AS EXPERIÊNCIAS AUTOGESTIONÁRIAS
As experiências autogestionárias foram inúmeras na sociedade
moderna. Desde pequenas iniciativas com pouco resultado até tentativas de
revoluções autogestionárias, uma ampla gama de processos sociais
autogestionários foram se constituindo historicamente. O nosso objetivo aqui é fazer
uma exposição de algumas experiências autogestionárias sob forma analítica,
muito mais que descritiva, pois o espaço não permite grandes descrições,
visando explicitar o significado de tais experiências, mostrando suas formas, limites
e potencialidades.
O que são experiências autogestionárias?
Antes de iniciar nossa análise das experiências
autogestionárias é necessário o esclarecimento conceitual. A primeira questão é
definir o que é autogestão. A discussão em torno do conceito de autogestão já
foi realizada por vários autores, sob perspectivas diferentes (GUILLERM e
BOURDET, 1976; VIANA, 2013; ARVON, 1982), bem como sobre sua origem (ARVON, 1982;
VIANA, 2013; VIANA, 2014a). A palavra surge na antiga Iugoslávia, samoupravlje, e depois chega até a
França, sendo reproduzida por alguns intelectuais num sentido de alternativa ao
“socialismo real” até ganhar o significado mais amplo e radical com a rebelião
estudantil de maio de 1968. É nesse momento que o conceito de autogestão ganha
o seu significado revolucionário.
No entanto, no âmbito da luta cultural há uma luta lexical. Esse
significado revolucionário vai ser deformado, tanto pelos opositores quanto por
supostos “defensores”. Aqui podemos observar três posições a respeito do termo
autogestão nos meios intelectuais e militantes: a abordagem bolchevista e de
recusa da autogestão; a abordagem social-democrata assimiladora da autogestão e
a abordagem marxista autogestionária, que preserva e aprofunda o significado
revolucionário do termo.
O divisor de águas é a rebelião estudantil de maio de 1968.
Essa rebelião se inicia com manifestações estudantis contra a reforma do Plano
Fouchet e suas consequências, a tecnificação e precarização das universidades
francesas. Uma tendência minoritária no movimento estudantil francês, no
entanto, apontava para algo mais. Esse “algo mais” era uma proposta de
revolução e autogestão. A partir da cultura contestadora existente naquela
época (representada pela Escola de Frankfurt, Henri Lefebvre, Daniel Guérin, André
Gorz, Jean-Paul Sartre, Debord e a Internacional Situacionista, etc.) e pela
retomada de pensadores revolucionários, como Marx, Bakunin, comunistas de
conselhos (Pannekoek, Korsch, Mattick, etc.), bem como pelo impacto ilusório da
Revolução Cultural Chinesa
, surgem indivíduos e
grupos no movimento estudantil francês que se radicalizam e uma parte
considerável passa a defender a autogestão social. A revolução total, a ideia
de “mudar a vida”, ou seja, um projeto de transformação radical e total do
conjunto das relações sociais, o que foi denominado autogestão, aparece nesse
momento.
A reação das centrais sindicais e do Partido Comunista
Francês, contrários ao movimento, é sintomático do caráter burocrático dessas
instituições. Logo, não é sem razão que após a derrota do Maio de 1968, os
ideólogos ligados ao PCF tenham elaborados diversas “críticas” à autogestão e
ao “esquerdismo” estudantil. Por outro lado, o Partido Socialista e a sua
central sindical, a CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho),
optaram por “assimilar” a palavra autogestão, deformando seu significado. A
luta lexical significou, nesse contexto, a recusa da palavra e seu significado
pelo PCF e a busca de sua assimilação e deformação pela CFDT (VIANA, 2014a). Ambos
são contra a autogestão, uns recusa a palavra e seu significado, outros aceitam
a palavra, mas alteram o seu significado.
O significado revolucionário e original derivado do Maio de
1968 vai ser retomado e ampliado pelo marxismo autogestionário. Aqui ocorre a
emergência de uma nova atualização do marxismo, a partir da crise do regime de
acumulação conjugado
e das lutas operárias e
estudantis dessa época, na qual o maio de 1968 passa a expressar e simbolizar
sua radicalidade. Yvon Bourdet é o principal representante do marxismo
autogestionário emergente a partir dessa época. Uma retomada do pensamento de
Marx e seu caráter revolucionário e autogestionário, bem como a recuperação de
marxistas esquecidos, como Rosa Luxemburgo e comunistas de conselhos, e a
“retomada da linha revolucionária”, bem como aprofundamento da discussão em
torno da autogestão e questões correlatas.
É por isso que teremos, na obra de Guillerm e Bourdet
(1976), uma primeira distinção entre o conceito de autogestão e termos
paralelos, como cooperativa, cogestão, controle operário, participação. Não
poderemos desenvolver aqui essa diferenciação e por isso nos contentamos a
remeter para esta obra e outras que discutem as diferenças do conceito de
autogestão para outros termos (FARIA, 2009; VIANA, 2008a; VIANA, 2014a) e, além
disso, apontar para algumas obras que avançam na compreensão do que é a
autogestão (TRAGTENBERG, 1989; GUILLERM e BOURDET, 1976; VIANA, 2014a, VIANA,
2013).
No entanto, a questão lexical é de suma importância e por
isso vamos realizar algumas definições e distinções que no contexto do presente
trabalho ganham maior relevância. O conceito de autogestão é fundamental e por
isso o definimos como uma nova sociedade, radicalmente diferente, fundada na
autogestão generalizada, o que significa que se estabelece no conjunto das
relações sociais. Nesse sentido, autogestão seria um conceito idêntico ao de
comunismo, tal como expresso por Marx e não pelas experiências do “socialismo
real”, na verdade um capitalismo estatal. A autogestão é, portanto, uma
sociedade autogerida, na qual o modo de produção é autogerido, pelos livres
produtores associados, bem como as formas sociais de reprodução da vida cotidiana.
Na sociedade autogerida, as relações de produção deixam de ser fundadas em
relações de classes e passam a ser uma associação de produtores livres e iguais
que são a quase totalidade da população (retirando os incapacitados ao
trabalho) que através da decisão coletiva e auto-organização realizam a
produção e distribuição. Os aparatos burocráticos, a começar pelo estatal,
deixam de existir e em seu lugar se realiza a autogestão de todas as instâncias
da vida social.
A autogestão é um conceito que expressa em nível coletivo o
que a palavra práxis expressa em nível individual. A práxis, segundo Marx
, é uma atividade
teleológica consciente, ou seja, na qual o indivíduo desenvolve uma finalidade
(objetivo, plano) antes de executá-lo concretamente, o que pressupõe domínio de
sua própria atividade, consciente e finalidade. Assim, a práxis é o oposto da
alienação e pressupõe consciência e finalidade. A autogestão significa a
generalização da práxis individual em toda a sociedade, tornando-se práxis
coletiva e decidida coletivamente. Nesse sentido, a autogestão pressupõe
totalidade. Não há como existir autogestão no capitalismo, bem como não existe
a possibilidade de “autogestão parcial”. A autogestão na qual os indivíduos
associados não decidem o que produzir, para quê e para quem, não é exatamente
autogestão. Quando os indivíduos decidem apenas o como produzir, o como gerir,
mas definem conscientemente e livremente a finalidade do processo, não é
autogestão.
Desta forma, deixamos claro que autogestão e capitalismo são
antagônicos. A autogestão é a negação do capitalismo e nasce e se forma na luta
contra ele. Por isso é preciso, mesmo que brevemente, distinguir autogestão de
outros termos. A diferença fundamental entre autogestão e todos os outros
termos confundidos com ela é resolvida com a ideia de totalidade. Nesse
sentido, democracia direta não é autogestão, mesmo porque ela já parte de uma
divisão e separação, na qual haveria uma instância especializada que seria a
política, na qual ela existiria. A autogestão é generalizada e abole as
instâncias especializadas e sua necessidade. Da mesma forma, “gestão operária”
é outro termo equívoco, pois se a gestão é operária, isso significa que essa
classe social continua existindo, e ela só existe em relação com o capital, ou
seja, com a classe capitalista
.
Uma outra expressão deve ser destacada aqui. É a chamada
“gestão social”. Embora a ideologia da gestão social seja relativamente recente
e bastante limitada, existem alguns elementos que podem levar a uma confusão com
o termo autogestão ou “autogestão social”
. A proximidade das
palavras é complementada por alguns outros termos de uso comum e certas
semelhanças formais. Para Tenório, o mais insistente ideólogo da gestão social,
“a gestão social contrapõe-se à gestão estratégica na medida em que tenta
substituir a gestão tecnoburocrática, monológica, por um gerenciamento mais participativo,
dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes
sujeitos sociais” (TENÓRIO, 1998, p. 16)
. A gestão social, na
concepção de Tenório, estaria ligada à “democracia deliberativa” e “cidadania deliberativa”,
ou seja, ocorreria no âmbito da chamada “esfera pública” e teria na “ação
comunicativa” a sua base ideológica e meio de realização.
Não é preciso colocar que a fonte de inspiração é o filósofo
Jürgen Habermas e nem realizar a crítica deste ideólogo
. A simples definição acima
serve para quem compreende o conceito de autogestão ver o antagonismo radical
entre os dois projetos. A ideologia da gestão social apenas une o
participacionismo, já criticado por Tragtenberg (1989) com ideologia e
linguagem habermasianas, que nada trazem de novo além da terminologia. De
qualquer forma, é visível que essa proposta se coloca no interior do
capitalismo (mais especificamente, na “esfera pública”, fora da esfera do
mercado e do Estado), o que significa que não tem um caráter totalizante. É um
projeto dentro do capitalismo e que atua em parte dele, na “esfera pública”, e
que não ultrapassa o nível de “participação”. Trata-se de apenas mais uma
ideologia burguesa participacionista que busca a integração dos indivíduos na
sociedade capitalista. Além de ser uma proposta mal construída e sem maior
compreensão da totalidade da sociedade moderna, falta-lhe concreticidade e
mecanismos operatórios reais. A explicação para sua reprodução discursiva só
pode ser a seguinte: numa sociedade onde qualquer mercadoria é vendida,
qualquer ideologia é comprada.
