MOVIMENTOS
SOCIAIS E INTERNET
Nildo Viana*
Os
movimentos sociais sofrem mutações com o processo de mudanças sociais. A
sociedade contemporânea vem sofrendo mudanças desde a década de 1980 e marca
uma nova fase do capitalismo mundial. Um dos elementos dessa mudança social é o
uso do computador e da internet, a rede mundial de computadores. A internet
permite formas mais ágeis de comunicação, além de maior horizontalidade e
possibilidades de participação, com um custo menor. Esse processo vem chamando
a atenção de pesquisadores que iniciam estudos sobre a relação entre internet e
sociedade (SLEVIN, 2002). Nesse campo de pesquisa, ganha destaque a que busca
estabelecer a relação entre internet e movimentos sociais (MARTÍNEZ et al.,
2006; CASTELLS, 2013; GOHN, 2013). Tendo em vista esse processo e o impacto da
internet e das redes sociais sobre os movimentos sociais e a sociedade civil em
geral, pretendemos analisar a relação estabelecida entre esses dois fenômenos e
descobrir qual é sua ressonância nas lutas sociais contemporâneas.
A
análise da relação entre movimentos sociais e internet pressupõe, além de
algumas definições conceituais, a começar pelo conceito de movimentos sociais,
uma reflexão mais ampla sobre internet e sociedade. Sendo assim, vamos iniciar
com uma análise da internet e sua relação com a sociedade, para, num segundo
momento, definir e relacionar movimentos sociais e internet.
Internet
e Sociedade
A
relação entre internet e sociedade é complexa e envolve um conjunto enorme de
questões, que, obviamente, não poderemos abordar aqui. A nossa intenção, nesse
item, é mais modesta. O nosso objetivo é apenas destacar os elementos
fundamentais nessa relação para poder, a partir disso, explicar as relações
entre movimentos sociais e internet. Quais são esses elementos fundamentais? O
primeiro ponto a se destacar é a constituição social da internet; o segundo remete
ao caráter piramidal da internet, que é uma reprodução da sociedade dividida em
classes sociais; o terceiro é a questão da reprodução social; o quarto ponto
são as contradições e potencialidades da internet; o quinto e último ponto é
uma manifestação específica no interior da internet, que são as redes sociais
virtuais.
A
internet é um produto social e histórico e, como tal, é determinada e datada,
bem como suas mutações expressam mutações sociais. A internet surgiu a partir
de um conjunto de mudanças sociais e suas origens remotas remetem ao
desenvolvimento tecnológico associado ao aparato militar e capital bélico, bem
como ao contexto da guerra fria. Segundo Slevin:
A expressão ‘novos media’ sugere que a internet é, em
certa medida, uma invenção súbita, exclusivamente regida por condições
inerentes ao seu próprio desenvolvimento tecnológico. Na verdade, nenhuma das
nossas modernas tecnologias da comunicação alguma vez surgiu, simples e
misteriosamente, saída de um saco de oportunidades tecnológicas
independentemente concedidas, como toda moderna tecnologia da comunicação, a
Internet está intimamente entretecida no desenvolvimento mais geral do Estado-nação
moderno. Num nível diferente, as transmutações introduzidas pels organizações
modernas entrelaçam-se diretamente na natureza da vida individual cotidiana.
Nessa medida, o desenvolvimento da internet é um resultado simultaneamente
intencional e involuntário do esforço humano. Pode portanto ser melhor
compreendido como um resultado de condições técnicas e sociais contraditórias e
ricas em tensões, exatamente como as consequências da sua utilização (SLEVIN,
2002, p. 31-32).
A
internet emergiu através de um processo oriundo da iniciativa militar e sua
extensão para meios acadêmicos, o que desembocou em sua constituição após a
criação da WWW, HTML, etc., que permitiram seu uso generalizado na sociedade
moderna. Não cabe aqui, por questão de espaço, recontar detalhadamente todo o
processo que gerou a internet, o que foi abordado de forma mais breve por
alguns autores que trabalham com os movimentos sociais (MARTÍNEZ et al., 2006)
e de forma mais aprofundada por outros (SLEVIN, 2002). Cabe apenas destacar que
ela não surgiu do acaso ou como mera invenção tecnológica. Ela surgiu a partir
de interesses e projetos militares, que depois se ampliam com liberação do
código TCP/IP para os meios acadêmicos e ganha novas contribuições de outros
setores da sociedade (SLEVIN, 2002; MARTÍNEZ et al., 2006).
Uma
vez existente, ela ganha novas contribuições e desenvolvimentos, bem como novos
usos. Com o passar do tempo, o uso comercial, policial e outros se acrescentam
aos anteriores. Por outro lado, o seu desenvolvimento gerou diversas formas de
comunicação. No início, após a criação dos navegadores, a comunicação direta
era realizada através dos e-mails e, posteriormente, os chats, até chegar às
redes sociais virtuais, tais como o Orkut, Facebook, entre outros. A comunicação
indireta emergiu através dos sites e se democratizou com os gratuitos (com
propaganda) e mais ainda com os blogs, que dispensa maior domínio sobre o html,
além de serem mais dinâmicos. Sites de fotos, vídeos, relacionamentos, entre
outros, emergem e passam a ser cada vez mais participativos e abertos à
comunicação dos usuários. Assim, o Youtube, entre diversos outros semelhantes,
mas sendo o mais usado, permite a qualquer indivíduo postar seus vídeos. No
início permitia apenas vídeos curtos (até 10 minutos) e depois autorizou os
usuários mais ativos a postagem de vídeos de mais de uma hora. Uma forma de
interação é os comentários nos vídeos, além das famosas curtidas e inscrições,
bem como a comunidade do canal do usuário que posta os vídeos (só acessível a
quem tem mais de um mil inscritos). Por detrás de todos estes sites, o
interesse de seus proprietários é o lucro. O Youtube, por exemplo, exibe
propagandas antes ou durante a exibição de vídeos, vende filmes não
disponibilizados, entre outras formas de obtenção de lucro.
