Rádio Germinal

RÁDIO GERMINAL, onde a música não é mercadoria; é crítica, qualidade e utopia. Para iniciar clique em seta e para pausar clique em quadrado. Para acessar a Rádio Germinal, clique aqui.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Futebol, Política e Religião


Futebol, Política e Religião



Nildo Viana


Segundo o ditado popular, futebol, política e religião não se discute. A princípio, a afirmação parece óbvia como todos os ditados populares. Porém, existe algo além do que está dito e só a reflexão pode resgatar isso e nos proporcionar um entendimento mais adequado do ditado, do seu significado e seu alcance. Algumas questões ajudam a rediscutir este ditado e entrarmos na questão fundamental que é o futebol como tema para discussão*. As questões são as seguintes: a) o que existe de comum no futebol, na religião e na política? B) por que se busca evitar discutir esses temas? C) quais são as conseqüências ao se evitar discutir tais assuntos?

Ao entender o que há em comum entre estes assuntos, temos a chave para abrir a porta da resposta para as outras duas questões. A religião, a política e o futebol são caracterizados por um alto grau de envolvimento sentimental e valorativo dos indivíduos, bem como com seus interesses. A religião é marcada por um forte vínculo sentimental e valorativo do indivíduo com suas crenças, símbolos, representantes, ídolos. É por isso que ela enfraquece a racionalidade e pode gerar o fanatismo e a intolerância com relativa facilidade e por isso é fonte de polêmicas, conflitos e até guerras e mortes. Não é preciso lembrar as cruzadas ou do conflito entre judeus e muçulmanos para demonstrar isso. Milhões morreram por causa de conflitos religiosos. A política (no sentido de adesão a determinadas concepções ou disputa pelo poder) também possui o mesmo forte vínculo sentimental e valorativo e por isso também gera também um enfraquecimento da razão e polêmicas, conflitos, guerras e não faltam exemplos para demonstrar isso, desde a briga de ruas até as guerras mundiais e as ações nazistas e stalinistas. Os interesses estão presentes nos dois casos, intimamente relacionados com os valores e sentimentos, mas também com o poder, a riqueza, etc.

O futebol, da mesma forma, também é marcado pelo envolvimento sentimental e valorativo e, logo, também é gerador de fanatismo, intolerância, e, por conseguinte, polêmicas e conflitos. Contudo, a intensidade disso é bem menor no futebol, que nunca conseguiu gerar guerras ou morte de milhões de seres humanos, como nos casos anteriores. O futebol gera discussões acaloradas, brigas e violência, em alguns casos gera morte derivada do conflito entre torcidas organizadas, mas nada comparável com o que ocorre no caso da religião e da política. Assim, o que há em comum entre estes três fenômenos sociais é o alto grau de envolvimento com sentimentos e valores e, em menor grau, com os interesses dos indivíduos.

É por isso que discutir estes temas geralmente provoca desentendimentos, brigas, rompimentos. Daí muitos tentarem evitar tais assuntos e isso é a fonte do ditado popular. Assim, temos a resposta da segunda questão ao responder à primeira. Evitar discutir futebol, política e religião é evitar polêmicas e conflitos, pois com a primazia dos sentimentos e valores, a racionalidade é enfraquecida e o diálogo dificultado. Porém, a discussão é, de qualquer forma, uma tentativa de comunicação e de uso da razão, que geralmente falha devido à supremacia sentimental e valorativa, mas seu abandono é ainda pior. O que passa a reinar é a incomunicação e a formação de grupos inflexíveis e rivais. Nesse sentido, a mediação entre discussão e conflito aberto não é mais mediada pela polêmica (palavra derivado do grego, polemos, que significa guerra), que significa guerra ou disputa intelectual. Assim, o isolamento é seguido imediatamente pelo conflito e pela guerra física. Desta forma, o mais adequado não é evitar a polêmica e a discussão sobre estes temas e sim buscar, apesar das dificuldades nesse sentido, que ela seja comandada pela razão. É somente a racionalidade coordenando os sentimentos e valores que é possível avançar intelectualmente e nas relações sociais, bem como é o que permite discutir futebol, religião e política sem cair em agressões verbais ou físicas diante das diferentes posições.

Desta forma, o futebol é discutível, inclusive com mais facilidade do que a religião e a política. Claro que dependendo de quem está discutindo. Mantendo o princípio da racionalidade na discussão, a polêmica pode até se desenvolver, mas estará resguardada pela elegância dos debatedores. Por isso, a discussão em torno destes assuntos é fundamental. Mas o meu foco aqui é o futebol. Este é um dos assuntos nos quais os sentimentos e valores tendem a obstruir a racionalidade e por isso ou gera discussões acaloradas que muitas vezes gera conflitos ou no máximo descamba para uma competição humorística sem avanço nenhum sobre o tema e as posições dos debatedores. No fundo, quanto mais se discutir e compreender o futebol, menos polêmicas e conflitos ele irá gerar. Logo, a conclusão é a de que não só que futebol se discute, mas também que é fundamental a discussão sobre ele.

* Este é o primeiro de uma série de textos sobre futebol.

Posts Relacionados:
 
Torcidas Organizadas e Violência no Futebol
 
Discurso e Poder

Informe e Crítica

3 comentários:

  1. Nildo Viana,
    Para haver uma discussão é preciso que duas ou mais pessoas falem, nos três exemplos que você citou um não deixa o outro falar e ainda levando em conta que geralmente as pessoas debatem esses temas na mesa de um butequim [risos] é quase impossível fazer um verdadeiro debate sobre estes assuntos. Portanto as pessoas evitam falar sobre esses assuntos, pois já sabem que não serão ouvidas.
    Atenciosamente,
    Ricardo Lenard.

    ResponderExcluir
  2. Ricardo, tem razão, e isso é justamente devido ao envolvimento sentimental e valorativo. Porém, o avanço da possibilidade de discussão é expressão do avanço da razão emancipadora (ao invés da instrumental), que contribui para uma mudança de valores e sentimentos, inclusive no sentido de permitir que o outro coloque sua posição e use a racionalidade para questionar. Obviamente, que na sociedade atual, marcada pela competição social enquanto elemento estrutural da sociedade capitalista e fonte de diversos valores e sentimentos, isso é extremamente dificultado, mas não impossível. Faz parte da luta pela transformação social buscar essa possibilidade de discussão. Pensar sobre isso já é um passo para contribuir com sua superação. Abraços.

    ResponderExcluir
  3. Parabens ... Nildo concordo plenamente !!

    ResponderExcluir

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

Acompanham este blog: