BOLSONARO,
HADDAD E O FUTURO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
Nildo Viana
A polarização eleitoral, relacionada com outras polarizações
anteriores, apontam para um segundo turno das eleições presidenciais bastante acirrado
discursivamente. De um lado, Jair Bolsonaro, de outro, Fernando Haddad. As
escolhas eleitorais são realizadas, geralmente, a partir de interesses ou
expectativas de futuro relacionadas ao presidente eleito. No entanto, existe
uma dificuldade enorme nesse processo por parte da população, pois entre o discurso
do candidato e sua prática efetiva posterior, há um abismo e muita confusão. Os
ingênuos acreditam nas promessas irrealizáveis, os interessados (seja dos que serão
beneficiados diretos – cargos, dinheiro, vantagens – seja dos que apenas pensam
que serão beneficiados enquanto indivíduo, grupo, classe) defendem apaixonadamente
os seus candidatos, os iludidos pelos discursos acreditam e votam naquele que, direta
ou indiretamente, lhes convenceram.
A previsão do futuro é algo quase impossível. O que podemos
analisar são tendências, pois não sabemos de todo o processo, de todas as
outras tendências e determinações que vão se concretizar. No entanto, a partir
de informações e reflexões sobre a realidade presente, podemos observar as tendências
mais fortes, com suas possíveis variações, e é isto que apontamos no presente
texto. Nada do que está escrito aqui vai, inevitavelmente, ocorrer, mas não só
é possível ocorrer como é uma possibilidade tendencial. Quais são as
expectativas para a sociedade brasileira no provável governo Bolsonaro ou
governo Haddad?[1]
Essa é a questão que tomamos como ponto de partida para apontar as tendências.
Um governo Bolsonaro pode ser analisado a partir do que o
candidato e seus aliados dizem, a partir do que seu adversário coloca, ou,
ainda, a partir da análise prospectiva das tendências existentes. Se o governo
Bolsonaro for o que dizem os petistas, ele será um retrocesso e vai gerar mais
violência, pobreza, sexismo, privatização, etc. e pode gerar uma ditadura ou até
mesmo “fascismo”. Se o governo Haddad for o que dizem os bolsonaristas, ele será
um retrocesso e vai gerar mais violência, pobreza, corrupção, burocratismo, etc.
e pode gerar uma ditadura ou até mesmo “comunismo”. Para quem acredita em
contos de fadas, essas duas versões seriam igualmente possíveis. Se o governo
de Bolsonaro for o que diz o candidato, então o Brasil vai mudar, a família
será respeitada, a violência será contida, a economia vai ser recuperada, haverá
privatizações, bem como o Bolsa Família será mantido e terá até 13º e aumento,
entre milhares de outras coisas. Se o governo Haddad for o que diz o candidato,
a sociedade brasileira vai melhorar, milhões voltarão a ter emprego, a educação
vai ser ampliada em todos os níveis, aqueles que ganham até 5 salários mínimos não
pagarão mais impostos, a diversidade será respeitada, bem como será revogada a
reforma trabalhista e as obras governamentais serão retomadas. Para quem
acredita em Papai Noel, podem colocar suas meias dependuradas no dia 25 de dezembro,
pois essas duas versões seriam realizáveis.
Esse é o discurso eleitoral e só acredita nele quem não tem
senso crítico ou experiência de vida. Se bem que experiência de vida pode ser ludibriada
pela fé, pelo desejo, pelos interesses. Em Goiás, muita gente acreditou nas “piscinas
populares” prometidas pelo candidato a prefeito (1985) Daniel Antônio de
Oliveira, que foi eleito e nunca cumpriu sua promessa, ou confiou na promessa
de “metrô de superfície” pelo candidato a governador (1985) Henrique Santillo,
que também foi eleito e igualmente não cumpriu a promessa. As promessas de
Fernando Collor de Mello, Luís Inácio Lula da Silva, Dilma Roussef, entre
milhares de outros, também não foram cumpridas. Collor disse que acabaria com a
pobreza dos “descamisados e pés descalços” e com “os marajás” (corruptos) e
acabou sofrendo impeachment por corrupção
(...). Jânio Quadros, muito antes (1960), disse que ia “varrer a corrupção”.
[Leia também: Discurso eleitoral e discurso governamental].
[Leia também: Discurso eleitoral e discurso governamental].