O
impulso para o desenvolvimento da internet ocorreu, no entanto, com a nova fase
do capitalismo, iniciada nos anos 1980. É nessa época que emerge o regime de
acumulação integral (VIANA, 2009; BRAGA, 2018; VIANA, 2015a; ORIO, 2014),
elemento definidor dessa fase, que marca uma nova onda de mercantilização,
gerando a exploração das mercadorias tecnológicas (iniciando com o videocassete
e outros produtos tecnológicos, depois passando para computadores, celulares,
etc.). Para alguém poder usar a internet, tem que adquirir computador (o que
posteriormente se tornou possível via celular, que também precisa ser
comprado), ter acesso (pagando um provedor, na maioria dos casos), ter
softwares, etc., e quanto mais o uso se expande e universaliza, mais se torna
compulsório (o que ocorre inicialmente nas universidades e que acaba se
generalizando em toda a sociedade) e mercantilizado. Além disso, outras
questões emergem, tal como a burocratização, mas por questão de espaço, nos
limitaremos a estas breves observações.
O
que se depreende disso tudo é que a internet foi gerada a partir de
determinados interesses e objetivos e sofreu uma mutação, passando a atender
outros interesses e objetivos. A internet segue a dinâmica das mudanças sociais
e não poderia ser diferente. Isso nos remete para o segundo ponto que
destacamos na relação entre internet e sociedade, que é o seu caráter
piramidal. Nas sociedades de classes, como é o caso da sociedade capitalista,
na qual vivemos, as relações sociais se organizam de forma piramidal. A chamada
“pirâmide social” é a forma metafórica que melhor expressa essa ordenação da
divisão de classes. Numa pirâmide, temos o topo mais restrito e
quantitativamente menor e seu alargamento até chegar à base, que é mais ampla e
quantitativamente muito superior.
A
pirâmide social expressa metaforicamente a relação entre as classes sociais,
tendo no topo a classe dominante e no plano intermediário as suas classes
auxiliares e, numa escala abaixo, as classes pequeno-proprietárias e mais abaixo,
na base, as classes produtoras. No caso da sociedade capitalista, teríamos a
burguesia no topo, vindo a seguir pela burocracia e intelectualidade, seguidas
pelos pequenos proprietários – o que Marx denominou “lojistas” (MARX, 1986), ou
seja, pequenos comerciantes, e pequenos proprietários de empresas – e pelas
classes trabalhadoras (proletariado, subalternos, lumpemproletariado, etc.). Ela
expressa, no capitalismo, uma ordenação no qual no topo se encontra quem detém
poder e riqueza e é seguido pelos demais, até chegar aos totalmente destituídos
de poder e riqueza.
A
internet também é piramidal, pois ela reproduz a sociedade capitalista.
Obviamente que a percepção disso, assim como na sociedade em geral, não é
imediata, pois não são relações sociais transparentes. Assim como na sociedade
capitalista não observamos os indivíduos capitalistas tomando decisões e desfilando
na rua para mostrar suas riquezas, como os reis e senhores feudais fizeram em
sociedades anteriores, também não percebemos isso na internet. Na sociedade
capitalista, a classe capitalista usa o aparato estatal, as fundações e
instituições, bem como as empresas capitalistas, para manifestar seu poder e
sua riqueza. Ninguém vê propaganda na televisão do capitalista X, nem compra
móveis do capitalista Y (seja um indivíduo capitalista, seja uma corporação de
capitalistas). Ele vê a propaganda da empresa: Volkswagen, Fiat, Ford, Philco,
Casas Bahia, Lojas Americanas, Intel, Microsoft, SBT, Record, Rede Globo, Facebook,
e não dos capitalistas (seja indivíduo ou conjunto de indivíduos, que são os
proprietários de tais empresas). E a compra nas empresas capitalistas ocorre via
internet, shopping centers, lojas físicas ou virtuais. Se alguém quer comprar
um refrigerante, compra Coca-Cola, Pepsi, Guaraná Antártica, não diretamente da
empresa capitalista que a produziu e sim da empresa capitalista que a
distribui, tal como nos hipermercados, como o Walmart, ou nas distribuidoras de
bebidas dos pequenos comerciantes. Da mesma forma, os indivíduos não são
dirigidos diretamente pelos indivíduos capitalistas, mas sim pelo aparato
estatal, suas fundações, empresas. Um operário recebe ordens diretas dos seus
superiores na empresa (burocracia empresarial), segue a legislação trabalhista
instituída pelo aparato estatal, obedece às leis geradas por ele, etc. Quando a
noite assiste TV, não vê o proprietário capitalista e sim apresentadores,
artistas, intelectuais, jornalistas, empresas, etc. na programação. Quando ouve
uma música, não vê o capital fonográfico e quando assiste um filme não vê o
capital cinematográfico.
