes das atuais. Elas eram estudantis e posteriormente populares, espontâneas, e tinham uma tendência à esquerda. As últimas policlassistas, tendo trabalhadores (proletários, lumpemproletários, subalternos, intelectuais e indivíduos de outras classes), mas não tinham um caráter de classe claro e definido. Apesar do hino nacional que apareceu em alguns casos, alguns grupos direitistas, etc., isso não era o dominante como governistas e pseudoesquerda querem nos fazer crer.

As manifestações atuais não são espontâneas. São, no caso do dia 13, realizadas pelo aparato governamental e seus aliados, ou seja, a burocracia estatal e governista, bem como burocracias sindicais, estudantis e outras, junto com setores da intelectualidade, burguesia, etc. Obviamente que ingênuos, pessoas recebendo algo para aparecer, entre outros também estavam presentes. A suposta "esquerda", de determinados partidos (PT, PC do B, etc.) e suas correias de transmissão (CUT, MST, etc.) eram presença confirmada.

As manifestações do dia 15 também não foram espontâneas, foram incentivadas por supostos "movimentos sociais", constituídos de última hora e com o poder financeiro de setores da sociedade, e aglutinou, com apoio do capital comunicacional (Rede Globo e outras redes de televisão, grandes jornais, emissoras de rádio, etc.). E contou com setores da burguesia e da burocracia, intelectualidade reacionária, setores conservadores em geral (ligados a igrejas, pequenos empresários despolitizados, etc.). Também os ingênuos, pessoas recebendo algo para aparecer, entre outros, não poderiam deixar de estar presentes. Os supostos "organizadores" e seus aliados (partidos como PSDB e semelhantes), eram presença confirmada.

O mais curioso foi a reação posterior de intelectuais, militantes de esquerda (com ou sem aspas), entre outros. Muitos ficaram "espantados" com o número de pessoas nas manifestações do dia 15. O fantasma do fascismo ronda as cabeças dos seres pensantes da sociedade brasileira.

No fundo, resta saber por qual motivo ocorreram ambas manifestações. O principal responsável é o Governo Dilma. Afinal, foi ele que provocou as manifestações de 2013, é ele que está alimentando e fortalecendo uma extrema-direita e aumentado a força do conservadorismo, é ele que beneficia setores da população em detrimento de outros, foi ele que fez políticas que aprofundaram a tendência à crise e esgotamento do crescimento do capital ("econômico"), é ele que é o principal envolvido na corrupção da Petrobrás, para ficar em apenas alguns aspectos. O fortalecimento da "direita" e da "extrema-direita" é produto do Governo Dilma, que também é de direita. Da mesma forma, a falsa polarização entre "esquerda" governista e direita oposicionista é outro produto do Governo Dilma, que buscou transformar a revolta popular de 2013 numa disputa partidária-eleitoral, e que seu enfraquecimento e ações ajuda a reproduzir após momento eleitoral.

Nesse sentido, nada mais absurdo que as manifestações do dia 13 de março. Um leitor poderia querer corrigir: do dia 15 de março. Não, é 13 de março mesmo. Afinal de contas, se a racionalidade dominasse a cabeça de toda população, a manifestação do dia 13 de março seria vista como um absurdo completo: burocratas e a ala governista do bloco dominante faz manifestações para defenderem a si mesmos e suas políticas que estão levando o país para o abismo. O Rei Sol diria: "a manifestação sou eu" e acrescentaria "e para mim". Os interesses por detrás de tal manifestação são visíveis: interesses governamentais, de decrépitas burocracias querendo manter seus privilégios, e jogo pelo poder. A corrupção na Petrobrás é apenas a ponta do Iceberg, mas o que interessa mesmo não é essa discussão, pois a corrupção é estrutural na sociedade capitalista e principalmente no aparato estatal e sempre existiu e vai continuar enquanto ele existir. O aumento dos preços, da inflação, o desaceleramento do desenvolvimento do capital ("crescimento econômico"), os atos contra os interesses dos trabalhadores e caráter crescentemente repressivo do aparato estatal, isso sim é algo que faria qualquer um pensar duas vezes antes de ir para a rua defender... o governo.