Um outro esclarecimento preliminar precisar ser realizado. A
distinção entre organização burocrática, auto-organização e autogestão. As
organizações burocráticas (estado, partidos, igrejas, universidades, etc.) são
marcadas pela existência de uma relação entre dirigentes (burocratas ou
burocracia) e dirigidos. Nessa relação, os dirigentes possuem os meios de
administração e poder de decisão e isso é legitimado por normas escritas
(regimentos, leis, etc.), sendo que a burocracia controle os meios formais de
admissão e possui uma divisão hierárquica. O quadro dirigente é o que se chama
de burocracia, sendo composto por assalariados que possuem o poder de decisão,
inclusive em organizações “ditas” democráticas (incluindo participacionismo, cogestão,
etc.). A burocracia existe para garantir o controle social, tanto nas
instituições quanto na sociedade em geral, sendo que no primeiro caso temos as
burocracias civis e no último a burocracia estatal.
Na sociedade capitalista, as organizações burocráticas convivem
com outra forma organizacional, não-burocrática, chamada geralmente de
auto-organização ou “organizações autárquicas” (VIANA, 2016). As organizações
autárquicas vegetam na sociedade capitalista e sobrevivem marginalmente,
ganhando força e espaço com o avanço do movimento operário e das lutas de
classes
. As organizações
autárquicas não carregam no seu interior a divisão entre dirigentes e dirigidos
e nem a hierarquia interna.
A decisão
coletiva é o seu princípio, explícito ou implícito. Os poucos aspectos
coincidentes com as organizações burocráticas (normas escritas, por exemplo)
são distintas em seu conteúdo. Assim, as normas escritas existem nas
organizações burocráticas e podem existir nas organizações autárquicas, mas seu
objetivo é antagônico: num caso elas existem para garantir a existência de
dirigentes, hierarquia, controle, e, no outro, para garantir a decisão
coletiva, a inexistência de hierarquia, dirigentes, controle burocrático.
A diferenciação entre organização autárquica e organização
burocrática é fundamental, mas é preciso destacar que ambas se distinguem da
autogestão. A auto-organização é o primeiro passo para a autogestão. A
auto-organização dos trabalhadores é fundamental como momento de autoformação e
de autonomização, ao se livrar das burocracias (partidárias e sindicais). A
autogestão significa a decisão coletiva em todos os processos, meios e fins,
forma e conteúdo. A autogestão em uma fábrica significa que o proletariado
aboliu a burocracia (empresarial) e o capital no seu interior e que, através da
decisão coletiva, decide o que, como e para quem produzir. Por isso, um comitê
de greve (quando autônomo em relação à burocracia sindical) é uma organização
autárquica, ou auto-organização, pois sua existência é temporária, sua
finalidade preestabelecida (a greve), não realiza o processo de produção e sim a
atividade grevista. A formação de um conselho de fábrica (também chamada
“comissão de fábrica”, “conselho de trabalhadores”, “comissão de
trabalhadores”) é um passo mais adiante e profundo rumo à autogestão, mas não
é, ainda, a sua concretização. Se o conselho de fábrica nasce num contexto de
radicalização e que se propõe e efetiva a gestão da fábrica, então se aproxima
da autogestão, mas por não haver uma total autodeterminação (incluindo decisão
sobre meios e fins), por estar envolvido na divisão social do trabalho,
subordinado ao mercado (relações de distribuição capitalistas) e aparato
estatal, e seguindo seus parâmetros, então temos um processo de cogestão. A
passagem para a autogestão pressupõe que esse conselho de fábrica ultrapasse os
limites impostos por esta unidade de produção isolada. E é justamente essa
passagem que é um dos principais obstáculos para a revolução proletária, tal
como colocaremos adiante.
Por fim, antes de abordarmos algumas experiências
autogestionárias, seria interessante analisar o significado dessa expressão. Se
autogestão é uma nova sociedade que ainda não existe, sendo uma utopia concreta
(Bloch), então como é possível abordar “experiências autogestionárias”? A
compreensão disso fica facilitada pela distinção entre os termos
“autogestionário” e “autogerido”. Autogestionário é um adjetivo e um
substantivo masculino e autogerido é um verbo e por isso possuem significados
distintos. Dizer que Marx é autogestionário significa dizer que ele defende ou
tem como objetivo a autogestão, ou que realizou a autogestão. É o mesmo que
dizer que ele é um revolucionário, o que significa que ele defende ou objetiva
a revolução, ou a realizou. Claro que, no primeiro caso, Marx teria como
objetivo a revolução e, no segundo caso, significaria que ele revolucionou algo,
por exemplo, o pensamento social. Marx é um revolucionário por defender a
revolução proletária e é também revolucionário por ter realizado uma revolução
no pensamento. Aqui, no entanto, temos a palavra "revolucionário" em
dois sentidos, num caso trata-se de um sentido socialmente amplo, uma
“revolução social” e noutro, um sentido socialmente restrito, alguma inovação e
ruptura radical em alguma instância da vida social.
Por isso, a distinção entre autogestionário e
autogerido é importante e para evitar confusões é importante reservar
autogestionário apenas ao projeto (e autogestionário só pode existir em sentido
amplo, já que pressupõe totalidade) e autogerido ao projeto já concretizado.
Logo, um grupo autogestionário tem como objetivo a autogestão e um grupo autogerido
realiza a autogestão no seu interior e num contexto de autogestão generalizada
.
O conceito de experiência já recebeu inúmeras formulações filosóficas
e não temos como retomar as diversas discussões ao seu respeito no presente
artigo. No sentido comum do termo, experiência pode ser saber adquirido
pragmaticamente, experimentação ou tentativa. Assim, vamos apenas definir
experiência como tentativa, um ensaio prático de um projeto ou sua
concretização inintencional e/ou parcial. As experiências autogestionárias são
acontecimentos históricos que manifestaram ensaios práticos de autogestão ou que
tiveram o objetivo de concretizá-la. A Comuna de Paris (1871) seria um exemplo
do primeiro caso e as repúblicas de conselhos operários na Alemanha durante o
período da revolução alemã (1918-1921), um exemplo do segundo caso.
As Experiências autogestionárias durante as
revoluções proletárias inacabadas
A partir do esclarecimento conceitual anterior, podemos
avançar no sentido de explicitar algumas experiências autogestionárias. No
entanto, a primeira dificuldade é a existência de inúmeras experiências
autogestionárias, umas mais amplas, profundas e radicais, outras menos. Uma
lista destas experiências, mesmo que sumária, elencaria uma grande quantidade:
Comuna de Paris (1871); Revolução Russa de 1905, Revolução Russa de 1917, a
Revolução Alemã (1918-1921), a Revolução Húngara (1918), a Revolução Italiana
(1919-1920), a Revolução Espanhola (1936-1939), a Revolução Portuguesa (1974),
a Revolução Polonesa (1980), entre diversas outras e sem contar as experiências
menores que não chegaram a ser consideradas “revoluções” (como o maio de 1968
em Paris, as lutas radicalizadas na Argentina no final da década de 1990 e
início da década seguinte, etc.). Essas experiências foram revoluções
proletárias inacabadas que precisam ser explicadas em seu inacabamento, pois
essa é uma questão fundamental para a emancipação humana.
Nesse sentido, selecionamos quatro experiências para
analisar, usando como critério distintos graus de radicalidade e diferentes
formas de concretização, pois isso no permitiria reflexões mais profundas sobre
os limites e obstáculos encontrados em diferentes situações e processos de avanço
do proletariado. Assim, escolhemos as experiências portuguesa, comunarda, russa
e alemã. A ordem da exposição não será cronológica e sim utilizando vários
critérios, como radicalidade, especificidade, etc.
a)
A
Revolução dos Cravos
Em 1974, seis anos após a rebelião estudantil de 1968 na
França, Portugal vive uma experiência de superação de um regime ditatorial e um
esboço de revolução proletária. Existe um amplo debate sobre esse acontecimento
histórico, com interpretações distintas e até opostas e nos extremos veremos
alguns colocando apenas como um golpe militar e outros como uma revolução
proletária. As interpretações não são neutras e gratuitas, é possível perceber,
por detrás de cada uma delas (e isso vale para todas as demais experiências que
abordaremos), distintas perspectivas de classe
. Não temos tempo e espaço
para analisar as interpretações e elas aparecerão apenas quando for algo
necessário.
A chamada Revolução dos Cravos inicia-se com uma sublevação
militar que a possibilidade para uma tentativa de revolução proletária. A
tomada do poder estatal pelo MFA (Movimento das Forças Armadas), que tinha um
ideário socialista em alguns dos seus representantes mais expressivos no
processo, gerou uma situação social de abandono de empresas por capitalistas,
crise social, efervescência política e revolucionária, lutas operárias
espontâneas e autônomas, entre outros processos. No bojo desses acontecimentos,
emergem as chamadas “comissões de trabalhadores” (nome que foi mais utilizado em
Portugal, mas são equivalentes aos conselhos de fábrica).