Da
mesma forma, a classe capitalista não aparece sob a forma de indivíduos na
internet. Os indivíduos usam o Facebook, mas não veem Mark Zuckerberg. E nas
raras vezes que o veem, não é como o capitalista que ele é e sim como o
inventor do Facebook (apesar de todas as controvérsias em relação a isto), um
empreendedor, um indivíduo criativo, alguém bem-sucedido. Curtem, no Facebook, empresas,
mercadorias, etc., tanto as que são divulgadas por amigos virtuais, quanto as
que o são por anúncios pagos (sendo que a maioria nem se atenta para tal
detalhe). Os indivíduos não percebem que são manipulados, que em todas as redes
sociais, blogs, etc., aparecem milhares de propagandas de milhares de
mercadorias.
Qualquer
pesquisa mostra quais são os sites mais acessados: são os das grandes empresas
capitalistas, das grandes instituições capitalistas, das celebridades, etc. Da
mesma forma, o maior número de curtidas nas redes sociais são daqueles que
aparecem no capital comunicacional, ou seja, nos meios oligopolistas de
comunicação – as grandes redes de televisão, de rádio e grandes jornais.
Desta
forma, podemos dizer que a internet é um meio de comunicação que possibilita
uma ampla participação da população, sendo muito mais ampla do que a que é
permitida pelos meios oligopolistas de comunicação (através de shows de
auditório, cartas, participação por telefone, entrevistas, etc.). Na internet,
é possível fazer comentários nos sites dos grandes jornais, em suas notícias, e
colocar sua opinião, por exemplo. É claro que muitos só são acessíveis para os
assinantes, o que significa poder financeiro e estar melhor posicionado na
pirâmide social. Ela também permite comentários em blogs, etc., assim como cada
indivíduo pode criar gratuitamente seu blog. Da mesma forma, as redes sociais
permitem aos indivíduos expor sua vida cotidiana, suas opiniões políticas, seus
produtos para venda, etc.
O
que tudo isso mostra é que a internet também se organiza de forma piramidal.
Ela é marcada, tal como nos meios oligopolistas de comunicação, por uma
comunicação assimétrica, convivendo com uma comunicação simétrica. Assim como
na sociedade há a hegemonia burguesa e predomina a comunicação assimétrica
entre as classes superiores e as classes inferiores (e suas divisões internas)
e a comunicação simétrica ocorre entre os semelhantes (por exemplo, dois
operários tendem a se comunicar de forma simétrica, ao contrário de uma
conversa entre um gerente e um operário, pois aí a forma, nesse caso, é
assimétrica), o mesmo ocorre na internet. As chamadas “bolhas” mostram
justamente isso. O grande capital domina a internet, tanto no plano mercantil
quanto no plano cultural, impondo a hegemonia burguesa. E esse processo assume
a forma de uma pirâmide que tem na sua base as classes inferiores, com menor
acesso percentual de indivíduos em comparação com as demais classes, com menor
bagagem cultural para desenvolver criticidade e questionamento, bem como
domínio técnico, menos recursos financeiros para ter conexão com a mesma
capacidade e velocidade, menos tempo para pesquisar, etc.
Isso
revela, portanto, não apenas o caráter piramidal da internet, mas também o seu
caráter reprodutor. A internet reproduz a sociedade capitalista no seu
interior. As relações sociais da sociedade capitalista estão reproduzidas na
internet. E como ocorre esse processo de reprodução concretamente? Ele ocorre
através da divisão de classes e seu caráter piramidal, já aludido, da hegemonia
burguesa, da reprodução da sociabilidade capitalista e da mentalidade
dominante, dos processos concretos que oferecem um alcance limitado para os
indivíduos das classes inferiores e para aqueles que são contestadores e
revolucionários, mesmo que alguns destes pertençam às classes superiores.
Se
os sites mais acessados, as notícias mais impactantes, as mercadorias mais
vendidas, são as do grande capital, então isto reproduz não só a divisão de
classes e seu caráter piramidal, mas também reproduz uma determinada
mentalidade que é dominante na sociedade capitalista. Trata-se da mentalidade
burguesa, que apresenta determinados valores fundamentais (vinculados à
competição, burocratização e mercantilização), sentimentos profundos e
concepções arraigadas (VIANA, 2007; 2008). A sociabilidade capitalista, marcada
pela competição, burocratização e mercantilização também se revela na internet.
Esses dois elementos são fundamentais para a reprodução da sociedade moderna e
um remete para relações sociais concretas e outro para sua tradução sob a
forma de mentalidade.
A
burocratização traz o culto à autoridade, a naturalização da necessidade de
dirigentes, o formalismo, etc. A internet é marcada por esse processo
concretamente, nas relações sociais virtuais estabelecidas, e nos valores e
concepções veiculados pelos seus usuários. Os sites possuem dirigentes, assim
como toda a internet é marcada por esse processo. O blog tem um dono, que é seu
dirigente. E o mesmo vale para as redes sociais (aqui tomamos o Facebook como
exemplo principal), que possuem grupos que tem “administradores”,
“moderadores”, numa hierarquia burocrática, que, ilusoriamente, parece livre,
mas estão dentro de uma rede social que, por sua vez, impõe regras, limites, e
dirige o que pode ou não ter nos grupos virtuais, o que pode e não pode ser
postado (em nível mais geral), etc. A hierarquia burocrática se estabelece,
desde aquele que cria e administra o grupo até a rede social como um todo que
tem sua administração, suas regras, sua punição. Por exemplo, no Facebook, é
necessário usar nomes pessoais, um e-mail só pode ter uma conta, não é
permitido pornografia, e mais uma centena de exigências e regras. Algumas são
aceitáveis e coerentes com a civilidade, outras são formas de controle e
censura.