Mas, na  terra dos absurdos, quanto mais absurdo melhor. Se não bastasse o risível acontecimento do dia 13, não por acaso o número que representa o partido no governo, vem a do dia 15, número do PMDB, o aliado já não tão aliado do 13. As manifestações do dia 15 de março foi arquitetada por setores mais conservadores e com apoio total do capital comunicacional ("indústria cultural", um setor do capital que mercantiliza comunicação e lucra com isso). Além das razões meramente político-partidárias, do PSDB e outros aspirantes ao governo e descontentes com o mesmo, inclusive mais conservadores ainda, setores da classe capitalista e descontentes em geral vão protestar contra o Governo Dilma. Oras, se o governo Dilma gerou o 15 de março verde-amarelo (de várias formas, inclusive o Governo Lula foi o que tornou obrigatório cantar o hino nacional nas escolas e instituiu o ensino religioso, bem coerente com os princípios da "esquerda"), foram eles que permitiram e fizeram nascer os governos petistas. A ala conservadora do bloco dominante foi a grande força dessas manifestações. E manifestaram contra ou a favor do quê? Contra a corrupção da Petrobrás? Então muitos não deveriam estar lá... pois estão envolvidos até o pescoço. Contra a corrupção em geral? Então o número de participantes também reduziria bastante. Pelo Impeachment do Governo Dilma? Proposta risível e que só tem sentido para os ingênuos ou para os que querem substituir tal governo pelo seu próprio.

Sejamos claros: a manifestação do dia 13 de março é a dos partidários do governo, a ala governista do bloco dominante, que é de DIREITA, por mais que use vermelho e se diga dos trabalhadores. A manifestação do dia 15 de março foi realizada pela ala conservadora do bloco dominante, por mais que na aparência fossem dissidentes. São duas faces da mesma moeda. Na verdade, as verdadeiras manifestações estão ocorrendo nas ruas, pela população, protestando contra a tarifa e má qualidade do transporte público, com pessoas espancadas e presas pela polícia, seja de governos "vermelhos" ou "amarelos". As manifestações do dia 13 e do dia 15 não tiveram repressão policial, afinal, não incomodavam os interesses do capital. Duas manifestações hegemonicamente direitistas e conservadoras.

O circo foi armado e os palhaços apareceram, cada um com sua fantasia espalhafatosa, cujo tom mais vermelho ou amarelo são apenas variações do mesmo. No entanto, muita gente apareceu e não sabia bem o que estava apoiando. Trabalhadores, jovens menos informados, descontentes por questões morais (corrupção, religião, etc.) engrossaram as fileiras da manifestação de 15 de março. Quanto mais ignorância, maior é o risco da população ficar do lado A ou B do bloco dominante pró-capitalista e conservador. O aparato estatal e o capital comunicacional são demasiado fortes para não deixar que uma verdadeira crítica e projeto alternativo apareça, reduzindo tudo ao mesmo estágio despolitizado do processo eleitoral, entre partidários do PT e partidários do PSDB, ou de seus aliados. O bloco reformista, que foi implodido com a ascensão petista e do qual só sobraram resquícios (PSOL, PSTU, etc.), não possui força mobilizadora e nem capacidade política de criar uma contraposição às duas tendências do bloco dominante, está em estado letárgico. O bloco revolucionário, que em 2013 teve uma breve ascensão e devido seus limites internos não conseguiu aproveitar uma oportunidade de maior estruturação, também é demasiado fraco para poder fortalecer um campo alternativo junto à maioria da população. Mas o contexto geral é de problemas crescentes na acumulação capitalista, políticas de austeridade, processos de empobrecimento e queda do consumo. Logo, as duas alas do bloco dominante só vão continuar com essa encenação enquanto a maioria da população não começar a agir de forma mais efetiva e o bloco revolucionário ainda manter sua timidez e não colocar as palavras de ordem que expressam os interesses dessa maioria, mostrando que o abismo é o próximo passo, e tanto faz se o guia será um tucano ou uma estrela vermelha.