O complexo processo social da revolução em Portugal não será
abordado, pois o nosso foco será o elemento mais importante para se compreender
o potencial autogestionário dessa experiência, mais especificamente as lutas
operárias e as comissões de trabalhadores. O processo histórico das lutas
operárias não foi homogêneo. As lutas operárias nunca são homogêneas, pois elas
são marcadas por avanços e recuos, processos contraditórios e desenvolvimento diferenciado
do proletariado. Alguns setores avançam mais rápido, outros setores são mais
lentos. Alguns locais promovem uma maior radicalização, enquanto que em outros
há uma maior passividade. A partir de 1975, ocorreram diversas greves,
manifestações, entre outras ações. É por isso que desde a sublevação militar de
25 de abril de 1974, as lutas operárias foram variadas, geralmente espontâneas
ou autônomas, em poucos casos autogestionárias
.
As comissões de trabalhadores reproduziam essa diversidade,
sendo que algumas propunham o controle operário da produção, enquanto que
outras apontavam para esse processo como meio para a revolução socialista,
apesar das ambiguidades nesse processo. Esse processo pode ser entendido
através de um exemplo. Uma comissão de trabalhadores coloca, em um dado
momento, em 1975, os seguintes objetivos:
Comissão de Trabalhadores para controle da produção e
da gestão da Sorefame – CTCPGS
Objetivos:
Atuação desta comissão insere-se no processo
revolucionário de transição para um regime socialista que no nosso país se está
vivendo. Neste se abolirá a exploração do homem pelo homem e se criarão as
condições necessárias para que cada um possa desenvolver as suas qualidades
profissionais, culturais, etc., pondo-as a serviço da comunidade e dela
recebendo a justa retribuição, isto é, realizará o princípio: “de cada um
segundo as suas possibilidades, a cada um segundo o seu trabalho”.
Nesta fase revolucionária, a colaboração dos
trabalhadores da Sorefame reveste-se de especial importância.
Na realidade, a Sorefame é uma empresa em que o Estado
possui capital majoritário. A sua vocação tem sido a de produção de
equipamentos para setores-chave da economia nacional. Daqui se conclui a sua
importância para a tarefa prioritária de reconstrução da economia nacional.
Esta tarefa não poderá ser concretizada sem a
participação generosa e consciente de todos os trabalhadores. Será função da
comissão promover e coordenar essa participação.
Como consequência do atrás exposto, incumbe-lhe o
seguinte:
1º Colaborar com o Governo Provisório no sentido de
garantir a concordância da atuação da administração com as diretrizes por ele
definidas.
2º Controlar a gestão da empresa, bem como todo o seu
processo de produção, assumindo e coordenando uma atitude de vigilância que se
quer contínua e generalizada a todos os trabalhadores, já porque a todos
interessa e porque só assim todos serão agentes ativos, e não objeto dum
controle que só será eficiente se for total.
3º Atuar, após perfeito conhecimento de causa, com
isenção, usando sempre dureza revolucionária perante atuações que, premeditadas
ou não, sejam lesivas dos verdadeiros interesses dos trabalhadores e,
consequentemente, tomadas contra a economia nacional.
4º Promover a colaboração de todos os trabalhadores na
reorganização da empresa, interessando-os diretamente no aumento da
produtividade e na forma de atingir rapidamente um processo de produção
socialista.
5º Não são funções da comissão interferir em assuntos
de caráter sindical, como, por exemplo, salários, classificação de pessoal,
condições de trabalho, etc.
6º não se pretende que esta comissão substitua as
chefias, antes, pelo contrário, é sua função responsabilizar quem não
desempenhe com eficiência o cargo para que foi designado.
A comissão de trabalhadores da Sorefame, como se pode
observar acima, aponta para a constituição de uma “produção socialista” (ou
seja, autogestão social). No entanto, ela se autolimita ao trabalho de
“controle” e “vigilância”, aceitando a existência de “chefias” (burocracia
empresarial, ou seja, o quadro dirigente), a divisão social do trabalho, a
burocracia sindical, a burocracia governamental (e tanto faz se ela se diz de
“esquerda” ou qualquer outra coisa). Essa autolimitação ao controle operário
é um obstáculo para o
avanço da luta operária e apesar da posição a favor do socialismo, não
encaminha propostas que vinculem o projeto socialista com a ação da comissão de
trabalhadores. A razão dessas limitações é explicada pelo vínculo dessa
comissão e o Partido Comunista Português.
O movimento grevista ascendente e as manifestações a partir
de maio de 1975 permitem observar uma grande variedade de comissões de
trabalhadores, algumas sobre influência de partidos, sindicatos e grupos e
outras mais autônomas e independentes. As comissões autônomas e independentes
eram a grande esperança de ruptura com as alianças estabelecidas. No entanto,
essas comissões não conseguiram se organizar sob forma e com força suficiente
para atacar o modo de produção capitalista e o aparato estatal. A autolimitação
do movimento operário aliado ao papel do PCF e aparato estatal acabam criando a
situação favorável para a derrota de novembro de 1975.
Essa dificuldade das comissões de trabalhadores em efetivar
uma ruptura com o capital e com o Estado recebeu diversas interpretações. No
entanto, isso não deve fazer pensar que seu significado não tenha sido relevante.
As comissões não só expressaram lutas autônomas como ainda enfrentaram a
oposição do PCP, sindicatos, grupos políticos, aparato estatal. A presença dos
grupos leninistas e seu fetichismo do Estado era um dos obstáculos que
reforçava a manutenção de várias comissões de trabalhadores num estágio
pré-revolucionário
. Assim, duas
interpretações e concepções se destacam nesse processo. Uma, a posição
autonomista, que se limita a defender a autonomia e seguir a dinâmica do
movimento operário, caindo no reboquismo. A outra, que podemos chamar de
“programática”, coloca a necessidade de um “programa comunista” e condena as
formas de auto-organização por gerar a “autoexploração”
.
Essas posições recordam, apesar de agora se manifestarem num
âmbito esquerdista, o debate entre o revisionismo reformista de Bernstein (1997),
para o qual “o movimento é tudo e o objetivo é nada”, e a posição
revolucionária de Rosa Luxemburgo (1986), para a qual “o objetivo é tudo e o
movimento é nada”. No fundo, ambas as posições, em todos os casos, são
equivocadas. A posição autonomista, assim como todo obreirismo, possui uma
concepção mística do proletariado e não ultrapassa, no âmbito do pensamento, o
limite das lutas autônomas (JENSEN, 2016), reproduzindo-as e assim contribuindo
com a autolimitação do movimento operário. O objetivo final é abandonado por se
julgar que ele acontece automaticamente, e com isso os indivíduos e as ideias
são desvaloradas em nome de uma suposta “prática” (BERNARDO, 1991). A posição
programática tem a vantagem de colocar o objetivo final e deixar claro que é
ele que dá sentido à luta. No entanto, ao ter uma concepção semelhante aos dos
bordiguistas, ao supor um “programa comunista” abstrato, acabam deixando de
lado a questão da gênese da consciência e da forma organizacional comunista
.
Assim, uns ficam presos no presente e outros ficam presos no
futuro, sem perceber que é no presente que se constitui o futuro. O programa comunista,
o objetivo final, nasce através das lutas do presente e por isso o movimento
operário deveria, ao contrário do que pensa a posição programática, constituir
comissões de trabalhadores. Estas são necessárias, tanto para a luta quanto
para o desenvolvimento da consciência e formas superiores de auto-organização,
sendo esboços da futura sociedade autogerida. O problema se encontra nos seus
limites. Os limites próprios do movimento operário são reforçados pela ação das
organizações burocráticas (partidos, sindicatos, etc.), pelo aparato estatal,
pelas ideologias e concepções hegemônicas e até mesmo pelas concepções
marginais que ao invés de contribuir com a superação desses limites, acabam
fazendo o seu elogio (autonomismo) ou sua recusa (programatismo). Tanto o
movimento operário quanto o bloco revolucionário (que estas duas posições
encarnavam ao lado de outras) mostraram seus limites e incompreensão das
necessidades da luta revolucionária. Esta discussão será retomada adiante,
quando realizarmos a análise geral das experiências autogestionárias, pois o
mesmo caso se repete nas demais experiências, sob formas diferentes.
b)
A Revolução
Russa
A Revolução Russa ocorreu antes e possuiu uma radicalidade
muito maior. Ela foi antecedida pela Revolução Russa de 1905, que marcou a
emergência dos conselhos operários, os sovietes (VIANA, etc.). As lutas
operárias nos anos seguintes evoluíram até o momento da nova ruptura, em
fevereiro de 1917, com a reemergência dos sovietes. A Revolução de Fevereiro
foi espontânea, como reconhece o próprio Lênin, que estava no exílio e pode
retornar à Rússia graças à luta operária. Segundo Anweiler, a formação dos
sovietes após a Revolução de Fevereiro de 1917 é um fenômeno claramente popular.
“O movimento tinha um caráter espontâneo, surgiram sovietes em todas as partes,
independentes uns dos outros e sem nenhuma preparação teórica, nascidos das
necessidades práticas do momento revolucionário” (ANWEILER, 1975, p. 118).
A base dos conselhos operários eram os conselhos de fábrica.
Os conselhos de fábrica cuidavam especialmente das questões da produção e da
organização no interior das fábricas e os conselhos operários cuidavam das
questões políticas, embora as fronteiras nem sempre fossem mantidas de forma
absoluta
.
Os conselhos operários eram formados por conselhos de fábrica e realizavam a
gestão não apenas da fábrica, mas também de um determinado território. Com o
desenvolvimento do processo revolucionário, os sovietes passaram a governar
parte da sociedade russa, gerindo tropas militares (através dos sovietes de
soldados), meios de comunicação, etc. ao lado dos conselhos de fábrica, que
geriam as unidades de produção. Esse processo era complexo e tinha variações
dependendo da cidade e região, e tinha como concorrentes os sindicatos que
começaram a nascer (eram praticamente inexistentes na Rússia) e sofriam
influência dos partidos políticos (especialmente mencheviques e socialistas
revolucionários, depois os bolcheviques ganham mais importância). É nesse
contexto que, após fevereiro, emerge o governo provisório e este governa apenas
parte da sociedade, instituindo o duplo governo: um aparato estatal debilitado
que governa parte da sociedade ao lado dos sovietes, fortalecidos e que
governam outra parte da sociedade.
Esse esboço de autogestão encontra limites em alguns casos.
No caso dos conselhos de fábrica, ainda se mantém as relações de produção
capitalistas e embora haja conquistas em relação a salários e jornadas de
trabalho, ainda fica nos limites do modo de produção capitalista. No caso dos
conselhos operários, a autogestão do território e de tudo que isso envolve (segurança,
transporte, comunicação) convive ainda com a existência de um governo central.
A influência dos partidos políticos e, em menor grau, dos sindicatos, é um
obstáculo no interior do movimento operário. Os bolcheviques, visando superar a
influência menchevique e socialista revolucionária, lança a palavra de ordem
“todo o poder aos sovietes”, apenas um
slogan
para conquistar e dominar estas instituições e conquistar base de apoio para a
conquista do poder estatal. No entanto, nesse momento havia um processo de
radicalização e em certos lugares a ruptura com o modo de produção capitalista
e com o governo central provisório se tornava mais radical, ampliando a
autogestão. A tomada do poder estatal promoveu o início do processo de
esvaziamento dos sovietes e a instituição da ditadura bolchevique
. No entanto, não foi um
processo sem luta. Em certas regiões, cidades, empresas, havia uma verdadeira
luta contra o bolchevismo, tanto numa perspectiva burocrática, iniciando uma
luta interburocrática entre burocracias partidárias (a oposição era
principalmente dos mencheviques e socialistas revolucionários, que tinham
influência em determinados lugares), quanto proletária, através dos conselhos e
outras formas de luta do proletariado e campesinato. Uma ampla luta ocorreu
desde a tomada do poder estatal pelo Partido Bolchevique até a Revolta de
Kronstadt, a última grande batalha proletária contra a ditadura bolchevista. Os
conselhos de Kronstadt entraram em confronto direto com o bolchevismo ao exigir
autonomia, liberdade, poder efetivo para os conselhos. Essa derrota não
significou o fim da luta operária, que foi relativamente for até 1923, com
diversas greves, mas foi enfraquecida e a repressão estatal se tornava cada vez
mais forte e os campos de concentração da Sibéria cada vez mais lotados,
inclusive com uma forte presença de ex-bolchevistas
.
O momento chave do processo revolucionário russo foi
exatamente em outubro de 1917. Nesse ano, o duplo governo era a grande questão
a ser resolvida e a solução deste problema era fundamental para o futuro da
revolução russa. Entre as possibilidades existentes, seria possível manter o
duplo governo por mais um tempo, retornar ao governo czarista, adotar um
governo “socialista” (como foi o bolchevista, apesar das outras opções), ou concretizar
a revolução proletária com a abolição do governo central e instituição da
autogestão, o que significaria a abolição dos partidos (incluindo o
bolchevique), do capital e do Estado. Essas possibilidades existiam concretamente
como tendências e cada uma dessas tendências tinham forças que lhe apoiavam. Os
bolcheviques, que em abril selou a aliança entre o grande propagandista e
polemista Lênin e o grande agitador e ativista Trotsky, acabaram se
fortalecendo, aumentando sua influência, até conseguirem apoio de diversos
sovietes e aglutinar militantes e fazer o partido crescer. A questão do duplo
governo se resolveu, em outubro, pela superação do governo czarista e adoção de
um governo “socialista”.
Sem dúvida, isso não foi unânime, pois apesar do apoio de
diversos sovietes, muitos outros (tanto os influenciados pelos demais partidos
quanto os autônomos), foram contra, além de camponeses, grupos políticos
(Makhaïsky e seu coletivo, os anarquistas, etc.). O II Congresso dos sovietes
foi boicotado por diversos conselhos, o que facilitou a vitória bolchevique, já
que a oposição ficou enfraquecida. A tomada do poder estatal pelos
bolcheviques, um golpe de estado, segundo Makhaïsky (1981), promoveu um
progressivo esvaziamento dos sovietes (BRINTON, 1975). A resistência posterior
ocorrerá em diversos lugares e sob diversas formas, sendo que o caso da
resistência camponesa na Ucrânia (MACHNÓ, 1988; ARCHINOV, 1976) e dos
marinheiros em Kronstadt (ARVON, 1984; METT, 2006; CILIGA, 2015) são os mais
expressivos. O caso de Kronstadt é mais significativo devido ao embate direto
com o bolchevismo e sua crítica da burocracia, do partido e da ditadura, o que
pode ser sintetizado com a palavra “burocracia”, bem como sua proposta de
“terceira revolução”, que seria uma nova revolução instituindo o governo dos
sovietes, ou seja, a autogestão. Segundo o Izvéstia de Kronstadt de março de
1921:
É aqui, em Kronstadt, que foi lançada a pedra fundamental da Terceira
Revolução, que quebrará as últimas amarras do trabalhador e lhe abrirá a nova e
larga estrada da edificação socialista. Essa nova revolução despertará as
massas trabalhadoras do Oriente e do Ocidente. Pois ela mostrará o exemplo de
uma nova construção socialista em oposição à “construção” comunista, mecânica e
governamental. As massas trabalhadoras além de nossas fronteiras serão
convencidas pelos fatos de que tudo que foi fabricado entre nós até o presente,
em nome dos operários e dos camponeses, não era o socialismo (apud. ARVON,
1984, p. 111).
O massacre dos marinheiros de Kronstadt foi o golpe mais
forte contra a revolução proletária, pois era o lugar no qual o nível de
organização e consciência estava mais avançado e no qual estava mais claro e
cristalino o caráter não-socialista do governo e concepção bolcheviques e da
necessidade da auto-organização.
Essa experiência autogestionária foi uma das mais
importantes na história. A sua importância reside não só na constituição dos
sovietes, que serviu de exemplo e modelo para diversas outras experiências
(especialmente a dos anos seguintes na Itália, Hungria e Alemanha), a
demonstração da capacidade proletária (e camponesa) em auto-organização e
autogestão (mesmo que parcial) e abolição (também parcial) das relações de
produção capitalistas, mas também por colocar problemas e obstáculos para a
generalização da autogestão. Essa foi a primeira experiência autogestionária
que colocará o problema da abolição do estado e da burocracia, que se repetirá,
sob outras formas, nas demais experiências. É por isso que esta revolução
proletária inacabada traz ensinamentos que precisam ser tema de reflexão para
que uma percepção da derrota ajude a prevenir sua repetição em experiências
futuras. Isso, no entanto, será abordado nas nossas reflexões sobre os dilemas
das revoluções proletárias inacabadas.
c)
A
Revolução Parisiense
Antes da Revolução Portuguesa e da Revolução Russa ocorreu
uma outra experiência, a Comuna de Paris. Essa experiência autogestionária é
considerada por muitos como a mais significativa e, para outros, a mais
autêntica. A Revolução Russa nasceu da auto-organização proletária nas unidades
de produção, através dos conselhos de fábrica, e dos conselhos operários,
lançando o esboço geral da autogestão generalizada, abolindo as relações de
produção capitalistas. A Comuna de Paris surgiu através de outra dinâmica. A
revolução comunarda não se inicia nas fábricas e nem em formas de
auto-organização do proletariado. Ela nasce de um processo coletivo e político
mais amplo, determinado por uma situação histórica peculiar na cidade de Paris.
A Comuna de Paris surgiu a partir de dois processos
simultâneos. O desenvolvimento industrial acelerado que se iniciar na época,
gerando um proletariado em formação, ao lado da existência de vários outros
setores de trabalhadores (camponeses, artesãos, etc.) em situação precária e submetido
ao Estado bonapartista, uma imensa máquina burocrática. Uma forte insatisfação
e a proliferação de ideias contestadoras e socialistas apontavam para um
processo de radicalização das lutas de classes. Esse processo foi acelerado com
a guerra franco-alemã, uma disputa de dois impérios que acabou chegando a Paris,
com o exército alemão cercando a cidade. Nesse contexto, a derrota francesa era
previsível, mas a população parisiense decide pela resistência (especialmente
através da guarda nacional e outros setores que receberam armas para enfrentar
o exército alemão), gerando o que Marx denominou “povo em armas”.
É nesse que contexto que os operários parisienses, ao lado
de outros trabalhadores e indivíduos de outras classes, realizam a resistência
e a reorganização da sociedade, pois o aparato estatal é superado e deixa de
existir. A abolição do Estado se torna realidade e a população passa a se
autogovernar. A Comuna de Paris emerge no dia 18 de março de 1871, durante
apenas dois meses, e mesmo assim, conseguiu esboçar a autogestão social. A abolição
da máquina estatal, do exército permanente, desapropriação das casas vazias,
entre diversas outras ações e medidas, mostram o início de uma revolução
proletária. Esse processo negativo, no entanto, foi acompanhado de medidas
positivas. A grande medida da Comuna, como disse Marx, foi sua própria
existência. A Comuna teve como grande mérito a autogestão territorial de uma
cidade com um milhão de habitantes
, que não foi apenas das
milícias populares, mas da gestão da cidade como um todo. A autogestão
territorial comunarda se constituiu através de assembleias que tomavam as
decisões coletivas e da existência de delegados comunais
. Esses delegados eram substituíveis,
removíveis, eleitos e responsáveis (MARX, 2011; VIANA, 2011b; VIANA, 2011c). A
eleição, substituição e remoção a qualquer momento retirava a possibilidade de
autonomização dos delegados, mas o princípio da responsabilidade era o mais
importante, afinal, “o delegado escolhido não tem autonomia e nem pode criar
interesses próprios, tal como na democracia burguesa, e é o que garante a
decisão coletiva das assembleias em substituição à autonomização dos eleitos”
(VIANA, 2011c).
A Comuna de Paris foi a primeira experiência autogestionária
e a primeira revolução proletária inacabada. Ela foi uma das experiências que
mais se materializou como fonte de inspiração para lutas posteriores. O seu
grande mérito foi a abolição do aparato estatal e a autogestão territorial. No
entanto, sua curta duração (dois meses), o contexto marcado pelo cerco alemão e
oposição do governo francês (instalado em Versalhes, ou seja, o estado
nacional, já que localmente ele não existia mais), não permitiu o seu avanço no
sentido de destruir as relações de produção capitalistas. Essas permaneceram em
alguns lugares, foi coibida e controlada em outras, foi abolida em alguns
lugares (algumas fábricas). A repressão violenta que se abateu sobre os
comunardos, com mais de vinte mil assassinados, acabou gerando a derrota dessa
extraordinária experiência autogestionária. A Comuna de Paris, portanto, devido
ao seu inacabamento, trouxe alguns elementos para a reflexão sobre os
obstáculos para a autogestão que diferem dos dois casos anteriores.
d)
A revolução
alemã
A Revolução Alemã constitui um caso distinto de todos os
demais. A sua eclosão ocorre após a Comuna de Paris e depois das revoluções na
Rússia. Isso, por si só, já traz certas diferenças. A Revolução Russa e os
sovietes provocam um forte impacto no caso alemão. Outra diferença importante é
que a Alemanha é uma sociedade muito mais moderna do que Paris em 1871 ou a
Rússia, uma sociedade predominantemente rural. Outra diferença é que o regime
político existente era a democracia burguesa representativa, com diversos
partidos e com um partido que dizia representar os trabalhadores e que tinha
grande respaldo junto ao conjunto de trabalhadores do país. O SPD (sigla em
alemão para Partido Social-Democrata Alemão) era uma imensa máquina burocrática
(tinha mais de um milhão de filiados, imprensa e gráfica própria, escola do
partido, publicações, direções nacional e regionais, representantes no
parlamento, etc.). As ideias socialistas eram divulgadas nos meios operários
via SPD (sob forma cada vez mais moderada) e outras organizações. Outra
diferença da Alemanha em relação aos demais casos é histórica, pois sua
unificação foi tardia em relação aos demais países europeus e sua unidade
nacional marcada por um conjunto de diferenças regionais que tiveram impacto no
processo revolucionário.
Por
todos os lados os conselhos de operários e soldados ganharam vida e prenderam
os oficiais e funcionários do velho regime, exceto aqueles que declararam sua
disposição em servir à revolução. Por todas as partes foi proclamada a nova
República, os reis e príncipes abdicaram e desapareceram, e, finalmente, em 09
de novembro, abdicou o Imperador Wilhelm. Berlim, que permaneceu em calma até o
final, passou por cima da revolução; os conselhos de soldados e operários tomou
o controle sem derramamento de sangue, e a polícia do velho regime desapareceu
das ruas. O movimento se estendeu até a frente ocidental, e Wilhelm foi
obrigado a fugir do quartel general do Estado Maior em Spa indo para os Países
Baixos (PANNEKOEK, 2014).
A rebelião dos marinheiros de Kiel foi fundamental
para a eclosão revolucionária. Os conselhos operários emergem e os conselhos de
fábrica se espalham por Berlim e outras cidades. A deposição do governo coloca
a possibilidade dos conselhos operários realizarem a abolição do poder estatal
e do capital, mas, no entanto, apesar de sua força, a influência do SPD, e do
USPD,
nos conselhos e a falta de radicalidade do proletariado, gerou a abdicação do
poder e a constituição da República de Weimar, com um governo reunindo os dois
partidos social-democratas e um partido declaradamente conservador. No entanto,
muitos conselhos e forças políticas queriam mais e isso se expressou em embates
políticos, dissidências, lutas armadas, culminando, inclusive, com o
assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
A República de Weimar nasce sob o signo da luta de
classes e a existência dos conselhos de fábrica e conselhos operários é um
elemento diferencial, sendo que em algumas regiões se constituíram “repúblicas
de conselhos operários”. Um dos problemas foi que a constituição de uma
“república conselhista” numa região era reprimida e aí surgia em outra região.
A falta de sincronicidade, devido diferenças regionais e processos diversos ao
lado da luta de classes em cada caso concreto, acabou permitindo o poder
central reprimir tais experiências. Um dos elementos fundamentais nesse
processo foi a constituição das Uniões Operárias. A formação das uniões
operárias tem a ver com dois processos simultâneos: por um lado, a existência
de conselhos de fábricas e conselhos operários em toda a Alemanha (variando em
força, radicalidade, quantidade, etc.) e um setor mais radical e combativo, por
outro lado, a guinada direitista do KPD (Partido Comunista Alemão) após a morte
de Rosa Luxemburgo e expulsão da maioria, que fundou o KAPD (Partido Comunista
Operário da Alemanha).
O KAPD, de linha revolucionária e conselhista, e os conselhos operários mais
radicais geram a formação da AAUD
– União Geral dos
Trabalhadores da Alemanha. Aqui temos uma tentativa concreta de superação dos
obstáculos da revolução proletária. A AAUD reunia os conselhos operários, que
eram expressão dos conselhos de fábrica, e nesse contexto permitiam a
autogestão generalizada e realizam o que Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht
apontaram e que foi teorizado de forma mais radical por Otto Rühle e Anton Pannekoek:
o sistema de conselhos.
Os conselhos de fábrica, na maior parte dos casos (de 1918 a
1921, embora sua existência ainda duraria até 1923, em número cada vez menor),
eram formas de auto-organização que enfrentavam vários obstáculos, entre os
quais os sindicatos, um inimigo declarado e permanente
, os partidos políticos, o
governo, etc. Alguns conselhos ficavam sob influência dos partidos e seguiam
linha mais moderada, exigindo controle operário, assembleia constituinte e
coisas do gênero. Os conselhos mais autônomos, por sua vez, exigiam medidas
mais radicais, como o sistema de conselhos. Nos momentos de radicalização e
formação das “repúblicas de conselhos”, eles passavam de formas de
auto-organização para órgãos de autogestão das fábricas e os conselhos
operários exerciam autogestão territorial. Nesse contexto, a revolução
proletária avançava, as relações de produção capitalistas eram corroídas, mesmo
que regionalmente e/ou momentaneamente, e o aparato estatal deixava de exercer
o poder. No conjunto da sociedade alemã, era possível observar um duplo governo
e, em alguns casos, a sua superação pela força dos conselhos ou pela força do
governo central.
A União Operária era a solução para os problemas e limites
dos conselhos de fábrica e conselhos operários, pois era uma forma
organizacional não-burocrática que unia todos os conselhos operários que
aderiam ao projeto revolucionário. A sua força foi crescente no ano de 1920,
pois ela aglutinava no início desse ano 80 mil trabalhadores e passa a ter 300
mil no final do ano (no ano seguinte, cai para 200 mil).
É nesse contexto que surge o chamado “Comunismo de
conselhos”, uma tendência que tem sua origem no esquerdismo e socialismo
radical e acaba realizando um esclarecimento teórico, assumindo caráter antipartidário
e antibolchevista, bem como crítico da experiência russa, o que vai se
fortalecendo cada vez mais com os contatos e notícias da Rússia. Nessa época,
Herman Gorter e Otto Rühle eram os principais representantes do nascente
comunismo de conselhos. É devido ao “problema russo” que ocorre uma cisão no
seu interior e uma nova questão gera divergências, a respeito da organização. As
duas tendências se posicionavam contra a Rússia, mas Rühle foi enviado para um
congresso nesse país para fazer oposição e a articular a nível internacional e,
desiludido após conversa com Lênin, retorna sem participar, o que gera sua
expulsão do KAPD. Ao lado disso, emerge a divergência sobre a questão da
organização, que opunha Gorter e a tese da “dupla organização” (a existência de
uma organização revolucionária, o KAPD, e a organização operária, AAUD) e Rühle
e a tese da “organização unitária” (o KAPD deveria deixar de existir se
diluindo na AAUD). Dessa divergência surge a União Geral dos Trabalhadores da
Alemanha – Organização Unitária (AAUD-E), como organização unitária, sendo que,
na concretamente, atuava ao lado da AAUD. Com o recuo do movimento operário nos
anos seguintes, haveria a reunificação de todos na KAUD (União Operária
Comunista da Alemanha), mas sem a mesma força política e quantidade de
integrantes, sendo que sua base era mais os componentes do antigo KAPD.
Assim, a experiência autogestionária alemã foi diferente das
demais e rica em diversidade de situações e possibilidades. A sua dinâmica foi
marcada por avanços e recuos temporais e regionais. As “repúblicas de
conselhos” (Baviera, Bremen, Baviera novamente, Vale do Ruhr) e as uniões operárias
foram as novidades trazidas pela Revolução Alemã e o que trazia uma
possibilidade da superação do inacabamento das revoluções proletárias. No
entanto, apesar disso, a experiência foi derrotada e a solução não ficou clara
e sua não materialização definitiva impediu uma percepção mais ampla do
significado da revolução alemã.
Interlúdio: Autogestão na Iugoslávia?
