UMA IMAGEM VALE MAIS DO QUE
MIL PALAVRAS: INTELECTUALIDADE E INTERESSES DE CLASSE
Rubens
Vinícius da Silva
Licenciado em Ciências Sociais pela FURB – Universidade
Regional de Blumenau.
Nos últimos anos, alguns intelectuais brasileiros
têm ganhado muita evidência, prestígio e dinheiro, em especial ao ampliar suas
atividades para além do fixado pela divisão social do trabalho. Ademais, os
vínculos entre estes que mais se destacam na competição no seio desta classe,
buscam se aproximar ainda mais, reforçando vínculos e angariando ainda mais
espaço na sociedade capitalista. Um exemplo é o caso da foto abaixo, que apesar
de ter sido apagada por aquele que a postou numa famosa rede social, nos abre espaço
para uma crítica que não pode ser escamoteada. O que intelectuais em primeiro
momento tão díspares, como o juiz federal Sergio Moro e o professor e
historiador Leandro Karnal (que tão logo recebeu críticas exasperadas teve a
“prudência” em retirá-la de circulação) possuem em comum?
Devido aos limites do texto e ao
fato de Karnal ter postado a imagem, além de sua notoriedade cada vez maior
(ele possui um programa na Rede Bandeirantes, com o sugestivo nome “Careca de
Saber”) iremos nos concentrar em sua figura sem, contudo apontar o que há de
comum entre ele e o cada vez mais renomado juiz federal Sérgio Moro. Assim,
partimos do pressuposto segundo o qual intelectualidade é uma classe social
essencialmente conservadora, portanto uma das classes auxiliares da burguesia
(VIANA, 2012). Isso significa dizer que todos aqueles que pertencem a esta
classe (dos conservadores aos hegemônicos, bem como dos venais aos progressistas,
expressando distintas posturas intelectuais) compartilham de um modo de vida e
de atividade comum, do qual derivam interesses comuns e, por conseguinte,
determinados valores, costumes e representações que também são partilhadas.
No que tange ao termo
progressista, empregado para definir a produção, postura e discursos de Karnal,
cumpre ressaltar que o uso deste termo possui conotação negativa. Progressista
aqui se refere justamente aos membros do bloco progressista: Leandro Karnal se
enquadra entre os membros da intelectualidade que manifestam, de forma
organizada e consciente, a perspectiva burguesa sob um manto mais “crítico”.
Para este bloco social, cuja
expressão é a ação de setores da intelectualidade e da burocracia partidária e
sindical, numa união que se dá através de suas forças organizadas e formas de
consciência, gerando assim novos interesses e processos de luta, existe a
necessidade de defender posições que apontem para um questionamento de
determinados aspectos isolados da sociedade moderna. Portanto, não se trata de
propor uma crítica radical, ou seja, que vá até às raízes do problema.
A dinâmica dos blocos sociais
complexifica a luta de classes (VIANA, 2016): uma de suas formas se dá pela
confusão, muitas vezes estabelecida (e algumas até intencionalmente) pelos
representantes intelectuais do bloco progressista, no sentido de desviar a luta
de classes da questão fundamental, o modo de produção capitalista, para, no
caso da foto, questões de ordem moral. Como se outros orgulhosos colegas de
classe social não fizessem o mesmo ao longo da história do capitalismo subordinado
brasileiro...
Numa palavra, para o bloco
progressista trata-se de defender o progresso, o desenvolvimento, portanto uma
crítica limitada que só aponta para microrreformas, negando a totalidade
concreta, as relações sociais e a necessidade urgente de transformação social.
É defender, de forma diferente, a manutenção das relações de exploração e
dominação características da sociedade moderna, capitalista.