A
mercantilização já foi exemplificada e ela reaparece a todo o momento na
internet. Os indivíduos valem pelo que têm e não pelo que são. O vinho, o
restaurante, a praia, são formas de mostrar o que possuem (recursos para
usufruir de coisas ou bens materiais, etc.), o que revela a mentalidade
burguesa, mercantil (com as devidas exceções existentes, o que não poderemos
abordar aqui). E isso gera também a predominância valorativa do ter e do
aparecer. Isso manifestam também a competição e a mentalidade competitiva. As
fotos de viagens, de jantares, de sorrisos, roupas, de corpo escultural, são
formas de competição, no qual a pessoa tenta passar para os competidores o seu
relativo sucesso, que é estar no restaurante X consumindo boa comida (ou não
tão boa assim, dependendo do gosto, entre outras coisas), na festa Y, no país
ou cidade turística que muitos queriam poder ir, etc. O corpo escultural
exposto via fotos, mais comum no caso das mulheres, mostra que a garota X ganha
a competição em ser a mais bela e atrai possíveis candidatos, também
competidores, a um futuro relacionamento amoroso. A competição se reproduz de
forma específica nos meios intelectualizados, onde os debates, especialmente em
redes sociais, geralmente não possuem o objetivo de chegar a uma verdade ou um
aprendizado, e sim a ganhar o debate, ou seja, a competição intelectual.
Obviamente que isso não ocorre explicitamente, com raras exceções, pois é tudo
muito “polido”, aparentemente o que ocorre é o contrário: são pessoas elogiando
e parabenizando umas às outras, e uma grande parte escondendo os sentimentos
correspondentes à mentalidade burguesa, a inveja, o ódio e ciúme, por exemplo.
As
pessoas, na internet, estão competindo concretamente e manifestando uma
mentalidade competitiva. Estão mercantilizando concretamente e manifestando uma
mentalidade mercantil. Da mesma forma, estão burocratizando concretamente e
manifestando uma mentalidade burocrática. Isso mostra o caráter reprodutor da
internet. A razão disso não é apenas as relações instituídas no mundo virtual,
mas as relações sociais instituídas no mundo real, a sociabilidade capitalista
e mentalidade burguesa que os indivíduos não deixam no mundo real quando
adentram no mundo virtual. Os indivíduos que agem no mundo virtual da internet
são os mesmos que agem no mundo real da sociedade capitalista e, portanto, a
reproduzem espontaneamente, e os mecanismos e características da internet,
acima aludidos, apenas reproduzem e reforçam isso.
O
mundo real, através do meios oligopolistas de comunicação, do Estado, das instituições
educacionais e outras, produzem e reproduzem um determinado paradigma
hegemônico. São um conjunto de concepções, ideologias, doutrinas,
representações cotidianas, correntes de opinião, que são produzidas e
reproduzidas nas relações sociais reais e nas relações sociais virtuais. E
nesse contexto há uma convergência entre o atual paradigma hegemônico, o
subjetivismo, e o caráter participacionista da internet. Esse novo paradigma,
que é correspondente ao regime de acumulação integral, coloca a ênfase no
“sujeito” e na “subjetividade”, seja o indivíduo, o grupo social, etc. e gera
formas de culturalismo que são reproduzidas no mundo virtual, com seu
participacionismo aparentemente livre, e acabam reforçando a ignorância
generalizada. A questão da ignorância e superficialidade foi abordada por
alguns autores (ECO, 2018; CARR, 2018) e é um dos maiores problemas da
internet. Porém, voltaremos a tratar disso adiante. Aqui apenas destacamos as
múltiplas faces do caráter reprodutor da internet, que será útil para nossa
análise dos movimentos sociais.
Porém,
essa análise pode parecer extremamente pessimista. Ela, no mínimo, é bem
diferente dos apologistas e outros que colocam a internet como a fonte dos
protestos e grandes manifestações sociais. Sem dúvida, a internet é um produto
dessa sociedade, que se organiza da mesma forma que ela e que a reproduz e
reforça. No entanto, é preciso entender que a internet é perpassada por
contradições, por lutas, e que tem possibilidades e potencialidades. Muitas
vezes, os indivíduos são polidos em sua competição e manifestação de inveja,
mas muitos outros são sinceros ou indiferentes ao relativo sucesso ou alegria
alheia. Alguns mostram suas publicações não para mostrar o seu sucesso
intelectual, mas para dizer: “leiam, pois estes textos trazem mensagens que
criticam a competição intelectual e mostram suas raízes e que é preciso mudar”.