Antes de analisar as razões do inacabamento dessas
experiências autogestionárias, é necessária uma breve referência ao que ficou
ausente. Além dessas experiências autogestionárias existiram muitas outras,
inclusive com grande possibilidade de sucesso, como o caso da Revolução
Espanhola, a Revolução Polonesa, entre diversas outras. No entanto,
Da mesma forma, é possível analisar os processos que não
chegaram a gerar revoluções, mas que instituíram conselhos em momentos de
radicalização da luta proletária, como no caso inglês, francês, brasileiro,
entre inúmeros outros casos. Por outro lado, algumas experiências que se dizem
autogestionárias poderiam ser expostas e criticadas, mas o tempo e o espaço não
permitiram. De qualquer forma, as críticas ao participacionismo, cogestão,
entre outras, mesmo que meramente conceitual, já esclarece que não se tratam de
experiências autogestionárias, e mais ainda as iniciativas patronais
.
Um caso, no entanto, merece menção especial. É o caso da
antiga Iugoslávia. O mero fato do desmoronamento deste Estado-Nação e sua
experiência, sem intervenção militar externa, já seria suficiente para
compreender o seu caráter não-autogerido e nem mesmo autogestionário. Contudo,
como a origem da palavra autogestão nasce nesse país e muitos tomam o mesmo
como modelo para aqueles que defendem a autogestão, então é necessário um breve
esclarecimento sobre tal experiência.
De acordo com a concepção de autogestão apresentada
anteriormente, o caso iugoslavo está muito distante de uma sociedade
autogerida. A existência de um aparato estatal, da produção de mais-valor (e,
por conseguinte, mercadorias e capital), a Liga dos Comunistas (uma organização
burocrática que apenas troca o nome “partido comunista” para se diferenciar dos
demais existentes na Rússia e Leste Europeu) e sua atuação nas fábricas e na
sociedade (QUEIROZ, 1982; GUILLERM e BOURDET, 1976; TRAGTENBERG, 1989). Não
existia autogestão nas fábricas iugoslavas pelo mesmo motivo que não existe,
por exemplo, nas fábricas recuperadas no Brasil ou Argentina. A decisão sobre o
que e param quem produzir não está nas mãos do proletariado e no único aspecto
que tem influência, no como produzir, é limitado por outras instâncias de
decisão e determinada pelos outros dois elementos anteriormente citados.
O titoísmo não passa de uma ideologia participacionista que
usou a palavra autogestão para apresentar uma diferença entre o seu regime
político e os demais do “socialismo real”, especialmente o russo e o chinês. No
fundo, a diferença é muito pequena e a implosão da Iugoslávia apenas mostra que
a população não se autogovernava, pois quando se livra do governo anterior, a
guerra e a competição se instauram.
As Razões do Inacabamento das Revoluções
Proletárias
As revoluções proletárias inacabadas que analisamos
apontaram para a autogestão, mas não a concretizaram. A contrarrevolução venceu
a revolução. Na Rússia, a contrarrevolução burocrática comandada pelo
bolchevismo; na Alemanha, a contrarrevolução burguesa apoiada na
social-democracia (e que mais tarde permitiria a ascensão do nazismo); na
Comuna de Paris, a contrarrevolução sob a forma de repressão violenta; em
Portugal, a contrarrevolução burguesa através da união das forças progressistas
contra o proletariado. Alguns analistas apontam apenas o lado positivo da
história, as lutas operárias, a sua capacidade de auto-organização, de gerir as
fábricas e em alguns casos a sociedade como um todo. O lado negativo, a
derrota, o inacabamento, é esquecido. A apologia da autogestão é um desserviço
e não uma contribuição. É necessário demonstrar a capacidade autogestionária do
proletariado, mas é preciso mostrar as razões de sua não concretização. Aprender
com a derrota é uma das formas de não repeti-la. Por isso se torna fundamental
repensar essas experiências autogestionárias e entender as razões do seu
inacabamento.
Sem dúvida, em todas essas experiências existiram não só
questões específicas em cada caso, como também situações de crise, dificuldades
financeiras, pressões externas (de outros países), etc., que dificultaram o
processo. No entanto, isso não explica o fracasso e nem o que substituiu a
experiência fracassada
. A autogestão estava a um
passo e esse passo não foi dado e é isto que precisa ser explicado, pois as
inúmeras dificuldades não são do mesmo peso e é preciso saber o que pesou mais e
gerou a tendência vencedora que superou a tendência autogestionária.
Uma análise mostra que são experiências diferentes. No caso
português, temos a formação de conselhos, a auto-organização, criticada por
alguns esquerdistas, pois não levaria a uma revolução efetiva. As comissões de
trabalhadores não conseguiram apontar para a superação do capital e do Estado.
Elas se autolimitaram. No caso da revolução parisiense, a abolição do aparato
estatal foi um salto excepcional, mas a não abolição das relações de produção
capitalistas, a não ser num nível muito restrito, era um obstáculo a ser
superado. Houve uma autolimitação no que se refere à abolição das relações de
produção capitalistas, mas sua curta duração explica isso parcialmente. A
Revolução Russa caminhou no sentido contrário, pois os conselhos de fábrica e
conselhos operários criaram as condições e iniciaram o processo de abolição das
relações de produção capitalistas, mas se autolimitaram no momento de dar o
passo seguinte, a abolição do poder estatal. No caso alemão, a formação dos
conselhos operários e do seu Congresso abriram a possibilidade de abolição do
poder estatal, mas houve, novamente, uma autolimitação. No decorrer do processo
revolucionário, repúblicas de conselhos (que aboliram capital e estado) e
uniões operárias foram forjadas para superar essa autolimitação, que, no
entanto, não reuniu força suficiente para dar o passo seguinte.
O fundamental é, portanto, explicar a autolimitação. Isso
remete a duas questões, que, por sua vez, estão ligadas a diversas outras. A
primeira questão remete ao problema da consciência e o segundo ao problema da
burocracia. Quando os conselhos operários, na Rússia e Alemanha, podiam abolir
o poder estatal e resolveram confiar na burocracia partidária (bolchevique e
social-democrata, respectivamente), se autolimitaram e não efetivaram o ato
fundador da instauração da autogestão social. A capacidade e força para
realizar a abolição do poder estatal estavam lá, só faltava decidir isso, o que
seria uma autodecisão e início da autogestão. Ao invés disso, decidirem delegar
a outro o poder de decisão e a gestão da sociedade.
A explicação para isso já foi fornecida por Karl Marx, desde
o século 19. A luta de classes explica esses dois acontecimentos históricos
fundamentais para a história do capitalismo. Por um lado, um proletariado que
consegue, numa situação extraordinária, a capacidade e força para abolir o
aparato estatal e o capital, mas não o faz. O proletariado não quer a
autogestão? Não quer sua autoemancipação? Não quer a libertação humana? A
questão não é o querer e sim o saber. A decisão é tomada a partir das condições
reais, concretas, e da consciência sobre tais condições. Sem dúvida, o
proletariado teria optado por destruir o aparato estatal e o capital
definitivamente desde que não confiasse no bolchevismo e na social-democracia,
tivesse consciência do significado da burocracia, entre diversos outros
elementos de consciência. O proletariado forjou um desenvolvimento
extraordinário da consciência e apontou para o avanço, com diferenças internas,
maior ou menor radicalidade, mas o fez. Mas faltou algo. Seria possível o
proletariado ter dado um salto ainda mais extraordinário e rompido com os
partidos que diziam lhe representar, os indivíduos e militantes que diziam
defender seus interesses, pessoas que foram para as prisões, os heróis, os
mártires? Trotsky foi eleito presidente do soviete de Petrogrado. Oras, como
isso é possível? Um exilado, não-operário, retorna e em pouco tempo é eleito
“presidente do soviete de Petrogrado”? Lênin não se uniu com Trotsky
gratuitamente. Assim como os proletários confiaram e deram o cargo para
Trotsky, depois deram o poder estatal para os bolcheviques.
Como foi construída a confiança do proletariado no
bolchevismo? E não foi só o proletariado que confiou no bolchevismo, mas também
o campesinato e outras classes, bem como anarquistas. Makhaïsky foi uma das
poucas vozes destoantes nesse processo, pelo menos até a tomada do poder
estatal pelo bolchevismo. As razões para esse processo podem ser encontradas na
competência do Partido Bolchevique, na cultura dominante e nas lutas concretas
que ocorreram na Rússia. O Partido Bolchevique, uma organização burocrática,
centralizada e disciplinada, foi extremamente competente em suas ações. Lênin
era um nome popular, mas seu forte era as artimanhas burocráticas e intrigas de
partido, bem como o comando partidário e a reunião de militantes. Além disso,
era um grande estrategista e propagandista. Ele foi um termômetro que conseguiu
entender e mensurar o clima político russo. A sua aliança com Trotsky, muito
mais popular e com grande capacidade de agitação e uso da força, foi um passo
estratégico fundamental para a vitória bolchevique. Assim, o bloco
progressista, na Rússia, dividido em diversos partidos e grupos, conseguiu um
partido que reunia as condições para uma unificação do proletariado ao seu
redor. A indecisão e falta de solução de outros, a fraqueza estratégica e
organizativa, entre outras determinações, deixaram as demais forças políticas
progressistas sem a iniciativa necessária numa situação social de crise e
poucas alternativas.
