A CASA SEM PORTAS
Nildo Viana
Um homem chega em frente à sua casa. Rodeia ela, procura sua porta e não acha. Também não há janelas. Ele se pergunta: "como vou entrar se não tem porta?"
Ele acorda e vê que era apenas um sonho, mas ele está deitado numa rede, do lado de fora da mesma casa sem porta. Ele se pergunta: "era um sonho ou não?"
Rodeia novamente a casa e não encontra a porta.
Acorda novamente e vê, que, desta vez, era um sonho. Olha para o seu lado e vê que está no quarto e tem uma porta, nem janela. E diz: "não vou abrir a porta, não vou entrar nem sair, pois deve ser um sonho!!"
E assim ele nunca abriu nenhuma porta, ora por ele pensar que não tinha, ora por ele pensar que tinha mas que era mero sonho... ficou eternamente preso no seu próprio quarto, no seu mundo pequeno e frio.
A solidão era acompanhada por um pequeno computador no qual ele se comunicava com outros seres humanos. No seu quarto, ele tinha uma pequena estante que guardavam diversos desenhos rudimentares e primitivos, que, segundo ele pensava, expressavam a verdade absoluta e inquestionável. A verdade pragmática era a única verdade para ele. No entanto, ele só se comunicava com pessoas que, como ele, estavam presas em seu pequeno e frio mundo, através do computador e internet.
E com o passar do tempo, passou a pensar que este era o verdadeiro mundo, e tudo que existe para além da porta de seu quarto era ilusão, sonho, fantasia. O que existe no computador que não era idêntico a ele, era falsificação, inveja, mentira, ilusão, esquerdismo, comunismo. O saber já estava definido, estava contido em seu pragmatismo expresso nos seus desenhos rudimentares e primitivos. Não havia mais nada para mudar, apenas reproduzir o que existe pragmaticamente.
Ele vivia numa casa sem portas, sem conexão com o mundo circundante, apenas conexão do seu mundo imaginário pessoal com o mundo virtual, que era julgado a partir do primeiro. Tudo estava em ordem e nada mudaria. Como mudar, se não existe portas para sair da casa, sair da cultura adquirida, sair para qualquer lugar? A casa sem portas é como a vida sem perspectivas e possibilidades, é a reprodução do mesmo, prática e que, portanto, é a verdade, a pragmática do pensamento pragmático.
Esse homem viveu assim o resto da sua vida, que parecia longa, interminável. No fundo, foram apenas 60 dias, até ele morrer de fome e ser descoberto por um primo que o fora visitar, para pedir dinheiro emprestado e não por ter ele em consideração. O primo entrou na casa facilmente, já que a porta não estava trancada e depois entrou no quarto, já que sua porta também não estava trancada. Ao entrar e ver o homem morto, por fome, e seu pequeno computador, pequena estante e um pequeno escrito na parede: “Cuidado com as portas, elas são perigosas, mas aqui estou salvo”.
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