Assim
como a sociedade capitalista é competitiva, burocrática e mercantil, bem como
piramidal e reprodutora de si mesma, ela também traz em si, geralmente nas
classes inferiores, elementos de solidariedade, autarquia, valoração do ser;
ela traz luta pela transformação social, teoria e crítica revolucionárias,
contestação, etc. Ora, isso também se reproduz na internet. Sem dúvida, assim
como é marginal na sociedade capitalista, também é marginal na internet. E
assim como os setores progressistas da sociedade reproduzem o capitalismo e sua
mentalidade, mesmo sendo uma suposta oposição, também o fazem na internet. As
lutas políticas na sociedade, a divisão social, bem como os blocos sociais, as
distintas concepções políticas, morais, etc., se manifestam na internet. A
oposição moderada tem mais espaço, a oposição mais extremista tem menos espaço,
os contestadores e os revolucionários são marginalizados e possuem pouquíssimo
espaço. Nada de diferente do que ocorre na sociedade em geral. Um outro
elemento, que não poderemos desenvolver, são os efeitos psíquicos de todo esse
processo, tal como solidão, evasão, insegurança, depressão, ou seja, formas
variadas de insatisfação, o que gera novas contradições na internet e nas redes
sociais virtuais.
Mas
existe contestação e crítica revolucionária. A solidariedade (a autêntica, não
a falsa dos filantropos burgueses ou dos populistas progressistas) também se
manifesta, marginalmente, bem como outros valores e concepções. Os interesses
antagônicos das classes sociais também se manifestam, embora marginalmente,
mesmo porque as classes inferiores não possuem, imediatamente, uma percepção do
processo de exploração, dominação, etc., isso só ocorre através da luta. E como
isso aparece na internet? Através de alguns poucos sites, um número um pouco
maior de blogs, grupos virtuais de debate, ações de organizações e indivíduos
no interior das redes sociais virtuais e internet como um todo. Sem dúvida,
outros elementos poderiam ser aqui explorados, mas esses são suficientes para
mostrar que existem contradições e luta na internet e não apenas reprodução.
O
último ponto que precisamos analisar, mesmo que brevemente, são as redes
sociais virtuais, pois elas são uma manifestação específica no interior da
internet. Por qual motivo precisam ser analisadas? Pelo fato de que elas foram importantes
no desencadeamento de protestos em vários lugares do mundo, serem mais abertas
a uma comunicação simétrica e por serem mais utilizadas para contestação e
luta. As redes sociais virtuais emergem no interior da internet reproduzindo e
ampliando as relações do que se convencionou denominar chat ou bate-papo. Os
chats reúnem várias pessoas que conversam entre si, diretamente. Assim, se os
sites, blogs, etc. permitem comentários, eles podem ou não ser publicados,
podem ou não ter regras, etc. Os chats podem ter administrador, mas são mais
livres e a forma de comunicação se dá via postagens dos participantes. Os
grupos de e-mails são outra fonte de inspiração para as redes sociais. Um
indivíduo criava um grupo (o que ocorria muito nas universidades) e debatiam
via e-mail, sendo que os e-mails eram enviados para todos do grupo simultaneamente.
As
redes sociais virtuais permitem esse mesmo processo de comunicação, de forma
ampliada. Nelas é possível a conversa coletiva em um grupo (no antigo Orkut se
chamava “comunidade” e no Facebook e WhatsApp se chamam grupo), e permitem as
conversas interindividuais (no caso do Facebook, através do bate-papo via
Messenger) e passaram a possibilitar, em alguns casos com o desenvolvimento
posterior, a postagem de vídeos, textos, links, áudios, etc. Assim, se via
e-mail havia a comunicação interindividual, a lista de discussão (grupo de
e-mail) gera a comunicação grupal, assim como o chat. As redes sociais virtuais
apontam prioritariamente para comunicação grupal, mantendo a interindividual e
a global. A comunicação global na internet já ocorria via site e depois blogs,
e nas redes sociais ocorrem através das postagens na timeline, ou “linha do
tempo”, tal como no Facebook, ou no status, tal como no WhatsApp. Na
comunicação global (o que é relativa, pois o indivíduo pode restringir quem tem
acesso, dependendo da rede social), todos que têm acesso ao perfil de um
indivíduo podem acessar suas postagens. Assim, o usuário pode realizar
postagens que significam comunicação interindividual, grupal ou global.
Os
processos anteriormente aludidos também ocorrem nas redes sociais virtuais. As
redes sociais virtuais são produtos sociais, são piramidais, são reprodutoras e
são marcadas por contradições e lutas. As redes sociais não foram criadas pela
população e sim por grandes empresas capitalistas que atuam na internet, desde
o Orkut, passando pelo Facebook, até chegar ao WhatsApp, entre diversas outras.
As pessoas leem notícias sobre a aquisição de uma por outra e o volume de
dinheiro gasto nessas transações sem se atentar para isso. As redes sociais
virtuais competem umas com as outras (surgindo as cópias e concorrentes
semelhantes, algumas sem grandes chances). O caráter piramidal ocorre tanto no
processo de quem controla as informações, as regras, etc., quanto em quem tem
mais espaço, mais “curtidas”, mais influência, etc. O caráter reprodutor está
presente não apenas porque os usuários trazem as marcas da sociabilidade
capitalista e mentalidade burguesa consigo, mas também por causa do seu modo de
funcionamento, da força do dinheiro (uma página no Facebook pode ser
“impulsionada” por um indivíduo, grupo, instituição, desde que tenha dinheiro
para pagar e assim aparecer para um grupo maior de usuários), etc.
