DUAS MANIFESTAÇÕES DO MESMO
Nildo Viana
O Brasil nunca foi um país de grandes manifestações. As manifestações ocorriam raramente e em certas ocasiões. Em 2013, essa realidade mudou. As manifestações estudantis de maio e as populares de junho produziram uma nova dinâmica social no país. Agora elas correm o risco de se tornarem corriqueiras e sem grande importância. As últimas manifestações, do dia 13, dos governistas, e do dia 15, dos opositores conservadores dos governistas, apenas revelam isso, pois nenhum dos dois foram protagonistas ou fundamentais nas autênticas manifestações populares de 2013, ficaram a reboque.
Agora querem ser protagonistas, usando a máquina governamental ou os meios oligopolistas de comunicação. Quem não tem cão, caça com gato, já dizia o ditador popular. Afinal, se não tem inserção e força nos meios populares, então o que resta é usar o que tem, ou o aparato estatal ou o capital comunicacional, a força do governo ou a força da TV.
No entanto, as manifestações de 2013 eram radicalmente diferentes das atuais. Elas eram estudantis e posteriormente populares, espontâneas, e tinham uma tendência à esquerda. As últimas policlassistas, tendo trabalhadores (proletários, lumpemproletários, subalternos, intelectuais e indivíduos de outras classes), mas não tinham um caráter de classe claro e definido. Apesar do hino nacional que apareceu em alguns casos, alguns grupos direitistas, etc., isso não era o dominante como governistas e pseudoesquerda querem nos fazer crer.
As manifestações atuais não são espontâneas. São, no caso do dia 13, realizadas pelo aparato governamental e seus aliados, ou seja, a burocracia estatal e governista, bem como burocracias sindicais, estudantis e outras, junto com setores da intelectualidade, burguesia, etc. Obviamente que ingênuos, pessoas recebendo algo para aparecer, entre outros também estavam presentes. A suposta "esquerda", de determinados partidos (PT, PC do B, etc.) e suas correias de transmissão (CUT, MST, etc.) eram presença confirmada.
As manifestações do dia 15 também não foram espontâneas, foram incentivadas por supostos "movimentos sociais", constituídos de última hora e com o poder financeiro de setores da sociedade, e aglutinou, com apoio do capital comunicacional (Rede Globo e outras redes de televisão, grandes jornais, emissoras de rádio, etc.). E contou com setores da burguesia e da burocracia, intelectualidade reacionária, setores conservadores em geral (ligados a igrejas, pequenos empresários despolitizados, etc.). Também os ingênuos, pessoas recebendo algo para aparecer, entre outros, não poderiam deixar de estar presentes. Os supostos "organizadores" e seus aliados (partidos como PSDB e semelhantes), eram presença confirmada.
O mais curioso foi a reação posterior de intelectuais, militantes de esquerda (com ou sem aspas), entre outros. Muitos ficaram "espantados" com o número de pessoas nas manifestações do dia 15. O fantasma do fascismo ronda as cabeças dos seres pensantes da sociedade brasileira.
No fundo, resta saber por qual motivo ocorreram ambas manifestações. O principal responsável é o Governo Dilma. Afinal, foi ele que provocou as manifestações de 2013, é ele que está alimentando e fortalecendo uma extrema-direita e aumentado a força do conservadorismo, é ele que beneficia setores da população em detrimento de outros, foi ele que fez políticas que aprofundaram a tendência à crise e esgotamento do crescimento do capital ("econômico"), é ele que é o principal envolvido na corrupção da Petrobrás, para ficar em apenas alguns aspectos. O fortalecimento da "direita" e da "extrema-direita" é produto do Governo Dilma, que também é de direita. Da mesma forma, a falsa polarização entre "esquerda" governista e direita oposicionista é outro produto do Governo Dilma, que buscou transformar a revolta popular de 2013 numa disputa partidária-eleitoral, e que seu enfraquecimento e ações ajuda a reproduzir após momento eleitoral.