Os vínculos de Moro e Karnal com
o capital comunicacional também são explícitos. Além disso, ambos os
intelectuais são muito bem pagos para ministrar palestras e seminários no país
e no resto do mundo. Cumpre saliente que ambos são financiados pela classe
dominante, em especial pela fração do capital industrial. O que explica a
proximidade entre ambos é o fato de Moro se tratar de um representante
intelectual do bloco dominante, ao passo que Karnal pode ser considerado um
representante da ala moderada do bloco progressista: as críticas dirigidas por
ambos à ditadura militar, a defesa enérgica da democracia (burguesa) revelam a
grande proximidade existente entre os dois ideólogos.
Por ser uma classe auxiliar da
burguesia, sua dependência material desta (a saber, uma parte do imenso
mais-valor extraído do proletariado, sendo as duas classes citadas as
fundamentais do modo de produção capitalista) se manifesta também na
necessidade de buscar alianças com membros dessa classe.
Tal processo expressa seus
interesses e alianças de classe, os quais se dão quer com membros da mesma
classe ou de outras classes privilegiadas, (como por exemplo, a burocracia) no
sentido de se reproduzir enquanto tal. A intelectualidade é paga pelos
capitalistas para produzir ideologias, e seus membros tendem a se aliar e deste
modo conservar e manter seus interesses e privilégios de classe.
Neste sentido, por mais
aparentemente opostos que possam parecer em seus discursos, os intelectuais
enquanto classe (ou seja, os indivíduos reais, históricos, concretos que
produzem e reproduzem falsa consciência sistematizada - ideologia -, devido ao
seu papel na divisão social do trabalho) têm sim algo em comum: para eles,
trata-se de interpretar, compreender e criticar (nunca radicalmente, por óbvio)
o mundo.
Porém, parafraseando Marx (MARX
& ENGELS, 2004), um intelectual engajado e, portanto, revolucionário: os
ideólogos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão,
porém, é transformá-lo. Isso implica dizer que é necessário fortalecer posições
intelectuais e produzir elementos de cultura que contestem a sociedade
capitalista na sua totalidade, apontando para (dentre outras determinações)
evidenciar a urgência do fortalecimento da perspectiva revolucionária, na forma
de denúncia das alianças havidas entre a intelectualidade e a burguesia.
O compromisso com a verdade e a busca pela
transformação social são duas premissas fundamentais para os intelectuais
engajados: romper com os vínculos com o capital e fomentar a luta pela
autogestão social expressam a defesa do projeto de emancipação humana. Isso
significa romper com os valores, ideias, sentimentos, interesses e
representações de sua própria classe social, o que manifesta a luta individual
e coletiva pelo resgate de uma produção efetivamente teórica, ou seja, uma expressão
da realidade e não a deformação da mesma.
Referências
APÓS perder
seguidores, Karnal apaga post de jantar com Sergio Moro. Disponível em: https://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/284567/Após-perder-seguidores-Karnal-apaga-post-de-jantar-com-Sergio-Moro.htm. Acesso em 12 de março de 2017.
MARX, Karl;
ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã 1º
Capítulo: Seguido das Teses sobre Feuerbach. 7ª Edição. São Paulo:
Centauro, 2004.
VIANA, Nildo. A Teoria das Classes Sociais em Karl Marx.
Florianópolis: Bookess, 2012.
VIANA, Nildo. Blocos Sociais e Luta de Classes. Disponível
em: http://informecritica.blogspot.com.br/2016/03/blocos-sociais-e-luta-de-classes.html
Acesso em 12 de março de 2017.
Leandro Karnal (São Leopoldo, 1º de fevereiro de 1963) é um historiador brasileiro, atualmente professor da Universidade Estadual de Campinas[3] na área de História da América. Foi também curador de diversas exposições, como A Escrita da Memória, em São Paulo,[4][5] tendo colaborado ainda na elaboração curatorial de museus, como o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo.[6] Graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e doutor pela Universidade de São Paulo,[7] Karnal tem publicações sobre o ensino de História, bem como sobre História da América e História das Religiões.
ResponderExcluirEditora Contexto
História dos Estados Unidos ISBN 978-85-7244-361-6
Estados Unidos: a Formação da Nação ISBN 978-85-7244-177-3
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