Se a experiência nem sempre é suficiente, a reflexão deveria
ser. O discurso eleitoral é otimista, os candidatos resolvem todos os problemas
(saúde, educação, segurança, emprego, etc.) e tudo é fácil de se resolver,
basta escolher o candidato. Quem acompanhou os presidenciáveis em 2018 sabe que
é tudo fácil de resolver: “dinheiro tem, ele está é mal distribuído” (Guilherme
Boulos); “O Brasil vai se tornar uma grande nação mundial” (Cabo Daciolo); “o
que o Brasil precisa é competência para trazer de volta o crescimento” (Henrique
Meirelles), etc. O discurso eleitoral é sempre otimista e voluntarista (e
mentiroso). Ninguém ganha eleição dizendo a verdade. Uma vez no governo, ele é
substituído pelo discurso governamental, que, por sua vez, é realista e
pessimista (“a crise internacional”; “a campanha oposicionista”, a “falta de
recursos”, etc.).
Até aqui apenas apontamos o que o futuro governo não vai
fazer: não vai fazer o que o adversário
diz e nem vai fazer o que ele mesmo diz. Afinal, o que é mais provável que
façam os dois presidenciáveis, caso sejam eleitos? A tendência não é nada boa e
isso em ambos os casos. Isso, em parte por causa do contexto histórico e
social, e, em parte, devido a quem são os candidatos que podem se tornar o
futuro presidente.
Um governo Bolsonaro tende a ser autoritário e que efetivará
políticas de austeridade. A tendência é realizar pouco do que foi prometido. Dentre
as poucas coisas que tende a realizar, é valoração da família e das tradições,
entrando em confronto com o bloco progressista e gerando algumas alterações na educação
estatal e outros processos, o que deverá atingir os currais eleitorais petistas
e reduzir drasticamente o financiamento de certos setores ligados ao PT. Poderá
tentar concretizar outras iniciativas, como a questão do porte de armas, redução
da maioridade penal, etc., que são propostas neoliberais. Assim, com contradições
e obstáculos, é isso que pode se esperar em matéria de política governamental.
No plano da política econômica, pelo menos no início, adotará políticas
neoliberais através do Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, que não resolverá as questões
e dificilmente conseguirá retomar o ritmo de acumulação de capital (“crescimento
econômico”). O maior feito de um governo Bolsonaro deve ser liquidar o petismo.
O seu governo, num primeiro momento, tende a gerar um certo
otimismo e a “confiança” do capital transnacional e mercado. Bolsonaro, apesar
de não ser o “candidato ideal” para o capital, consegue gerar mais confiança no
capital transnacional e no mercado internacional (a queda do dólar e a cotação
da bolsa de valores mostram isso). Deverá conseguir certo apoio parlamentar com
as adesões oportunistas e aliciamento de partidos e indivíduos. Porém, num
segundo momento, a tendência é de perda de popularidade crescente com o
neoliberalismo discricionário por parte de setores cada vez mais amplos da população,
aumento do número de greves, etc. Os seus pilares também tendem, a longo prazo,
a se enfraquecer, pois o antipetismo perde sentido com o fim do petismo e o
moralismo conservador perde seu apelo com o recuo da moral progressista e do
imoralismo. Se não ocorrer uma aceleração da acumulação de capital, também os
recursos tendem a minguar e a situação ficar difícil. Nessa situação, a oposição
tende a crescer, tanto através da ala moderada do bloco dominante, quanto pelo
que sobrar do bloco progressista, e, ainda, do bloco revolucionário e dos trabalhadores
em geral.
Isso significa que a curto prazo um governo Bolsonaro tende
a se manter relativamente estabilizado, mas a médio prazo tende a encontrar
cada vez mais dificuldades e gerar uma desestabilização. Claro que isso vai
depender, fundamentalmente, da acumulação de capital e da situação internacional
(que, aliás, estão entrelaçadas), mas a tendência nesses aspectos também não são
as melhores para o capital. Essa situação se materializando, também pode gerar
um maior grau de repressão estatal no movimento operário e correntes oposicionistas
e mais motivos para descontentamento. A longo prazo é difícil observar as tendências,
pois depende do que se efetivará a curto e médio prazo. Logo, as perspectivas
não são nada boas num governo Bolsonaro.
Um governo Haddad tende a ter algumas diferenças. Porém, se
encontrará diante de um dilema. Terá que decidir se efetivará políticas neopopulistas
e tentar efetivar algumas das promessas ou adotará o neoliberalismo
discricionário e abandonará quase todas suas promessas de campanha. Pouco do
que foi prometido poderá ser efetivado. O pouco que poderia ser realizado seria
a manutenção, sob forma precária, da política de identidades e coisas semelhantes.
