Rádio Germinal

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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Lançamento de livros na FCS - UFG


A realizar-se no dia 20 de dezembro de 2012, quinta-feira, às 18h30, no Centro de Eventos da UFG, Campus II - Samambaia. Todas/os são muito bem-vindas/os.

Artigo de Iuri Reblin discute a produção intelectual sobre histórias em quadrinhos no Brasil: http://www2.eca.usp.br/nonaarte/ojs/index.php/nonaarte/article/view/7  

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

QUESTÃO INDÍGENA: DA VISÃO “TRIBAL” À CONCEPÇÃO DIALÉTICA



QUESTÃO INDÍGENA:
DA VISÃO “TRIBAL” À CONCEPÇÃO DIALÉTICA
                                                                                           
Nildo Viana

A questão indígena no Brasil aparece sempre nas manchetes de jornais e noticiários quando ocorre mais algum massacre de tribos indígenas ou fortes conflitos com outros setores da sociedade, tal como no caso dos índios Ianomâmi em 1993. As reações ao massacre, naquela época, no Brasil e no exterior, demonstram uma certa “preocupação” com as populações indígenas. Podemos dizer, sem entrar na questão das “preocupações” casuísticas, eleitoreiras ou superficiais, que isto é benéfico, mas somente a partir do momento que se tem uma concepção da complexidade do assunto e não quando se possui uma percepção simplista das coisas. 

Esta visão simplista é produto não só das representações cotidianas (o que alguns chamam de “senso comum”), mas também de uma certa “teoria” antropológica que vê as sociedades indígenas como se fossem isoladas da sociedade global que a envolve. Partiremos, ao contrário, da perspectiva marxista, dialética. Esta perspectiva se caracteriza por não isolar elementos da realidade para explicá-los a partir de si mesmos, pois ela reconhece a necessidade de ver a totalidade para compreender os elementos particulares que a compõe. Esta é a concepção que poderá nos esclarecer sobre a complexidade da questão indígena.

O postulado que afirma que as sociedades indígenas são autossuficientes e autônomas tem como consequência imediata a criação de um “problema do índio” separado e destacado dos demais “problemas sociais” [1] . A noção de uma cultura autônoma e independente dos índios é uma ideologia que fundamenta uma outra ideologia: a visão tribal da questão indígena. Toma-se, como ponto de partida, a tribo com seus problemas e necessidades e a partir daí se toma posições políticas a respeito do assunto. Que posições políticas podem resultar desta percepção equivocada do problema? A posição política que deriva, no que se refere ao massacre dos povos indígenas, daí apresenta três reivindicações principais: a) a imediata demarcação das terras indígenas; b) a proteção das terras indígenas; c) a punição dos culpados.

Todas estas reivindicações apresentam dois aspectos comuns: a) o problema do índio é um problema isolado dos demais problemas sociais e por isso pode ser resolvido isoladamente; b) o estado é visto como o árbitro supremo e neutro que poderá resolver a questão. As limitações dessa posição política é consequência das limitações da visão tribal da questão indígena.

Em primeiro lugar, a mera demarcação das terras indígenas não impedirá o desenvolvimento dos conflitos entre índios e garimpeiros (e não só com estes, mas também com grileiros, trabalhadores sem terra, etc.); em segundo lugar, a proteção das terras indígenas pelo estado não conteria os conflitos, mas apenas os tornariam mais complexos e até mesmo mais violentos, isto sem falar de que sob o pretexto de “proteção” se realizaria uma verdadeira “reclusão territorial” dos indígenas, caso fosse efetivado tal política. Em terceiro lugar, a punição dos “culpados” não acabará com o conflito, isto sem falar que querer “punir os culpados” é mera expressão de uma mentalidade arcaica, fundada no pensamento mítico que opõe o bem e o mal, que julga que os garimpeiros, constrangidos pelas suas necessidades e condições precárias de vida, são os “culpados” do massacre ocorrido; em quarto lugar, considerar o estado capitalista como “neutro” e como um possível agente da resolução do problema é mera ilusão; em quinto lugar, reivindicar do estado meras medidas legais e não mudanças sociais necessárias, é cair num legalismo ineficaz que não romperá com a reprodução dos conflitos.

Segundo José de Sousa Martins:

Há uma clara contradição no conjunto de indagações e sugestões relativas á questões da terra. Num momento fala-se na necessidade da demarcação urgente das terras indígenas e, até, na recuperação de territórios que foram perdidos para os não-índios. Noutro momento fala-se na omissão dos órgãos oficiais. A contradição está no fato de que a recuperação das terras perdidas pelos povos indígenas envolve de imediato o questionamento da expropriação sofrida, o questionamento da legitimidade e do poder dos expropriadores, dos seus interesses de classe e da dominação que exercem através do estado. Já a acusação de omissão não se situa na mesma linha de interpretação, pois representa, de certo modo, a absolvição do omisso. Estamos, provavelmente, supondo que tal omissão pode ser sanada mediante uma espécie de “conversão” da burocracia pública à causa do índio. Esquecemos que no Estado moderno, a ordenação burocrática é simples mandatária dos interesses expressos na aliança de classes que o configuram. Nesse caso, não há propriamente omissão, mas na omissão há uma intenção e uma ação (Martins, 1994, 53).

Passando da “visão tribal” para a concepção dialética da questão indígena, devemos abordar o processo histórico secular de destruição das sociedades indígenas. O genocídio das populações indígenas é apenas a realidade mais visível e cruel de um processo que começou com a expansão capitalista europeia que, por sua vez, para infelicidade dos índios, proporcionou a “descoberta” da América. Na verdade, é mais correto falar em etnocídio, ou seja, trata-se da destruição de grupos étnicos inteiros. 

Nas últimas décadas, no Brasil, vem ocorrendo um processo de integração de grupos indígenas nas relações de produção capitalistas. Esta integração ocorre de forma subordinada e expressa a exploração capitalista indireta. Isto produz a dissolução da cultura e do modo de vida tradicional dos indígenas que somente antropólogos românticos ainda não perceberam. Aliás, estes mesmos antropólogos são responsáveis pela primeira etapa de etnocídio, tal como alguns antropólogos franceses denunciaram (Auzias, 1978; Copans, 1981; Leclerc, 1973), realizada com sua presença que possui efeitos descaracterizadores nas culturas indígenas e assim abre espaço para o contato com a civilização burguesa e com o estado capitalista. 

A primeira etapa do etnocídio é tarefa do antropólogo (depois do jesuíta) e do seu famoso “trabalho de campo”, pois, sobre pretexto de relativismo e antietnocentrismo, este profissional da sociedade burguesa estuda a cultura (os costumes, o parentesco, a língua, etc.).dos povos indígenas e assim informa o estado capitalista como se deve fazer para entrar em contato com eles e inicia, com sua própria presença e manifestações culturais no interior da sociedade indígena, o processo de aculturação, ou seja, o antropólogo é o mensageiro do apocalipse da sociedade indígena que traz a mensagem do etnocídio.

A primeira etapa deste processo se inicia quando o antropólogo entra em contato com os indígenas, tal como, antigamente, o missioneiro o fazia. O antropólogo, missioneiro moderno, com sua ideologia (seja ela funcionalista, estruturalista ou qualquer outra), aparece como o estrangeiro que vai se tornando familiar, bem como sua cultura e costumes, abrindo espaço, com esta familiarização, para a penetração posterior de outros indivíduos e o processo de aculturação. O antropólogo busca falar o idioma nativo, mas já leva elementos do idioma dominante e abre caminho assim para a glotofagia, o primeiro passo do etnocídio (Viana, 2009). Assim, o antropólogo facilita um conjunto de contatos posteriores, com religiosos, comerciantes, etc., que concretizarão a etapa seguinte do processo de etnocídio. As próprias relações sociais e formas de produção começam a se alterar e o comércio é a ponta de lança deste processo que se segue a mutação cultural.

A subordinação de relações de produção não-capitalistas ao modo de produção capitalista é apenas o primeiro passo para sua transformação em relações de produção capitalistas. Isto significa que as sociedades indígenas estão sendo abolidas parcialmente (em alguns casos que são cada vez mais raros) ou totalmente pelo desenvolvimento capitalista e também que os índios de hoje serão os mendigos, alcoólatras ou os trabalhadores assalariados de amanhã [2].

Outra forma de destruição das sociedades indígenas é a destruição física direta. Esta é mais visível e chocante. Quando aparece nos noticiários cria uma avalanche de protestos e a indignação da população. Quando não aparece, mas ocorre, nada acontece. O genocídio dos índios vem ocorrendo a mais quinhentos anos. O que devemos compreender é porque ele continua ocorrendo até os dias de hoje. Quem são os agentes do genocídio e quais são as suas motivações? Os garimpeiros são alguns destes agentes em meio a muitos outros. As motivações podem ser condensadas em uma só: a luta pela terra. Segundo Martins:

A situação das terras indígenas pode ser definida, de modo geral, como situação que envolve três características: terras ameaçadas de invasão pelos brancos, sobretudo grandes fazendas e empresas; terras griladas, cuja posse pelo não-índio ainda depende de regularização; e terras expropriadas, cuja posse e domínio já estão legalmente nas mãos de brancos. Tais situações foram apontadas em várias manifestações da assembleia e dos grupos. Convêm notar que tais características não constituem, na verdade, alternativas entre si. Ao contrário, representam um movimento progressivo. As terras expropriadas foram citadas sobretudo nas áreas mais antigas de ocupação, como o Leste e o Nordeste. A grilagem de terras ocorre sobretudo nas regiões em que está havendo maciça entrada de fazendas, onde está chegando a chamada frente pioneira. Já a ameaça sobre terras indígenas se apresenta nas áreas de que se aproximam as vanguardas da frente pioneira, que provavelmente serão ocupadas mais intensivamente nos próximos anos (Martins, 1994, p. 53-54).

A questão indígena está intimamente vinculada à questão agrária. A luta pela terra envolve o estado, os latifundiários, os posseiros, os grileiros, os garimpeiros, os indígenas e muitos outros. Alguns lutam pela terra para aumentar suas riquezas e outros lutam para conquistar um “meio de sobrevivência”. Isto cria conflitos entre os próprios setores explorados da sociedade, tal como ocorreu no massacre dos índios Ianomâmi em 1994 e em várias outras oportunidades. 

Entretanto, os índios são os mais prejudicados com esta situação, pois, por possuírem o direito reconhecido legalmente sobre as terras, entram em conflito com os demais setores explorados não só devido ao incentivo que os setores dominantes dão a estes últimos para que eles rompam com o domínio da legalidade burguesa abrindo o caminho para sua ação posterior. Depois resta a imagem de que tais massacres foram obras apenas de garimpeiros e outros setores das classes exploradas, descontextualizando o processo social mais amplo, o conjunto de interesses, o papel do estado e a luta de classes. 

Portanto, o problema do índio é um problema nosso. A exploração e destruição das sociedades indígenas é apenas um aspecto da expropriação e pauperização das classes exploradas no Brasil. A solução do problema só pode ser conseguida através da transformação da estrutura agrária da sociedade brasileira. Somente uma revolução agrária que leve à coletivização das terras é que poderá restituir a dignidade das populações indígenas (ou o que sobrou delas), juntamente com a dos outros setores explorados no campo brasileiro. A substituição da grande produção capitalista, baseada na monocultura e voltada para a exportação e não para o mercado interno, pela autogestão coletiva dos produtores associados é a única solução para os conflitos no campo, para a questão da fome e da destruição ambiental. Neste sentido, cabe às classes exploradas e segmentos sociais oprimidos ou inconformados (camponeses, índios, ecologistas, desempregados, etc.), lutar pela instauração da autogestão coletiva no campo e na cidade.

Notas

[1] - “A invasão das terras indígenas é apenas um capítulo da história social da terra em nosso país. Assim como existe uma história do índio, existem também uma história da terra. Também neste caso, o elenco de problemas levantados pelos diferentes grupos não inclui uma referência a tal fato” (Martins, 1994, p. 54).

[2] - Conseguimos perceber que a invasão e expropriação de terras indígenas é um dos fatores fundamentais da sua descaracterização tribal. À medida que se deteriora a forma de ocupação e utilização da terra pelo índio, como consequência da sua invasão e incorporação por fazendas e empresas, também se deteriora a sua identidade tribal. A destruição do espaço do índio destrói também as condições de reprodução do seu modo de ser. O índio está ameaçado progressivamente de ser remetido do seu universo de não-propriedade para o universo da propriedade, com a sua divisão clássica em proprietários e não-proprietários – em proprietários dos meios de produção, de um lado, e proprietários unicamente da força de trabalho, de outro. A deterioração da identidade do índio é condição para destruí-lo como etnia, como grupo tribal com história, cultura, língua e futuro até certo ponto particulares (Martins, 1994, 54).

Referências

AUZIAS, Jean-Marie. A Antropologia Contemporânea. São Paulo, Cultrix, 1978.

COPANS, Jean. Críticas e Políticas da Antropologia. Lisboa, Edições 70, 1981.

LECLERC, Gerard. Crítica da Antropologia. Lisboa: Estampa, 1973.

MARTINS, José de Sousa. “A terra na realidade do índio e o índio na realidade da terra”. Revista Ruptura, ano 01, num. 02, Julho de 1994.

VIANA, Nildo. Linguagem, Discurso e Poder. Ensaios sobre Linguagem e Sociedade. Patos de Minas: Virtualbooks, 2009.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

A luta pelo voto nulo não é para anular as eleições...


A LUTA PELO VOTO NULO NÃO É PARA ANULAR AS ELEIÇÕES...


Nildo Viana




Recentemente algumas pessoas veem questionando - devido polêmicas jurídicas na TV e outros locais - o sentido do voto nulo já que para alguns a existência de mais de 50% de voto nulo não anula as eleições. Obviamente que há uma polêmica em torno disso (alguns sustentam que anularia a eleição, ao contrário dessa posição), mas isto é totalmente irrelevante para a luta pelo voto nulo por parte da concepção marxista autogestionária. Assim, o que se faz é uma grande confusão, com intenções óbvias de realizar tal processo, querendo desqualificar o voto nulo autogestionário e confundi-lo com o voto nulo oportunista (sobre as formas do voto nulo, veja o artigo "Eleições, Voto Nulo e Autoemancipação", clicando aqui ).

O voto nulo autogestionário não visa anular nenhuma eleição, pois é constitutivo dos seus princípios a recusa em geral do sistema eleitoral e partidário. Trata-se de uma recusa da democracia burguesa que não visa trocar governos mas propor a superação da existência de governos e do Estado em geral. A abolição do Estado (e, portanto, da democracia representativa, do sistema eleitoral, dos partidos políticos, dos políticos profissionais, etc.) e sua substituição pela autogestão social ou "livre associação dos produtores" é o objetivo. Nessa perspectiva, anular as eleições e convocar outras é simplesmente inócuo, estéril e até indesejável, pois teríamos mais uma enfadonha campanha eleitoral com os partidos apresentando seus produtos de má qualidade nas vitrines do grande supermercado chamado processo eleitoral. Nessa perspectiva, um novo pleito eleitoral é apenas mais do mesmo, repetição do que não deveria existir. Se uma eleição fosse cancelada, haveria outra, o que significa nada mudar.

O que se propõe, nesse caso, na perspectiva do voto nulo autogestionário, é abolir as eleições, o sistema eleitoral representativo e burguês, o Estado capitalista, etc., e, portanto, significa ABOLIÇÃO e não CONTINUAÇÃO. Essa abolição, por sua vez, significa SUPERAÇÃO e SUBSTITUIÇÃO por algo radicalmente diferente, que é a AUTOGESTÃO SOCIAL. Ao invés da falsa participação e "democracia", na qual os iludidos escolhem a cada quatro (ou mais ou menos, mas por um período determinado de tempo sem exercer poder ou poder substituir quem foi eleito) anos quem irá dirigir e controlar nossa vida, o que propomos é que nós mesmos passemos a nos dirigir e controlar, tanto o processo de produção (abolindo o capital, ou sua expressão jurídica, a propriedade privada) quanto o conjunto das relações sociais, via formas de auto-organização, como os conselhos de fábrica e de bairros, entre outras.

Assim, confundir a proposta de voto nulo autogestionário com a proposta de voto nulo oportunista - que é a de organizações ou pequenos partidos que negam apenas estas eleições ou o processo eleitoral apenas até se fortalecer e poder lançar candidatos ou concorrer, ou, pior ainda, por esperar um adiamento e descrédito dos adversários para depois tentar ganhar ou obter vantagem eleitoral - é algo totalmente sem sentido. O discurso que afirma que mais de 50% dos votos não anula o processo eleitoral não atinge a maioria das formas de voto nulo, a não ser a já citada, pois nem o voto nulo espontâneo (por ceticismo e descrença de setores da população) visa isso.

O voto nulo autogestionário significa, portanto, recusa total do sistema eleitoral e da sociedade capitalista como um todo. Obviamente que não tem a ilusão de que o aumento do voto nulo, nem que seja mais de 50%, signifique a transformação radical e total das relações sociais que está proposto em seus princípios. é claro que se houver tal proporção, a possibilidade de tal transformação se torna uma realidade possível, desde que não tenha sido motivada por voto nulo oportunista. O objetivo principal da defesa e campanha pelo voto nulo, numa perspectiva autogestionária, remete para a sua finalidade, a luta pela autogestão social. E faz isso através de um processo de politização e crítica da democracia burguesa e do Estado capitalista e simultânea apresentação de um projeto alternativo de sociedade, a autogestão social, bem como de análise crítica e reflexão sobre as formas do voto nulo. Assim, o voto nulo autogestionário apresenta, simultaneamente, uma crítica totalizante da política institucional (Estado capitalista, democracia burguesa, sistema eleitoral, políticos profissionais, corrupção, etc.), uma reflexão crítica sobre o voto nulo (suas formas, alcance, limites, etc.) e uma unidade destes dois elementos com o projeto autogestionário de emancipação humana.

O resultado esperado disso não é a ilusória e ingênua anulação de uma determinada eleição e sim uma maior politização da população, daqueles que já defendem o voto nulo espontaneamente sem um projeto alternativo de sociedade ou percepção mais totalizante da democracia burguesa, e perda de legitimidade das instituições burguesas, dos governos, etc. Em síntese, a politização de uma parte cada vez maior da população e a deslegitimação cada vez mais intensiva dos governos e instituições burguesas é o resultado esperado e que contribui com o objetivo final que é a transformação social radical e total das relações sociais, a formação de uma sociedade autogerida. No fundo, é disso que o Estado, os governos, etc. temem, pois é isto que é uma ameaça real, o resto é apenas troca de corruptos e oportunistas no interior das mesmas relações sociais que criam estes tristes personagens e é por isso que buscam criar confusão entre voto nulo oportunista - que no fundo relegitima a democracia burguesa e tudo que é relacionado, sem nenhum projeto verdadeiro de transformação social - e o voto nulo autogestionário. Contudo, a tendência e o que vem ocorrendo é o aumento do voto nulo (tanto o espontâneo quanto o autogestionário) e assim o temor da classe dominante e suas classes auxiliares se justifica, mas não é suficiente para impedir sua realização e ampliação. Quanto mais votos nulos, menos pessoas envolvidas, iludidas, interessadas, no processo eleitoral e isso significa menos força da política burguesa (institucional) e mais força da política proletária (anti-institucional, voltada para a auto-organização da população). Um fantasma ronda as eleições atuais, o fantasma da autogestão social.

Especial sobre VOTO NULO




Acesse o número especial da Revista Enfrentamento sobre voto nulo, clicando aqui.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

CONVITE PARA PALESTRA DE FABIAN TARRIT




PALESTRA:
A crise econômica no capitalismo contemporâneo


FABIEN TARRIT
Université de Reims Champagne-Ardenne

Local: Miniauditório da Faculdade de Educação/UFG
Dia: 08 de agosto – Quarta-feira
Horário: 19 horas

Promoção: GPDS - Grupo de Pesquisa Dialética e Sociedade/FCS/UFG


terça-feira, 31 de julho de 2012

Cinema e Mensagem - Livro sobre ínterpretação e assimilação de filmes

Acaba de ser publicado o livro "Cinema e Mensagem - Análise e assimilação", pela editora Asterisco, de Porto Alegre.