As
contradições e lutas emergem no seu interior por expressarem a insatisfação, os
problemas, as disputas, que existem efetivamente na sociedade. Além disso,
oposições emergem a partir da competição social que se reproduz no seu
interior, que pode ser interindividual, eleitoral (em épocas de eleições, com
defesas e críticas a candidatos), esférica (nas disputas no interior das
esferas sociais, tal como a científica e artística), etc. E isso é reforçado
pelas ideologias, doutrinas, concepções morais, religiosas, políticas, quando
são conflitantes, gerando outros motivos para polêmicas nas redes sociais virtuais.
Um dos elementos comuns nas redes sociais virtuais é a formação do que se
denominou “bolhas”, ou seja, espaços virtuais nos quais convivem apenas os
semelhantes e isso fornece a impressão de que é algo generalizado na sociedade,
mas é apenas de um setor da sociedade.
As
bolhas reproduzem a divisão social do trabalho existente na sociedade
capitalista. Podemos dividir as redes sociais virtuais, embora isso seja mais adequado
para redes como o Facebook, por classes sociais, blocos sociais, e suas subdivisões.
Dentro da bolha das classes superiores, existem subdivisões por classes,
concepção política, regiões culturais, etc. E no interior dessas bolhas,
emergem consensos, dissidências, correntes de opinião, chavões, etc. Muitos
reproduzem isso sem maior reflexão.
No
entanto, é necessário compreender que as redes sociais virtuais são dominadas
pelos blocos sociais e pela hegemonia regional em cada um deles. Os blocos
sociais são expressões políticas, organizadas e conscientes, de classes
sociais, sendo que o bloco dominante, conservador, expressa a classe dominante
(burguesia); o bloco progressista expressa as classes auxiliares, especialmente
os seus setores autonomizados (burocracia e intelectualidade); o bloco
revolucionário expressa o proletariado (VIANA, 2015b). As bolhas podem
expressar a hegemonia regional de um ou outro bloco social, bem como a
hegemonia regional de uma ou outra classe social.
Estes
elementos introdutórios apenas oferecem um panorama geral da internet e seu
objetivo foi fornecer uma análise preliminar para mostrar a sua complexidade e
algumas de suas principais características, bem como contribuir para superar as
representações cotidianas e concepções ingênuas a seu respeito, o que
prejudicaria a compreensão da relação entre ela e os movimentos sociais.
Movimentos
sociais, internet, redes sociais
Muitas
vezes se confunde movimentos sociais com outros fenômenos, como manifestações,
por exemplo, e, nesse caso, ocorre um processo de abordar manifestações e
protestos e sua relação com as redes sociais virtuais (CASTELLS, 2013; GOHN,
2013), gerando um processo analítico distante do que tradicionalmente se define
como movimento social. Assim, é necessário expor o conceito de movimentos
sociais e analisar sua relação com a internet e seus recursos comunicativos.
Entendemos
por movimentos sociais
mobilizações de grupos sociais que produzem senso de pertencimento e objetivos
gerados por insatisfação social (demandas, necessidades, interesses, etc.) com
determinada situação social (VIANA, 2016a). Alguns dos movimentos sociais que
mais se destacam são o feminino, negro, estudantil e o ecológico. Os movimentos
sociais, portanto, se distinguem dos movimentos de classes sociais (VIANA, 2016b),
das organizações mobilizadoras (VIANA, 2017a), entre outros fenômenos
semelhantes ou relacionados. Também se distinguem de manifestações e protestos
(COSTA, 2016). Para entender isso, é necessário enfatizar que se trata de
movimentos de grupos sociais e que são os indivíduos ativistas destes que
compõem os movimentos sociais. Os movimentos sociais, no entanto, não são
homogêneos, possuem divisões e subdivisões (de classe, cultura, sexo, raça,
tendências, organizações, concepções). É fundamental distinguir entre o
movimento social e suas ramificações. O movimento feminino, por exemplo, é
composto por diversas tendências (orientações políticas), concepções
(ideologias, doutrinas), organizações, etc. O sufragismo não é “um” ou “o” movimento
feminino e sim uma ramificação do mesmo, assim como o feminismo liberal de
Betty Friedan e o feminismo existencialista de Simone de Beauvoir são
ramificações do mesmo.
Sendo
assim, alguns fenômenos abordados como “movimentos sociais” não constituem
efetivamente movimentos sociais. A análise de fenômenos como os Indignados,
Ocuppy Walt Street, entre outros (CASTELLS, 2013; GOHN, 2013) realiza uma
confusão entre mobilização e movimentos sociais. Ao confundir fluxos de
protestos e movimentos sociais, perde-se de vista a diferença entre o
esporádico e conjuntural e o permanente e estrutural.
Assim,
após expor o conceito de movimentos sociais, podemos focalizar a relação entre
estes e a internet. A internet, como colocamos anteriormente, é um novo meio de
comunicação que emerge e se desenvolve, aumentando cada vez mais o número de
usuários e ganhando usos distintos com objetivos distintos. Qual é o uso da
internet pelos movimentos sociais? Essa é uma questão importante, mas não é a
única. Outras questões devem ser levantadas, tais como: qual é a influência da
internet sobre os movimentos sociais? A complexidade e diferenciação interna da
internet revela a complexidade dessa relação. Da mesma forma, a relação entre
movimentos sociais e internet não pode ser isolada de outras relações, tais
como a da internet e estado, classes sociais, blocos sociais, mercantilização,
burocratização, etc.
