Nildo Viana
"O autor não é um mercador ou proprietário, mas um criador, um ser humano que
produz as suas obras para realizar as suas potencialidades".
O problema da autoria intelectual é abordado geralmente sob a ótica dos direitos autorais. Poucas vezes a questão da autoria intelectual é abordada sob o ponto de vista muito mais geral e importante que é o da ética. Entenda-se por ética não a moral e sim os valores fundamentais que devem acompanhar qualquer concepção humanista ou libertária, ou seja, estamos nos referindo a determinada ética, pois não consideramos que exista apenas uma ética. Assim, a questão reside em como a ética libertária aborda a questão da autoria intelectual. Os chamados “direitos autorais” são oriundos da visão da produção intelectual como propriedade e mercadoria. O autor, neste caso, se coloca como um proprietário ou mercador. O produto é uma mercadoria, ou propriedade, que só pode ser utilizada por outros se for comprada ou autorizada. Os direitos autorais são a forma mais explícita desta concepção burguesa de autoria intelectual. O respeito aos direitos autorais significa ou o pagamento por uma mercadoria ou então a autorização para o uso de uma propriedade. Do ponto de vista de uma ética libertária ou humanista, a questão se coloca de forma diferente. O autor não é um mercador ou proprietário, mas um criador, um ser humano que produz suas obras para realizar suas potencialidades. O autor é aquele que cria, produz, uma determinada obra. A sua obra é uma objetivação do autor. O criador se manifesta através de sua criatura, e, por conseguinte, todos devem reconhecer quem é o criador da criatura. Não se trata, neste caso, de direito comercial ou de propriedade, mas de identificação entre autor e obra. Neste sentido, “desde que citada a fonte”, isto é, desde que se reconheça o autor da obra (esta é a “fonte principal”, e o local da “publicação” é uma fonte secundária, cuja revelação é útil, mas não faz parte da questão da autoria intelectual), está garantida a ética do ponto de vista humanista. Por isso, não há o menor sentido em certas revistas acadêmicas requerer do autor autorização para publicar sua obra em outro veículo de comunicação ao reservar para si os famigerados “direitos autorais”. Os direitos autorais então devem ser abolidos? A resposta seria positiva, desde que se pense em uma transformação social global. No entanto, nos marcos da atual sociedade, no qual as produções intelectuais e artísticas são “mercadorias”, então os direitos autorais ainda possuem uma função de proteção do autor, pois, caso contrário, alguns poderiam publicar e vender como mercadoria a obra de outros sem nem sequer necessitar sua autorização. A autoria intelectual gera, na sociedade capitalista, os direitos autorais. O problema ocorre quando se inverte esta lógica, quando os direitos autorais se sobrepõem à autoria intelectual, tal como no caso de alguém “comprar os direitos autorais” da obra de outro e este “perder” os seus “direitos”, o que revela, simultaneamente, alienação e mercantilização. Da mesma, forma, do ponto de vista ético, o autor deveria seguir os preceitos apontados por Marx: “o escritor deve ganhar dinheiro para poder viver e escrever, mas, em nenhum caso, deve viver e escrever para ganhar dinheiro”. Existe a ética do não-escritor diante do escritor, o que deve levar ao reconhecimento da autoria intelectual, e a ética do autor em relação ao leitor, que reconhece este último como ser humano e não como consumidor.
Publicado originalmente em:http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=4595
Jornal A Página da Educação, Lisboa.
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