Abaixo texto da contracapa:



Orelha



O que é um filme? Como analisar e interpretar um filme? Como utilizar o filme para meus propósitos sem me preocupar com seu sentido original? Tais perguntas são respondidas no presente livro. A partir de uma definição de filme que o considera uma forma específica de expressão figurativa da realidade, o autor discorre sobre como realizar uma interpretação correta e também como atribuir significados a uma produção fílmica. Defendendo a possibilidade de uma interpretação correta do filme, através da reconstituição do seu significado original, o autor expõe o método dialético e os mecanismos analíticos mais adequados para tal reconstituição. Apresenta, complementarmente, um exemplo de como realizar tal interpretação através da análise do filme O Monstro de Nova York. Ao mesmo tempo, realiza uma distinção entre interpretação correta e atribuição de significados, na qual a suposta interpretação não tem nada a ver com o filme interpretado. Contudo, desde que explicitado que é uma atribuição de significado e não uma análise que busca reconstituir a mensagem do filme, ela pode ser útil para objetivos pedagógicos, políticos, psicanalíticos, entre outros e para exemplificar esse processo trabalha com o filme São Francisco de Assis. Assim, essa obra abre novos caminhos para interpretação e uso dos filmes que é de interesse de sociólogos e cientistas sociais em geral, professores, bem como especialistas em comunicação e até mesmo para os amantes do cinema e produtores cinematográficos.

Para adquirir, visite o site da editora Asterisco ( http://www.editorazouk.com.br/editora-asterisco/nossos-autores/nildo-viana.html ) ou livrarias em sua cidade, ou, ainda, nas livrarias virutais
(Cultura, Saraiva, Loyola, etc.).

Veja mais sobre cinema:

http://cinemamanifestacaosocial.blogspot.com/

domingo, 15 de julho de 2012

O DIREITO À GREVE


O Direito à Greve

Nildo Viana

A greve é uma relação social na qual os trabalhadores param de trabalhar como forma de pressão e protesto e que pode assumir diversas formas e evoluir para greve de ocupação ou greve de ocupação ativa. Essa relação social coloca frente a frente os trabalhadores e seus empregadores (que podem ser capitalistas ou governos), sendo, pois, um conflito entre distintos setores da sociedade com interesses diversos. O nosso objetivo, no presente texto, é discutir a questão da legitimidade dos movimentos grevistas, pois muitos a colocam em dúvida.
O primeiro ponto é analisar a oposição entre legalidade e legitimidade. O domínio da legalidade remete para as leis instituídas e a regularização jurídica realizada pelo aparato estatal. O Estado, obviamente, não é uma instituição “neutra”. Desde Marx se sabe que ele expressa os interesses da classe dominante. Logo, a regularização estatal da greve visa dificultá-la, desvirtuá-la, encerrá-la (quando desencadeada). Os aparatos jurídicos reforçam esse processo. A greve é manifestação de interesses antagônicos, marcados pela luta em torno do mais-valor (setor produtivo), do lucro (setor improdutivo privado) ou da renda estatal (setor improdutivo estatal), mesmo quando as reivindicações não são salariais, pois se a luta, por exemplo, é por melhores condições de trabalho, obviamente, o seu atendimento vai entrar nos custos despendidos pelos empregadores. A legalidade atrela as greves ao Estado, sindicatos (supostos representantes dos trabalhadores), legislação, ideologias jurídicas, etc. Por conseguinte, ela impede ou restringe a possibilidade da greve. É por isso que muitas greves são decretadas ilegais pelo Estado, o que amplia o poder repressivo dos empregadores e do próprio Estado. Sendo assim, algo pode ser legal e ilegítimo, bem como o contrário, pode ser legítimo e ilegal. Da mesma forma, é possível ser legal e legítimo ao mesmo tempo. No caso da greve, ela é geralmente legítima, embora, na maior parte das vezes, seja ilegal.
Contudo, a legitimidade é distinta da legalidade. O legítimo é o que é justo. Aqui saímos do campo das ideologias jurídicas e entramos na questão social e ética. Quase todas as greves são justas e, portanto, legítimas. As greves ilegítimas são pouco usuais na história da sociedade moderna, tal como greve por motivos meramente eleitorais. As greves políticas, as greves reindicativas, as greves revolucionárias são legítimas, pois é a expressão dos interesses dos explorados, dominados e subordinados da forma como eles conseguem fazer diante de seus opositores que são detentores do poder e do dinheiro.
Nesse sentido, as greves são legítimas e, por conseguinte, são um direito dos trabalhadores. A greve é considerada um direito por estar previsto em diversas legislações. Contudo, a greve, sendo legítima, é um direito num outro sentido, que é o sentido de ser um imperativo categórico, ou seja, algo necessário, justo e imperioso (compromisso) para o conjunto dos trabalhadores em greve. Logo, independente da legalidade de uma greve, ela é um direito para os trabalhadores e, portanto, não precisa ser reconhecida legalmente para ser deflagrada. E foi justamente isso que ocorreu historicamente, promovendo a insurgências das greves selvagens. A greve é um imperativo categórico para a classe trabalhadora e por isso não é a autorização do Estado ou sindicatos que permitem sua realização ou não e sim a decisão coletiva dos trabalhadores em assembleia.

Leia mais:

sexta-feira, 4 de maio de 2012

REBELDES POR UM DIA (A CRISE DO MOVIMENTO ESTUDANTIL)



REBELDES POR UM DIA
(A CRISE DO MOVIMENTO ESTUDANTIL)