A retomada de obras públicas, a diminuição de impostos, as políticas de desenvolvimento
educacional, entre outras, depende dos recursos estatais que hoje estão em
falta. A revogação da reforma trabalhista e da PEC de teto de gastos é difícil
e traria forte oposição da burguesia, comprometendo a governabilidade, bem como
o aumento de gastos estatais (que tende a ocorrer pelas próprias necessidades
do petismo e seu caráter burocrático e neopopulista) tendem a aumentar os
problemas e as dificuldades financeiras. A oposição será forte de todos os
lados (da mesma forma que Bolsonaro, enfrentará a oposição da direita moderada,
que ele tentará aliciar, bem como do bloco revolucionário e de grande parte da população,
tanto trabalhadores quanto adeptos do bolsonarismo que deverá se consolidar
como opção política após a sua suposta derrota e com força parlamentar). Tende
a ter apoio de certos setores da burguesia e do bloco dominante, como já tem no
período eleitoral, e do bloco progressista, em sua ala mais moderada (PSOL, PCdoB,
PSB, etc.)[2]. Disso também resulta um
caráter mais repressivo do aparato estatal para tentar manter a governabilidade.
Porém, e este é o problema do petismo e o que gerou o impeachment de Dilma Roussef, o PT é o reino
da burocracia partidária e sindical e de outras associadas (ONGs, etc.)[3], bem como de setores da
intelectualidade. Por isso ele tende a ter gastos que outros governos poderiam
evitar e por isso ele dificilmente executa certas políticas, pois fazendo isso
perde votos e em 2020 haverão eleições municipais e em 2022 novas eleições
presidenciais. Assim, um novo dilema se coloca: aderir ao neoliberalismo discricionário
e perder popularidade e eleições, o que significa ganhar cargos agora e perdê-los
logo a seguir ou manter o neoliberalismo neopopulista e assim evitar as
políticas de austeridade e aumentar os gastos estatais, gerando maiores
problemas e dificuldades, bem como perdendo apoios de setores da burguesia. A
insistência no neoliberalismo neopopulista significaria uma situação caótica e
conflituosa desde o início do governo e que pode gerar dificuldades crescentes
de governabilidade. É claro que isso vai depender, em parte, do ritmo da acumulação
de capital e da dinâmica do capitalismo mundial e outras determinações, mas a tendência
nesse caso também não é para gerar otimismo.
Um governo Haddad já tende a iniciar com dificuldades, pois
tem pouco apoio e o capital transnacional e mercado mundial devem gerar impacto
negativo desde o resultado das eleições, em caso de vitória petista (bolsa de
valores, dólar). Assim, se no caso de
Bolsonaro a tendência é de um certo alívio no início por causa do otimismo e recepção
favorável do capital internacional e maioria da burguesia brasileira, nesse
caso a tendência é a oposta. E o bolsonarismo será uma oposição constante e
agora fortalecido, inclusive podendo gerar, como já foi anunciado, um novo
partido em torno de Bolsonaro. Da mesma forma, outros setores deverão fazer oposição
desde o início. E se a situação inicial for desfavorável, a tendência é um
governo que já nasce com o anúncio de sua morte.
Enfim, um governo Haddad tende a iniciar com enormes
dificuldades e se isto se concretiza, a situação nacional deve piorar, gerando
um processo de acirramento de conflitos e fortalecendo ainda mais o
antipetismo, que inclusive perderá parte de sua base eleitoral, desiludida.
Assim, a curto prazo seria crise governamental e outras crises, acirramento de
conflitos, etc. A médio prazo e mais ainda a longo prazo, o caos e soluções imprevisíveis
poderiam ocorrer. Por outro lado, se a situação for mais favorável, e a decisão
for por uma política econômica pragmática, o governo poderá se sustentar
razoavelmente e, caso haja uma retomada do ritmo de acumulação de capital,
poderá ganhar fôlego. Essa, no entanto, é uma tendência pouco provável e
somente com muito otimismo se poderia esperar isso.
Assim, a tendência inicial de um governo Haddad seria de
instabilidade e conflitos crescentes no início e que podem se acirrar a não ser
que abandone o neopopulismo e abandone as poucas promessas realizáveis e/ou a situação
internacional e da acumulação de capital apontem para uma evolução positiva, o
que não é o mais provável no momento. Caso essa tendência inicial de
instabilidade se mantenha, o caos e soluções mais drásticas podem surgir. Caso
ela não se mantenha, poderá haver algum fôlego para o governo, mas com forte oposição,
dificuldades, crises. De qualquer forma, a volta da “era de ouro” do tempo das
vacas gordas não voltará, pois agora é a época das vacas magras.