Nesse sentido, nada mais absurdo que as manifestações do dia 13 de março. Um leitor poderia querer corrigir: do dia 15 de março. Não, é 13 de março mesmo. Afinal de contas, se a racionalidade dominasse a cabeça de toda população, a manifestação do dia 13 de março seria vista como um absurdo completo: burocratas e a ala governista do bloco dominante faz manifestações para defenderem a si mesmos e suas políticas que estão levando o país para o abismo. O Rei Sol diria: "a manifestação sou eu" e acrescentaria "e para mim". Os interesses por detrás de tal manifestação são visíveis: interesses governamentais, de decrépitas burocracias querendo manter seus privilégios, e jogo pelo poder. A corrupção na Petrobrás é apenas a ponta do Iceberg, mas o que interessa mesmo não é essa discussão, pois a corrupção é estrutural na sociedade capitalista e principalmente no aparato estatal e sempre existiu e vai continuar enquanto ele existir. O aumento dos preços, da inflação, o desaceleramento do desenvolvimento do capital ("crescimento econômico"), os atos contra os interesses dos trabalhadores e caráter crescentemente repressivo do aparato estatal, isso sim é algo que faria qualquer um pensar duas vezes antes de ir para a rua defender... o governo.
Mas, na terra dos absurdos, quanto mais absurdo melhor. Se não bastasse o risível acontecimento do dia 13, não por acaso o número que representa o partido no governo, vem a do dia 15, número do PMDB, o aliado já não tão aliado do 13. As manifestações do dia 15 de março foi arquitetada por setores mais conservadores e com apoio total do capital comunicacional ("indústria cultural", um setor do capital que mercantiliza comunicação e lucra com isso). Além das razões meramente político-partidárias, do PSDB e outros aspirantes ao governo e descontentes com o mesmo, inclusive mais conservadores ainda, setores da classe capitalista e descontentes em geral vão protestar contra o Governo Dilma. Oras, se o governo Dilma gerou o 15 de março verde-amarelo (de várias formas, inclusive o Governo Lula foi o que tornou obrigatório cantar o hino nacional nas escolas e instituiu o ensino religioso, bem coerente com os princípios da "esquerda"), foram eles que permitiram e fizeram nascer os governos petistas. A ala conservadora do bloco dominante foi a grande força dessas manifestações. E manifestaram contra ou a favor do quê? Contra a corrupção da Petrobrás? Então muitos não deveriam estar lá... pois estão envolvidos até o pescoço. Contra a corrupção em geral? Então o número de participantes também reduziria bastante. Pelo Impeachment do Governo Dilma? Proposta risível e que só tem sentido para os ingênuos ou para os que querem substituir tal governo pelo seu próprio.
Sejamos claros: a manifestação do dia 13 de março é a dos partidários do governo, a ala governista do bloco dominante, que é de DIREITA, por mais que use vermelho e se diga dos trabalhadores. A manifestação do dia 15 de março foi realizada pela ala conservadora do bloco dominante, por mais que na aparência fossem dissidentes. São duas faces da mesma moeda. Na verdade, as verdadeiras manifestações estão ocorrendo nas ruas, pela população, protestando contra a tarifa e má qualidade do transporte público, com pessoas espancadas e presas pela polícia, seja de governos "vermelhos" ou "amarelos". As manifestações do dia 13 e do dia 15 não tiveram repressão policial, afinal, não incomodavam os interesses do capital. Duas manifestações hegemonicamente direitistas e conservadoras.
O circo foi armado e os palhaços apareceram, cada um com sua fantasia espalhafatosa, cujo tom mais vermelho ou amarelo são apenas variações do mesmo. No entanto, muita gente apareceu e não sabia bem o que estava apoiando. Trabalhadores, jovens menos informados, descontentes por questões morais (corrupção, religião, etc.) engrossaram as fileiras da manifestação de 15 de março. Quanto mais ignorância, maior é o risco da população ficar do lado A ou B do bloco dominante pró-capitalista e conservador. O aparato estatal e o capital comunicacional são demasiado fortes para não deixar que uma verdadeira crítica e projeto alternativo apareça, reduzindo tudo ao mesmo estágio despolitizado do processo eleitoral, entre partidários do PT e partidários do PSDB, ou de seus aliados. O bloco reformista, que foi implodido com a ascensão petista e do qual só sobraram resquícios (PSOL, PSTU, etc.), não possui força mobilizadora e nem capacidade política de criar uma contraposição às duas tendências do bloco dominante, está em estado letárgico. O bloco revolucionário, que em 2013 teve uma breve ascensão e devido seus limites internos não conseguiu aproveitar uma oportunidade de maior estruturação, também é demasiado fraco para poder fortalecer um campo alternativo junto à maioria da população. Mas o contexto geral é de problemas crescentes na acumulação capitalista, políticas de austeridade, processos de empobrecimento e queda do consumo. Logo, as duas alas do bloco dominante só vão continuar com essa encenação enquanto a maioria da população não começar a agir de forma mais efetiva e o bloco revolucionário ainda manter sua timidez e não colocar as palavras de ordem que expressam os interesses dessa maioria, mostrando que o abismo é o próximo passo, e tanto faz se o guia será um tucano ou uma estrela vermelha.
Logo, é preciso largar o defensivismo, por um lado, e cair na armadilha do "fantasma do fascismo", que a ala governista do bloco dominante (e o bloco reformista que fica ao seu reboque e não apresenta nenhuma alternativa real) divulga por aí. O governo Dilma deve ser combatido e esse combate não deve ser deixado para a ala conservadora do bloco dominante. Da mesma forma, o maior problema não é o governo Dilma e sim o capitalismo e as políticas estatais que ele constrange a realizar no atual momento com as dificuldades da acumulação capitalista e por isso é necessário colocar a palavra de ordem: autogestão social! A revolução proletária não é mais para daqui a cem anos, pois a barbárie se aproxima e a brecha revolucionária também, mas a mera prática de reivindicações limitadas não produz politização e não impede a manipulação da população.
Logo, é preciso largar o defensivismo, por um lado, e cair na armadilha do "fantasma do fascismo", que a ala governista do bloco dominante (e o bloco reformista que fica ao seu reboque e não apresenta nenhuma alternativa real) divulga por aí. O governo Dilma deve ser combatido e esse combate não deve ser deixado para a ala conservadora do bloco dominante. Da mesma forma, o maior problema não é o governo Dilma e sim o capitalismo e as políticas estatais que ele constrange a realizar no atual momento com as dificuldades da acumulação capitalista e por isso é necessário colocar a palavra de ordem: autogestão social! A revolução proletária não é mais para daqui a cem anos, pois a barbárie se aproxima e a brecha revolucionária também, mas a mera prática de reivindicações limitadas não produz politização e não impede a manipulação da população.
Em síntese, ao invés de espanto com as manifestações absurdas daqueles que estão no poder (seja a ala governista ou conservadora que detém o poder mas quer o aparato governamental), cuja motivação é um total contrassenso (para apoiar um governo decrépito ou para incentivar sua substituição por outro idêntico), e se iludir com as aparências, é necessário começar a encaminhar lutas mais fortes e não deixar de colocar que agora é o momento da luta por um real projeto alternativo, a autogestão social, o único que pode abolir a corrupção, a exploração, a dominação, o reino do dinheiro e da burocracia, elementos inseparáveis.
As ironias do texto são muito boas, afinal como não rir destas duas manifestações?
ResponderExcluirMas mais importante do que a ironia é a lucidez. Muitos ficam espantados com entrevistas totalmente reacionárias e/ou ignorantes, ignorando também que isso é expressão dos debates cotidianos. Dia após dia encontramos estas opiniões conservadoras e reacionárias, por vezes debatemos e por vezes não. Resta mesmo buscar compreender o momento político do país de modo a não perder de vista as demais determinações sociais e históricas, assim como propor alternativas que avancem em relação ao que está colocado.
Sem dúvida Mateus, a situação é essa mesma e a luta é uma necessidade para ultrapassarmos a alternativa entre "inferno" e "purgatório". Abraços!
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