Nildo Viana

Os estudantes estão nas ruas. Vivemos em uma época em que grandes manifestações estudantis pró-impeachment do governo Collor “abalam o Brasil”.  Mas não podemos deixar de observar algo de estranho nisso tudo: de um lado, estão sendo realizadas diversas manifestações estudantis em todo o Brasil e, de outro, tanto DCEs (Diretórios Centrais dos Estudantes) quanto CAs (Centros Acadêmicos) vivem em um marasmo total e a universidade continua atravessando um período de crise e isto não obtém nenhuma resposta do movimento estudantil.
Geralmente se costuma analisar os fenômenos sociais pela sua aparência e não pela sua essência. O fato dos estudantes estarem nas ruas é tomado automaticamente como um “renascimento do movimento estudantil”. O presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) é um dos propagandistas desta tese. Ninguém pergunta o pra quê e o como os estudantes estão nas ruas. O que interessa é “estar” e o “estar” se torna equivalente ao que “é”, ao “ser”. Entretanto, logo que acabam as manifestações de rua, os estudantes voltam para suas casas como filhos obedientes, para suas escolas como alunos disciplinados, para suas empresas como trabalhadores exemplares. A rebeldia dura enquanto durar a manifestação. Os estudantes são “rebeldes por um dia”.
O motivo dos estudantes invadirem as ruas parece bastante claro: querem o impeachment do governo Collor. O que isto reflete na universidade? Por acaso o substituto de Collor irá mudar sua política educacional? A simples substituição de corrupto acabará com a corrupção? A conclusão a que podemos chegar é a seguinte: as manifestações estudantis estão sendo realizadas por motivos não-estudantis.
O que dá razão ao movimento estudantil existir são as lutas especificamente estudantis. Daí conclui-se que não existe nenhum renascimento do movimento estudantil. Tomemos como exemplo o caso da UFG. Após o Congresso da UNE não foi realizado nenhum CEB (Conselho de Entidades de Base) para discutir questões estudantis, não foi encaminhado absolutamente nada do que foi decidido na Assembleia Geral dos Estudantes, não se fala mais nada do projeto neoliberal para a universidade, etc. A situação das universidades continua a mesma: péssimo nível de ensino, burocratismo, falta de verbas, etc. O DCE simplesmente não existe e não encaminha nenhuma luta especificamente estudantil. Realizou dois CEBs para discutir as manifestações “Fora Collor” e nada mais. O estatuto do DCE que deveria ter sido discutido e aprovado pela gestão anterior (fim do ano passado) já atravessou uma nova gestão quase completa e não foi colocado em discussão.
Diante desse quadro nós vemos um DCE que se preocupa apenas em reproduzir no movimento estudantil as palavras de ordem do seu partido político: “Fora Collor”. Stálin já escrevia no seu livro Fundamentos do Leninismo que os movimentos sociais deviam ser “correias de transmissão” do partido leninista de vanguarda. O DCE-UFG (leia-se PCdoB – Partido Comunista do Brasil) coloca essa teoria em prática e se esquece das lutas estudantis (podemos acrescentar: a necessidade de melhoria do restaurante universitário, a questão da moradia estudantil, a questão pedagógica, etc.). A falta de perspectiva dos movimentos sociais e do movimento estudantil leva à busca artificial de mobilização popular e que tem como grande equívoco não levar a lugar algum. Assim, os estudantes são chamados a serem rebeldes por um dia. Um dia sem aula, de passeata, de brincadeira, de “pular a catraca”, enfim, um dia de rebeldia para descarregar a frustração da vida criada pela sociedade capitalista, mas que não produz nada de novo e que não questiona nada de fundamental tanto na vida pessoal quanto na sociedade.
Enquanto os estudantes forem rebeldes por um dia e conservadores permanentes, nós teremos a ilusão esporádica de liberdade e a realidade permanente da opressão.
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Artigo publicado originalmente em Khronos – Jornal publicado pelos Centros Acadêmicos do ICHL – Instituto de Ciências Humanas e Letras II (Ciências Sociais, História e Filosofia)/UFG. Ano 01, num. 01, Setembro de 1992.


terça-feira, 1 de maio de 2012




AS RAÍZES SOCIAIS DA CORRUPÇÃO E O "FORA MARCONI"

Nildo Viana

Assistindo vídeo no Youtube, é possível ouvir a palavra de ordem “Marconi, a culpa é sua” durante a primeira manifestação “Fora Marconi”. É preciso discutir melhor isso. Pois os indivíduos são responsáveis pelos seus atos, mas tais atos, indivíduos e motivações dos mesmos, são constituídos socialmente. Da mesma forma, as manifestações contra Marconi Perillo são legítimas e contribuem para colocar em questão determinados valores, práticas, etc., mas tem um limite fundamental: a palavra de ordem "fora Marconi" e a posição de grande parte dos que são favoráveis ao impeachment do governador do Estado de Goiás ou punição dos corruptos aponta para uma percepção limitada do problema. Essa percepção limitada de alguns se revela a condenar apenas um (ou vários) indivíduos ao invés de entender as raízes sociais da corrupção e, além disso, não percebe as bases políticas institucionais e seu caráter fundamentalmente corrupto. Logo, a ação se torna limitada e por isso é necessário ampliar a reflexão para, consequentemente, ampliar a ação e combater não apenas um ou vários corruptos, mas a corrupção e as fontes sociais da corrupção. É isto que vamos discutir no presente texto.

Marconi Perillo não criou a corrupção. A corrupção é uma relação social, típica da sociedade capitalista, embora tivesse formas e manifestações em sociedades anteriores. A corrupção política, mais especificamente, é considerada suborno, intimidação, extorsão, abuso de poder. O governo Marconi Perillo, sem dúvida, realizou abuso de poder e certamente realizou outros elementos apresentados acima como sendo corrupção, acrescentando a financeira. Logo, é possível dizer que Marconi Perillo e seu governo estão envolvidos em atos de corrupção. O que não é possível dizer é que ele é o culpado, pois isso vai muito além deste indivíduo, por mais que ele tenha poder. Ele não estava sozinho, milhares de outras pessoas estão envolvidas e fizeram o mesmo. Ninguém governa ou faz corrupção no governo sozinho. O pequeno bebê chamado Marconi, quando nasceu, não era corrupto. Era tão-somente uma criança inocente e assim permaneceu por algum tempo, até ir sendo socializado, tendo sua mente e valores formados por esta sociedade, sendo envolvido em relações sociais e tendo um conjunto de pessoas ao seu lado e com as mesmas tendências. Ele se tornou corrupto. E por qual motivo se tornou corrupto? Por que a mentalidade dominante em nossa sociedade é a burguesa, a que supervalora o dinheiro, o poder, o status, etc. Ele foi formado, como tantos outros indivíduos, nessa sociedade e para essa sociedade. As suas ações e concepções não são criações fantásticas criadas por um indivíduo criativo, autônomo, livre. Se o bebê Marconi tivesse nascido na tribo Ianomami, não teria se tornado corrupto.