Aqui temos as determinações da autolimitação do
proletariado. Uma é um limite na consciência de classe do proletariado russo, cuja
autodeterminação avançava, mas faltou não só a percepção de que o bolchevismo
não era um aliado, como também que era necessário destruir o aparato estatal, o
que já estava expresso por Marx muito tempo antes
. A autogestão precisava
de sua generalização e isso significava, nesse contexto, a destruição de todas
as organizações burocráticas, como partidos e aparato estatal. O bloco
revolucionário era frágil e apesar de certa quantidade, lhe faltava maior
capacidade teórica e estratégica, sendo que sua grande expressão até o golpe de
outubro foi Makhaïsky e seu grupo, sem maior força de intervenção. A debilidade
do bloco revolucionário, incluindo sua ala semiproletária representada pelo
anarquismo, foi outra determinação nesse processo, bem como sua luta cultural
anterior ao desencadeamento do processo revolucionário, pois uma maior presença
cultural ajudaria ao proletariado reunir os elementos de consciência necessária
para evitar os perigos da burocracia. A outra determinação é a força da classe
burocrática, representada pelo bolchevismo, como já descrito anteriormente.
No caso alemão, havia algumas diferenças. Por um lado, a
social-democracia com seus partidos tinha uma respeitabilidade e influência
muito grande, apesar de suas cisões, decisões e ações contra o proletariado. Mas
os trabalhadores descontentes com o SPD tinham o USPD ou mesmo o KPD para se
consolar e iludir. Porém, havia um bloco revolucionário mais forte, oriundo da
dissidência expressa no socialismo radical (Liga Spartacus, Esquerda de Bremen,
Comunistas Internacionalistas), e este, em sua ala mais ambígua (Liga
Spartacus) acabou sucumbindo ao tentar o enfrentamento armado. A existência de
um bloco revolucionário mais forte é que possibilitou a formação das Uniões
Operárias e a formação das Repúblicas de Conselhos. Sem dúvida, o desenvolvimento
cultural alemão, as lutas operárias anteriores, e outros processos, permitiram
esse processo. Contudo, no primeiro momento, quando o proletariado tinha tudo
nas mãos, cedeu aos partidos social-democratas.
A situação alemã era diferente por não ter nomes como Lênin e Trotsky,
nem sua radicalidade, o que permitiu um espaço mais destacado para a
social-democracia e seu enraizamento no interior do proletariado.
No caso da Comuna de Paris, trata-se de um outro contexto
histórico. Essa foi a única experiência revolucionária que significou a
abolição completa do aparato estatal. Sem dúvida, foi em apenas uma cidade. Os
limites da Comuna foram dois: a autolimitação e a derrota militar. A
autolimitação se manifestou em dois episódios: a não expansão para outras
cidades e não abolição completa das relações de produção capitalistas. A não
abolição das relações de produção capitalistas pode ser considerada uma
autolimitação e pode ser explicada pela curta duração da experiência. Sem
dúvida, mais alguns passos a mais poderiam ter sido dados nesse sentido e não
foram dados. Isso não compromete a experiência em si, a não ser que em sua
duração ainda se mantivesse no mesmo nível. A autolimitação se expressou ao se
circunscrever à cidade de Paris. Marx colocou a necessidade de generalização da
experiência comunarda:
A
Comuna de Paris havia obviamente de servir de modelo a todos os grandes centros
industriais da França. Uma vez estabelecido o regime comunal em Paris e nos centros secundários, o antigo governo
centralizado teria de dar lugar, inclusive nas províncias, ao autogoverno dos
produtores. No breve esboço de organização nacional que a Comuna não teve tempo
de desenvolver, estabeleceu-se claramente que a Comuna havia de ser a forma
política mesmo dos menores povoados do campo, e que nos distritos rurais o
exército permanente havia de ser substituído por uma milícia popular, com um
tempo de serviço extremamente curto (MARX, 2011, p. 18).
Esse processo de não expansão e generalização foi
determinado, em grande parte, pelas condições existentes nessa experiência e,
em parte, pela autolimitação no sentido que não foi uma das prioridades, e
deveria ser por ser condição de possibilidade para vitória da revolução
comunarda. Aqui, também, a consciência limitada e a divisão do bloco
revolucionário em diversas organizações (também limitadas em suas concepções
políticas e limites teóricos e estratégicos), foi uma das determinações da
autolimitação. A repressão estatal, facilitada pela não generalização da
experiência comunarda, foi a determinação fundamental da contrarrevolução em
Paris. Nesse caso, a classe burocrática não foi um obstáculo. A explicação
disso remete para as condições históricas em que ocorreu a Revolução
Parisiense. A burocracia estatal já era poderosa na França, tal como Marx (1986)
descreve, mas a burocracia civil era muito frágil e em formação. É com a luta
operária que se formará, posteriormente, uma forte burocracia partidária e
sindical, bem como diversas outras frações da burocracia civil. A democracia
representativa é uma das principais fontes desse processo de burocratização.
Nesse contexto, a contrarrevolução só poderia ser efetivada pela burguesia e
burocracia estatal com seu aparato repressivo, o que efetivamente ocorreu.
Na Rússia, apesar de ser um país predominantemente
rural e com uma burocracia civil em formação e relativamente débil, a força
burocrática do Partido Bolchevique se sobressaiu e com o desenvolvimento do
processo, aumentou sua força e quantidade (inclusive com adesão de anarquistas
e outros de outras posições e organizações) e sua fusão com a burocracia
estatal foi a base para a constituição do capitalismo de Estado. No caso
alemão, que possuía uma burocracia civil muito mais desenvolvida, gerando uma
base de apoio maior para a social-democracia, ocorreu processo semelhante.
Por fim, o caso português foi marcado pelo mesmo
processo. No entanto, após a Revolução Russa e a bolchevização dos partidos
comunistas, gerando ações que entravam em choque direto com o proletariado,
além de ter constituído grupos e indivíduos opostos ao bolchevismo, formando um
frágil bloco revolucionário, que tende a se fortalecer nos períodos
revolucionários, como o comunismo de conselhos, a esquerda extraparlamentar
inglesa sucedida pelo grupo Solidarity, entre outros, possibilitaram algum
aprendizado com as experiências russa e alemã, gerando uma tendência
antiburocrática no interior do movimento operário e em suas expressões
políticas organizadas (o bloco revolucionário). A Revolução Portuguesa foi
muito mais moderada e encontrou os mesmos obstáculos. Apesar do PCP ser mais
fraco e não ter a força organizativa e política do bolchevismo, novamente a
questão da formação pesou contra o movimento operário, bem como a fragilidade
do bloco revolucionário português, composto principalmente por anarquistas e
autonomistas ainda presos numa concepção pré-dialética.
Desta forma, é possível entender a razão do
inacabamento das revoluções proletárias (e as demais experiências, não
discutidas aqui, apenas reforçariam a mesma conclusão). A razão do inacabamento
da revolução proletária é a autolimitação do movimento operário. Essa
autolimitação, por sua vez, é explicada por sua autoformação incipiente. A
teoria da revolução em Marx apontava para que o proletariado, como classe
determinada pelo capital (em-si) passaria para classe autodeterminada (para-si)
na luta. É através da luta operária que surge a “associação” operária, a forma
organizativa do proletariado fazer valer seus interesses de classe. Nesse
processo de luta, na qual outras determinações ajudam (crises, por exemplo), um
setor da sociedade vai se unindo ao proletariado (intelectuais e indivíduos de
outras classes sociais, inclusive oriundos até da burguesia)
e levando “elementos de cultura” para a classe revolucionária e reforçando sua
luta. Isso não é feito num espaço associal e sim no interior da luta de classes
e isso significa que o bloco dominante e o bloco progressista estarão agindo em
todos os planos visando corroer, no primeiro caso, ou substituir, no segundo, a
luta proletária. O problema é que depois de Marx se produziu uma concepção
imanentista do proletariado, no qual ele se autoemanciparia sem luta e num
processo evolucionista interno unilinear e autossuficiente. A luta de classes
foi reduzida à luta operária. Assim, o proletariado e as demais classes
desprivilegiadas, por sua falta de tempo e condições de vida, por influência
das ideias dominantes e pouco acesso ao saber teórico e informações, tem ao seu
lado um setor que ao fazer apologia da classe não contribui como deveria para
sua luta.
Aqui podemos identificar alguns dos obstáculos para
a autogestão social (além da força da classe dominante, seus aparatos, sua
hegemonia, etc.): a autoformação insuficiente do proletariado e a fragilidade
do bloco revolucionário. Esses dois elementos, por sua vez, são fundamentais
para explicar o inacabamento das revoluções proletárias. Eles são determinações
importantes da autolimitação proletária. Essa autolimitação promove dificuldade
em concretizar a superação do Estado e do capital e compreender como a nova
sociedade pode emergir a partir da antiga. Em nível geral, Marx já havia
colocado e os comunistas de conselhos aprofundaram a reflexão sobre essa
necessidade de superação à luz das novas experiências históricas. A recusa da
burocracia em geral é elemento fundamental e isso pressupõe saber histórico e
teórico a respeito das experiências passadas. Porém, a consciência da
necessidade da articulação e generalização é fundamental. Em Portugal, as
comissões de trabalhadores poderiam até gerir uma fábrica, mas é necessário
para autogerir, que as demais fábricas, fornecedores, etc., também fossem
autogeridas. A articulação entre as comissões de trabalhadores é fundamental e
inclusive para avançar a generalização, que, ao atingir um novo nível, já
significando abolição das relações de produção capitalistas, seria a abolição
do poder estatal. A generalização torna o Estado inútil e o passo seguinte é
apenas fechar os prédios estatais para que nem os espantalhos sobrevivam. A
generalização da autogestão pressupõe um elevado grau de organização (que tem
na articulação dos conselhos um elemento fundamental) e consciência, inclusive
para substituir as “funções legítimas” (MARX, 2011) que eram realizadas pelo
aparato estatal.