Resta discutir a questão da ameaça fascista e comunista que
os candidatos acusam ser possível com a vitória do outro. Bolsonaro não é
fascista e Haddad não é comunista. Isso é apenas discurso eleitoral e que convence
apenas os mais despolitizados e que não possuem maior formação e informação,
bem como aos adeptos apaixonados que abandonam a racionalidade ou, ainda,
aqueles que tem seus sentimentos de medo e/ou ódio manipulados por campanhas
eleitorais. Um governo Bolsonaro tende a ser autoritário e, dependendo do
contexto (que é o mais provável) um governo Haddad também. Sem dúvida, o alvo
da repressão que tende a existir nos dois casos apontam para alguns que são comuns
e outros que são seletivos. Num governo Bolsonaro, setores progressistas, adeptos
do imoralismo e moral progressista, trabalhadores em geral, bloco revolucionário
e setores do bloco progressista, tendem a sofrer maior grau de repressão, mas geralmente
em casos de manifestações, ações determinadas, espaços institucionais. O grau de
repressão depende da ação e reação de ambos os lados e do contexto mais amplo.
Num governo Haddad, setores reacionários, trabalhadores em geral, bloco
revolucionário e a ala extremista do bloco progressista tendem a sofrer maior repressão
em caso de manifestações, determinadas ações e espaços institucionais. Sem
dúvida, poderão haver surpresas dependendo de ações inesperadas, efeitos
internacionais, dinâmica da acumulação, decisões políticas, etc. Por isso
trata-se de tendência geral e mais provável.
A síntese geral é a de que, independente de quem ganhe (por
serem essas duas opções concretas com suas características específicas), a tendência
geral é o país continuar em situação de instabilidade, crises, conflitos. O que
fazer nessa situação? Para aqueles que pertencem ao bloco revolucionário, que
lutam pela transformação radical e total das relações sociais, não se trata de
escolher o “menos ruim”, pois ambos são ruins, e nada mudarão na situação do
país. E o trágico é que não só não mudarão nada como tendem a piorar tudo. A ação
de quem pertence ao bloco revolucionário é manter a sua coerência e lutar pela transformação
social e, imediatamente, buscar fortalecer as organizações autárquicas (formas
de auto-organização) dos trabalhadores, a autoeducação e politização da população,
avançar na busca de uma unidade de ação visando combater os retrocessos que
tendem a vir, tanto no plano econômico quanto político em ambos os casos. Esse
fortalecimento é fundamental para gerar uma correlação de forças na sociedade
civil que seja favorável aos trabalhadores e que impeça que as políticas
estatais sejam ainda mais penosas e, ao mesmo tempo, criar condições para avançar
além da luta defensiva para evitar mais pobreza, desemprego, repressão, etc., e
assim poder passar para uma luta ofensiva pela constituição de uma nova
sociedade, a sociedade autogerida.
[1] Nesse processo analítico,
existem diversas outras possibilidades, especialmente quando se aponta para um
período mais longo. Assim, um governo Haddad tem algumas tendências que são mais
prováveis imediatamente, mas a intervenção de elementos não previsíveis (desde
a internacionais quanto a ações do indivíduo presidente ou seus aliados), podem
gerar mudanças tendenciais. Um golpe de Estado, por exemplo, pode ser uma tendência
hipotética, mas julgamos que não imediatamente e por isso não é apresentada,
mas dependendo da evolução da conjuntura, pode se tornar uma possibilidade tendencial
e até efetivamente ocorrer.
[2] A tendência do PDT será de
buscar se tornar uma oposição durante os quatro anos de governo (seja de Bolsonaro
ou do PT), pois já aponta para lançar a candidatura de Ciro Gomes novamente e o
ressentimento contra o PT e a sua exclusão do segundo turno por causa da polarização
tende a produzir a sua tentativa de se apresentar como “terceira via” desde o
início do ano que vem.
[3] O PT é um partido
hegemonizado pela burocracia partidária, parlamentar, sindical e, quando no
governo, pela burocracia governamental, que se articula através da cooptação diversos
outros setores da burocracia civil e certos setores da intelectualidade. Quando
esteve no governo financiou diversas iniciativas, incluindo blogs, meios de comunicação,
etc., obviamente, todos pró-PT. Sobre isso, veja: https://informecritica.blogspot.com/2018/01/o-pobre-de-direita-e-miseria-do.html
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