Porém, como emerge uma determinada mentalidade e como, em determinada sociedade ela se torna dominante? Eis outra questão para não ficarmos no meio do caminho. A mentalidade é produzida socialmente. Ele expressa relações sociais existentes de uma determinada época e lugar. É uma sociedade na qual tudo se transforma em mercadoria (alimentos, habitação, vestimenta, etc.), inclusive o próprio corpo humano. É uma sociedade na qual o dinheiro se torna fundamental para a sobrevivência e passa a ser supervalorado e a competição se torna algo estrutural (todos estão competindo contra todos, pelo dinheiro, poder, status, mas também para passar no vestibular, conseguir emprego ou melhor remuneração ou cargo, para conseguir mercado consumidor, para conseguir relações amorosas, etc. É uma sociedade marcada pela burocratização crescente, onde grandes organizações hierarquizadas com seus dirigentes buscam controlar o conjunto das pessoas e garantir seus objetivos, geralmente lucro ou reprodução do poder. Essas são relações sociais capitalistas marcadas pela competição, mercantilização e burocratização que geram uma mentalidade que é hegemonicamente burocrática, mercantil e competitiva. Isto está presente no processo socialização na família, na escola, nos meios de comunicação. Os desenhos animados, os filmes, os esportes, a arte e a vida cotidiana como um todo manifesta isso. Os indivíduos introjetam tais relações sociais em sua mente. Isso cria representações que naturalizam e eternizam isso (como se fosse da “natureza humana”) essas relações, surgem ideologias científicas e filosóficas que fazem o mesmo. A mentalidade dominante é produzida por essas relações sociais e ao mesmo tempo as reforça. Essas relações sociais não só geram essa mentalidade como pressiona e cria uma aparência de verdade para ela.

A corrupção está envolvida num conjunto de relações sociais. Uma sociedade burocrática, mercantil, competitiva, na qual certos valores são secundarizados (solidariedade, honestidade, etc.) e outros são supervalorados (riqueza, poder, fama, etc.) para se conseguir vencer a competição. Marconi Perillo criou tudo isso? Não, ele é mais um produto do que um produtor. Um reprodutor de determinadas relações sociais. Logo, a culpa não é dele.

A corrupção tem raízes sociais mais profundas e não é trocando um corrupto por outro (supostamente não corrupto, até que se prove o contrário...) que se resolve a questão, nem tampouco abstraindo isso e julgando que o problema é de um indivíduo, que é culpa, por exemplo, de Marconi Perillo. Inclusive é muita ingenuidade pensar que só houve corrupção no Governo Marconi (e nessa gestão...), que não há corrupção no governo federal, municipal, etc. A corrupção é algo comum e generalizado em todos os governos de nossa sociedade. O que muda é o grau e a visibilidade da corrupção. Sendo assim, a culpa, definitivamente, não é do Marconi.

Então, o que se deve fazer, já que a corrupção é comum e generalizada? É comum e generalizada, mas não é universal, natural e eterna. E se existem valores e concepções distintas, se existe insatisfação da população, então é preciso agir contra isso. Porém, não pode ser uma ação ingênua e que não resolve realmente a questão. Tanto faz tirar Fernando Collor – que foi um corrupto incompetente que deixou visível sua corrupção, assim como Lula e que, ao contrário deste, não tinha bases de apoio sólidas, fortes alianças partidárias, meios de comunicação a favor, etc. e colocar outro corrupto mais discreto, e o mesmo vale para o caso do Marconi Perillo e qualquer outro governador de Goiás. Sem dúvida, dizer que Marconi não é culpado da corrupção não significa dizer que ele não tem nada a ver com isso e sim que ele é responsável pela corrupção que ele fez, tal como em todos os outros casos. Nesse sentido, a palavra de ordem está correta e a culpa é do Marconi. A questão é que se não quisermos apenas ter mais um bode expiatório cujo sacrifício nada irá mudar realmente, é preciso propor algo mais que simplesmente “fora Marconi” ou dizer que a culpa é dele.

Para abolir a corrupção e os corruptos, é necessária uma transformação social radical, uma alteração não em quem está no governo, ou mesmo na forma de governo. A troca de indivíduos no poder nada resolve, nem a troca de grupos inteiros. Da mesma forma, mudar a forma de governo, seja mudança mais moderada ou mais radical (presidencialismo ou parlamentarismo, ou monarquia, ou ditadura...) nada altera nesse quadro. A mudança necessária passa pela alteração da relação entre sociedade civil e Estado e na própria esfera da sociedade civil. O Estado não passa de uma “excrescência parasitária” (Marx), um produto da sociedade civil que busca se autonomizar, gera seus próprios interesses, cria uma burocracia estatal numerosa e com o interesse de se autoperpetuar e ampliar quantitativamente. Ele não produz nada e suga da sociedade civil as riquezas produzidas pela classe trabalhadora e ainda serve aos interesses da classe dominante. Logo, esta excrescência parasitária deve deixar de existir e em seu lugar a própria população se autogovernar. Para isso acontecer, é necessário uma transformação radical no conjunto das relações sociais, na própria sociedade civil, instaurando um novo modo de produção, nova sociabilidade, nova mentalidade. Em poucas palavras, isso seria uma revolução social que instauraria a autogestão social.

Porém, muitos diriam nesse momento: isso é uma utopia. Sim, é uma “utopia concreta” (Ernst Bloch), ou seja, realizável. Contudo, para chegar até lá muitas lutas terão que ser travadas e nessas lutas algumas relações sociais começarão a se alterar, novas ideias e valores se fortalecerão, e nesse conjunto o que hoje parece distante se tornará mais próximo e na percepção das pessoas, mais exequível.

Enquanto não se chega a esse momento, então devemos cruzar os braços e deixar tudo como está? A resposta é negativa. Hoje devemos já lutar e buscar construir as bases dessa transformação social radical e para tanto é preciso superar os limites mentais que pensam a impossibilidade da autogestão social, entre diversas outras coisas. No entanto, é preciso também compreender e criticar a realidade atual, inclusive a corrupção e os corruptos. Mas além de criticar e compreender, é necessário também agir. A ação expressa nas manifestações do “Fora Marconi” é importante, pois coloca em evidência uma recusa da corrupção e dos valores associados a ela, apresenta traços de luta que cria uma efervescência contestadora e que pode se ampliar para ir além, e questionar as raízes da corrupção, e coloca a necessidade de projetos alternativos, realiza uma pressão popular diante dos governos e que mostra sua capacidade mobilizadora e contestadora, o que faz com que os governos e corruptos em geral fiquem na defensiva.

Um projeto alternativo de sociedade é necessário e propostas concretas sobre a questão da corrupção também são necessárias. Daí ser necessário ir além do “Fora Marconi” e exigir mais e propor não somente a saída de um governador e sua troca por outro, mas exigir formas de controle da sociedade civil sobre o Estado e outras instituições, novas formas de participação e pressão, uma cultura de manifestações, mas também de auto-organização da população em locais de moradia, trabalho, lazer, estudos. É fundamental fortalecer a sociedade civil através da auto-organização para garantir não só o combate constante à corrupção, mas também para impedir o abuso de poder, a repressão ilegítima dos movimentos sociais e da classe trabalhadora. Isso nada tem a ver com o discurso neoliberal de responsabilizar a sociedade civil pelas ações que seria do Estado ou de ONGs, outras fontes de corrupção e que mantém “relações perigosas” com o Estado, e sim iniciativa autônoma da população, auto-organização, organizações de base. E estas seriam “escolas” para uma futura transformação muito mais radical, criando um mundo novo e sem corrupção e todos os males produzidos pela sociedade capitalista.