O uso da internet pelos movimentos sociais é variado. A internet acaba
sendo uma ferramenta de comunicação interna dos movimentos sociais e divulgação
de suas demandas, ações, etc., para o público externo, tornando-se mais uma
forma de atuação dos mesmos. Então podemos elencar os seguintes usos da
internet pelos movimentos sociais: a) comunicação interna, na qual os membros
de uma organização mobilizadora ou do conjunto do movimento social se
comunicam; b) divulgação de suas reivindicações, no qual busca atingir a
população ou setores dela divulgando suas demandas, ações, eventos, manifestações,
etc.; c) manifestação de suas concepções (ideologias, doutrinas, representações
etc.); d) busca de novas adesões, tentando conquistar mais adeptos e ativistas;
e) busca de apoio de outros setores da sociedade, como patrocínio, participação
em eventos e ações, etc. Esses usos variam de acordo com a ramificação do
movimento social, pois existem organizações mobilizadoras, tendências,
concepções, com maior força e capacidade de atuação do que outras.
Assim, o uso dos movimentos sociais na internet reproduz a situação
piramidal, pois as organizações mobilizadoras com mais recursos, maior número
de ativistas, etc., também possuem melhores condições de atuação e uso mais
eficaz no mundo virtual. Assim, uma organização mobilizadora poderá ter site e
blog, outra apenas blog. O blog, por sua vez, pode ser atualizado raramente ou
cotidianamente. Isso depende dos recursos financeiros e humanos. Os recursos
humanos podem compensar a falta de recursos financeiros, quando o ativismo é
intenso por parte de alguns indivíduos. Por outro lado, as tendências
hegemônicas tendem a ser mais eficazes e ter melhor recepção daqueles que
atingem virtualmente. Desta forma, não é difícil perceber que as tendências
conservadoras e reformistas são hegemônicas na internet e nas redes sociais
virtuais. As redes sociais virtuais são outro espaço de atuação, mas com mais
debate e polêmicas, e confronto de ideias, concepções, correntes de opinião,
etc.
Os movimentos sociais também são atingidos pela internet, especialmente
as redes sociais, como o Facebook, pois são apoiados, questionados e reformulados
nesse espaço virtual. Na verdade, os ativistas são atingidos pela internet como
um todo – assim como fora da internet são atingidos pelos meios oligopolistas
de comunicação, instituições, etc. –, mas nos últimos tempos as redes sociais
virtuais ganharam maior espaço, especialmente para os ativistas de movimentos
sociais, militantes políticos, entre outros, pois permitem uma participação e
ação, tal como as elencadas acima. As correntes de opinião atingem os
ativistas, bem como as ideologias e doutrinas hegemônicas na sociedade civil e
na internet. No fundo, a internet reproduz o paradigma hegemônico, o
subjetivismo, e o participacionismo na rede mundial de computadores e, o que é
mais forte nas redes sociais virtuais, parece confirmar a concepção subjetivista.
Muitos pensam que foram “empoderados”, se tornaram “protagonistas” (inclusive
sem saber a origem dessa terminologia e seu significado político), que são
expressão de sua própria “subjetividade”, confundindo participacionismo e
práxis, espontaneidade e liberdade (VIANA, 2015c).
No caso das redes sociais virtuais, os ativistas dos movimentos sociais
tendem a se inserir em bolhas que são ilusórias. As bolhas virtuais são
ilusórias por que os indivíduos inseridos nelas, incluindo os ativistas, passam
a acreditar que o que é hegemônico no seu interior é verdadeiro, quase
consensual (o que é verdade na bolha, mas não fora dela, e existem outras
bolhas, opostas e até antagônicas), o que reforça intolerância e incomunicação.
Isso, por sua vez, não prejudica apenas os ativistas como indivíduos, mas a sua organização mobilizadora e/ou o grupo social de base do seu movimento
social. Os indivíduos ativistas são prejudicados por romperem relações
pessoais, criarem expectativas irrealistas, gerarem insatisfação psíquica,
entre outros processos. As organizações mobilizadoras são prejudicadas por
perderem apoios, simpatizantes, capacidade de mobilização, ao lados dos
problemas que atingem seus ativistas e que repercutem na organização.
De qualquer forma, é preciso reconhecer que o caráter piramidal e
reprodutor da internet atinge os movimentos sociais, que também são atingidos
pelo mundo real. Isso reforça a hegemonia burguesa, a reprodução do
subjetivismo e a supremacia do conservadorismo e progressismo nos movimentos
sociais. O subjetivismo e a recusa da teoria e da razão, que são produzidas e
reproduzidas por diversas ideologias e concepções, reforçam essa situação de
debilitamento crítico e político dos movimentos sociais. Isso é mais forte em
suas tendências hegemônicas, mas atinge o movimento social como um todo. Nesse
contexto, surge, por exemplo, o imaginário conveniente sobre “vivência” e
“lugar de fala” (VIANA, 2017b), divulgado via blogs e redes sociais virtuais,
entre outros espaços virtuais.
As divisões que perpassam a sociedade, especialmente as lutas de classes,
também se reproduzem nos movimentos sociais, no mundo real e no mundo virtual.