Logo, é preciso largar o defensivismo, por um lado, e cair na armadilha do "fantasma do fascismo", que a ala governista do bloco dominante (e o bloco reformista que fica ao seu reboque e não apresenta nenhuma alternativa real) divulga por aí. O governo Dilma deve ser combatido e esse combate não deve ser deixado para a ala conservadora do bloco dominante. Da mesma forma, o maior problema não é o governo Dilma e sim o capitalismo e as políticas estatais que ele constrange a realizar no atual momento com as dificuldades da acumulação capitalista e por isso é necessário colocar a palavra de ordem: autogestão social! A revolução proletária não é mais para daqui a cem anos, pois a barbárie se aproxima e a brecha revolucionária também, mas a mera prática de reivindicações limitadas não produz politização e não impede a manipulação da população. 

Em síntese, ao invés de espanto com as manifestações absurdas daqueles que estão no poder (seja a ala governista ou conservadora que detém o poder mas quer o aparato governamental), cuja motivação é um total contrassenso (para apoiar um governo decrépito ou para incentivar sua substituição por outro idêntico), e se iludir com as aparências, é necessário começar a encaminhar lutas mais fortes e não deixar de colocar que agora é o momento da luta por um real projeto alternativo, a autogestão social, o único que pode abolir a corrupção, a exploração, a dominação, o reino do dinheiro e da burocracia, elementos inseparáveis.


sexta-feira, 6 de março de 2015

O Fim dos Tempos ou Revolta da Natureza?


Fim dos Tempos, M. Night Shyamalam (EUA, 2008).







Por Nildo Viana













O filme "Fim dos Tempos", M. Night Shyamalan (EUA, 2008) dá seqüência ao processo de denúncia dos perigos pelos quais passa a humanidade presente em outros filmes anteriores dirigidos por este cineasta, tal como A Dama na Agua (EUA, 2006). Tal como no filme anterior citado, um certo esoterismo na trama, na qual o mistério não é resolvido satisfatoriamente, que aponta para uma catástrofe, uma situação na qual os indivíduos são atingidos por uma força misteriosa, possivelmente uma toxina, que atinge as pessoas fazendo-as perder o "instinto de sobrevivência", o que leva ao suicídio em massa.


Quem espera um grande "filme-catástrofe" certamente se decepciona. Quem conhece os demais filmes do diretor sabe que o conteúdo não será muito complexo e profundo, nem a trama em si. Também irá saber que ele irá aparecer em alguma cena do filme, tal como é seu costume e parece a mesma coisa que as "aparições" de Stan Lee nos filmes com super-heróis da Marvel Comics. No entanto, o filme tem seus méritos, tal como deméritos, tanto no conteúdo quanto na forma. Os personagens são pouco envolventes por serem pouco profundos e às vezes beirando o patético. De qualquer forma, o filme tematiza a revolta da natureza contra os seres humanos, o que não é novidade na contemporaneidade e pode ser visto, por exemplo, nos quadrinhos de super-heróis "The Autority", embora este mais atualizado e politizado.

O que se nota no filme é a tematização da revolta da natureza provocada pela ação humana e por isso se volta contra ela. A toxina responsável pela perda da vontade de viver é uma substância produzida pelas plantas em sinal de defesa contra a ameaça humana. Assim, a força misteriosa que provoca a morte de milhares de pessoas é a "natureza", ou melhor, parte dela, para ser mais exato, as plantas. O local mais atingido é justamente onde se faz experiências com armas nucleares.

Sem dúvida, retirando o esoterismo presente, que demonstra que o roteirista deixa a desejar em matéria de compreensão do que está por trás da degradação ambiental e dos atuais problemas sociais que a provoca, a intenção é boa, já que a idéia é denunciar as conseqüências disto e a possibilidade de evitar "o acontecimento" (título original do fime). Porém, as limitações formais e a falta de profundidade de conteúdo, além do esoterismo, prejudicam o filme. A idéia apresentada pelo aluno no início, segundo a qual há coisas inexplicáveis na natureza, o que é repetido por um cientista no final do filme. O problema mais grave com a mensagem está em não perceber que o esotérico, o misterioso, realmente é ameaçador, mas se fica nesse nível "inexplicável", reforça a ignorância e o imobilismo, pois medo e ignorância são imobilizadores, e a questão ambiental precisa ser mobilizadora.

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