Não é difícil imaginar, hoje, milhões de inocentes “bebês Marconi” engatinhando e vivendo ingenuamente. É possível prever que estes milhões de crianças serão formados e logo estarão como o atual governador do Estado de Goiás, alguns por estarem no poder, realizando a mesma prática. Assim, combater a corrupção e defender “fora Marconi” é importante. Também defender o “fora Marconi” na mente das crianças de hoje é fundamental e para isso é preciso combater os valores dominantes, a mentalidade dominante, não fazer de conta que não existe corrupção em toda a parte e instituições, como partidos, escolas, universidades, igrejas, empresas, sindicatos. É parar de se omitir, de fazer de conta que ela não existe, e começar uma prática de enfrentamento e luta contra a corrupção não apenas onde é relativamente cômodo fazer (o governo), mas também na sua base, e se indignar contra as injustiças cotidianas. As manifestações “fora Marconi” indo além de protestos nas ruas, mas também realizando um processo de reflexão crítica e buscando criar formas de constante auto-organização, de fiscalização, de politização e desenvolvimento da consciência, inclusive daqueles com pouco acesso às informações e certas produções culturais, são parte de um processo mais amplo de constituição do novo e de superação do velho. O bebê Marconi de ontem e adulto de hoje é expressão do velho. As crianças de hoje devem ser expressão do novo e para isso ocorrer é preciso realizar estas e outras ações, pois sem isso apenas mudarão os nomes: “fora Collor”, “fora Sarney”, “fora Marconi” e os pobres bebês de hoje que puderem, serão os Collors e Marconis de amanhã (às custas de milhões de outros pobres bebês que não terão essa “chance”) e nenhuma transformação substancial ocorrerá.

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domingo, 29 de abril de 2012