A internet reproduz e reforça isso. As redes sociais virtuais e bolhas virtuais
acabam incentivando manifestações cada vez mais exóticas no seu interior e
permitindo emergência de moralismos (conservador e progressista) e do
imoralismo. O moralismo se expandiu e virou palco de disputas e polêmicas,
ocupando muitas vezes mais espaço que a reflexão, a teoria (ou ideologia), projetos
políticos, etc. O moralismo, por suas próprias características, acaba
reforçando o conflito, a polêmica, a dissensão, e, por conseguinte, diminui a
possibilidade de apoios e adesões de outros setores da sociedade, bem como
fortalece a intolerância e incomunicação. Ao lado disso, promove diversas
subdivisões. A proliferação de subdivisões é um dos impactos desse processo,
inclusive devido ao processo de difusão mais amplas de ideologias, doutrinas,
concepções, mesmo que superficialmente apreendidas, mas que geram correntes de
opinião que, com a força do coletivo e da pressão social, se tornam convicções,
alterando as representações cotidianas de setores de determinado movimento
social.
Isso, por sua vez, gera uma divisão dentro dos movimentos sociais entre
aqueles que ficam apenas no nível da opinião e aqueles que ficam ao nível da
convicção. Esse último caso é um gerador de conflitos, internos e externos, pois
gera dogmatismos e processos identitários excludentes, gerando a recusa dos
outros (grupos, setores, indivíduos discordantes, etc.). Isso também é
reforçado pelos conflitos reais existentes na sociedade, as ações dos grupos e
indivíduos e, principalmente, pela competição social e mentalidade competitiva
que é dominante na sociedade moderna. Isso envolve um conjunto de questões
políticas e culturais, sendo que a internet amplia esses processos e ainda,
devido sua dinâmica própria, intensifica os conflitos internos e externos. Diversos outros elementos poderiam ser
acrescentados nesse processo de influência da internet nos movimentos sociais,
mas nos limitaremos a estes.
Por
fim, é necessário entender que a internet e as redes sociais virtuais não estão
isoladas das relações sociais reais, e, portanto, as reproduzem e reforçam.
Porém, essas relações são marcadas por contradições, conflitos e lutas, que
também se reproduzem no mundo virtual. Os indivíduos das classes inferiores
tendem, muitas vezes, a recusar ou desconsiderar o que é hegemônico nos meios
intelectualizados (maciçamente pertencente às classes superiores), bem como os
setores mais politizados trazem novas contradições e isso tudo convive ao lado
da competição social em suas múltiplas formas. É por isso que a sociedade é um
local de disputas, tanto a competição (disputa dentro da sociedade para
melhorar a posição no seu interior) quanto a luta (conflito de classes buscando
conservar ou transformar a sociedade). E a internet reproduz esse mesmo
processo e em ambos os casos predomina a classe dominante, seja sob a forma
conservadora, seja sob a forma progressista, duas formas de reproduzir as
relações sociais existentes. Os movimentos sociais são atingidos por esse
processo e também o reproduz, tanto na sociedade em geral quanto na internet.
Considerações
finais
A
internet reproduz a sociedade, incluindo suas contradições. Os movimentos
sociais estão presentes tanto no mundo real quanto no mundo virtual. Assim, os
movimentos sociais agem na internet, mas são muito mais afetados do que a
afetam. No entanto, como há uma certa coincidência discursiva entre os setores
hegemônicos dos movimentos sociais e o discurso hegemônico na internet e por
isso eles aparecem como agentes livres, mas são muito mais determinados do que
determinantes. No entanto, isso não abole a capacidade comunicativa da internet
e a sua possibilidade de contribuir com a divergência, crítica, mobilizações,
ações, politização e transformação. Porém, a concretização disso depende das
lutas reais na sociedade e nas condições reais e concretas da vida. As lutas
existentes na sociedade podem se ampliar e assim o uso da internet pode sofrer
alterações, os usuários podem se politizar e superar seus usos despolitizados,
romper com as concepções hegemônicas, etc. Esse processo ocorreu em diversas
mobilizações pelo mundo (CASTELLS, 2013) e no Brasil (2013), na chamada
“Revolta Árabe” e outros processos. Também teve outros usos políticos (independente
da perspectiva), tais como os realizados pelos EZLN (Exército Zapatista de Libertação
Nacional) e MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra), Movimento
Antiglobalização e o seu uso alternativo como informação, tal como fez o CMI
(Centro de Mídia Independente).
Assim,
a internet é um espaço de lutas e os movimentos sociais, em suas variadas
ramificações e tendências, o disputam. O bloco revolucionário também luta na
internet, assim como os demais blocos, e isso ocorre na sociedade como um todo.
Em épocas de radicalização das lutas, a internet pode deixar de ser
hegemonicamente reprodutora e se tornar hegemonicamente transformadora.
Esse é um processo de luta que só ela mesma pode definir.
Em
síntese, a internet e as redes sociais virtuais são espaços de luta e os
movimentos sociais também. Nesse entrelaçamento entre mundo real e mundo
virtual e suas diversas lutas, se revela uma complexidade que não é
compreensível imediatamente. Por isso, é necessário ir além da aparência e
perceber as contradições e determinações que estão presentes nela. O presente
texto buscou apresentar uma introdução ao processo analítico da internet e sua
relação com os movimentos sociais, apontando para a necessidade de ir além da
aparência, e, nesse sentido, cumpriu com o seu objetivo.
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Publicado originalmente em:
GUILHERME, William Douglas (org.). A Produção do Conhecimento nas Ciências Sociais
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* Professor da Faculdade de Ciências
Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de
Goiás. nildoviana@ymail.com