Aqui um novo elemento emerge, que é a questão da
transição. Marx não efetivou nenhuma “teoria da transição”, nem os comunistas
conselhistas e marxistas autogestionários.
Não há sentido para uma tal teoria, porquanto transição significa, no fundo,
revolução. A revolução proletária é um processo que se inicia no momento em que
o proletariado passa de classe determinada para classe autodeterminada, ou
seja, quando supera as lutas espontâneas e autônomas, já se colocando o
objetivo de superação do capital ou da materialização do projeto
autogestionário, ou, esboçando a autogestão concretamente. No caso português,
esse processo foi muito rudimentar, pois a gestão de algumas fábricas, algumas
comissões de trabalhadores, alguns grupos revolucionários, apontaram para esse
processo, mas sem conseguir ir mais longe no processo revolucionário. O
inacabamento ocorreu muito cedo e por isso os elementos da nova sociedade não
ultrapassaram um nível rudimentar. As outras experiências foram muito mais
longe e chegaram ao ponto de abolir o Estado, parte do capital, ou mesmo as
duas coisas, além de criar os mecanismos apropriados para sua substituição. A
revolução avança com a ampliação de indivíduos e setores que aderem ao
movimento operário revolucionário, fazendo avançar as formas de
auto-organização, a autoformação, a autogestão.
O momento de ruptura é fundamental. Porém, ele não
se constitui, como na concepção insurrecionalista, num dia, no qual se toma o
aparato estatal. Ela ocorre quando o processo iniciado se concretiza, o que se
dá com a abolição do aparato estatal. Assim, as formas de auto-organização, a
sua expansão, as ações complementares (manifestações, greves, combates de rua),
a autoformação, vão se constituindo e o grande problema que se coloca para o
bloco revolucionário (nesse momento em fusão com o movimento operário) é
efetivar a destruição do capital e do Estado. A destruição do capital pressupõe
a articulação dos conselhos de fábricas e formação de conselhos operários no
sentido de atingir todas as empresas existentes, apoiadas por formas
organizativas semelhantes (conselhos de bairros, conselhos estudantis, conselhos
de autodefesa, etc.), o que significa sua generalização.
A sedimentação desse processo e sua ampliação até
chegar ao ponto de uma generalização totalizante, marcam o momento da
destruição do aparato estatal, já esvaziado de sua capacidade gerencial e que
precisa ter seu aparato repressivo destruído e sua destituição formal. O
momento de ruptura, no entanto, não significa o fim da revolução. Isso pelo
motivo de que os resquícios culturais (valores, concepções, etc.) e sociais (as
classes decadentes que já não possuem mais sua posição na divisão social do
trabalho, mas ainda se apegam ao seu passado e condição social) continuam
existindo por algum tempo, mas também porque é necessário garantir a
reorganização social em sua totalidade. Essa reorganização global encontra
inicialmente problemas e dificuldades, cuja antecipação teórica ajuda no
processo real posterior, e na qual o conjunto da população deve autogerir o
conjunto das relações sociais, encontrando soluções, superando dificuldades.
Esse processo pode demorar algum tempo, difícil de prever, mas não é nada mais
do que alguns meses ou um pouco mais, ou seja, nada tem a ver com a formação de
uma “sociedade de transição”, com duração imprevisível.
Assim, a revolução proletária se inicia com a
radicalização, já apresentando a radicalidade do processo de transformação em
sua forma embrionária, se consolida com o avanço desse processo ao realizar a
ruptura, e prossegue até o momento de que a instauração da autogestão se
consolida e supera os problemas que encontra inicialmente pela frente, quando
se torna totalidade.
Esse processo significa a formação da sociedade
autogerida e
final do processo revolucionário marca sua instauração definitiva. Nesse
momento, as novas relações de produção, as novas formas sociais (incluindo a
nova cultura), um novo modo de vida, já concretizaram o sonho da emancipação
humana. A autogestão é generalizada e em todos os setores da vida social e uma
nova época surge. É quando o conjunto das potencialidades humanas podem se
desenvolver, quando o saber não encontrará mais os obstáculos dos interesses
antagônicos, do capital e do Estado, quando as relações sociais forem marcadas
por igualdade e liberdade, ou seja, quando a autogestão generalizada emerge e
se torna a base da nova dinâmica social.
Considerações Finais
A análise empreendida aqui das experiências
autogestionárias pretendeu não apenas recordar as lutas operárias e processos
históricos embrionários da autogestão, mas também apresentar reflexões sobre o
inacabamento dessas experiências e suas determinações. Isso traz a exigência de
explicação de não ter ultrapassado o estágio embrionário. A reflexão apontou
para a necessidade de compreender a totalidade e o caráter totalizante da autogestão,
elemento que lhe distingue de todas as demais formas de “gestão” e, mais ainda,
de espaços limitados (empresa, cooperativa, etc.). O projeto autogestionário
nunca ultrapassou o estágio embrionário pelo motivo de nunca ter se tornado
totalizante, apesar de ter chegado próximo a isso em algumas experiências.
A explicação do motivo de não ter se tornado
totalizante, constituindo uma nova sociedade, remete para um conjunto complexo
de “múltiplas determinações”. Porém, algumas determinações e obstáculos podem
ser vistos em ação nas experiências autogestionárias que são muito mais
determinantes e o nosso objetivo foi realizar sua exposição e análise. O destaque
foi para a autolimitação do proletariado nos processos revolucionários. Esse é
um ponto fundamental para romper com todos os tipos de praticismo, obreirismo,
irracionalismo, que insistem em sobreviver nos meios políticos atuais. Não
basta a apologia da auto-organização ou da autogestão, é preciso criar as
condições para sua materialização e uma das condições é a consciência. Dê
liberdade para um cachorro doméstico e o liberte na rua e verá que ele
retornará para seu dono. A concretização da autogestão só é possível através do
mais amplo desenvolvimento da consciência e por isso é fundamental que isso
inicie agora e isso reforça a importância do bloco revolucionário, no sentido
de socializar o saber, ampliar a reflexão crítica, promover debates sobre os
problemas da futura sociedade autogerida (evitando o utopismo e o medo
exagerado do mesmo com seu imobilismo intelectual nessa área), ou como já dizia
Marx, levar elementos de cultura para as classes desprivilegiadas.
A autolimitação ocorre quando os limites externos
cessam, mas os internos não. Ela ocorre num momento histórico em que as
condições sociais permitem a libertação, mas o desenvolvimento cultural
daqueles que devem efetivar isso está em descompasso. Isso é normal, pois a
classe revolucionária, o proletariado, bem como suas classes aliadas (as demais
classes desprivilegiadas, como lumpemproletariado, campesinato, etc.), é a que
tem menos acesso às informações, formação intelectual obstaculizada pela
hegemonia burguesa, pelas instituições, capital comunicacional (“indústria
cultural”), condições precárias de vida, etc.
Sem dúvida, em momentos de radicalização das lutas
de classes, há um avanço devido à própria luta e experiências, mas isso ocorre
num contexto de luta, avanços e recuos, pressões e ações da classe dominante e
suas classes auxiliares, etc. O bloco dominante, expressão política e
organizada da classe dominante, busca boicotar e impedir o processo de
desenvolvimento da consciência revolucionária e o bloco progressista (liderado
pela burocracia) busca controlar e direcionar tal desenvolvimento para os seus
interesses. O bloco revolucionário seria a expressão política e organizada do
proletariado, só que compartilha algumas limitações desse e tem setores
ambíguos e problemáticos que obstaculizam o desenvolvimento de tal consciência com
dogmas e formação intelectual débil. Isso reforça a necessidade de ampliação da
formação, autoformação e luta cultural no presente, visando criar melhores
condições de luta (e vitória) no futuro.
A compreensão da importância do saber no processo
revolucionário e concretização do projeto autogestionário é fundamental. A
autogestão pressupõe consciência, pois só é possível gerir possuindo saber e se
em uma fábrica se encontra dificuldades, no conjunto de uma sociedade elas são
multiplicadas. A experiência e a luta são fundamentais, mas sem uma reflexão
profunda sobre elas e além delas, a autolimitação pode ocorrer. As experiências
autogestionárias aqui receberam inúmeras obras que as saudaram, mas poucas que
refletiram sobre elas e quiseram aprender algo com elas indo além delas,
inclusive explicando a razão de serem tão extraordinárias e esboçarem a
emancipação humana e terem parado no meio do caminho. O problema da
autolimitação é o grande problema. É possível a sociedade brasileira se tornar
autogerida hoje? Sim e isso já é uma realidade há muito tempo e não só aqui, como
em quase todo o mundo. Mas a autolimitação não permite. Em momentos de crise, a
autolimitação se enfraquece e permite a revolução proletária que se esboça e
aprofunda. A questão é romper com a nova autolimitação que aparece nos
momentos-chave, na hora de decretar o fim do capital e do aparato estatal. As
experiências autogestionárias mostram o que fazer e o que não fazer, o que
devemos fazer hoje para fortalecer a sua tendência de concretização. “A lição
sabemos de cor, só nos resta aprender”, já dizia Beto Guedes.
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“Uma revolução social não é apenas uma reação reflexa
às iniquidades e opressões de uma ordem existente. Tais reações podem fazer uma
sociedade desmoronar, mas não garantem a sua substituição por uma outra que
seja qualitativamente diferente. Tal consequência exige uma concepção,
partilhada por um número substancial de pessoas, de um modo de vida totalmente
diferente” (BRINTON, 2014, p.).
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Publicado
originalmente em:
VIANA,
Nildo. As Experiências Autogestionárias. In: CUNHA; Elcemir Paço; FERRAZ, Deise
(Orgs.). Crítica Marxista da Administração. Rio de Janeiro: Rizoma,
2018, v. , p. 85-103.