Em Defesa de Marconi Perillo




EM DEFESA DE MARCONI PERILLO
Nildo Viana

Assistindo vídeo no Youtube, é possível ouvir a palavra de ordem “Marconi, a culpa é sua” durante a primeira manifestação “Fora Marconi”. Será mesmo? Culpa do quê? Da corrupção? Ora, o governador Marconi Perillo não é culpado da corrupção. É necessário deixar isso bem claro e pensar nas palavras de ordem, para não cometer injustiças. Qualquer manifestação pública deve ser incentivada e se há corrupção ou qualquer outro problema coletivo, então se justifica manifestar, contestar, criticar. Contudo, não podemos culpar pessoas inocentes. É isso que temos que discutir, a suposta culpabilidade do governador estadual.
Marconi Perillo não criou a corrupção. A corrupção é uma relação social, típica da sociedade capitalista, embora tivesse formas e manifestações em sociedades anteriores. A corrupção política, mais especificamente, é considerada suborno, intimidação, extorsão, abuso de poder. O governo Marconi Perillo, sem dúvida, realizou abuso de poder e certamente realizou outros elementos apresentados acima como sendo corrupção, acrescentando a financeira. Logo, é possível dizer que Marconi Perillo e seu governo estão envolvidos em atos de corrupção. O que não é possível dizer é que ele é o culpado, pois isso vai muito além deste indivíduo, por mais que ele tenha poder. Ele não estava sozinho, milhares de outras pessoas estão envolvidas e fizeram o mesmo. Ninguém governa ou faz corrupção no governo sozinho. O pequeno bebê chamado Marconi, quando nasceu, não era corrupto. Era tão-somente uma criança inocente e assim permaneceu por algum tempo, até ir sendo socializado, tendo sua mente e valores formados por esta sociedade, sendo envolvido em relações sociais e tendo um conjunto de pessoas ao seu lado e com as mesmas tendências. Ele se tornou corrupto. E por qual motivo se tornou corrupto? Por que a mentalidade dominante em nossa sociedade é a burguesa, a que supervalora o dinheiro, o poder, o status, etc. Ele foi formado, como tantos outros indivíduos, nessa sociedade e para essa sociedade. As suas ações e concepções não são criações fantásticas criadas por um indivíduo criativo, autônomo, livre. Se o bebê Marconi tivesse nascido na tribo Yanomami, não seria corrupto.
Porém, como emerge uma determinada mentalidade e como, em determinada sociedade ela se torna dominante? Eis outra questão para não ficarmos no meio do caminho. A mentalidade é produzida socialmente. Ele expressa relações sociais existentes de uma determinada época e lugar. É uma sociedade na qual tudo se transforma em mercadoria (alimentos, habitação, vestimenta, etc.), inclusive o próprio corpo humano. É uma sociedade na qual o dinheiro se torna fundamental para a sobrevivência e passa a ser supervalorado e a competição se torna algo estrutural (todos estão competindo contra todos, pelo dinheiro, poder, status, mas também para passar no vestibular, conseguir emprego ou melhor remuneração ou cargo, para conseguir mercado consumidor, para conseguir relações amorosas, etc. É uma sociedade marcada pela burocratização crescente, onde grandes organizações hierarquizadas com seus dirigentes buscam controlar o conjunto das pessoas e garantir seus objetivos, geralmente lucro ou reprodução do poder. Essas são relações sociais capitalistas marcadas pela competição, mercantilização e burocratização que geram uma mentalidade que é hegemonicamente burocrática, mercantil e competitiva. Isto está presente no processo socialização na família, na escola, nos meios de comunicação. Os desenhos animados, os filmes, os esportes, a arte e a vida cotidiana como um todo manifesta isso. Os indivíduos introjetam tais relações sociais em sua mente. Isso cria representações que naturalizam e eternizam isso (como se fosse da “natureza humana”) essas relações, surgem ideologias científicas e filosóficas que fazem o mesmo. A mentalidade dominante é produzida por essas relações sociais e ao mesmo tempo as reforça. Essas relações sociais não só geram essa mentalidade como pressiona e cria uma aparência de verdade para ela.
A corrupção está envolvida num conjunto de relações sociais. Uma sociedade burocrática, mercantil, competitiva, na qual certos valores são secundarizados (solidariedade, honestidade, etc.) e outros são supervalorados (riqueza, poder, fama, etc.) para se conseguir vencer a competição. Marconi Perillo criou tudo isso? Não, ele é mais um produto do que um produtor. Um reprodutor de determinadas relações sociais. Logo, a culpa não é dele.
A corrupção tem raízes sociais mais profundas e não é trocando um corrupto por outro (supostamente não corrupto, até que se prove o contrário...) que se resolve a questão, nem tampouco abstraindo isso e julgando que o problema é de um indivíduo, que é culpa, por exemplo, de Marconi Perillo. Inclusive é muita ingenuidade pensar que só houve corrupção no Governo Marconi (e nessa gestão...), que não há corrupção no governo federal, municipal, etc. A corrupção é algo comum e generalizado em todos os governos de nossa sociedade. O que muda é o grau e a visibilidade da corrupção. Sendo assim, a culpa, definitivamente, não é do Marconi.
Então, o que se deve fazer, já que a corrupção é comum e generalizada? É comum e generalizada, mas não é universal, natural e eterna. E se existem valores e concepções distintas, se existe insatisfação da população, então é preciso agir contra isso. Porém, não pode ser uma ação ingênua e que não resolve realmente a questão. Tanto faz tirar Fernando Collor – que foi um corrupto incompetente que deixou visível sua corrupção, assim como Lula e que, ao contrário deste, não tinha bases de apoio sólidas, fortes alianças partidárias, meios de comunicação a favor, etc. e colocar outro corrupto mais discreto, e o mesmo vale para o caso do Marconi Perillo e qualquer outro governador de Goiás. Sem dúvida, dizer que Marconi não é culpado da corrupção não significa dizer que ele não tem nada a ver com isso e sim que ele é responsável pela corrupção que ele fez, tal como em todos os outros casos. Nesse sentido, a palavra de ordem está correta e a culpa é do Marconi. A questão é que se não quisermos apenas ter mais um bode expiatório cujo sacrifício nada irá mudar realmente, é preciso propor algo mais que simplesmente “fora Marconi” ou dizer que a culpa é dele.
Para abolir a corrupção e os corruptos, é necessária uma transformação social radical, uma alteração não em quem está no governo, ou mesmo na forma de governo. A troca de indivíduos no poder nada resolve, nem a troca de grupos inteiros. Da mesma forma, mudar a forma de governo, seja mudança mais moderada ou mais radical (presidencialismo ou parlamentarismo, ou monarquia, ou ditadura...) nada altera nesse quadro. A mudança necessária passa pela alteração da relação entre sociedade civil e Estado e na própria esfera da sociedade civil. O Estado não passa de uma “excrescência parasitária” (Marx), um produto da sociedade civil que busca se autonomizar, gera seus próprios interesses, cria uma burocracia estatal numerosa e com o interesse de se autoperpetuar e ampliar quantitativamente. Ele não produz nada e suga da sociedade civil as riquezas produzidas pela classe trabalhadora e ainda serve aos interesses da classe dominante. Logo, esta excrescência parasitária deve deixar de existir e em seu lugar a própria população se autogovernar. Para isso acontecer, é necessário uma transformação radical no conjunto das relações sociais, na própria sociedade civil, instaurando um novo modo de produção, nova sociabilidade, nova mentalidade. Em poucas palavras, isso seria uma revolução social que instauraria a autogestão social.
Porém, muitos diriam nesse momento: isso é uma utopia. Sim, é uma “utopia concreta” (Ernst Bloch), ou seja, realizável. Contudo, para chegar até lá muitas lutas terão que ser travadas e nessas lutas algumas relações sociais começarão a se alterar, novas ideias e valores se fortalecerão, e nesse conjunto o que hoje parece distante se tornará mais próximo e na percepção das pessoas, mais exequível.
Enquanto não se chega a esse momento, então devemos cruzar os braços e deixar tudo como está? A resposta é negativa. Hoje devemos já lutar e buscar construir as bases dessa transformação social radical e para tanto é preciso superar os limites mentais que pensam a impossibilidade da autogestão social, entre diversas outras coisas. No entanto, é preciso também compreender e criticar a realidade atual, inclusive a corrupção e os corruptos. Mas além de criticar e compreender, é necessário também agir. A ação expressa nas manifestações do “Fora Marconi” é importante, pois coloca em evidência uma recusa da corrupção e dos valores associados a ela, apresenta traços de luta que cria uma efervescência contestadora e que pode se ampliar para ir além, e questionar as raízes da corrupção, e coloca a necessidade de projetos alternativos, realiza uma pressão popular diante dos governos e que mostra sua capacidade mobilizadora e contestadora, o que faz com que os governos e corruptos em geral fiquem na defensiva.
Um projeto alternativo de sociedade é necessário e propostas concretas sobre a questão da corrupção também são necessárias. Daí ser necessário ir além do “Fora Marconi” e exigir mais e propor não somente a saída de um governador e sua troca por outro, mas exigir formas de controle da sociedade civil sobre o Estado e outras instituições, novas formas de participação e pressão, uma cultura de manifestações, mas também de auto-organização da população em locais de moradia, trabalho, lazer, estudos. É fundamental fortalecer a sociedade civil através da auto-organização para garantir não só o combate constante à corrupção, mas também para impedir o abuso de poder, a repressão ilegítima dos movimentos sociais e da classe trabalhadora. Isso nada tem a ver com o discurso neoliberal de responsabilizar a sociedade civil pelas ações que seria do Estado ou de ONGs, outras fontes de corrupção e que mantém “relações perigosas” com o Estado, e sim iniciativa autônoma da população, auto-organização, organizações de base. E estas seriam “escolas” para uma futura transformação muito mais radical, criando um mundo novo e sem corrupção e todos os males produzidos pela sociedade capitalista.
Não é difícil imaginar, hoje, milhões de inocentes “bebês Marconi” engatinhando e vivendo ingenuamente. É possível prever que estes milhões de crianças serão formados e logo estarão como o atual governador do Estado de Goiás, alguns por estarem no poder, realizando a mesma prática. Assim, combater a corrupção e defender “fora Marconi” é importante. Também defender o “fora Marconi” na mente das crianças de hoje é fundamental e para isso é preciso combater os valores dominantes, a mentalidade dominante, não fazer de conta que não existe corrupção em toda a parte e instituições, como partidos, escolas, universidades, igrejas, empresas, sindicatos. É parar de se omitir, de fazer de conta que ela não existe, e começar uma prática de enfrentamento e luta contra a corrupção não apenas onde é relativamente cômodo fazer (o governo), mas também na sua base, e se indignar contra as injustiças cotidianas. As manifestações “fora Marconi” indo além de protestos nas ruas, mas também realizando um processo de reflexão crítica e buscando criar formas de constante auto-organização, de fiscalização, de politização e desenvolvimento da consciência, inclusive daqueles com pouco acesso às informações e certas produções culturais, são parte de um processo mais amplo de constituição do novo e de superação do velho. O bebê Marconi de ontem e adulto de hoje é expressão do velho. As crianças de hoje devem ser expressão do novo e para isso ocorrer é preciso realizar estas e outras ações, pois sem isso apenas mudarão os nomes: “fora Collor”, “fora Sarney”, “fora Marconi” e os pobres bebês de hoje que puderem, serão os Collors e Marconis de amanhã (às custas de milhões de outros pobres bebês que não terão essa “chance”) e nenhuma transformação substancial ocorrerá.

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